ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2023 ( *1 )

Índice

 

I. Quadro jurídico

 

A. Estatutos da FIFA

 

B. Regulamento para os jogos internacionais da FIFA

 

C. Estatutos da UEFA

 

II. Factos no processo principal e questões prejudiciais

 

A. Projeto de Superleague

 

B. Tramitação do processo principal e questões prejudiciais

 

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

 

IV. Quanto à admissibilidade

 

A. Quanto aos requisitos processuais de adoção da decisão de reenvio

 

B. Quanto ao conteúdo da decisão de reenvio

 

C. Quanto à realidade do litígio e à pertinência das questões submetidas ao Tribunal de Justiça

 

V. Quanto às questões prejudiciais

 

A. Observações preliminares

 

1. Quanto ao objeto do processo principal

 

2. Quanto à aplicabilidade do direito da União ao desporto e à atividade das associações desportivas

 

3. Quanto ao artigo 165.o TFUE

 

B. Quanto à primeira a quinta questões, relativas às normas da concorrência

 

1. Quanto à primeira questão, relativa à interpretação do artigo 102.o TFUE perante regras relativas à autorização prévia das competições de futebol interclubes e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

 

a) Quanto ao conceito de «abuso de posição dominante»

 

b) Quanto à caracterização da existência de um abuso de posição dominante

 

c) Quanto à qualificação de abuso de posição dominante de regras relativas à autorização prévia das competições de futebol interclubes e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

 

2. Quanto à segunda questão, relativa à interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE perante regras relativas à autorização prévia das competições de futebol interclubes e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

 

a) Quanto ao conceito de comportamento que tem por «objetivo» ou «efeito» prejudicar a concorrência e quanto à determinação da existência de tal comportamento

 

1) Quanto à determinação da existência de um comportamento que tem por «objetivo» impedir, restringir ou falsear a concorrência

 

2) Quanto à determinação da existência de um comportamento que tem por «efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência

 

b) Quanto à qualificação, como decisão de associação de empresas que tem por «objetivo» restringir a concorrência, das regras relativas à autorização prévia das competições de futebol interclubes e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

 

3. Quanto à terceira questão, relativa à interpretação do artigo 101.o, n.o 1, e do artigo 102.o TFUE perante comportamentos que consistem em ameaçar de sanções os clubes e os desportistas que venham a participar em competições não autorizadas

 

4. Quanto à quinta questão, relativa à possibilidade de justificar regras relativas à autorização prévia das competições e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

 

a) Quanto à possibilidade de considerar certos comportamentos específicos como não abrangidos pelo artigo 101.o, n.o 1, e pelo artigo 102.o TFUE

 

b) Quanto à isenção prevista no artigo 101.o, n.o 3, TFUE

 

c) Quanto à justificação objetiva à luz do artigo 102.o TFUE

 

5. Quanto à quarta questão, relativa à interpretação dos artigos 101.o e 102.o TFUE perante regras relativas aos direitos associados às competições desportivas

 

a) Quanto à titularidade dos direitos associados às competições desportivas

 

b) Quanto à exploração dos direitos associados às competições desportivas

 

c) Quanto à existência de uma eventual justificação

 

C. Quanto à sexta questão, relativa às liberdades de circulação

 

1. Quanto à identificação da liberdade de circulação pertinente

 

2. Quanto à existência de um entrave à liberdade de prestação de serviços

 

3. Quanto à existência de uma eventual justificação

 

Quanto às despesas

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Mercado interno — Regulamentações instituídas por associações desportivas internacionais — Futebol profissional — Entidades de direito privado investidas de poderes de regulamentação, de controlo, de decisão e de sanção — Regras relativas à autorização prévia das competições, à participação dos clubes de futebol e dos jogadores nestas competições e à exploração dos direitos comercias e mediáticos relativos às referidas competições — Exercício paralelo de atividades económicas — Organização e comercialização de competições — Exploração dos direitos comerciais e mediáticos correspondentes — Artigo 101.o, n.o 1, TFUE — Decisão de associação de empresas que prejudica a concorrência — Conceitos de “objetivo” e “efeito” anticoncorrenciais — Isenção ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE — Requisitos — Artigo 102.o TFUE — Abuso de posição dominante — Justificação — Requisitos — Artigo 56.o TFUE — Entraves à liberdade de prestação de serviços — Justificação — Requisitos — Ónus da prova»

