ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

23 de março de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Impostos especiais de consumo — Diretiva 2008/118/CE — Artigo 16.o, n.o 1 — Autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo — Medidas de suspensão sucessivas — Caráter penal — Artigos 48.o e 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípio da presunção de inocência — Princípio ne bis in idem — Proporcionalidade»

No processo C‑412/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunalul Satu Mare (Tribunal de Primeira Instância de Satu Mare, Roménia), por Decisão de 9 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de julho de 2021, no processo

Dual Prod SRL

contra

Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Cluj‑Napoca — Comisia regională pentru autorizarea operatorilor de produse supuse accizelor armonizate,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Dual Prod SRL, por D. Pătrăuş, A. Şandru e T.D. Vidrean‑Căpuşan, avocați,

em representação do Governo romeno, por E. Gane e A. Wellman, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Galluzzo, avvocata dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de outubro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12), bem como do artigo 48.o, n.o 1, e do artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Dual Prod SRL à Direcţia Generală Regională a Finanțelor Publice Cluj‑Napoca — Comisia regională pentru autorizarea operatorilor de produse supuse accizelor armonizate (Direção‑Geral Regional das Finanças Públicas de Cluj‑Napoca — Comissão Regional para a Autorização dos Produtos sujeitos ao imposto especial de consumo harmonizado, Roménia), que visa, nomeadamente, a anulação da decisão pela qual esta última suspendeu a autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, detida pela Dual Prod.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 15 e 16 da Diretiva 2008/118 enunciavam:

«(15)

Dada a necessidade de efetuar controlos nas unidades de produção e armazenagem, para assegurar a cobrança da dívida fiscal, importa estabelecer um regime de entrepostos, mediante autorização das autoridades competentes, com o objetivo de facilitar os referidos controlos.

(16)

É também necessário estabelecer os requisitos que deverão ser satisfeitos pelos depositários autorizados, bem como pelos operadores que não possuam a qualidade de depositários autorizados.»

4

O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva dispunha:

«A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados “produtos sujeitos a impostos especiais de consumo”:

[…]

b)

Álcool e bebidas alcoólicas, abrangidos pelas Diretivas 92/83/CEE [do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 21)] e 92/84/CEE [do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 29)];

[…]»

5

O artigo 4.o da referida diretiva previa:

«Para efeitos da presente diretiva, bem como das suas disposições de execução, entende‑se por:

1)

“Depositário autorizado”, a pessoa singular ou coletiva autorizada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro, no exercício da sua profissão, a produzir, transformar, deter, receber e expedir, num entreposto fiscal, produtos sujeitos ao imposto especial de consumo em regime de suspensão do imposto.

[…]

7)

“Regime de suspensão do imposto”, um regime fiscal aplicável à produção, transformação, detenção e circulação dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo não abrangidos por um procedimento ou regime aduaneiro suspensivo, em que a cobrança do imposto especial de consumo é suspensa.

[…]

11)

“Entreposto fiscal”, o local onde são produzidos, transformados, detidos, recebidos ou expedidos pelo depositário autorizado, no exercício da sua profissão, produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto, em determinadas condições fixadas pelas autoridades competentes do Estado‑Membro em que está situado o entreposto fiscal.»

6

Nos termos do artigo 15.o da mesma diretiva:

«1.   Cada Estado‑Membro determina a sua regulamentação em matéria de produção, transformação e detenção de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, sob reserva do disposto na presente diretiva.

2.   Quando o imposto especial de consumo a que estão sujeitos os produtos não tenha sido pago, a produção, transformação e detenção desses produtos devem ter lugar num entreposto fiscal.»

7

O artigo 16.o da Diretiva 2008/118 tinha a seguinte redação:

«1.   A abertura e o funcionamento de um entreposto fiscal por um depositário autorizado devem ser objeto de autorização das autoridades competentes do Estado‑Membro em que está situado o entreposto fiscal.

A autorização fica sujeita às condições que as autoridades têm o direito de estabelecer a fim de evitar eventuais fraudes ou abusos.

2.   O depositário autorizado deve cumprir as seguintes obrigações:

[…]

b)

Cumprir as obrigações estabelecidas pelo Estado‑Membro em cujo território se situa o entreposto fiscal;

[…]

d)

Introduzir no seu entreposto fiscal e inscrever na sua contabilidade, logo após o termo da circulação, todos os produtos que circulem em regime de suspensão do imposto, a menos que seja aplicável o n.o 2 do artigo 17.o;

e)

Prestar‑se a qualquer controlo ou inventariação das existências.

