ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

9 de fevereiro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Acordo de Associação CEE‑Turquia — Decisão n.o 1/80 — Artigos 6.o e 7.o — Nacionais turcos já integrados no mercado de trabalho do Estado‑Membro de acolhimento e que beneficiam de um direito de residência correlativo — Decisões das autoridades nacionais no sentido de revogar o direito de residência de nacionais turcos que residem legalmente no Estado‑Membro em causa há mais de 20 anos com o fundamento de que representam uma ameaça atual, real e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade — Artigo 13.o — Cláusula de “standstill” — Artigo 14.o — Justificação — Razões de ordem pública»

No processo C‑402/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por Decisão de 23 de junho de 2021, entrada no Tribunal de Justiça em 30 de junho de 2021,

no processo

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,

contra

S,

bem como nos processos

E,

C

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, M. L. Arastey Sahún, F. Biltgen (relator), N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 28 de setembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de E, por A. Durmus e E. Köse, advocaten,

em representação de C, por A. Agayev e Š. Petković, advocaten,

em representação de S, por N. van Bremen, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e A. Hanje, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por M. Brochner Jespersen, J. Farver Kronborg, V. Pasternak Jørgensen, M. Søndahl Wolff e Y. Thyregod Kollberg, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e H. van Vliet, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 6.o, 7.o, 13.o e 14.o da Decisão n.o 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia (a seguir «Decisão n.o 1/80»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de litígios que opõem o Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Segurança e Justiça, Países Baixos, a seguir «Secretário de Estado») a S, por um lado, bem como, por outro, E e C, respetivamente, ao Secretário de Estado, a respeito da adoção, por este último, de decisões que ordenam a revogação do direito de residência de S, de E e de C (a seguir, em conjunto, «interessados») e a sua expulsão do território neerlandês.

Quadro jurídico

Direito da União

Acordo de associação

3

Resulta do artigo 2.o, n.o 1, do Acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de setembro de 1963 em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados‑Membros da CEE e a Comunidade, por outro, e concluído, aprovado e confirmado em nome desta última pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; a seguir «acordo de associação»), que este tem por objeto promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as partes contratantes, tendo em plena consideração a necessidade de assegurar o desenvolvimento acelerado da economia da República Turquia e o aumento do nível do emprego e das condições de vida do povo turco.

4

Para o efeito, o acordo de associação inclui uma fase preparatória que permite à República da Turquia reforçar a sua economia com o auxílio da Comunidade (artigo 3.o desse acordo), uma fase transitória, durante a qual as partes contratantes asseguram o estabelecimento progressivo de uma união aduaneira e a aproximação das políticas económicas (artigo 4.o do referido acordo), e uma fase definitiva que se baseia na união aduaneira e implica o reforço da coordenação das políticas económicas das partes contratantes (artigo 5.o do mesmo acordo).

5

O artigo 6.o do acordo de associação prevê:

«Para assegurar a aplicação e o desenvolvimento progressivo do regime de associação, as partes contratantes reúnem‑se no âmbito de um [c]onselho de associação que age nos limites das atribuições que lhe são conferidas pelo acordo [de associação].»

Protocolo adicional

6

O Protocolo adicional, assinado em 23 de novembro de 1970 em Bruxelas e concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.o 2760/72 do Conselho, de 19 de dezembro de 1972 (JO 1972, L 293, p. 1; a seguir «protocolo adicional»), que, em conformidade com o seu artigo 62.o, faz parte integrante do acordo de associação, aprova, nos termos do seu artigo 1.o, as condições, modalidades e calendário de realização da fase transitória referida no artigo 4.o deste acordo.

7

O protocolo adicional inclui um título II, que tem por epígrafe «Circulação de pessoas e de serviços», cujo capítulo I visa «[o]s trabalhadores» e cujo capítulo II tem por epígrafe «Direito de estabelecimento, serviços e transportes».

8

O artigo 59.o deste protocolo prevê:

«Nos domínios abrangidos pelo presente protocolo, a [República da] Turquia não pode beneficiar de um tratamento mais favorável do que aquele que os Estados‑Membros aplicam entre si por força do Tratado [CE].»

Decisão n.o 1/80

9

O capítulo II da Decisão n.o 1/80, sob a epígrafe «Disposições sociais», inclui uma secção 1, sob a epígrafe «Questões relativas ao emprego e à livre circulação dos trabalhadores», na qual figuram os artigos 6.o a 16.o desta decisão.

10

O artigo 6.o da referida decisão prevê:

«1.   Sem prejuízo do disposto no artigo 7.o relativamente ao livre acesso ao emprego dos membros da sua família, o trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro:

tem direito nesse Estado‑Membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho para a mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego;

tem direito nesse Estado‑Membro, após três anos de emprego regular e sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados‑Membros da Comunidade, a responder, dentro da mesma profissão, a outra oferta de emprego de uma entidade patronal de sua escolha, feita em condições normais e registada nos serviços de emprego desse Estado‑Membro;

beneficia nesse Estado‑Membro, após quatro anos de emprego regular, do livre acesso a qualquer atividade assalariada da sua escolha.

