ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

26 de janeiro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Regulamento Delegado (UE) 2016/161 — Sistema de repositórios que contêm as informações relativas aos dispositivos de segurança — Criação de uma interface integrada no repositório nacional e gerida pelas autoridades públicas — Obrigação de utilização de um pedido específico para certos medicamentos»

No processo C‑469/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por Decisão de 12 de julho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de julho de 2021, no processo

Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos de España (CGCOF)

contra

Administración General del Estado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: M. L. Arastey Sahún, presidente de secção, N. Wahl (relator) e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos de España (CGCOF), por J. M. Rodríguez Cárcamo e J. Tovar Horcajo, abogados,

em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

em representação do Governo helénico, por V. Karra e O. Patsopoulou, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por E. Sanfrutos Cano e A. Sipos, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o do Regulamento Delegado (UE) 2016/161 da Comissão, de 2 de outubro de 2015, que complementa a Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, estabelecendo regras pormenorizadas para os dispositivos de segurança que figuram nas embalagens dos medicamentos para uso humano (JO 2016, L 32, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos de España (CGCOF) (Conselho Geral das Ordens dos Farmacêuticos de Espanha) à Administración General del Estado (Administração Geral do Estado, Espanha) a respeito da criação de uma interface detida e gerida pelas autoridades públicas da saúde espanholas e que deve ser utilizada pelas farmácias quando fornecem medicamentos financiados pelo sistema nacional de saúde.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2001/83/CE

3

Nos termos do artigo 54.o da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2011/62/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011 (JO 2011, L 174, p. 74) (a seguir «Diretiva 2001/83»):

«A embalagem externa ou, caso não exista, o acondicionamento primário de qualquer medicamento deve conter as seguintes menções:

[…]

o)

Em relação aos medicamentos que não sejam os medicamentos radiofarmacêuticos referidos no n.o 1 do artigo 54.o‑A, os dispositivos de segurança que permitem aos distribuidores por grosso e às pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos ao público:

verificar a autenticidade do medicamento, e

identificar cada embalagem,

bem como um dispositivo que permita verificar se a embalagem externa foi adulterada.»

4

O artigo 54.o‑A desta diretiva prevê:

«1.   Os medicamentos sujeitos a receita médica devem ser dotados dos dispositivos de segurança a que se refere a alínea o) do artigo 54.o, exceto se forem incluídos numa lista, nos termos da alínea b) do n.o 2 do presente artigo.

[…]

2.   A Comissão adota, através de atos delegados, nos termos do artigo 121.o‑A e nas condições previstas nos artigos 121.o‑B e 121.o‑C, medidas que completem as disposições da alínea o) do artigo 54.o, com o objetivo de estabelecer regras pormenorizadas para os dispositivos de segurança a que se refere a alínea o) do artigo 54.o

Esses atos delegados estabelecem:

[…]

b)

As listas dos medicamentos ou das categorias de medicamentos que, no caso dos medicamentos sujeitos a receita médica, não devem ser dotados dos dispositivos de segurança e, no caso dos medicamentos não sujeitos a receita médica, devem ser dotados dos dispositivos de segurança a que se refere a alínea o) do artigo 54.o Estas listas são elaboradas tendo em conta o risco de falsificação e o risco dela decorrente associado aos medicamentos ou às categorias de medicamentos. […]

[…]

d)

Os métodos de verificação dos dispositivos de segurança a que se refere a alínea o) do artigo 54.o por parte dos fabricantes, grossistas, farmacêuticos e pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos ao público, bem como por parte das autoridades competentes. Esses métodos devem permitir verificar a autenticidade de cada embalagem fornecida de medicamentos dotados de dispositivos de segurança a que se refere a alínea o) do artigo 54.o e determinar o alcance dessa verificação. Ao estabelecer estes métodos é necessário ter em conta as características particulares das cadeias de abastecimento nos Estados‑Membros e a necessidade de assegurar que o impacto das medidas de verificação em determinados intervenientes nas cadeias de abastecimento seja proporcionado;

e)

Disposições sobre a criação, a gestão e a acessibilidade do sistema de repositórios, o qual deve conter informações sobre os dispositivos de segurança que permitem verificar a autenticidade e identificar os medicamentos, conforme previsto na alínea o) do artigo 54.o Os custos do sistema de repositórios são suportados pelos titulares de autorizações de fabrico de medicamentos dotados de dispositivos de segurança.