[…]»

Direito romeno

8

O artigo 364.o, n.o 1, alínea d), da Legea nr. 227/2015 privind Codul fiscal (Lei n.o 227/2015, que aprova o Código Tributário), de 8 de setembro de 2015 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 688, de 10 de setembro de 2015) (a seguir «Código Tributário») enuncia:

«A autoridade competente só emite uma autorização de funcionamento como entreposto fiscal a um estabelecimento se estiverem preenchidos os seguintes requisitos:

[…]

d)

no caso de uma pessoa singular que exerça a sua atividade como depositário autorizado, que não tenha sido declarada incapaz e não tenha sido condenada, por sentença transitada em julgado, numa pena ou sido objeto de uma condenação condicional pela prática das seguintes infrações penais:

[…]

12. as infrações penais previstas no presente código.»

9

O artigo 369.o, n.o 3, do mesmo código dispõe:

«Sob proposta dos órgãos de fiscalização, a autoridade competente pode suspender a autorização de funcionamento de um entreposto fiscal:

[…]

b)

por um período entre 1 e 12 meses, quando se prove que foi praticado um dos comportamentos enumerados no artigo 452.o, n.o 1, alíneas b) a e), g) e i);

c)

até que o processo penal tenha sido decidido com trânsito em julgado, quando tenha sido instaurada ação penal pelos crimes referidos no artigo 364.o, n.o 1, alínea d);

[…]»

10

O artigo 452.o do referido código prevê:

«(1) constituem a prática de uma infração penal os seguintes factos:

[…]

h)

a detenção, por qualquer pessoa, fora de um entreposto fiscal ou a comercialização no território romeno de produtos sujeitos a imposto especial de consumo e à obrigação de ostentar uma marca, em conformidade com o presente título, quando esses produtos não estejam marcados ou tenham sido incorretamente marcados ou com aposição de marcas falsas, em quantidades que excedam o limite de 10000 cigarros, de 400 charutos de três gramas, de 200 charutos superiores a três gramas, de um quilograma de tabaco para fumar, de 40 litros de álcool etílico, de 200 litros de bebidas espirituosas, de 300 litros de produtos intermédios, de 300 litros de bebidas fermentadas que não sejam cerveja ou vinho;

i)

a utilização de tubagem amovível, de mangueiras elásticas ou de outra tubagem de natureza semelhante, a utilização de reservatórios não calibrados ou a colocação, antes de contadores, de tubagem ou de torneiras através dos quais possam ser extraídas quantidades de álcool ou de bebidas espirituosas não mensuradas por esse contador.

[…]

(3) Após ter apurado os factos referidos no n.o (1), alíneas b) a e), g) e i), a autoridade fiscalizadora competente ordena a cessação da atividade, a selagem da instalação em conformidade com os procedimentos tecnológicos de encerramento de instalações e envia o auto de inspeção à autoridade fiscal que concedeu a autorização, com a proposta de suspensão da autorização de funcionamento como entreposto fiscal.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

A Dual Prod é uma sociedade de direito romeno autorizada a operar no domínio da produção de álcool e de bebidas alcoólicas sujeitas a impostos especiais de consumo.

12

Em 1 de agosto de 2018, foi realizada uma busca às instalações desta sociedade.

13

Na sequência dessa busca, foi instaurado um processo penal in rem por suspeita de violação do artigo 452.o, n.o 1, alíneas h) e i), do Código Tributário, consistente, por um lado, na evacuação e na detenção, fora do entreposto fiscal, de uma quantidade superior a 40 litros de álcool etílico com um volume de teor alcoólico mínimo de 96 % e, por outro, na montagem de um tubo na instalação de produção.

14

Por Decisão de 5 de setembro de 2018, a autoridade administrativa competente suspendeu a autorização de funcionamento da Dual Prod como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, por um período de 12 meses, com base no artigo 369.o, n.o 3, alínea b), do Código Tributário. Essa autoridade interpretou esta disposição no sentido de que permite a aplicação da referida suspensão com base em meros indícios da prática de infrações penais relacionadas com a regulamentação dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo.

15

Em 13 de dezembro de 2019, a Curtea de Apel Oradea (Tribunal de Recurso de Oradea, Roménia), para o qual a Dual Prod interpôs recurso da Decisão de 5 de setembro de 2018, reduziu a duração dessa suspensão para oito meses após ter considerado que a aplicação da duração máxima da suspensão prevista no artigo 369.o, n.o 3, alínea b), do Código Tributário era manifestamente desproporcionada. A referida suspensão foi integralmente executada.