No processo C‑333/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Mercantil de Madrid (Tribunal de Comércio de Madrid, Espanha), por Decisão de 11 de maio de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de maio de 2021, no processo

European Superleague Company SL,

contra

Fédération Internationale de Football Association (FIFA),

União das Federações Europeias de Futebol (UEFA),

sendo intervenientes:

A22 Sports Management SL,

Real Federación Española de Fútbol (RFEF),

Liga Nacional de Fútbol Profesional (LNFP),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, M. Safjan, L. S. Rossi, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl, J. Passer (relator) e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 e 12 de julho de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da European Superleague Company SL, por J.‑L. Dupont, avocat, Irissarry Robina e M. Odriozola Alén, abogados,

em representação da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), por J. M. Baño Fos, abogado, M. Hoskins, barrister, e A. Pascual Morcillo, abogado,

em representação da União das Federações Europeias de Futebol (UEFA), por H. Brokelmann, abogado, B. Keane, avocat, S. Love, barrister, D. Slater e D. Waelbroeck, avocats,

em representação da A22 Sports Management SL, por L. A. Alonso Díez, F. Giménez‑Alvear Gutiérrez‑Maturana, F. Irurzun Montoro, abogados, e M. Sánchez‑Puelles González‑Carvajal, procurador,

em representação da Real Federación Española de Fútbol (RFEF), por P. Callol García, abogado, B. González Rivero, procuradora, T. González Cueto e J. Manzarbeitia Pérez, abogados,

em representação da Liga Nacional de Fútbol Profesional (LNFP), por D. Crespo Lasso de la Vega, Y. Martínez Mata, M. Pajares Villarroya, J. Ramos Rubio e S. Rating, abogados,

em representação do Governo Espanhol, por L. Aguilera Ruiz e A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Dinamarquês, por J. Farver Kronborg, V. Pasternak Jørgensen, M. Søndahl Wolff e Y. Thyregod Kollberg, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Alemão, por J. Möller, na qualidade de agente,

em representação do Governo Estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

em representação da Irlanda, por M. Browne, Chief State Solicitor, A. Joyce e M. Tierney, na qualidade de agentes, assistidos por S. Brittain, barrister,

em representação do Governo Helénico, por K. Boskovits, na qualidade de agente,

em representação do Governo Francês, por A.‑L. Desjonquères, P. Dodeller, T. Stehelin e N. Vincent, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Croata, por G. Vidović Mesarek, na qualidade de agente,

em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistido por D. Del Gaizo e S. L. Vitale, avvocati dello Stato,

em representação do Governo Cipriota, por I. Neophytou, na qualidade de agente,

em representação do Governo Letão, por J. Davidoviča, K. Pommere e I. Romanovska, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Luxemburguês, por A. Germeaux e T. Uri, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér, E. Gyarmati e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Maltês, por A. Buhagiar, na qualidade de agente,

em representação do Governo Austríaco, por F. Koppensteiner, na qualidade de agente,

em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna e M. Wiącek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Português, por P. Barros da Costa, R. Capaz Coelho e C. Chambel Alves, na qualidade de agentes, assistidos por J. L. da Cruz Vilaça, advogado,

em representação do Governo Romeno, por E. Gane, L. Liţu e A. Rotăreanu, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Esloveno, por A. Dežman Mušič e N. Pintar Gosenca, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Eslovaco, por E. V. Drugda e B. Ricziová, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Sueco, por. O. Simonsson, M. Salborn Hodgson e H. Shev, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Islandês, por J. B. Bjarnadóttir, na qualidade de agente, assistida por G. Bergsteinsson, avocat,

em representação do Governo Norueguês, por F. Bersgø, L.‑M. Moen Jünge, O. S. Rathore e P. Wennerås, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por S. Baches Opi, M. Mataija, G. Meessen, C. Urraca Caviedes e H. van Vliet, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de dezembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, por um lado, e dos artigos 45.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE, por outro.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a European Superleague Company SL (a seguir «ESLC») à Fédération Internationale de Football Association (FIFA) e à União das Federações Europeias de Futebol (UEFA), a respeito de um pedido de declaração de que a FIFA e a UEFA violaram os artigos 101.o e 102.o TFUE, de ser ordenada a cessação dessas infrações e de adoção de diferentes intimações dirigidas a estas entidades.