[…]

5.   Os Estados‑Membros podem, para efeitos de comparticipação ou de farmacovigilância, alargar o âmbito de aplicação do identificador único a que se refere a alínea o) do artigo 54.o a todos os medicamentos sujeitos a receita médica ou comparticipados.

Os Estados‑Membros podem, para efeitos de comparticipação, farmacovigilância ou farmacoepidemiologia, utilizar as informações constantes do sistema de repositórios referido na alínea e) do n.o 2 do presente artigo.

[…]»

Regulamento Delegado 2016/161

5

Nos termos do considerando 31 do Regulamento Delegado 2016/161:

«O sistema de repositórios deve incluir as interfaces necessárias que facultem o acesso, quer diretamente quer através de software, aos grossistas, às pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público e às autoridades nacionais competentes, a fim de que estes intervenientes possam cumprir as suas obrigações ao abrigo do presente regulamento.»

6

O artigo 25.o deste regulamento delegado, sob a epígrafe «Obrigações das pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público», prevê, no seu n.o 3:

«A fim de verificar a autenticidade do identificador único de um medicamento e desativar esse identificador único, as pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público devem ligar‑se ao sistema de repositórios referido no artigo 31.o através do repositório nacional ou supranacional que serve o território do Estado‑Membro em que estão autorizadas ou habilitadas.»

7

O capítulo VII do referido regulamento delegado, intitulado «Criação, gestão e acessibilidade do sistema de repositórios», inclui os seus artigos 31.o a 39.o

8

O artigo 31.o do mesmo regulamento delegado, sob a epígrafe «Criação do sistema de repositórios», dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   O sistema de repositórios onde as informações sobre os dispositivos de segurança devem estar contidas, em conformidade com o artigo 54.o‑A, n.o 2, alínea e), da Diretiva [2001/83], deve ser criado e gerido por uma ou várias entidades legais sem fins lucrativos estabelecidas na União pelos fabricantes e titulares de autorizações de introdução no mercado de medicamentos dotados de dispositivos de segurança.

[…]

3.   Os grossistas e as pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público têm o direito de integrar a entidade ou entidades legais a que se refere o n.o 1, numa base voluntária, sem custos.

[…]»

9

O artigo 32.o do Regulamento Delegado 2016/161, relativo à «Estrutura do sistema de repositórios», enuncia:

«1.   O sistema de repositórios deve ser composto pelos seguintes repositórios eletrónicos:

a)

um encaminhador central de dados e informações (“plataforma”);

b)

repositórios que servem o território de um Estado‑Membro (“repositórios nacionais”) ou o território de vários Estados‑Membros (“repositórios supranacionais”). Estes repositórios devem estar ligados à plataforma.

[…]

4.   O sistema de repositórios deve incluir as interfaces de programação de aplicações que permitem que os grossistas ou as pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público consultem o sistema de repositórios através do software, para efeitos de verificação da autenticidade dos identificadores únicos e da sua desativação no sistema de repositórios. As interfaces de programação de aplicações devem também permitir que as autoridades nacionais competentes acedam ao sistema de repositórios através de software, em conformidade com o artigo 39.o

[…]»

10

O artigo 35.o deste regulamento delegado, que diz respeito às «[c]aracterísticas do sistema de repositórios», enuncia, no seu n.o 1:

«Cada repositório do sistema de repositórios deve satisfazer as seguintes condições:

[…]

b)

deve ser criado e gerido por uma entidade legal sem fins lucrativos estabelecida na União por fabricantes e titulares de autorizações de introdução no mercado de medicamentos dotados de dispositivos de segurança e, caso decidam participar, por grossistas e pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público;

[…]

e)

deve dispor de interfaces de programação de aplicações capazes de transferir e intercambiar dados com o software utilizado pelos grossistas, pelas pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público e, se for caso disso, pelas autoridades nacionais competentes;

[…]

g)

deve manter um registo completo (“pista de auditoria”) de todas as operações relacionadas com um identificador único, dos utilizadores que efetuam essas operações e da natureza das operações […]»

11

O artigo 36.o deste regulamento delegado fixa a lista das operações que o sistema de repositórios deve permitir efetuar.

12

O artigo 39.o do referido regulamento delegado, sob a epígrafe «Acesso pelas autoridades nacionais competentes», dispõe:

«Uma entidade legal responsável pela criação e gestão de um repositório utilizado para verificar a autenticidade ou desativar os identificadores únicos dos medicamentos colocados no mercado de um Estado‑Membro deve conceder acesso a esse repositório e às informações nele contidas às autoridades competentes desse Estado‑Membro para os seguintes fins:

a)

supervisão do funcionamento dos repositórios e investigação de eventuais casos de falsificação;

b)

comparticipações;

c)

farmacovigilância ou farmacoepidemiologia.»

13

O artigo 44.o deste mesmo regulamento delegado, relativo à «Supervisão do sistema de repositórios», tem a seguinte redação:

«1.   As autoridades nacionais competentes devem supervisionar o funcionamento de qualquer repositório situado fisicamente no seu território, a fim de verificar, se necessário através de inspeções, que o repositório e a entidade legal responsável pela criação e gestão do mesmo cumprem os requisitos do presente regulamento.

[…]

5.   As autoridades nacionais competentes podem contribuir para a gestão de qualquer repositório utilizado para identificar medicamentos e verificar a autenticidade ou desativar os identificadores únicos dos medicamentos introduzidos no mercado no território do seu Estado‑Membro.

As autoridades nacionais competentes podem participar no conselho de administração das entidades legais que gerem os repositórios até perfazerem um terço dos membros do conselho de administração.»

Direito espanhol

14

O artigo 84.o do Real Decreto 1345/2007 por el que se regula el procedimiento de autorización, registro y condiciones de dispensación de los medicamentos de uso humano fabricados industrialmente (Real Decreto 1345/2007 que regula o processo de autorização, registo e condições de fornecimento de medicamentos para uso humano fabricados industrialmente), de 11 de outubro de 2007 (BOE n.o 267, de 7 de novembro de 2007, p. 45652), conforme alterado pelo Real Decreto 717/2019 (Real Decreto 717/2019), de 5 de dezembro de 2019 (BOE n.o 293, de 6 de dezembro de 2019, p. 133741) (a seguir «Real Decreto 1345/2007»), dispõe:

«1.   É instituída a Nodo SNSFarma como ferramenta de integração tecnológica e de intercâmbio de informações com o repositório nacional do qual faz parte; aplica‑se a todos os medicamentos que ostentam um identificador único e que sejam fornecidos a cargo do Sistema Nacional de Salud [(sistema nacional de saúde)].

2.   A Nodo SNSFarma está integrada no repositório nacional através de um acordo […] entre o Ministério da Saúde, do Consumo e do Bem‑Estar Social e a entidade gestora do sistema espanhol de verificação dos medicamentos, no qual figuram as obrigações das partes, os requisitos técnicos e a necessidade de cumprir as especificações de interoperabilidade e qualquer outra especificação necessária ao cumprimento do [Regulamento Delegado 2016/161].

3.   A Nodo SNSFarma está alojada em servidores das Administrações Públicas de saúde, em conformidade com as disposições dos artigos 7.o e 11.o do Real Decreto 1718/2010, de 17 de dezembro de 2010, sobre as receitas médicas e prescrições, a fim de garantir a segurança do acesso às informações e da sua transmissão, bem como a confidencialidade dos dados.»