16

Após a Dual Prod ter adquirido, em 21 de outubro de 2020, o estatuto de arguido no âmbito do processo penal instaurado na sequência da busca de 1 de agosto de 2018, a autoridade administrativa competente suspendeu novamente, nos termos do artigo 369.o, n.o 3, alínea c), do Código Tributário, a autorização de funcionamento da Dual Prod como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo até à decisão final do processo penal. A Dual Prod impugnou esta decisão no Tribunalul Satu Mare (Tribunal de Primeira Instância de Satu Mare, Roménia).

17

Este órgão jurisdicional observa que a Diretiva 2008/118 contém disposições gerais relativas à autorização de funcionamento dos entrepostos fiscais. Daqui deduz que os princípios da presunção de inocência e ne bis in idem, conforme consagrados no artigo 48.o, n.o 1, e no artigo 50.o da Carta, podem ser pertinentes no caso em apreço.

18

A este respeito, o referido órgão jurisdicional pergunta, em primeiro lugar, se o princípio da presunção de inocência se opõe a que uma autoridade administrativa suspenda, por um período de tempo indefinido, a autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, concedida a uma pessoa coletiva, apenas porque existem indícios de que esta última cometeu um crime, e antes mesmo de um órgão jurisdicional ter decidido, com trânsito em julgado, sobre a culpa dessa pessoa.

19

O referido órgão jurisdicional sublinha que a suspensão da autorização concedida à Dual Prod parece indicar que esta sociedade é considerada culpada e que o processo penal está, neste momento, pendente há mais de três anos.

20

No que respeita, em segundo lugar, ao princípio ne bis in idem, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o facto de serem aplicadas a uma pessoa coletiva, pelos mesmos factos, duas sanções da mesma natureza no âmbito de um processo fiscal, pelo mera circunstância de um processo penal paralelo ter chegado a certa fase, é compatível com o artigo 50.o da Carta.

21

Nestas circunstâncias, o Tribunalul Satu Mare (Tribunal de Primeira Instância de Satu Mare) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode o artigo 48.o, n.o 1, da Carta, relativo ao princípio da presunção de inocência, […] em conjugação com o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118 ser interpretado no sentido de que se opõe a uma situação jurídica como a que está em causa no processo em apreço, em que uma decisão administrativa de suspensão de uma autorização para o exercício da atividade de produção de álcool pode ser aplicada com base em meras presunções objeto de uma investigação criminal em curso, sem que tenha sido proferida uma decisão de condenação transitada em julgado no âmbito de um processo penal?

2)

Pode o artigo 50.o da Carta, relativo ao princípio ne bis in idem, […] em conjugação com o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma situação jurídica como a que está em causa no processo em apreço, a qual implica que, pelos mesmos factos, sejam aplicadas, contra a mesma pessoa, duas sanções da mesma natureza (a suspensão da autorização para o exercício da atividade de produção de álcool), que diferem apenas quanto à [duração dos seus efeitos]?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

22

Em primeiro lugar, importa recordar que o âmbito de aplicação da Carta, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, é definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União, confirmando esta disposição a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora delas [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência do Conselho Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 78 e jurisprudência referida].

23

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, paralelamente à abertura de um processo penal in rem na sequência de uma busca às instalações da Dual Prod, a autoridade administrativa competente suspendeu, nos termos do artigo 369.o, n.o 3, alínea b), do Código Tributário, pelo período de doze meses, a autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, concedida a esta sociedade. Esta suspensão foi reduzida para oito meses na sequência de um recurso interposto pela Dual Prod. Terminada essa suspensão, esta autoridade administrativa suspendeu novamente, nos termos do artigo 369.o, n.o 3, alínea c), do Código Tributário, a mesma autorização por tempo indeterminado, com o fundamento de que a Dual Prod tinha adquirido o estatuto de arguido no âmbito do processo penal contra ela instaurado na sequência da busca efetuada às suas instalações.

24

Daqui resulta que as medidas de suspensão em causa no processo principal estão ligadas a supostos incumprimentos das obrigações que são impostas, pela legislação romena, aos titulares de uma autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, a fim de prevenir qualquer forma de fraude ou de abuso.

