ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

de 24 novembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução das decisões em matéria civil e comercial — Convenção de Lugano II — Cláusula atributiva de jurisdição — Requisitos de forma — Cláusula contida nas condições gerais — Condições gerais que podem ser consultadas e impressas a partir de uma hiperligação mencionada num contrato celebrado por escrito — Consentimento das partes»

No processo C‑358/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela Cour de cassation (Belgique) (Tribunal de Recurso, Bélgica), por Decisão de 20 de maio de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de junho de 2021, no processo

Tilman SA

contra

Unilever Supply Chain Company AG,

O Tribunal de Justiça (Sétima Secção),

composto por: M. L. Arastey Sahún, presidente de secção, M. F. Biltgen (relator) e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: M. A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Tilman SA, por N. Cariat, A. Hoc e B. Hoc,

em representação de Unilever Supply Chain Company AG, por W. van Eeckhoutte, advocaat,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs, C. Pochet e M. van Regemorter, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por M. J. Möller, U. Bartl, M. Hellmann e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

em representação do Governo suíço, N. Marville‑Dosen e J. Schickel‑Küng, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma e S. Noë, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar o processo sem conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 23.o, n.o 1, alínea a), e n.o 2, da convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007, cuja conclusão foi aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008 (JO 2009, L 147, p. 1, a seguir «Convenção de Lugano II»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Tilman SA, cuja sede social se encontra na Bélgica, à Unilever Supply Chain Compagny AG (a seguir «Unilever»), cuja sede social está situada na Suíça, a respeito do não pagamento, pela Unilever, de quantias faturadas pela Tilman.

Quadro jurídico

Convenção de Lugano II

3

A Convenção de Lugano II foi assinada pela Comunidade Europeia, pelo Reino Unido da Dinamarca, pela República da Islândia, pelo Reino da Noruega e pela Confederação Suíça.

4

Segundo o artigo 1.o, n.o 3, desta convenção:

«Para efeitos da presente convenção, entende‑se por “Estado vinculado pela presente convenção”, qualquer Estado que seja parte contratante na presente convenção ou Estado‑Membro da Comunidade Europeia. Pode também significar a Comunidade Europeia.»

5

O artigo 23.o da referida convenção, epigrafado «Extensão de competência», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado vinculado pela presente convenção, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado vinculado pela presente convenção têm competência para decidir qualquer litígio, presente ou futuro, decorrente de determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais são competentes. Essa competência será exclusiva, a menos que as partes convencionem o contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a)

Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b)

Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

c)

No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

2.   Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à forma escrita.»

6

Nos termos do artigo 64.o, n.os 1 e 2, da mesma convenção:

«1.   A presente convenção não prejudica a aplicação pelos Estados‑Membros da Comunidade Europeia do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho[, de 22 de dezembro de 2000,] relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial [(JO 2001, L 12, p. 1, a seguir “Regulamento Bruxelas I”)], bem como todas as suas alterações, da Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial [(JO 1972, L 299, p. 32)], assinada em Bruxelas, em 27 de setembro de 1968, e do Protocolo relativo à interpretação desta convenção pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, assinado no Luxemburgo em 3 de junho de 1971, na redação que lhes foi dada pelas convenções de adesão à referida convenção e ao referido protocolo pelos Estados aderentes às Comunidades Europeias [(a seguir “convenção de Bruxelas”)], bem como do Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinado em Bruxelas em 19 de Outubro de 2005.

2.   Todavia, a presente convenção será sempre aplicada:

a)

Em matéria de competência, quando o requerido se encontre domiciliado no território de um Estado onde a presente convenção, mas não um instrumento referido no n.o 1, seja aplicável, ou quando o artigo 22.o ou 23.o da presente convenção atribua competência aos tribunais desse Estado;

[…]»

7

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, do Protocolo n.o 2 sobre a interpretação uniforme da Convenção [de Lugano II] e sobre o comité permanente:

«Na aplicação e na interpretação das disposições da presente convenção, os tribunais terão em devida conta os princípios definidos em qualquer decisão pertinente proferida pelos tribunais dos Estados vinculados pela presente convenção e pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias relativamente à ou às disposições em causa ou a disposições análogas da Convenção de Lugano de 1988 ou dos instrumentos referidos no n.o 1 do artigo 64.o da convenção.»