15

O artigo 85.o, n.o 1, do Real Decreto 1345/2007 enuncia:

«A Nodo SNSFarma permite às comunidades autónomas e às outras entidades gestoras do sistema nacional de saúde enviar os dados de verificação dos medicamentos fornecidos a cargo do sistema nacional de saúde pelas farmácias ou pelos serviços de farmácia que gerem, a fim de que os referidos dados sejam anonimizados antes da verificação no repositório nacional, prestando assim apoio às missões de supervisão e de controlo das autoridades ou dos órgãos competentes, tanto em matéria de verificação como de gestão da prestação farmacêutica do sistema nacional de saúde.»

16

O artigo 86.o do Real Decreto 1345/2007 prevê:

«1.   Em conformidade com o artigo 44.o, n.o 5, [do Regulamento Delegado 2016/161], a Nodo SNSFarma é gerida pelo Ministério da Saúde, do Consumo e do Bem‑Estar Social, por intermédio da Dirección General de Cartera Básica de Servicios del Sistema Nacional de Salud y Farmacia [(Direção‑Geral da Carteira de Base dos Serviços do Sistema Nacional de Saúde e de Farmácia)], que coordena, com os órgãos competentes em matéria de gestão da prestação farmacêutica, comunidades autónomas e outras entidades gestoras do sistema nacional de saúde, as medidas e atos a adotar relativamente à gestão da prestação farmacêutica.

2.   Os órgãos competentes em matéria de gestão da prestação farmacêutica das comunidades autónomas e outras das entidades gestoras do sistema nacional de saúde adotam as medidas necessárias para que as informações relativas aos identificadores únicos dos medicamentos fornecidos a cargo do sistema nacional de saúde pelas farmácias ou pelos serviços farmacêuticos sejam transmitidas à Nodo SNSFarma.»

17

Nos termos da sexta disposição adicional do Real Decreto 1345/2007, na falta de um acordo referido no seu artigo 84.o, n.o 2, relativo à integração da Nodo SNSFarma no repositório nacional, e a fim de assegurar o cumprimento da regulamentação europeia em matéria de verificação e autenticação dos medicamentos para uso humano, o Ministerio de Sanidad (Ministério da Saúde, Espanha) pode prever as funcionalidades e as operações para a implementação da Nodo SNSFarma por decreto ministerial.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

Em julho de 2016, o repositório espanhol, uma base de dados que visa reunir todas as informações necessárias à identificação dos medicamentos, foi criado através da constituição de uma pessoa coletiva, a Sistema Español de Verificación de Medicamentos SL (sistema espanhol de verificação dos medicamentos) (SEVEM), cujo objeto social é desenvolver, implementar e gerir o sistema espanhol de verificação dos medicamentos, e do qual o CGCOF é um dos sócios. Aquando desta criação, os sócios acordaram que o CGCOF asseguraria a gestão de uma interface integrada no referido repositório, denominado «Nodofarma Verificación».

19

Na sequência da adoção do Real Decreto 717/2019, em 5 de dezembro de 2019, relativo à criação de uma nova interface denominada «Nodo SNSFarma», detida e gerida pelo Ministério da Saúde, e que deve ser utilizada pelas farmácias quando estas fornecem medicamentos financiados pelo sistema nacional de saúde, o CGCOF interpôs no Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), o órgão jurisdicional de reenvio, um recurso de anulação desse decreto, na medida em que inseriu no Real Decreto 1345/2007 os novos artigos 84.o a 86.o, bem como uma sexta disposição adicional.