25

A este respeito, importa recordar que, no âmbito de aplicação da Diretiva 2008/118, que tem por objeto estabelecer um regime geral harmonizado dos impostos especiais de consumo, a prevenção da fraude e dos abusos constitui um objetivo comum tanto do direito da União como dos direitos dos Estados‑Membros. Com efeito, por um lado, estes últimos têm um interesse legítimo em tomar as medidas adequadas para proteger os seus interesses financeiros e, por outro, o combate à fraude, à evasão fiscal e aos eventuais abusos é um objetivo prosseguido por esta diretiva, como confirmam os considerandos 15 e 16 e o artigo 16.o da mesma (v., neste sentido, Acórdão de 13 de janeiro de 2022, MONO, C‑326/20, EU:C:2022:7, n.os 28, 32 e jurisprudência referida).

26

Por conseguinte, quando um Estado‑Membro suspende a autorização exigida para a exploração de um entreposto fiscal, na aceção da Diretiva 2008/118, devido à existência de indícios da prática de infrações penais à legislação dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo, aplica esta diretiva e, portanto, o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta e deve, portanto, respeitar as disposições da Carta.

27

Em segundo lugar, embora caiba, definitivamente, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as duas medidas de suspensão, em causa no processo principal, podem ser qualificadas de «sanções de natureza penal», para efeitos da aplicação do artigo 48.o, n.o 1, e do artigo 50.o da Carta, importa, todavia, recordar que existem três critérios pertinentes a este respeito. O primeiro é o da qualificação jurídica da infração existente no direito interno, o segundo, o da própria natureza da infração e, o terceiro, o do nível de gravidade da sanção suscetível de ser aplicada ao interessado (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Bonda, C‑489/10, EU:C:2012:319, n.o 37, e de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202 n.o 25).

28

Quanto ao primeiro critério, não se afigura que as medidas de suspensão em causa no processo principal sejam qualificadas de «penais» pelo direito romeno.

29

Dito isto, importa sublinhar, em primeiro lugar, que a aplicação das disposições da Carta que protegem as pessoas penalmente acusadas não se limita apenas aos procedimentos e sanções qualificados de «penais» pelo direito nacional, mas estende‑se — independentemente dessa qualificação no direito interno — aos procedimentos e às sanções que devam ser considerados de natureza penal com base nos dois outros critérios indicados no número 27 do presente acórdão (Acórdão de 20 de março de 2018, Menci, C‑524/15, EU:C:2018:197 n.o 30).

30

Em segundo lugar, no que se refere ao critério relativo à própria natureza da infração, este implica verificar se a sanção em causa prossegue, nomeadamente, uma finalidade repressiva sem que a mera circunstância de prosseguir simultaneamente uma finalidade preventiva possa retirar‑lhe a sua qualificação como sanção penal. Com efeito, é próprio das sanções penais destinarem‑se tanto à repressão como à prevenção de condutas ilícitas. Em contrapartida, uma medida que se limite a reparar o prejuízo causado pela infração em causa não tem natureza penal [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização)C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 89].

31

No caso em apreço, afigura‑se que as medidas de suspensão foram aplicadas à Dual Prod em paralelo a um processo penal e não se destinam a reparar o prejuízo causado pela infração.

32

Dito isto, importa igualmente salientar que essas medidas de suspensão são abrangidas pelo regime de circulação dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo em regime de suspensão, instituído pela Diretiva 2008/118, no qual os depositários fiscais desempenham um papel central (v., a este respeito, Acórdão de 2 de junho de 2016, Kapnoviomichania Karelia, C‑81/15, EU:C:2016:398, n.o 31). Com efeito, resulta da decisão de reenvio que as referidas medidas só são aplicáveis aos operadores económicos titulares de uma autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, na aceção dos artigos 15.o e 16.o desta diretiva, privando‑os temporariamente dos benefícios decorrentes dessa autorização.

33

Por conseguinte, medidas de suspensão, como as que estão em causa no processo principal, não visam o público em geral, mas uma categoria de destinatários em particular, os quais, por exercerem uma atividade especificamente regulada pelo direito da União, são obrigados a cumprir as condições exigidas para beneficiar de uma autorização, concedida pelos Estados‑Membros e que lhes confere determinadas prerrogativas. Compete, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se as medidas em causa no processo principal consistem na suspensão do exercício dessas prerrogativas pelo facto de a autoridade administrativa competente ter considerado que as condições para a atribuição dessa autorização já não estão ou podem vir a não estar preenchidas, o que milita a favor da constatação de que tais medidas não prosseguem uma finalidade repressiva.