Regulamento Bruxelas I

8

O artigo 23.o, n.os 1 e 2, do Regulamento Bruxelas I prevê:

«1.   Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado‑Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a)

Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, ou

b)

Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si, ou

c)

No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

2.   Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à “forma escrita”.»

Regulamento Bruxelas I‑A

9

O Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I‑A»), revogou o Regulamento Bruxelas I.

10

O artigo 25.o do Regulamento Bruxelas I‑A, epigrafado «Extensão de competência», que figura no capítulo II deste regulamento, ele próprio intitulado «Competência», enuncia:

«1.   Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado‑Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a)

Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;

b)

De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou

c)

No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.

2.   Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à forma escrita.

[…]»

Acordo de saída do Reino Unido da União Europeia

11

O artigo 2.o do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7), assinado em Bruxelas e em Londres em 24 de janeiro de 2020 assinado em Bruxelas e em Londres em 24 de janeiro de 2020 e entrado em vigor em 1 de fevereiro de 2020 (a seguir «acordo de saída»), dispõe:

«Para efeitos do presente Acordo, entende‑se por:

a)

“Direito da União”:

[…]

iv)

os acordos internacionais em que a União é parte e os acordos internacionais celebrados pelos Estados‑Membros em nome da União;

[…]»

12

O artigo 67.o deste Acordo, epigrafado «Competência, reconhecimento e execução de decisões judiciais, e respetiva cooperação entre as autoridades centrais», prevê, no seu n.o 1:

«No Reino Unido, bem como nos Estados‑Membros em situações que envolvam o Reino Unido, são aplicáveis os atos ou disposições a seguir enumerados, no que respeita a processos judiciais intentados antes do termo do período de transição e a processos ou ações relacionados com esses processos judiciais nos termos dos artigos 29.o, 30.o e 31.o do Regulamento [Bruxelas I‑A] […]:

a)

as disposições do Regulamento [Bruxelas I‑A] relativas à competência;

[…]»

13

Nos termos do artigo 126.o do referido acordo, epigrafado «Período de transição»:

«É estabelecido um período de transição ou de execução, com início na data de entrada em vigor do presente Acordo e termo em 31 de dezembro de 2020.»

14

O artigo 127.o do mesmo acordo, epigrafado «Âmbito de aplicação da transição», enuncia:

«1.   Salvo disposição em contrário do presente Acordo, o direito da União é aplicável ao Reino Unido e no seu território durante o período de transição.

[…]

6.   Salvo disposição em contrário do presente Acordo, durante o período de transição, as referências a Estados‑Membros no direito da União aplicável nos termos do n.o 1, incluindo as disposições transpostas e aplicadas pelos Estados‑Membros, entendem‑se como incluindo o Reino Unido.

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

15

Em 22 de novembro de 2010, a Tilman e a Unilever celebraram um primeiro contrato por força do qual a primeira se comprometia a embalar e a acondicionar, por conta da segunda, caixas de saquetas de chá por um preço determinado.

16

Através de um segundo contrato, celebrado em 6 de janeiro de 2011, o preço acordado foi alterado. Esse contrato precisava que, na falta de outras estipulações, era gerido pelas condições gerias de compra de produtos da Unilever. Essas condições gerais, que podiam ser consultadas e descarregadas a partir de um sítio Internet por intermédio de uma hiperligação, previam que cada parte no contrato «se submete[ria] irrevogavelmente à jurisdição exclusiva dos tribunais ingleses para a resolução de qualquer litígio que pudesse decorrer diretamente ou indiretamente do contrato».

17

Na sequência de uma alteração que se verificou nas modalidades de faturação, surgiu um desacordo entre as partes a propósito do aumento do preço faturado e a Unilever pagou apenas parcialmente as faturas emitidas pela Tilman.

18

A Tilman intentou contra a Unilever uma ação nos órgãos jurisdicionais belgas com vista ao pagamento das quantias que ficaram por pagar. A Unilever alegou então que, em aplicação das condições gerais do contrato em causa no processo principal, apenas as jurisdições inglesas eram competentes para conhecer do litígio.