20

Em apoio do seu recurso, o CGCOF sustenta que as disposições impugnadas do Real Decreto 717/2019 não são compatíveis, em vários aspetos, com o Regulamento Delegado 2016/161, que estabelece as modalidades dos dispositivos de segurança que permitem verificar a autenticidade dos medicamentos para uso humano. Com efeito, a criação da Nodo SNSFarma vai além das faculdades que este regulamento delegado confere às autoridades nacionais e viola o princípio da autoadministração do repositório nacional, segundo o qual este último é administrado pelos atores do mercado. Por outro lado, a coexistência de duas interfaces num repositório é suscetível de violar a obrigação enunciada pelo referido regulamento delegado segundo a qual lhe incumbe manter um registo completo de todas as operações realizadas. Por último, esta coexistência provoca uma complicação desnecessária para as farmácias.

21

Em sua defesa, a Administração Geral do Estado sustenta, em substância, que a Nodo SNSFarma não constitui um novo repositório, mas apenas uma nova interface de acesso ao mesmo, e afirma que a sua criação era necessária ao bom funcionamento do sistema nacional de saúde, não só porque permite realizar operações de verificação dos medicamentos fornecidos, mas também porque facilita a tarefa da Administração responsável pelo financiamento dos medicamentos.

22

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, tal como o CGCOF, sobre a compatibilidade do Real Decreto 717/2019 com o Regulamento Delegado 2016/161.

23

Por um lado, esse órgão jurisdicional observa, à luz, nomeadamente, dos artigos 31.o a 35.o do Regulamento Delegado 2016/161, primeiro, que a gestão das operações de verificação incumbe aos agentes da cadeia de abastecimento, como os fabricantes, os distribuidores e as farmácias. Segundo, a ferramenta de armazenamento de todas as informações relativas ao fornecimento dos medicamentos assume a forma de um sistema obrigatório de «repositórios» nacionais ou supranacionais. Terceiro, esses repositórios devem ser ligados a uma plataforma central, de modo que funcione como um sistema único. No caso em apreço, essa plataforma tomou a forma de um routeur central gerido pela European Medicines Verification Organisation (EMVO) (Organização Europeia de Verificação dos Medicamentos), pessoa coletiva sem fins lucrativos, de direito belga. Quarto, existe em cada Estado‑Membro, além do repositório, uma ou várias «interfaces», ou seja, um instrumento de gestão que permite realizar verificações. Através dessa interface, os verificadores transmitem ao repositório as informações relativas aos medicamentos fornecidos.

24

Por outro lado, o referido órgão jurisdicional pergunta, recordando o princípio da autoadministração do repositório pela cadeia de abastecimento de medicamentos, primeiro, se os direitos de supervisão das autoridades nacionais que lhes permitem, dentro de certos limites, contribuir para a gestão do repositório em causa, conferidos pelo artigo 44.o do Regulamento Delegado 2016/161, implicam que essas mesmas autoridades nacionais possam criar uma interface, segundo, se as autoridades nacionais podem impor às farmácias a utilização dessa interface quando fornecem medicamentos financiados pelo sistema nacional de saúde e, terceiro, se, na falta de acordo entre a autoridade nacional e a entidade gestora do repositório em causa sobre a integração da referida interface no repositório, é possível impor tal integração de forma unilateral e vinculativa por despacho ministerial.

25

Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Uma regulamentação nacional que cria — como ferramenta ao serviço do repositório — uma interface cuja propriedade e a gestão cabem à Administração do Estado é compatível com o Regulamento Delegado [2016/161], em especial com os artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o do mesmo?

2)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, uma regulamentação nacional que exige às farmácias a utilização da referida interface sempre que forneçam medicamentos comparticipados pelo Sistema Nacional de Saúde é compatível com o Regulamento Delegado [2016/161], em especial com os artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o do mesmo?

3)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, uma regulamentação nacional que prevê que, no caso de a Administração do Estado e a entidade que gere o repositório não chegarem a acordo com vista à integração da referida interface neste último, a integração pode ser decidida de forma unilateral e vinculativa por despacho ministerial, é compatível com o Regulamento Delegado [2016/161], em especial com os artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o do mesmo?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

26

Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a indicar se, e em que medida, o Regulamento Delegado 2016/161 impõe obrigações aos Estados‑Membros quando estes pretendam criar e depois impor às farmácias a utilização de uma interface específica para aceder aos repositórios nacionais aquando do fornecimento de medicamentos comparticipados pelo sistema nacional de saúde.