[…]

3.   As modalidades de aplicação dos n.os 1 e 2 são fixadas pelas regulamentações nacionais.»

11

O artigo 7.o da mesma decisão enuncia:

«Os membros da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro que tenham sido autorizados a reunir‑se a esse trabalhador:

têm o direito de responder — sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados‑Membros da Comunidade — a qualquer oferta de emprego, desde que residam regularmente nesse Estado‑Membro há pelo menos três anos;

beneficiam nesse Estado‑Membro do livre acesso a qualquer atividade assalariada de sua escolha, desde que aí residam regularmente há pelo menos cinco anos.

Os filhos dos trabalhadores turcos que tenham obtido uma formação profissional no país de acolhimento poderão, independentemente da duração da sua residência nesse Estado‑Membro, desde que um dos pais tenha legalmente trabalhado no Estado‑Membro interessado pelo menos três anos, responder a qualquer oferta de emprego nesse Estado.»

12

O artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 enuncia:

«Os Estados‑Membros da Comunidade e a [República da] Turquia não podem introduzir novas restrições às condições de acesso ao emprego aos trabalhadores e aos membros da sua família que se encontrem no seu território em situação regular no que se refere à residência e ao emprego.»

13

O artigo 14.o desta decisão tem a seguinte redação:

«1.   As disposições da presente secção são aplicáveis sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, de segurança e de saúde públicas.

2.   Estas disposições não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes das legislações nacionais ou dos acordos bilaterais entre a [República da] Turquia e os Estados‑Membros da Comunidade, quando estes prevejam um regime mais favorável para os seus nacionais.»

14

Nos termos do artigo 16.o da referida decisão, as disposições da secção 1 do capítulo II desta são aplicáveis a contar de 1 de dezembro de 1980.

Diretiva 2003/109/CE

15

O artigo 12.o da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), sob a epígrafe «Proteção contra a expulsão», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros só podem tomar uma decisão de expulsão de um residente de longa duração se este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública.

2.   A decisão a que se refere o n.o 1 não deve basear‑se em razões económicas.

3.   Antes de tomarem uma decisão de expulsão de um residente de longa duração, os Estados‑Membros devem ter em consideração os seguintes elementos:

a)

A duração da residência no território;

b)

A idade da pessoa em questão;

c)

As consequências para essa pessoa e para os seus familiares;

d)

Os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem.

[…]»

Direito neerlandês

Lei dos Estrangeiros

16

O artigo 22.o da Wet tot algehele herziening van de Vreemdelingenwet (Vreemdelingenwet 2000) (Lei dos Estrangeiros de 2000), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 495), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei dos Estrangeiros»), prevê:

«[…]

2.   A autorização de residência por tempo indeterminado, referida no artigo 20.o, pode ser revogada quando:

[…]

c)

o titular tenha sido objeto de uma condenação definitiva por crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos, ou quando lhe tenha sido aplicada a medida prevista no artigo 37a do Wetboek van Strafrecht (Código Penal);

d)

o cidadão estrangeiro represente um perigo para a segurança nacional.

3.   As regras que especificam os motivos previstos no n.o 2 podem ser estabelecidas por, ou ao abrigo, de uma medida geral de administração.»

Decreto relativo aos Estrangeiros

17

O artigo 3.86 do Besluit tot uitvoering van de Vreemdelingenwet 2000 (Vreemdelingenbesluit 2000) (Decreto relativo aos Estrangeiros de 2000), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 497), na sua versão aplicável até 1 de julho de 2012 (a seguir «Decreto relativo aos Estrangeiros»), tinha a seguinte redação:

«[…]

4.   O pedido [de prorrogação da autorização de residência regular por tempo determinado] pode igualmente ser indeferido com fundamento no artigo 18.o, n.o 1, alínea e), da Lei [dos estrangeiros] quando o cidadão estrangeiro tiver sido condenado, por decisão judicial transitada em julgado, por pelo menos cinco crimes ou, em caso de residência de duração inferior a dois anos, por pelo menos três crimes, a uma pena de prisão ou de detenção no caso de menores, a uma pena de trabalho [a favor da comunidade] ou a uma medida prevista no artigo 37a, no artigo 38m ou no artigo 77h, n.o 4, alíneas a) ou b), do Código Penal, ou por decisão penal definitiva do Ministério Público (“strafbeschikking”), a uma pena de trabalho [a favor da comunidade] ou ao equivalente no estrangeiro dessa pena ou medida e quando a duração total da parte dessas penas ou medidas que é de execução efetiva for pelo menos igual à duração indicada no n.o 5.

5.   A duração referida no n.o 4 é de:

[…]

[quando a duração da residência for] de pelo menos 15 anos mas inferior a 20 anos: 14 meses.

[…]

11.   Em derrogação do disposto nos números anteriores, o pedido [de prorrogação da autorização de residência por tempo determinado] não é indeferido:

[…]

b)

quando a duração da residência for de 20 anos.

[…]»

18

O artigo 3.98 deste decreto prevê:

«1.   Nos termos do artigo 22.o, n.o 2, alínea c), da Lei [dos estrangeiros], a autorização de residência regular por tempo indeterminado pode ser revogada quando o cidadão estrangeiro tiver sido condenado, por decisão judicial transitada em julgado, por um crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos, a uma pena de trabalho [a favor da comunidade] ou a uma medida prevista no artigo 37a do Código Penal ou ao equivalente no estrangeiro dessa pena ou medida e quando a duração total dessas penas ou medidas for pelo menos igual à duração prevista no artigo 3.86, n.os 2, 3 ou 5.