I. Quadro jurídico

A. Estatutos da FIFA

3

A FIFA é uma associação de direito privado com sede na Suíça. Nos termos do artigo 2.o dos seus estatutos, na edição de setembro de 2020 à qual se refere a decisão de reenvio (a seguir «Estatutos da FIFA»), tem por objetivos, nomeadamente, «organizar as suas próprias competições internacionais», «estabelecer regras e disposições que regulem o futebol e as questões conexas, e garantir o respetivo cumprimento», bem como «controlar o futebol sob todas as suas formas através da adoção de todas as medidas necessárias ou recomendáveis a fim de prevenir a violação dos [e]statutos, dos regulamentos, das decisões da FIFA e das [l]eis do [j]ogo]», a nível mundial.

4

De acordo com os artigos 11.o e 14.o dos Estatutos da FIFA, qualquer «associação responsável pela organização e pelo controlo do futebol» num determinado país pode tornar‑se membro da FIFA na condição de, designadamente, já ser membro de uma das seis confederações continentais reconhecidas pela FIFA e referidas no artigo 22.o desses estatutos, entre as quais figura a UEFA, e ainda de se comprometer previamente a respeitar, entre outros, os estatutos, os regulamentos, as diretivas e as decisões da FIFA, bem como os da confederação continental de que essa associação já é membro. Na prática, mais de 200 associações nacionais de futebol são atualmente membros da FIFA. Têm, nesta qualidade, por força dos artigos 14.o e 15.o dos Estatutos da FIFA, a obrigação, designadamente, de assegurar o respeito, pelos seus próprios membros ou filiados, dos estatutos, dos regulamentos, das diretivas e das decisões da FIFA, bem como a observância dos mesmos por todos os atores do futebol, em especial, pelas ligas profissionais, pelos clubes e pelos jogadores.

5

O artigo 20.o desses estatutos, sob a epígrafe «Estatuto dos clubes, das ligas e de outros agrupamentos de clubes», dispõe, no seu n.o 1:

«Os clubes, as ligas ou outros agrupamentos de clubes filiados numa associação membro estão subordinados a esta e devem ser por ela reconhecidos. As competências, os direitos e as obrigações desses agrupamentos estão estipulados nos estatutos da associação membro, e os seus próprios estatutos e regulamentos devem ser aprovados por esta.»

6

O artigo 22.o dos referidos estatutos, sob a epígrafe «Confederações», enuncia, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   As associações membros que fazem parte do mesmo continente são agrupadas nas seguintes confederações reconhecidas pela FIFA:

[…]

c)

União das Federações Europeias de Futebol ‑ UEFA

[…]

O reconhecimento pela FIFA de cada confederação implica o respeito mútuo total de uma e outra autoridade no respetivo domínio institucional de competências, conforme estabelecido nos presentes Estatutos.

[…]

3.   Cada confederação tem os seguintes direitos e obrigações:

a)

respeitar e fazer respeitar os Estatutos, regulamentos e decisões da FIFA;

b)

colaborar estreitamente com a FIFA em todos os domínios relacionados com a realização do objetivo referido no artigo 2.o e a organização de competições internacionais;

c)

organizar as suas próprias competições interclubes, em conformidade com o calendário internacional;

d)

organizar todas as suas competições internacionais em conformidade com o calendário internacional;

e)

assegurar‑se de que nenhuma liga internacional ou outro agrupamento análogo de clubes ou de ligas seja formado sem o seu consentimento e da FIFA;

[…]»

7

Nos termos do artigo 24.o dos Estatutos da FIFA, os órgãos da FIFA incluem, designadamente, um «órgão legislativo», denominado «Congresso», que constitui a sua «instância suprema», um «órgão estratégico e de supervisão», denominado «Conselho», bem como um «órgão executivo, operacional e administrativo», denominado «secretariado‑geral».