27

A este respeito, há que salientar que este regulamento delegado foi adotado pela Comissão em aplicação do artigo 54.o‑A da Diretiva 2001/83, segundo o qual esta instituição adota atos delegados com o objetivo, primeiro, de instituir dispositivos de segurança que permitam verificar a autenticidade de cada caixa de medicamentos [n.o 2, segundo parágrafo, alínea b)], segundo, prever a criação do sistema de repositórios que contenha as informações relativas aos dispositivos de segurança [n.o 2, segundo parágrafo, alínea e)] e, terceiro, permitir aos Estados‑Membros que utilizem o identificador único de qualquer medicamento, bem como as informações contidas nos repositórios para efeitos de comparticipação, de farmacovigilância ou farmacoepidemiologia (n.o 5).

28

Assim, para efeitos da introdução de dispositivos de segurança, os artigos 31.o a 39.o do Regulamento Delegado 2016/161 instituem regras relativas ao sistema de repositórios que devem conter as informações úteis à utilização desses dispositivos de segurança.

29

No entanto, embora o artigo 32.o, n.o 4, deste regulamento delegado disponha que o sistema de repositórios deve incluir as interfaces de programação de aplicações que permitem aos grossistas e às pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público interrogar o sistema de repositórios através de software adequado, para verificar a autenticidade dos identificadores únicos e os desativar no sistema de repositórios, e permitem igualmente às autoridades nacionais competentes aceder aos mesmos, e embora essas interfaces também sejam referidas no artigo 35.o do referido regulamento delegado, este último não impõe nenhuma obrigação específica relativamente a essas interfaces, além do facto de que essas ferramentas deverem permitir aos agentes da cadeia de medicamentos e às autoridades nacionais aceder às mesmas.

30

Ora, há que constatar que as questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio só dizem respeito à introdução de uma nova interface, o que implica que o órgão jurisdicional de reenvio verificou que a interface Nodo SNSFarma constitui apenas um meio de acesso aos repositórios, sem alterar o seu funcionamento, nem afetar a pista de auditoria referida no artigo 35.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento Delegado 2016/161.

Quanto à primeira questão

31

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento Delegado 2016/161, em especial os seus artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que visa a criação de uma interface, enquanto instrumento de acesso ao repositório nacional, detida e gerida pelas autoridades públicas.

32

Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se o Regulamento Delegado 2016/161 se opõe à introdução de uma nova interface no caso de já existir uma, importa sublinhar que, como salientado nos n.os 29 e 30 do presente acórdão, embora este regulamento delegado imponha requisitos relativos à criação e utilização de um sistema de repositórios nacionais, limita‑se a mencionar as interfaces como ferramentas de acesso a esses repositórios, sem enunciar obrigações específicas a este respeito.

33

Por conseguinte, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê a utilização de uma interface específica para os medicamentos comparticipados no sistema nacional de saúde, não é, por si só, contrária ao Regulamento Delegado 2016/161.

34

Em segundo lugar, no que respeita à questão de saber se o artigo 35.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Delegado 2016/161 se opõe a uma regulamentação nacional que prevê, como no processo principal, que a nova interface é detida e gerida pelas autoridades públicas, é verdade que esta disposição consagra um princípio da autoadministração dos repositórios, uma vez que enuncia que cada repositório «deve ser criado e gerido por uma entidade legal sem fins lucrativos estabelecida na União por fabricantes e titulares de autorizações de introdução no mercado de medicamentos dotados de dispositivos de segurança e, caso decidam participar, por grossistas e pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público».