2.   Os artigos 3.86 e 3.87 são aplicáveis mutatis mutandis

19

O artigo 8.7 do referido decreto tem a seguinte redação:

«1.   O presente número é aplicável aos cidadãos estrangeiros que tenham a nacionalidade de um Estado parte no Tratado UE ou no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, ou da Confederação Suíça, e que se desloquem aos Países Baixos ou aí residam.

[…]»

20

O artigo 8.22 do mesmo decreto enuncia:

«1.   O ministro pode recusar ou pôr termo à residência legal por razões de ordem pública ou de segurança pública quando o comportamento pessoal do cidadão estrangeiro em causa represente uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade. Antes de tomar uma decisão, o ministro tem em conta a duração da residência do interessado nos Países Baixos, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural nos Países Baixos e a importância dos laços com o seu país de origem.

[…]

3.   Salvo se razões imperativas de segurança pública o exijam, não será posto termo à residência legal quando o cidadão estrangeiro:

a.

tiver residido nos Países Baixos nos últimos dez anos; […]

[…]»

21

O artigo I do houdende wijziging van het Vreemdelingenbesluit 2000 in verband met aanscherping van de glijdende schaal (Decreto que altera o Decreto relativo aos Estrangeiros com Vista a Reforçar a Escala Móvel), de 26 de março de 2012 (Stb. 2012, n.o 158), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Decreto de 26 de março de 2012»), alterou o Decreto relativo aos Estrangeiros nos seguintes termos.

22

A redação do artigo 3.86, n.o 5, do Decreto relativo aos Estrangeiros foi substituída pelo texto seguinte:

«A duração referida no n.o 4 é de: […]

[quando a duração da residência for] de pelo menos 15 anos: 14 meses.»

23

A redação do n.o 11 do artigo 3.86 do Decreto relativo aos Estrangeiros, que passou a figurar como n.o 10, foi substituída pelo texto seguinte:

«Em derrogação do disposto nos números anteriores, o pedido não é indeferido se a duração da residência for de dez anos, a menos que se verifique:

a)

um crime previsto no artigo 22b, n.o 1, do Código Penal;

b)

um crime previsto na legislação relativa aos produtos estupefacientes que, segundo a sua definição legal, é punível com pena de prisão igual ou superior a seis anos.»

24

O artigo II do Decreto de 26 de março de 2012 enuncia:

«O presente decreto não é aplicável aos cidadãos estrangeiros cuja residência não podia ser interrompida ao abrigo da legislação que vigorava antes da entrada em vigor do presente decreto.»

Circular relativa aos Estrangeiros de 2000

25

O ponto B 10/2.3 da Vreemdelingencirculaire 2000 (Circular relativa aos Estrangeiros de 2000), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, prevê:

«[…]

Ordem pública e segurança pública

Em conformidade com o artigo 8.22, n.o 1, do Decreto relativo aos Estrangeiros, [a autoridade competente] recusa a residência legal ou põe‑lhe termo quando o comportamento pessoal de um cidadão da União ou de um membro da sua família representa uma ameaça atual, real e grave para um interesse fundamental da sociedade, a menos que a aplicação por analogia do artigo 3.77 ou do artigo 3.86 do Decreto relativo aos Estrangeiros não implique o termo da residência.

[…]»

26

O ponto B 12/2.8 desta circular, na versão aplicável ao litígio no processo principal, enuncia:

«[A autoridade competente] revoga a autorização de residência regular por tempo indeterminado quando ocorrer uma das circunstâncias previstas no artigo 22.o, n.o 2, da Lei dos estrangeiros e quando os artigos 3.97 e 3.98 do Decreto relativo aos Estrangeiros não a derrogarem.»

Litígios no processo principal e questões prejudiciais

Litígios no processo principal

Litígio no processo principal que envolve S

27

S, de nacionalidade turca, reside legalmente nos Países Baixos desde 15 de fevereiro de 1983 e é titular de uma autorização de residência regular por tempo indeterminado desde 9 de março de 1992.

28

Por Decisão de 5 de outubro de 2017, o Secretário de Estado revogou a autorização de residência de S, com fundamento no artigo 3.86 do Decreto relativo aos Estrangeiros e no artigo 3.98 desse decreto, conforme alterado pelo Decreto de 26 de março de 2012 (a seguir «escala móvel reforçada»), ordenou‑lhe que abandonasse imediatamente o território neerlandês e proibiu‑o de entrar no referido território.

29

Esta decisão baseou‑se no facto de S ter sido objeto de 39 condenações penais desde novembro de 1994 por crimes puníveis com pena de prisão igual ou superior a três anos e de a duração total das penas de prisão efetiva que lhe foram aplicadas, concretamente 66 meses, em relação à duração da sua residência legal nos Países Baixos, preencher os requisitos da escala móvel reforçada. A referida decisão também se baseou no facto de o comportamento pessoal de S constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade, na medida em que, por um lado, S cometeu crimes graves, nomeadamente, furto com violência, furto por arrombamento e tráfico de drogas duras e, por outro, de o risco de reincidência do interessado ser elevado uma vez que S tinha continuado a cometer infrações depois de ter cumprido dois anos num estabelecimento especial para delinquentes reincidentes.