19

Por Decisão de 12 de agosto de 2015, o órgão jurisdicional belga de primeira instância declarou‑se competente para conhecer do litígio, decidindo simultaneamente que o contrato era regido pelo direito inglês e devia ser interpretado segundo o direito inglês.

20

A Tilman recorreu desta sentença sustentando que o contrato devia ser regido pelo direito belga e interpretado segundo o direito belga. A Unilever interpôs recurso incidental alegando que a competência cabia, não aos órgãos jurisdicionais belgas, mas aos órgãos jurisdicionais ingleses.

21

Por Acórdão de 12 de fevereiro de 2020, a cour d’appel de Liège (Belgique) (Tribunal de Recurso de Liège, Bélgica) julgou procedente a exceção de incompetência suscitada pela Unilever decidindo que, em conformidade com a cláusula atributiva de jurisdição contida nas condições gerias do contrato em causa no processo principal, os órgãos jurisdicionais belgas não eram competentes para conhecer do litígio surgido da execução do referido contrato.

22

A Tilman interpôs recurso de cassação deste acórdão para a Cour de cassation (Tribunal de Recurso, Bélgica) invocando uma violação do artigo 23.o, n.os 1 e 2, da Convenção de Lugano II. Com efeito, segundo a Tilman, cour d’appel de Liège (Tribunal de Recurso de Liège) equiparou, erradamente, a situação em causa no processo principal com a situação em que o contrato é celebrado pela Internet, mas em que o comprador deve assinalar com uma cruz um quadrado indicando que aceita as condições gerias do vendedor.

23

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, no processo principal, os requisitos de prova da realidade do consentimento da Tilman sobre a cláusula atributiva de jurisdição estão preenchidos, dado que essa cláusula estava enunciada nas condições gerais de compra de produtos da Unilever, e não no contrato em causa no processo principal, e que essas condições não estavam diretamente anexadas ao referido contrato.

24

Por um lado, esse órgão jurisdicional recorda que, no Acórdão de 12 de fevereiro de 2020, a cour d’appel de Liège (Tribunal de Recurso de Liège) declarou que os requisitos enunciados pelo Tribunal de Justiça, designadamente nos Acórdãos de 14 de dezembro de 1976, Estasis Saloti di Colzani (24/76, EU:C:1976:177), e de 21 de maio de 2015, El Majdoub (C‑322/14, EU:C:2015:334), parecem estar preenchidos.

25

Com efeito, no que respeita ao requisito segundo o qual o contrato deve remeter de modo expresso para as condições gerais, o contrato comunicado pela Unilever à Tilman para assinatura e efetivamente assinado por esta última em 6 de janeiro de 2011 prevê expressamente que é regido pelas condições gerais de compra de produtos da Unilever na falta de outras estipulações contidas neste ou noutras convenções celebradas entre as partes. No que respeita ao requisito segundo o qual a remissão para as condições gerais «deve poder ser controlada» por uma pessoa normalmente diligente, o referido contrato menciona uma hiperligação de um sítio Internet que permite aceder às condições gerais da Uniliver. Quanto ao requisito segundo o qual as condições gerais devem poder ser «consignadas num suporte duradouro», a Tilman teve possibilidade, acedendo ao sítio Internet no qual figuram as condições gerais da Unilever, de as descarregar e de as imprimir.

26

No entanto, por outro lado, a Tilman não foi convidada a assinalar com uma cruz um quadrado que indicasse que aceitava as condições gerais da Unilever, pelo que se poria a questão de saber se as estipulações do artigo 23.o, n.os 1 e 2, da Convenção de Lugano II foram respeitadas.

27

Foi nestas condições que a Cour de cassation (Tribunal de Recurso) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O disposto no artigo 23.o, n.os 1, alínea a), e 2, da Convenção [de Lugano II] é cumprido quando uma cláusula atributiva de jurisdição consta das condições gerais para as quais remete um contrato celebrado por escrito através da menção da hiperligação de um sítio Internet cujo acesso permite tomar conhecimento das referidas condições gerais, descarregá‑las e imprimi‑las, sem que a parte contra quem essa cláusula é oposta tenha sido convidada a aceitar essas condições gerais assinalando com uma cruz um quadrado no referido sítio Internet?»