35

Todavia, este princípio da autoadministração está limitado apenas aos repositórios e não pode ser estendido às interfaces. De resto, tal interpretação é corroborada pelo artigo 54.o‑A, n.o 5, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83, segundo o qual um Estado‑Membro pode utilizar as informações contidas no sistema de repositórios para efeitos de comparticipação, farmacovigilância ou farmacoepidemiologia.

36

Por conseguinte, o simples facto de uma interface ser detida e gerida pelas autoridades públicas não é contrário às obrigações enunciadas pelo Regulamento Delegado 2016/161.

37

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão, que o Regulamento Delegado 2016/161, em especial os seus artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que visa a criação de uma interface, enquanto instrumento de acesso ao repositório nacional, detida e gerida pelas autoridades públicas.

Quanto à segunda e terceira questões

38

Com a segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento Delegado 2016/161, em especial os seus artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que, por um lado, impõe às farmácias a utilização de uma interface detida e gerida pelas autoridades públicas sempre que forneçam medicamentos comparticipados pelo sistema nacional de saúde e, por outro, obriga a entidade gestora do repositório nacional a integrar a referida interface nesse repositório.

39

Antes de mais, resulta tanto das disposições do artigo 168.o, n.os 1 e 7, TFUE, como de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os Estados‑Membros conservam a sua competência para organizar os seus sistemas de segurança social (Acórdão de 21 de outubro de 2021, Zakład Ubezpieczeń Społecznych I Oddział w Warszawie,C‑866/19, EU:C:2021:865, n.o 25).

40

Em seguida, o artigo 39.o do Regulamento Delegado 2016/161 prevê que a entidade legal que cria e gere o repositório nacional tem a obrigação de conceder acesso a esse repositório e às informações nele contidas às autoridades competentes para efeitos, nomeadamente, de comparticipação dos medicamentos e de farmacovigilância.

41

Por último, o artigo 54.o‑A, n.o 5, primeiro e segundo parágrafos, da Diretiva 2001/83 permite aos Estados‑Membros alargar o âmbito de aplicação do identificador único a todos os medicamentos sujeitos a receita médica ou comparticipados e, como resulta do n.o 35 do presente acórdão, utilizar, para efeitos de comparticipação, farmacovigilância ou farmacoepidemiologia, as informações contidas no sistema de repositório.

42

Por conseguinte, a obrigação de utilizar uma determinada interface para medicamentos identificados, como os medicamentos fornecidos a cargo do sistema nacional de saúde, não pode ser contrária às disposições do Regulamento Delegado 2016/161. Deste modo, a simples possibilidade, como no caso em apreço, de a criação de uma interface poder ser decidida por via regulamentar na falta de acordo entre, por um lado, a entidade gestora do repositório nacional e, por outro, as autoridades públicas, não pode ser contrária ao direito da União.

43

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda e terceira questões prejudiciais, que o Regulamento Delegado 2016/161, em especial os seus artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que, por um lado, impõe às farmácias a utilização de uma interface detida e gerida pelas autoridades públicas sempre que forneçam medicamentos comparticipados pelo sistema nacional de saúde e, por outro, obriga a entidade gestora do repositório nacional a integrar a referida interface nesse repositório.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

1)

O Regulamento Delegado (UE) 2016/161 da Comissão, de 2 de outubro de 2015, que complementa a Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, estabelecendo regras pormenorizadas para os dispositivos de segurança que figuram nas embalagens dos medicamentos para uso humano, em especial os seus artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a uma regulamentação nacional que visa a criação de uma interface, enquanto instrumento de acesso ao repositório nacional, detida e gerida pelas autoridades públicas.

 

2)

O Regulamento Delegado 2016/161, em especial os seus artigos 25.o, 31.o, 32.o, 35.o, 36.o e 44.o,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a uma regulamentação nacional que, por um lado, impõe às farmácias a utilização de uma interface detida e gerida pelas autoridades públicas sempre que forneçam medicamentos comparticipados pelo sistema nacional de saúde e, por outro, obriga a entidade gestora do repositório nacional a integrar a referida interface nesse repositório.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.