30

Por Decisão de 27 de março de 2018, o Secretário de Estado indeferiu a reclamação apresentada por S contra a Decisão de 5 de outubro de 2017.

31

Chamado a pronunciar‑se sobre o recurso desta decisão interposto por S, o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos), com sede em Roterdão (Países Baixos), anulou, por Sentença de 18 de outubro de 2018, a Decisão de 27 de março de 2018 e a Decisão de 5 de outubro de 2017, com o fundamento de que a escala móvel reforçada constituía uma «nova restrição» na aceção do artigo 13.o da Decisão n.o 1/80.

32

O Secretário de Estado interpôs recurso dessa sentença no Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), órgão jurisdicional de reenvio, alegando, nomeadamente, que se essa legislação nacional não fosse aplicada a S, este ficaria numa situação mais favorável do que os cidadãos da União, o que seria contrário ao artigo 59.o do protocolo adicional.

Litígio no processo principal que envolve C

33

C, de nacionalidade turca, reside legalmente nos Países Baixos desde 3 de maio de 1976 e é titular de uma autorização de residência regular por tempo indeterminado desde 25 de março de 1983.

34

Por Decisão de 22 de abril de 2018, o Secretário de Estado revogou a autorização de residência de C, com fundamento na escala móvel reforçada, ordenou‑lhe que abandonasse imediatamente o território neerlandês e proibiu‑o de entrar neste território. Esta decisão baseou‑se no facto de C ter sido objeto de 22 condenações penais desde 1988, nomeadamente após 2012, por crimes de furto com arrombamento, agressões e tráfico de drogas duras, e de a duração total das penas de prisão efetiva que lhe foram aplicadas, concretamente 56 meses, em relação à duração da sua permanência legal nos Países Baixos, preencher os requisitos da escala móvel reforçada. O Secretário de Estado também considerou que o facto de C ter abusado sexualmente da sua filha menor entre 1 de setembro de 1990 e 31 de dezembro de 2000, reforçava a sua apreciação de que o comportamento pessoal do interessado representava uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade.

35

Por Decisão de 3 de outubro de 2018, o Secretário de Estado indeferiu a reclamação apresentada por C contra essa decisão.

36

Por Sentença de 24 de julho de 2019, o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia), com sede em Middelburg (Países Baixos), negou provimento ao recurso da Decisão de 3 de outubro de 2018 interposto por C. Esse órgão jurisdicional declarou que o artigo 14.o da Decisão n.o 1/80 era aplicável uma vez que o comportamento pessoal de C representava uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade e que, neste caso, C não podia invocar o artigo 13.o da referida decisão.

37

C interpôs recurso dessa sentença no órgão jurisdicional de reenvio, alegando que o seu comportamento pessoal não representava uma ameaça atual para um interesse fundamental da sociedade e que o artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 era aplicável no caso em apreço.

Litígio no processo principal que envolve E

38

E, de nacionalidade turca, reside legalmente nos Países Baixos desde 1981 e é titular de uma autorização de residência regular por tempo indeterminado desde 16 de março de 1995.

39

Por Decisão de 30 de maio de 2018, o Secretário de Estado revogou a autorização de residência E, com fundamento na escala móvel reforçada, ordenou‑lhe que abandonasse imediatamente o território neerlandês e proibiu‑o de entrar neste território. Esta decisão baseou‑se no facto de E ter sido objeto de treze condenações penais desde 1990, incluindo após 2012, e de a duração total das penas de prisão efetiva que lhe foram aplicadas, concretamente 25 meses, em relação à duração da sua residência legal no referido território, preencher os requisitos da escala móvel reforçada. Além disso, o Secretário de Estado considerou que o comportamento pessoal de E representava uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade.

40

Por Decisão de 24 de setembro de 2018, a reclamação apresentada por E contra a Decisão de 30 de maio de 2018 foi julgada improcedente.

41

Por Sentença de 2 de maio de 2019, o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia), com sede em Amesterdão (Países Baixos), negou provimento ao recurso da Decisão de 24 de setembro de 2018 interposto por E, considerando, por um lado, que, ainda que a escala móvel reforçada constituísse uma «nova restrição», na aceção do artigo 13.o da Decisão n.o 1/80, o alcance deste artigo era limitado pelo artigo 14.o dessa mesma decisão e, por outro, que seria contrário ao artigo 59.o do protocolo adicional não aplicar a E esta legislação nacional, uma vez que este ficaria numa posição mais favorável do que os cidadãos da União.

42

E interpôs recurso desta sentença no órgão jurisdicional de reenvio, alegando que a aplicação da escala móvel reforçada era contrária ao artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 e que não ficaria numa situação mais favorável do que um cidadão da União se a referida legislação nacional não lhe fosse aplicada.

Questões prejudiciais

43

O órgão jurisdicional de reenvio, chamado a apreciar os recursos das sentenças proferidas em primeira instância a respeito de S, de C e de E, considera que para resolver os litígios no processo principal é necessário interpretar os artigos 13.o e 14.o da Decisão n.o 1/80.