34

Tal indício parece igualmente resultar do facto de que o artigo 369.o, n.o 3, alíneas b) e c), do Código Tributário não parece impor à autoridade administrativa competente a obrigação de decretar as medidas de suspensão em causa no processo principal, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

35

No que se refere, mais concretamente, à primeira medida de suspensão aplicada à Dual Prod, compete igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio analisar a razão pela qual a autoridade administrativa competente decidiu suspender a autorização desta sociedade pelo período de doze meses, a saber, a duração máxima autorizada no artigo 369.o, n.o 3, alínea b), do Código Tributário, tal como a razão pela qual essa duração foi reduzida para oito meses pelo órgão jurisdicional que decidiu o recurso interposto pela Dual Prod, a fim de determinar se os fundamentos que justificaram essas decisões revelam uma finalidade preventiva ou repressiva.

36

No que respeita à segunda medida de suspensão aplicada à Dual Prod com fundamento no artigo 369.o, n.o 3, alínea c), do Código Tributário, importa observar que esta última não cessa num momento predeterminado, mas apenas no termo do processo penal em curso, o que parece mais característico de uma medida de finalidade preventiva ou cautelar do que repressiva.

37

Em terceiro lugar, quanto ao critério relativo à gravidade da sanção incorrida, importa salientar que, embora cada uma das duas medidas de suspensão em causa no processo principal seja suscetível de ter consequências económicas negativas para a Dual Prod, estas são, todavia, inerentes à natureza preventiva ou cautelar que tais medidas parecem ter e não atingem, em princípio, o grau de gravidade exigido para serem qualificadas de medidas de natureza penal, uma vez que não impedem que esta sociedade continue a exercer, durante os períodos de suspensão, atividades económicas que não requerem uma autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo.

Quanto à primeira questão

38

Como resulta do n.o 16 do presente acórdão, foi interposto no órgão jurisdicional de reenvio um recurso destinado a contestar a legalidade da segunda medida de suspensão proferida em relação à Dual Prod, nos termos do artigo 369.o, n.o 3, alínea c), do Código Tributário.

39

Daqui resulta que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 48.o, n.o 1, da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo possa ser administrativamente suspensa, até ao encerramento do processo penal, pelo simples facto de o titular dessa autorização ter adquirido o estatuto de arguido no âmbito desse processo.

40

O artigo 48.o, n.o 1, da Carta visa garantir que ninguém será considerado ou tratado como culpado de uma infração antes de a sua culpabilidade ter sido provada em tribunal (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2009, Rubach, C‑344/08, EU:C:2009:482, n.o 31).

41

Embora esta disposição não se oponha, em princípio, a que uma sanção de natureza penal seja aplicada por uma autoridade administrativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.o 35), em contrapartida existe uma violação da referida disposição quando uma autoridade administrativa aplica uma sanção de natureza penal sem ter previamente constatado a violação de uma norma jurídica preestabelecida e ter dado à pessoa em causa a possibilidade de se ilibar, devendo a dúvida beneficiar essa pessoa (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, NKT Verwaltung e NKT/Comissão, C‑607/18 P, não publicado, EU:C:2020:385, n.os 234, 235 e 237 e jurisprudência referida).

42

Além disso, o artigo 47.o da Carta exige que qualquer destinatário de uma sanção administrativa com caráter penal disponha de uma via de recurso que lhe permita obter a fiscalização dessa sanção por um juiz com competência de plena jurisdição (Acórdão de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.os 32 a 35), permitindo, nomeadamente, verificar que a autoridade administrativa não violou o princípio da presunção de inocência.

43

Daqui resulta que, se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que uma medida de suspensão, como a referida no n.o 39 do presente acórdão, constitui uma sanção penal, para efeitos da aplicação do artigo 48.o, n.o 1, da Carta, o princípio da presunção de inocência consagrado nesta disposição opõe‑se a que tal medida seja adotada, mesmo que ainda não tenha sido proferida uma decisão sobre a culpabilidade penal da pessoa alvo de uma sanção.

44

Resulta de todo o exposto que o artigo 48.o, n.o 1, da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo possa ser administrativamente suspensa, até ao encerramento do processo penal, pelo simples facto de o titular dessa autorização ter adquirido o estatuto de arguido no âmbito desse processo, se essa suspensão constituir uma sanção de natureza penal.

Quanto à segunda questão

Quanto à admissibilidade

45

Uma vez que o Governo italiano parece sustentar que a segunda questão é inadmissível pelo facto de o órgão jurisdicional de reenvio não ter demonstrado suficientemente de que modo os factos que deram origem às duas medidas de suspensão em causa no processo principal são idênticos, há que rejeitar este argumento.