Sobre a questão prejudicial

28

A título preliminar, importa salientar que, em conformidade com o artigo 67.o, n.o 1, alínea a), do Acordo de saída, as disposições relativas à competência que figuram no Regulamento Bruxelas I‑A aplicam‑se no Reino Unido bem como nos restantes Estados‑Membros em caso de situações que envolvam o Reino Unido, às ações judiciais intentadas antes do fim do período de transição previsto no artigo 126.o deste acordo.

29

Além disso, nos termos do artigo 127.o do mesmo acordo, o direito da União, incluindo os acordos internacionais entre os quais figura a Convenção de Lugano II, é aplicável ao Reino Unido durante esse período de transição.

30

No que respeita às cláusulas atributivas de jurisdição, recorde‑se que estas são, pela sua natureza, uma opção de competência que não produz efeitos jurídicos enquanto uma ação judicial não for desencadeada e que só é seguida de consequências a partir do dia em que a ação judicial é posta em movimento (Acórdão de 13 de novembro de 1979, Sanicentral, 25/79, EU:C:1979:255, n.o 6). É, portanto, essa a data que deve ser tida em conta para apreciar o alcance dessa cláusula em relação à norma jurídica aplicável.

31

Ora, no caso vertente, resulta dos elementos dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a ação judicial em causa no processo principal foi proposta anteriormente a 31 de dezembro de 2020, data em que expirou o período de transição previsto no artigo 126.o do Acordo de saída, de modo que a interpretação da Convenção de Lugano II continua a ser necessária para resolver o litígio no processo principal.

32

Quanto ao mérito, o órgão jurisdicional de reenvio procura, em substância, saber se o artigo 23.o, n.o 1, alínea a), e n.o 2, da Convenção de Lugano II deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição é validamente acordada quando está contida em condições gerais para as quais o contrato celebrado remete através da menção da hiperligação de um sítio Internet cujo acesso permite consultar, descarregar e imprimir essas condições gerais sem que a parte contra a qual essa cláusula é invocada tenha sido convidada a aceitar as condições gerais assinalando com uma cruz um quadrado no referido sítio Internet.

33

Para responder a esta questão, importa recordar que, como resulta do artigo 1.o, n.o 1, do Protocolo n.o 2 relativo à interpretação da Convenção de Lugano II, esta deve ser aplicada e interpretada esta deve ser aplicada e interpretada tendo em conta os princípios definidos pelo Tribunal de Justiça em relação à ou às disposições em causa ou a qualquer disposição análoga contida noutros instrumentos, entre os quais figura a Convenção de Bruxelas e o Regulamento Bruxelas I.

34

Assim, e uma vez que o artigo 23.o, n.os 1 e 2, da Convenção de Lugano II é idêntico ao artigo 23.o, n.os 1 e 2, do Regulamento Bruxelas I, e que o artigo 23.o, n.o 1, deste regulamento estava, ele próprio, redigido em termos praticamente idênticos ao artigo 17.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, importa, para efeito da interpretação do artigo 23.o, n.os 1 e 2, da Convenção de Lugano II, ter em conta a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça das disposições correspondentes da Convenção Bruxelas e do Regulamento Bruxelas I (v., por analogia, Acórdãos de 7 de fevereiro de 2013, Refcomp, C‑543/10, EU:C:2013:62, n.os 18 e 19, e de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.os 27 e 28). De igual modo, na medida em que o artigo 25.o, n.os 1 e 2, do Regulamento Bruxelas I‑A substituiu, em termos substancialmente idênticos, o artigo 23.o, n.os 1 e 2, do Regulamento Bruxelas I, há que tomar igualmente em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça no que respeita à primeira dessas disposições.