44

Esse órgão jurisdicional não exclui que a legislação nacional em causa, nomeadamente, o Decreto de 26 de março de 2012 que prevê a escala móvel reforçada, possa ser qualificada de «nova restrição», na aceção do artigo 13.o da Decisão n.o 1/80, uma vez que, contrariamente à legislação nacional aplicável antes da entrada em vigor deste decreto, já não inclui a proibição de revogação da autorização de residência dos estrangeiros que residam legalmente no território neerlandês há pelo menos 20 anos e, por conseguinte, torna mais difícil o exercício do direito de livre circulação pelos nacionais turcos.

45

No entanto, o referido órgão jurisdicional questiona se um nacional turco que, à semelhança dos interessados, beneficia de um direito de residência correlativo aos direitos decorrentes do artigo 6.o da Decisão n.o 1/80, no que respeita a C, ou ao artigo 7.o da mesma decisão, no que respeita a S e a E, pode invocar o artigo 13.o dessa decisão para impedir que lhe seja aplicada a referida legislação nacional, uma vez que, em seu entender, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não fornece uma resposta clara a este respeito.

46

O órgão jurisdicional de reenvio refere que o comportamento pessoal dos interessados constitui uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente dos Acórdãos de 18 de julho de 2007, Derin (C‑325/05, EU:C:2007:442, n.o 74), e de 8 de dezembro de 2011, Ziebell (C‑371/08, EU:C:2011:809, n.o 82), que, com base numa apreciação do comportamento pessoal do nacional turco em causa que respeite o princípio da proporcionalidade e os seus direitos fundamentais, um Estado‑Membro pode, ao abrigo do artigo 14.o da Decisão n.o 1/80, revogar‑lhe os direitos conferidos pelos artigos 6.o e 7.o desta decisão caso o referido nacional represente uma ameaça desse tipo. Além disso, decorre da redação do artigo 14.o da referida decisão que o artigo 13.o desta decisão é aplicável sem prejuízo de limitações justificadas, nomeadamente, por razões de ordem pública.

47

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, no caso em apreço, resulta da exposição de motivos do Decreto de 26 de março de 2012 que a adoção da legislação nacional em causa foi motivada pela evolução da perceção da proteção da ordem pública na sociedade neerlandesa. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que o comportamento pessoal de S, de C e de E constitui uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse da sociedade, pelo que, em princípio, o órgão jurisdicional de reenvio pode pôr termo ao direito de residência destes estrangeiros ao abrigo do artigo 14.o da Decisão n.o 1/80. No entanto, esse órgão jurisdicional questiona se o artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 é aplicável quando um estrangeiro já beneficia dos direitos previstos no artigo 6.o ou no artigo 7.o desta decisão e, em caso de resposta afirmativa, de que modo é que o artigo 13.o e o artigo 14.o da referida decisão se articulam.

48

Nestas condições, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os nacionais turcos que beneficiam dos direitos referidos nos artigos 6.o ou 7.o da Decisão n.o 1/80 podem também invocar o artigo 13.o da Decisão n.o 1/80?

2)

Decorre do artigo 14.o da Decisão n.o 1/80 que os nacionais turcos deixam de poder invocar o artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 se, devido ao seu comportamento pessoal, representarem uma ameaça atual, real e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade?

3)

Pode a nova restrição, segundo a qual o direito de residência dos nacionais turcos também pode cessar por razões de ordem pública após o decurso de vinte anos [de residência legal], ser justificada pelas alterações nas perceções sociais que conduziram a essa nova restrição? Será suficiente, para o efeito, que a nova restrição sirva o objetivo de ordem pública, ou é também necessário que a restrição seja adequada para alcançar esse objetivo e não vá além do que é necessário para o alcançar?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

49

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 deve ser interpretado no sentido de que pode ser invocado por nacionais turcos que sejam titulares dos direitos previstos no artigo 6.o ou no artigo 7.o dessa decisão.

50

A este respeito, resulta da redação do artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 que este artigo estabelece uma cláusula de standstill que proíbe os Estados‑Membros de introduzirem novas restrições relativas às condições de acesso ao emprego de trabalhadores turcos e membros da sua família que se encontrem no seu território em situação regular no que se refere à residência e ao emprego.

51

Como resulta de jurisprudência constante, esta cláusula de standstill tem efeito direto (Acórdão de 21 de outubro de 2003, Abatay e o., C‑317/01 e C‑369/01, EU:C:2003:572, n.o 58 e jurisprudência referida) e é aplicável aos nacionais turcos que ainda não beneficiem de direitos em matéria de emprego e, correlativamente, de residência ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, dessa decisão (Acórdão de 29 de abril de 2010, Comissão/Países Baixos,C‑92/07, EU:C:2010:228, n.o 45 e jurisprudência referida). Com efeito, a referida cláusula de standstill encontra a sua razão de ser na circunstância de os Estados‑Membros terem mantido o poder de autorizarem os nacionais turcos a acederem ao seu território e a aí ocuparem um primeiro emprego e tem por fim fazer com que as autoridades nacionais se abstenham de adotar disposições que possam comprometer a concretização do objetivo da Decisão n.o 1/80 que consiste em instituir a livre circulação de trabalhadores, mesmo se, numa primeira fase da aplicação progressiva dessa liberdade fundamental, as restrições nacionais preexistentes em matéria de acesso ao emprego possam ser mantidas (v., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 2003, Abatay e o., C‑317/01 e C‑369/01, EU:C:2003:572, n.os 80 e 81).