46

Com efeito, basta salientar que resulta claramente da fundamentação da decisão de reenvio, bem como da redação da segunda questão, que, segundo esse órgão jurisdicional, as duas medidas de suspensão em causa no processo principal foram adotadas devido aos mesmos factos verificados no momento da busca às instalações da Dual Prod, tendo estes levantado suspeitas do cometimento, por parte desta sociedade, de infrações penais previstas pela legislação relativa aos produtos sujeitos a imposto especial de consumo.

47

A questão de saber se essa apreciação está em conformidade com os requisitos que decorrem do artigo 50.o da Carta inscreve‑se, por seu turno, na análise do mérito da segunda questão prejudicial.

Quanto ao mérito

48

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 50.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que seja aplicada uma sanção a uma pessoa coletiva a quem já foi aplicada, pelos mesmos factos, uma sanção da mesma natureza mas com diferente duração.

49

Importa começar por salientar que o princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 50.o da Carta, proíbe a cumulação tanto de procedimentos como de sanções de natureza penal, na aceção deste artigo, pelos mesmos factos e contra a mesma pessoa (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 24 e jurisprudência referida).

50

Por conseguinte, a segunda questão só é útil para a resolução do litígio no processo principal desde que cada uma de duas medidas de suspensão em causa nesse processo apresente natureza penal, na aceção deste artigo, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar tendo em conta os critérios desenvolvidos nos n.os 27 a 37 do presente acórdão.

51

Sem prejuízo desta precisão, importa recordar, em primeiro lugar, que aplicação do princípio ne bis in idem está sujeita a uma dupla condição, a saber, por um lado, a existência de uma decisão anterior definitiva (condição «bis») e, por outro, que os mesmos factos sejam abrangidos pela decisão anterior e pelos procedimentos ou decisões posteriores (condição «idem») (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 28).

52

No que respeita, em primeiro lugar, à condição «idem», a mesma exige que os factos materiais sejam idênticos, e não apenas semelhantes. Entende‑se por identidade dos factos materiais um conjunto de circunstâncias concretas que decorrem de acontecimentos que, em substância, são os mesmos, porquanto implicam o mesmo autor e estão indissociavelmente ligados entre si no tempo e no espaço (v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.os 36 e 37).

53

No caso em apreço, como o próprio órgão jurisdicional de reenvio salientou, afigura‑se que as duas medidas de suspensão aplicadas à Dual Prod estão ligadas a factos materiais idênticos, a saber, os que foram verificados por ocasião da busca às instalações dessa sociedade.

54

A circunstância de a segunda medida de suspensão, em causa no processo principal, ter sido ordenada por a Dual Prod ter adquirido o estatuto de arguido no âmbito de um processo penal não é suscetível de alterar essa constatação, uma vez que resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que esse processo penal visa precisamente sancionar os mesmos factos que foram constatados por ocasião dessa busca.

55

No que respeita, em segundo lugar, à condição «bis», para que se possa considerar que uma decisão judicial se pronunciou definitivamente sobre os factos submetidos a um segundo processo, é necessário não só que essa decisão tenha transitado em julgado mas também que tenha sido proferida na sequência da apreciação do objeto do processo (v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 29).

56

No caso em apreço, no que respeita, por um lado, ao caráter definitivo da decisão que aplicou a primeira medida de suspensão à Dual Prod, o órgão jurisdicional de reenvio deverá assegurar‑se, mais especificamente, de que a decisão judicial que reduziu para oito meses a duração dessa medida de suspensão tinha, em todo o caso, transitado em julgado na data em que a segunda medida de suspensão relativa à Dual Prod foi proferida.

57

No que respeita, por outro lado, à condição relativa à apreciação do objeto do processo, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos relativa ao respeito pelo princípio ne bis in idem que, quando uma sanção tenha sido aplicada pela autoridade competente em consequência do comportamento imputado ao interessado, pode razoavelmente considerar‑se que a autoridade competente tinha previamente apreciado as circunstâncias do processo e o caráter ilícito do comportamento do interessado (v., neste sentido, TEDH, 8 de julho de 2019, Mihalache c. Roménia, CE:ECHR:2019:0708JUD005401210, § 98).

58

Se, após a análise das condições recordadas nos n.os 49 a 57 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio considerar que o artigo 50.o da Carta é aplicável ao litígio no processo principal, a cumulação das duas medidas de suspensão, em causa no processo principal, constitui uma restrição ao direito fundamental garantido nesse artigo 50.o

59

Dito isto, tal restrição poderia ainda ser justificada com base no seu artigo 52.o, n.o 1 (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 40).