35

Nos termos do artigo 23.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II, as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado vinculado pela referida convenção, podem convencionar atribuir competência exclusiva a um tribunal de Estado igualmente vinculado por essa convenção para conhecer dos litígios que surjam por ocasião de uma relação jurídica determinada. Para poder ser válida, essa atribuição de competência deve ser celebrada, designadamente, como resulta do n.o 1, alínea a) desta disposição, «por escrito ou verbalmente com confirmação escrita».

36

Quanto às disposições do artigo 23.o do Regulamento Bruxelas I, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que excluem tanto a competência determinada pelo princípio geral do foro do demandado consagrado no artigo 2.o deste regulamento, como as consequências especiais dos artigos 5.o a 7.o deste, são de interpretação estrita quanto às condições aí fixadas (v., neste sentido, Acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 25 e jurisprudência referida).

37

Ora, o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I indica claramente que o seu âmbito de aplicação se limita aos casos em que as partes tiverem «convencionado» a competência de um tribunal. É este acordo de vontades entre as partes que justifica o primado concedido, em nome do princípio da autonomia da vontade, à escolha de uma jurisdição diferente daquela que teria sido eventualmente competente por força desse regulamento (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 26 e jurisprudência referida, bem como de 20 de abril de 2016, Profit Investment SIM, C‑366/13, EU:C:2016:282, n.o 24).

38

Ao sujeitar a validade de cláusula atributiva de jurisdição à existência de uma «convenção» entre as partes, o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I impõe ao juiz que conhece do processo a obrigação de examinar se a cláusula que lhe atribui competência foi efetivamente objeto de consentimento entre as parte, devendo esse consentimento manifestar‑se de maneira clara e precisa (v., por analogia, Acórdãos de 14 de dezembro de 1976, Estasis Saloti di Colzani, 24/76, EU:C:1976:177, n.o 7; de 7 de fevereiro de 2013, Refcomp, C‑543/10, EU:C:2013:62, n.o 27, e de 20 de abril de 2016, Profit Investment SIM, C‑366/13, EU:C:2016:282, n.o 27).

39

Com efeito, as formas exigidas no artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I têm por função assegurar que o consentimento entre as partes está efetivamente demonstrado (v., por analogia, no que respeita à Convenção de Bruxelas, Acórdão de 14 de dezembro de 1976, Estasis Saloti di Colzani, 24/76, EU:C:1976:177, n.o 7), uma vez que a realidade desse consentimento é um dos objetivos desta disposição (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de fevereiro de 2013, Refcomp, C‑543/10, EU:C:2013:62, n.o 28 e jurisprudência referida, bem como de 20 de abril de 2016, Profit Investment SIM, C‑366/13, EU:C:2016:282, n.o 27).

40

A este respeito, o Tribunal de Justiça decidiu, quanto à Convenção la Convenção de Bruxelas, que a exigência da forma escrita imposta no artigo 17.o, primeiro parágrafo, desta convenção é, em princípio, respeitada por uma cláusula atributiva de jurisdição contida nas condições gerais de venda de uma das partes no caso de essas condições gerais estarem impressas no verso do contrato e de este incluir uma remissão expressa para as referidas condições gerais, ou ainda no caso de, no texto do seu contrato, as partes tiverem feito referência a uma proposta que, por sua vez, remete expressamente para as condições gerais, quando essa remissão explícita pode ser controlada por uma parte que seja normalmente diligente e se for demonstrado que as condições gerais que incluem a cláusula atributiva de jurisdição foram efetivamente comunicadas à outra parte contratante (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 1976, Estasis Saloti di Colzani, 24/76, EU:C:1976:177, n.os 10 e 12).

41

O Tribunal de Justiça precisou, no entanto, que a exigência de forma escrita imposta no artigo 17.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas não está preenchida no caso de remissões indiretas ou implícitas para correspondência anterior, uma vez que nenhuma certeza é então dada de que a cláusula atributiva de jurisdição foi efetivamente objeto do contrato propriamente dito (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 1976, Estasis Saloti di Colzani, 24/76, EU:C:1976:177, n.o 12).