52

No entanto, resulta igualmente de jurisprudência constante que a mesma cláusula de standstill proíbe de maneira geral a introdução de qualquer nova medida nacional que tenha por objeto ou efeito sujeitar o exercício, por um nacional turco, da livre circulação dos trabalhadores no território nacional a condições mais restritivas do que as que lhe eram aplicáveis aquando da entrada em vigor da Decisão n.o 1/80 no Estado‑Membro em causa (Acórdãos de 29 de março de 2017, Tekdemir, C‑652/15, EU:C:2017:239, n.o 25, e de 2 de setembro de 2021, Udlændingennet,C‑379/20, EU:C:2021:660, n.o 19 e jurisprudência referida).

53

Esta interpretação ampla do alcance da cláusula de standstill em questão justifica‑se à luz do objetivo da Decisão n.o 1/80 que consiste em instituir a livre circulação de trabalhadores. Com efeito, tanto uma nova restrição que agrave as condições de acesso à primeira atividade profissional de um trabalhador turco ou dos membros da sua família como uma restrição que, quando esse trabalhador ou os membros da sua família beneficiam de direitos em matéria de emprego ao abrigo do artigo 6.o ou do artigo 7.o dessa decisão, limite o seu acesso a uma atividade assalariada garantida por esses direitos, contrariam o objetivo da referida decisão de realizar a livre circulação desses trabalhadores.

54

É certo que, conforme o órgão jurisdicional de reenvio referiu, o Tribunal de Justiça considerou, no n.o 81 do Acórdão de 21 de outubro de 2003, Abatay e o. (C‑317/01 e C‑369/01, EU:C:2003:572), que um nacional turco que já exerça regularmente um emprego num Estado‑Membro já não necessita de ser protegido pela cláusula de standstill relativa ao acesso ao emprego, precisamente porque esse acesso já se verificou e porque, durante o resto da sua carreira no Estado‑Membro de acolhimento, o interessado goza dos direitos que o artigo 6.o da referida decisão lhe confere expressamente.

55

No entanto, esta constatação não implica que, nessa hipótese, a aplicação da referida cláusula de standstill seja excluída. Com efeito, mesmo que um nacional turco e os membros da sua família que estejam abrangidos, respetivamente, pelos artigos 6.o e 7.o da Decisão n.o 1/80 possam invocar os direitos que lhes são conferidos por estas disposições para se oporem a restrições ao seu exercício da livre circulação, sem que tenham de demonstrar, além disso, que essas restrições são novas e, por conseguinte, contrárias à referida cláusula de standstill, não deixa de ser verdade que estas duas situações podem coincidir.

56

Aliás, o Tribunal de Justiça precisou no n.o 84 do Acórdão de 21 de outubro de 2003, Abatay e o. (C‑317/01 e C‑369/01, EU:C:2003:572), que «o alcance do artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 não est[á] […] limitado aos cidadãos turcos já integrados no mercado de trabalho de um Estado‑Membro». Assim, deve considerar‑se que estes últimos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação desta disposição.

57

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que os litígios no processo principal têm origem na revogação, pelas autoridades competentes neerlandesas, do direito de residência dos interessados em aplicação de uma legislação nacional adotada por motivos de ordem pública. Esta legislação nacional, introduzida após a entrada em vigor da Decisão n.o 1/80 no território neerlandês, autoriza as autoridades competentes a revogar o direito de residência e a expulsar um trabalhador turco que resida legalmente nesse território há mais de 20 anos, e que, por essa razão, beneficia dos direitos previstos no artigo 6.o, n.o 1, terceiro travessão, ou no artigo 7.o, segundo parágrafo, desta decisão, quando constitua uma ameaça atual, real e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade.

58

A este respeito, decorre da jurisprudência que as medidas de um Estado‑Membro que visam definir os critérios de regularidade da situação dos nacionais turcos, adotando ou modificando, nomeadamente, as condições de residência desses nacionais no seu território, são suscetíveis de constituir novas restrições na aceção do artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Demir, C‑225/12, EU:C:2013:725, n.os 38 e 39).

59

Por conseguinte, uma legislação nacional que permite a revogação dos direitos de residência que os interessados detêm ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, terceiro travessão, e do artigo 7.o, segundo parágrafo, da Decisão n.o 1/80, representa uma limitação do seu direito de livre circulação relativamente ao direito de livre circulação de que gozavam no momento da entrada em vigor dessa decisão e constitui, assim, uma nova restrição na aceção do artigo 13.o da referida decisão.

60

Atendendo ao que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 deve ser interpretado no sentido de que pode ser invocado por nacionais turcos que sejam titulares dos direitos previstos no artigo 6.o ou no artigo 7.o desta decisão.

Quanto à segunda e terceira questões

61

Com a segunda e terceira questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o, n.o 1, da Decisão n.o 1/80 deve ser interpretado no sentido de que os nacionais turcos podem invocar o artigo 13.o dessa decisão para se oporem a que lhes seja aplicada uma nova restrição na aceção desta disposição que permita às autoridades nacionais competentes de um Estado‑Membro pôr termo ao seu direito de residência com o fundamento de que constituem, segundo essas autoridades, uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade. Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, e em que condições, essa restrição pode ser justificada ao abrigo do artigo 14.o da referida decisão.