60

Em tal situação, cabe, em segundo lugar, ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se todas as condições em que o artigo 52.o, n.o 1, da Carta permite aos Estados‑Membros restringir o direito fundamental, garantido no seu artigo 50.o, estão respeitadas no caso em apreço.

61

Neste âmbito, importa recordar que, em conformidade com o disposto no artigo 52.o, n.o 1, primeiro período, da Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. De acordo com o segundo período deste n.o 1, na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

62

No que se refere, em primeiro lugar, aos requisitos enunciados no artigo 52.o, n.o 1, primeiro período, da Carta, importa salientar, por um lado, que a possibilidade de cumular as duas medidas de suspensão, em causa no processo principal, parece efetivamente estar prevista por lei, a saber, no artigo 369.o, n.o 3, alíneas b) e c), do Código Tributário romeno.

63

Por um lado, tal possibilidade de cumular os procedimentos e as sanções só respeita o conteúdo essencial do artigo 50.o da Carta se a regulamentação nacional não permitir instaurar procedimentos e sancionar os mesmos factos pela mesma infração ou instaurar procedimentos com o mesmo objetivo, mas prever apenas a possibilidade de uma cumulação dos procedimentos e das sanções ao abrigo de regulamentações diferentes (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 43). Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que este requisito não parece estar preenchido no caso em apreço.

64

Em segundo lugar, no que respeita aos requisitos enunciados no artigo 52.o, n.o 1, segundo período, da Carta, que só são examinadas pelo Tribunal de Justiça no caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que os requisitos previstos no primeiro período desta disposição estão preenchidos, no caso em apreço, resulta, antes de mais, dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a legislação nacional em causa no processo principal visa, de um modo geral, garantir a correta cobrança dos impostos especiais de consumo e combater a fraude e os abusos.

65

Atendendo à importância deste objetivo de interesse geral, uma cumulação de procedimentos e de sanções de natureza penal pode ser justificada quando esses procedimentos e sanções visem, à luz da realização de tal objetivo, finalidades complementares que tenham, eventualmente, por objeto aspetos diferentes do mesmo comportamento ilícito em causa (Acórdão de 22 de março de 2022, Nordzucker e o., C‑151/20, EU:C:2022:203, n.o 52).

66

No que concerne ao princípio da proporcionalidade, este exige que a cumulação de procedimentos e de sanções previsto na regulamentação nacional não exceda os limites do que é adequado e necessário à realização dos objetivos legítimos prosseguidos por essa regulamentação, entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados por esta não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 48).

67

Quanto ao caráter estritamente necessário dessa cumulação de procedimentos e de sanções, há que apreciar se existem regras claras e precisas que permitam prever quais os atos e omissões que podem ser objeto de uma cumulação de procedimentos e de sanções, bem como a coordenação entre as diferentes autoridades, se os dois procedimentos foram conduzidos de maneira suficientemente coordenada e aproximada no tempo e se a sanção eventualmente aplicada quando do primeiro procedimento no plano temporal foi tida em conta na avaliação da segunda sanção, de modo que os encargos resultantes dessa cumulação para as pessoas visadas se limitem ao estritamente necessário e que o conjunto das sanções impostas corresponda à gravidade das infrações cometidas (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 51 e jurisprudência referida).

68

No caso em apreço, importa salientar, nomeadamente, que os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não revelam que, na avaliação da segunda medida de suspensão aplicada à Dual Prod, a autoridade administrativa competente tenha tido em conta a gravidade da primeira medida de suspensão que já tinha sido aplicada a esta sociedade, o que é suscetível de afetar a proporcionalidade desta segunda medida de suspensão, na aceção do artigo 52.o da Carta.

69

Decorre das considerações precedentes que, embora as duas medidas de suspensão em causa no processo principal devam ser consideradas sanções de natureza penal, o artigo 50.o da Carta pode opor‑se a que seja aplicada à Dual Prod a segunda medida de suspensão, cuja legalidade é contestada no órgão jurisdicional de reenvio, o que cabe a este último verificar.

70

Por último, importa acrescentar que, admitindo que o órgão jurisdicional de reenvio considera que, pelo menos, uma das duas medidas de suspensão em causa no processo principal não constitui uma sanção penal, para efeitos da aplicação do artigo 50.o da Carta, e que, portanto, este artigo não pode, em caso algum, opor‑se à cumulação destas duas sanções, não é menos verdade que, como salientou a Comissão, a aplicação da segunda medida de suspensão deve respeitar o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral do direito da União.