42

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça decidiu que uma cláusula atributiva de jurisdição não satisfaz as exigências do artigo 25.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento Bruxelas I‑A, cuja redação e a do artigo 23.o, n.o 1, alínea a), da Convenção de Lugano II são semelhantes, quando o contrato tiver sido celebrado oralmente, sem confirmação posterior por escrito, e as condições gerais que contêm essa cláusula atributiva foram mencionadas apenas nas faturas emitidas por uma das partes (v., neste sentido, Acórdão de 8 de março de 2018, Saey Home & Garden, C‑64/17, EU:C:2018:173, n.os 28 e 29).

43

Ora, segundo o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento Bruxelas I, que constitui uma nova disposição em relação ao artigo 17.o da Convenção de Bruxelas, aditada a fim de ter em conta o desenvolvimento de novas técnicas de comunicação, a validade de uma cláusula atributiva de jurisdição, como a que está em causa no processo principal, pode depender, designadamente, da possibilidade de a consignar de modo duradouro (Acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 32).

44

Como resulta de uma interpretação literal desta disposição, esta exige que seja oferecida a «possibilidade» de consignar de modo duradouro a convenção atributiva de jurisdição, independentemente da questão de saber se o texto das condições gerais foi efetivamente consignado de modo duradouro pelo comprador depois ou antes de este ter assinalando com uma cruz o quadrado indicando que aceita as referidas condições (Acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 33).

45

Com efeito, a finalidade desta disposição é equiparar determinadas formas de comunicação eletrónica à forma escrita, com vista a simplificar a celebração de contratos por via eletrónica, uma vez que a transmissão as informações em questão é igualmente feita se as informações estiverem acessíveis por meio de um ecrã. Para que a comunicação eletrónica possa oferecer as mesmas garantias, designadamente em matéria de prova, basta que seja «possível» salvaguardar e imprimir as informações antes da celebração do contrato (Acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 36).

46

No caso vertente, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a cláusula atributiva de jurisdição em causa no processo principal está estipulada nas condições gerais da Unilever para os quais remete expressamente o contrato celebrado entre as partes.

47

Tratando‑se de uma situação na qual, como no caso vertente, as condições gerais onde figura a cláusula atributiva de jurisdição não estão diretamente anexadas ao contrato, importa constatar que, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 37 a 45 do presente acórdão, tal cláusula é lícita quando, no próprio texto do contrato assinado pelas duas partes, é feita uma remissão expressa para essas condições gerais que incluem da referida cláusula.

48

Porém, isso é válido apenas em caso de remissão explícita, suscetível de ser controlada por uma parte normalmente diligente e se for demonstrado que as condições gerais que incluem a cláusula atributiva de jurisdição foram efetivamente comunicadas à outra parte contratante (Acórdão de 7 de julho de 2016, Hőszig, C‑222/15, EU:C:2016:525, n.o 40).

49

No caso vertente, não parece controvertido que o texto do contrato em causa no processo principal contém essa remissão explícita, suscetível de ser controlada pela recorrente no processo principal, o que incumbe, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

50

Importa, portanto, verificar se as condições gerais foram efetivamente comunicadas a essa parte contratante.

51

Na medida em que, em conformidade com o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento Bruxelas I, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, a transmissão das informações em questão é realizada se essas informações forem acessíveis através de um ecrã, a remissão, no contrato escrito, para as condições gerais pela menção de uma hiperligação de um sítio Internet cujo acesso permite, em princípio, tomar conhecimento das condições gerais, desde que essa hiperligação funcione e possa ser acionada por uma parte normalmente diligente, equivale, a fortiori, a uma prova de comunicação dessas informações.

52

Numa situação dessas, a circunstância de não existir, na página do sítio Internet em causa, nenhum quadrado que possa ser assinalado com uma cruz para exprimir a aceitação dessas condições gerais ou de que a página que contém essas condições não se abre automaticamente quando do acesso a esse sítio Internet não põe em causa essa conclusão (v., neste sentido, Acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 39), uma vez que o acesso às referidas condições gerais é possível antes da assinatura do contrato e que a aceitação dessas condições se verifica com a assinatura pela parte contratante em questão.

53

Além disso, uma vez que a simples possibilidade de salvaguardar e de imprimir as condições gerais antes da celebração do contrato basta para preencher os requisitos de forma, pouco importa saber se as informações transmitidas foram «fornecidas» pela empresa em questão ou «recebidas» pelo contratante.