62

A este respeito, há que recordar que o artigo 14.o, n.o 1, da Decisão n.o 1/80 prevê a possibilidade de os Estados‑Membros derrogarem a aplicação das disposições dessa decisão que conferem determinados direitos aos trabalhadores turcos.

63

Com efeito, nos termos deste artigo 14.o, a aplicação das disposições da secção da Decisão n.o 1/80 relativa ao emprego e à livre circulação dos trabalhadores pode ser objeto de limitações justificadas por razões de ordem pública, de segurança e de saúde públicas.

64

Daqui decorre que uma medida que viole a proibição prevista no artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 de adotar qualquer nova medida nacional que tenha por objeto ou efeito sujeitar o exercício, por um nacional turco, da livre circulação dos trabalhadores no território nacional a condições mais restritivas do que as que lhe eram aplicáveis à data da entrada em vigor dessa decisão no Estado‑Membro em causa, pode ser justificada pelos motivos de ordem pública elencados no artigo 14.o, n.o 1, da referida decisão (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Udlændingenævnet, C‑379/20, EU:C:2021:660, n.os 22 e 23, e jurisprudência referida).

65

Por outro lado, importa salientar que um nacional turco que seja titular de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento em aplicação da Decisão n.o 1/80 e ao qual é imposta essa restrição por motivos de ordem pública, pode impugná‑la nos órgãos jurisdicionais nacionais invocando a proibição de adoção de «novas restrições» que figura no artigo 13.o desta decisão e a aplicação errada do artigo 14.o da referida decisão. Com efeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 pode ser validamente invocado nos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros pelos nacionais turcos aos quais este é aplicável para afastar a aplicação das regras de direito nacional que lhe sejam contrárias (Acórdão de 17 de setembro de 2009, Sahin, C‑242/06, EU:C:2009:554, n.o 62 e jurisprudência referida). Além disso, o Tribunal de Justiça admitiu que um nacional turco que seja titular de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento em aplicação da Decisão n.o 1/80 pode validamente invocar o artigo 14.o, n.o 1, desta decisão nos órgãos jurisdicionais nacionais desse Estado‑Membro para afastar a aplicação de uma medida nacional contrária a esta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Ziebell, C‑371/08, EU:C:2011:809, n.o 51).

66

No entanto, na medida em que a exceção prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Decisão n.o 1/80 é uma derrogação à liberdade fundamental que constitui a livre circulação dos trabalhadores, essa mesma exceção deve ser objeto de interpretação estrita e o seu alcance não pode ser unilateralmente determinado pelos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Ziebell, C‑371/08, EU:C:2011:809, n.o 81).

67

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta em que condições é possível considerar que uma nova medida contrária à cláusula de standstill como a medida nacional em causa no processo principal está justificada por exigências de ordem pública. Em especial, pergunta se o reforço da escala móvel prevista nesta medida nacional devido à evolução das conceções sociais tem suficientemente em conta a interpretação restritiva que deve ser dada ao conceito de «ordem pública» e se é abrangida pela margem de apreciação do Estado‑Membro em causa.

68

A este respeito, importa recordar que embora os Estados‑Membros, em conformidade com as suas necessidades nacionais, que podem variar de um Estado‑Membro para o outro e de uma época para a outra, continuem a ser livres de determinar as exigências de ordem pública, nomeadamente enquanto justificação de uma derrogação ao princípio da livre circulação de pessoas (v., neste sentido, Acórdão de 22 de maio de 2012, I, C‑348/09, EU:C:2012:300, n.o 23), o exercício desse poder discricionário está limitado por vários aspetos.

69

Assim, resulta do n.o 66 do presente acórdão que as exigências da ordem pública devem ser entendidas em sentido estrito.

70

Além disso, resulta da jurisprudência que as medidas adotadas pelos Estados‑Membros que se enquadrem nessas exigências e que são referidas no artigo 14.o, n.o 1, da Decisão n.o 1/80 devem ser adequadas para garantir a concretização do objetivo de proteção da ordem pública prosseguido e não ir além do necessário para o alcançar (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Udlændingenævnet, C‑379/20, EU:C:2021:660, n.o 23 e jurisprudência referida).

71

Quanto à situação de um nacional turco que, à semelhança dos interessados, reside há mais de dez anos no Estado‑Membro de acolhimento, o Tribunal de Justiça declarou, por outro lado, que o quadro de referência para efeitos da aplicação do artigo 14.o, n.o 1, da Decisão n.o 1/80 é o artigo 12.o da Diretiva 2003/109. Deste quadro de referência resulta, em primeiro lugar, que o residente de longa duração em causa só pode ser expulso se representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou para a segurança pública, em segundo lugar, que a decisão de expulsão não pode ser justificada por motivos económicos e, em terceiro lugar, que, antes de adotar essa decisão, as autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento são obrigadas a tomar em consideração a duração da residência do interessado no território desse Estado, a sua idade, as consequências de uma expulsão para a pessoa em causa e para os seus familiares, bem como os laços desta última com o Estado de residência ou a inexistência de laços com o Estado de origem (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Ziebell, C‑371/08, EU:C:2011:809, n.o 79 e 80).