71

Este princípio impõe aos Estados‑Membros o recurso a meios que, permitindo embora alcançar eficazmente o objetivo prosseguido pelo direito interno, não devem exceder o necessário e devem prejudicar o mínimo possível os outros objetivos e os princípios estabelecidos pela legislação da União em causa. A jurisprudência do Tribunal de Justiça precisa a este respeito que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (Acórdãos de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, EU:C:1990:391, n.o 13, e de 13 de janeiro de 2022, MONO, C‑326/20, EU:C:2022:7, n.o 35 e jurisprudência referida).

72

A este respeito, a circunstância de uma medida de suspensão da autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, aplicada a uma pessoa coletiva suspeita de ter violado as regras que asseguram a correta cobrança dos impostos especiais de consumo, continuar a produzir efeitos durante todo o processo penal instaurado contra essa pessoa coletiva, mesmo quando a duração desse processo já tenha ultrapassado uma duração razoável, é suscetível de indicar uma violação desproporcionada do direito legítimo de a referida pessoa coletiva exercer a sua atividade empresarial.

73

Resulta de todas as considerações precedentes que o artigo 50.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que seja aplicada uma sanção de natureza penal, em razão de infrações à legislação relativa aos produtos sujeitos a imposto especial de consumo, a uma pessoa coletiva a quem já tenha sido aplicada, pelos mesmos factos, uma sanção de natureza penal transitada em julgado, desde que reunidas as seguintes condições:

a possibilidade de cumular estas duas sanções esteja prevista na lei;

a legislação nacional não permita perseguir e sancionar os mesmos factos pela mesma infração ou para prosseguir o mesmo objetivo, mas preveja apenas a possibilidade de uma cumulação dos procedimentos e das sanções ao abrigo de legislações diferentes;

esses procedimentos e sanções visem finalidades complementares que tenham por objeto, se for caso disso, aspetos diferentes do mesmo comportamento ilícito em causa;

existam regras claras e precisas que permitam prever quais os atos e omissões que podem ser objeto de uma cumulação de procedimentos e de sanções, bem como a coordenação entre as diferentes autoridades, que os dois procedimentos tenham sido conduzidos de maneira suficientemente coordenada e aproximada no tempo e que a sanção eventualmente aplicada por ocasião do primeiro procedimento no plano temporal tenha sido tida em conta na avaliação da segunda sanção, de modo que os encargos resultantes dessa cumulação para as pessoas visadas se limitem ao estritamente necessário e que o conjunto das sanções impostas corresponda à gravidade das infrações cometidas.

Quanto às despesas

74

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 48.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma autorização de funcionamento como entreposto fiscal de produtos sujeitos a imposto especial de consumo possa ser administrativamente suspensa, até ao encerramento do processo penal, pelo simples facto de o titular dessa autorização ter adquirido o estatuto de arguido no âmbito desse processo, se essa suspensão constituir uma sanção de natureza penal.

 

2)

O artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que seja aplicada uma sanção de natureza penal, em razão de infrações à legislação relativa aos produtos sujeitos a imposto especial de consumo, a uma pessoa coletiva a quem já tenha sido aplicada, pelos mesmos factos, uma sanção de natureza penal transitada em julgado, desde que reunidas as seguintes condições:

a possibilidade de cumular estas duas sanções esteja prevista na lei;

a legislação nacional não permita perseguir e sancionar os mesmos factos pela mesma infração ou para prosseguir o mesmo objetivo, mas preveja apenas a possibilidade de uma cumulação dos procedimentos e das sanções ao abrigo de legislações diferentes;

esses procedimentos e sanções visem finalidades complementares que tenham por objeto, se for caso disso, aspetos diferentes do mesmo comportamento ilícito em causa;

existam regras claras e precisas que permitam prever quais os atos e omissões que podem ser objeto de uma cumulação de procedimentos e de sanções, bem como a coordenação entre as diferentes autoridades, que os dois procedimentos tenham sido conduzidos de maneira suficientemente coordenada e aproximada no tempo e que a sanção eventualmente aplicada por ocasião do primeiro procedimento no plano temporal tenha sido tida em conta na avaliação da segunda sanção, de modo que os encargos resultantes dessa cumulação para as pessoas visadas se limitem ao estritamente necessário e que o conjunto das sanções impostas corresponda à gravidade das infrações cometidas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.