54

Com efeito, as exigências de forma impostas no artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I respondem à preocupação de não colocar entraves aos usos comerciais neutralizando ao mesmo tempo os efeitos das cláusulas que poderia passar despercebidas nos contratos, como as estipulações que figuram nos impressos que servem para a correspondência ou para redigir faturas e que não foram aceites pela parte contra a qual são invocadas (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 1981, Elefanten Schuh, 150/80, EU:C:1981:148, n.o 24, e de 7 de julho de 2016, Hőszig, C‑222/15, EU:C:2016:525, n.o 36).

55

Ora, no caso vertente, o litígio em causa no processo principal diz respeito a relações contratuais contínuas entre empresas comerciais, pelo que as exigências de proteção do consumidor comprador não podem ser tidas em consideração.

56

De qualquer modo, e mesmo que o órgão jurisdicional de reenvio não tenha interrogado o Tribunal de Justiça sobre a eventual existência de um uso do comércio internacional do conhecimento das partes, importa acrescentar que, fora das duas opções que o artigo 23.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II prevê na sua alínea a), a saber, a celebração escrita ou a celebração oral com confirmação escrita, esse artigo 23.o, n.o 1, acrescenta, nos seus pontos b) e c), que uma cláusula atributiva de jurisdição pode igualmente ser celebrada, respetivamente, sob forma conforme com os usos que as partes estabeleceram entre elas ou, no comércio internacional, sob uma forma que seja conforme com um uso que fosse do conhecimento ou que fosse suposto ser do conhecimento das partes e que é conhecido em larga medida e observado com regularidade neste tipo de comércio pelas partes nos contratos do mesmo tipo no ramo comercial considerado (v., por analogia, Acórdão de 8 de março de 2018, Saey Home & Garden, C‑64/17, EU:C:2018:173, n.o 31).

57

Com efeito, nesse caso, a estipulação de uma cláusula atributiva de jurisdição é considerada válida quando feita numa forma admitida nesse domínio que as partes conhecem ou é suposto conhecerem. Mesmo que essa flexibilização não signifique que não tenha necessariamente de haver um acordo de vontade entre as partes, uma vez que a realidade do consentimento dos interessados continua a ser um dos objetivos dessa disposição, o acordo de vontade das partes sobre a cláusula atributiva de jurisdição presume‑se, porém, demonstrado quando há a este respeito usos comerciais no ramo considerado do comércio internacional, usos que são, ou é suposto serem, do conhecimento dessas partes (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de fevereiro de 1997, MSG, C‑106/95, EU:C:1997:70, n.os 16, 17 e 19, e de 20 de abril de 2016, Profit Investment SIM, C‑366/13, EU:C:2016:282, n.os 39 e 40).

58

No caso vertente, incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se uma cláusula atributiva de jurisdição foi estipulada entre as partes no processo principal sob uma das formas referidas no artigo 23.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Convenção de Lugano II.

59

Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à questão submetida que o artigo 23.o, n.os 1 e 2, da Convenção de Lugano II deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição é validamente estipulada quando está contida em condições gerais para as quais o contrato celebrado por escrito remete, através da menção da hiperligação de um sítio Internet cujo acesso permite, antes da assinatura do referido contrato, tomar conhecimento das referidas condições gerais, de as descarregar e de as imprimir, sem que a parte contra a qual essa cláusula é invocada tenha sido formalmente convidada a aceitar essas condições gerais assinalando com uma cruz um quadrado no referido sítio Internet.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos motivos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

O artigo 23.o, n.os 1 e 2, da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007, cuja conclusão foi aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

uma cláusula atributiva de jurisdição é validamente estipulada quando está contida em condições gerais para as quais o contrato celebrado por escrito remete, através da menção da hiperligação de um sítio Internet cujo acesso permite, antes da assinatura do referido contrato, tomar conhecimento das referidas condições gerais, de as descarregar e de as imprimir, sem que a parte contra a qual essa cláusula é invocada tenha sido formalmente convidada a aceitar essas condições gerais assinalando com uma cruz um quadrado no referido sítio Internet.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.