72

Assim, o Tribunal de Justiça considerou que as medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública só podem ser tomadas se, após uma apreciação casuística por parte das autoridades nacionais competentes, que respeite tanto o princípio da proporcionalidade como os direitos fundamentais do interessado, em especial o direito ao respeito pela vida privada e familiar, se verificar que o comportamento individual da pessoa em causa representa um perigo atual, real e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Ziebell, C‑371/08, EU:C:2011:809, n.o 82).

73

O Tribunal de Justiça esclareceu que, para determinar o caráter atual deste perigo, é necessário tomar em consideração os elementos de facto ocorridos após a última decisão das autoridades competentes que possam implicar o desaparecimento ou a diminuição significativa da ameaça que constituiria, para o interesse fundamental em causa, o comportamento do interessado (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Ziebell, C‑371/08, EU:C:2011:809, n.o 84).

74

Atendendo a estes elementos, há que considerar que, no caso em apreço, o reforço da escala móvel que prevê a medida nacional em causa no processo principal com fundamento na ordem pública é abrangido pela margem de apreciação das autoridades neerlandesas competentes enunciada no artigo 14.o, n.o 1, da Decisão n.o 1/80. Além disso, a referência à evolução das conceções sociais que conduzem a essa nova restrição e o facto de esta nova restrição servir o objetivo de ordem pública podem contribuir para a sua justificação.

75

Todavia, a referência à evolução das conceções sociais e a justificação baseada na ordem pública não são por si só suficientes para legitimar a medida nacional em causa no processo principal adotada ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da Decisão n.o 1/80. Com efeito, estas medidas também devem ser adequadas para garantir a concretização do objetivo de proteção da ordem pública prosseguido e não ir além do que for necessário para o alcançar, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar. Nesta apreciação, este último deverá ter em conta os direitos conferidos pela Decisão n.o 1/80, nomeadamente os previstos nos seus artigos 6.o, 7.o e 13.o Por outro lado, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se essas medidas preveem uma apreciação prévia e individual da situação atual do trabalhador turco em causa, que respeite tanto o princípio da proporcionalidade como os direitos fundamentais deste último, conforme consta dos n.os 71 a 73 do presente acórdão.

76

No caso em apreço, para determinar se a legislação em causa no processo principal respeita essas exigências, os elementos seguintes são suscetíveis, sem prejuízo das verificações que incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, de constituir elementos pertinentes. Em primeiro lugar, a inexistência de um automatismo entre a aplicação de uma pena e a revogação do direito de residência conferido à pessoa afetada pela Decisão n.o 1/80 e a expulsão dessa pessoa do território neerlandês. Em segundo lugar, o facto de as autoridades competentes que pretendam adotar essa decisão de revogação deverem ter em conta a duração da residência da pessoa em causa nos Países Baixos, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural nesse Estado‑Membro e a importância dos seus laços com o seu país de origem e deverem, in fine, ponderar, por um lado, a severidade da pena que foi aplicada à pessoa em causa como punição pela infração que essa pessoa cometeu e, por outro, a duração da residência desta. Em terceiro lugar, o facto de essas autoridades deverem, para efeitos da adoção dessa decisão, ter em conta não só a circunstância de essa pessoa ter ou não cometido reiteradamente infrações durante vários anos mas também outros elementos, como o facto de a referida pessoa ter alterado o seu comportamento de maneira positiva após a sua condenação, nomeadamente, expressando arrependimento, cessando o seu consumo de estupefacientes, iniciando estudos ou, pelo contrário, de essa pessoa negar os factos pelos quais foi condenada ou os relativizar.

77

Por conseguinte, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 14.o, n.o 1, da Decisão n.o 1/80 deve ser interpretado no sentido de que nacionais turcos que, segundo as autoridades nacionais competentes do Estado‑Membro em causa, constituam uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse da sociedade podem invocar o artigo 13.o dessa decisão para se oporem a que lhes seja aplicada uma «nova restrição», na aceção desta disposição, que permita às referidas autoridades pôr termo ao seu direito de residência por razões de ordem pública. Essa restrição pode ser justificada ao abrigo do artigo 14.o da referida decisão desde que seja adequada para garantir a concretização do objetivo de proteção da ordem pública prosseguido e não vá além do que for necessário para o alcançar.

Quanto às despesas

78

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 13.o da Decisão n.o 1/80, do Conselho de Associação, de 19 de setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia,

deve ser interpretado no sentido de que:

pode ser invocado por nacionais turcos que sejam titulares dos direitos previstos no artigo 6.o ou no artigo 7.o desta decisão.

 

2)

O artigo 14.o da Decisão n.o 1/80

deve ser interpretado no sentido de que:

nacionais turcos que, segundo as autoridades nacionais competentes do Estado‑Membro em causa, constituam uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse da sociedade podem invocar o artigo 13.o da Decisão n.o 1/80 para se oporem a que lhes seja aplicada uma «nova restrição», na aceção desta disposição, que permita às referidas autoridades pôr termo ao seu direito de residência por razões de ordem pública. Essa restrição pode ser justificada ao abrigo do artigo 14.o da referida decisão desde que seja adequada para garantir a concretização do objetivo de proteção da ordem pública prosseguido e não vá além do que for necessário para o alcançar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.