8

O artigo 67.o destes estatutos, sob a epígrafe «Direitos relativos às competições e eventos», tem a seguinte redação:

«1.   A FIFA, as suas associações membros e as confederações são os titulares originários — sem restrição de conteúdo, de tempo, de lugar ou de direito — de todos os direitos decorrentes das competições e outros eventos sob a respetiva jurisdição. Fazem, nomeadamente, parte destes direitos os direitos patrimoniais de todos os géneros, os direitos de registo, de reprodução e transmissão audiovisuais, os direitos de multimédia, os direitos de marketing e promocionais e os direitos de propriedade intelectual, como os direitos relativos aos sinais distintivos e os direitos de autor.

2.   O Conselho determina o tipo de exploração e o âmbito de utilização destes direitos e aprova disposições especiais para o efeito. O Conselho é livre de decidir a exploração exclusiva ou com terceiros destes direitos, ou ainda a delegação da exploração a terceiros.»

9

O artigo 68.o dos referidos estatutos, sob a epígrafe «Autorização de transmissão», enuncia, no seu n.o 1:

«A FIFA, as associações membros e as confederações têm competência exclusiva para autorizar a transmissão de jogos e eventos sob a respetiva jurisdição, designadamente em suporte audiovisual, e sem restrição de lugar, de conteúdo, de data, de técnica ou de direito.»

10

Nos termos do artigo 71.o dos Estatutos da FIFA, sob a epígrafe «Competições e jogos internacionais»:

«1.   O Conselho é competente para aprovar qualquer regulamento relativo à organização de competições e de jogos internacionais que envolvam equipas representativas, ligas, clubes e/ou equipas improvisadas. Nenhum jogo nem competição pode ser realizado sem autorização prévia da FIFA, das confederações e/ou da associação membro em causa. As modalidades são reguladas pelo [r]egulamento para os jogos internacionais.

2.   O Conselho pode adotar disposições relativas a esses jogos e competições.

3.   O Conselho determina os critérios relativos à autorização de situações especiais não previstas pelo [r]egulamento para os jogos internacionais.

4.   Com exceção da autorização no âmbito das competências previstas no [r]egulamento para os jogos internacionais, a FIFA pode tomar a decisão final relativa à autorização de qualquer jogo internacional ou competição internacional.»

11

O artigo 72.o destes estatutos, sob a epígrafe «Contactos», enuncia, no seu n.o 1:

«Qualquer jogador ou equipa filiada numa associação membro ou num membro de confederação admitido provisoriamente não pode disputar jogos nem ter contacto desportivo com outro jogador ou outra equipa não filiada numa associação membro ou num membro de confederação admitido provisoriamente, sem o consentimento da FIFA.»

12

O artigo 73.o dos referidos estatutos, sob a epígrafe «Autorização», prevê:

«Qualquer associação, liga ou clube pertencente a uma associação membro só pode filiar‑se noutra associação membro ou participar em competições no território desta a título excecional. É, em todos os casos, exigida a autorização das duas associações membros, da(s) confederação(ões) interessada(s) e da FIFA.»

B. Regulamento para os jogos internacionais da FIFA

13

O artigo 1.o do Regulamento para os jogos internacionais da FIFA, na versão em vigor desde 1 de maio de 2014, enuncia que este regulamento tem por objeto prever as autorizações, as notificações e os outros requisitos aplicáveis à organização de jogos ou competições entre equipas filiadas em diferentes associações nacionais de futebol membros da FIFA, à organização de jogos ou competições entre equipas filiadas numa única e mesma associação nacional, quando disputados num país terceiro, e à organização de jogos ou competições que envolvam jogadores ou equipas não filiados numa associação nacional.

14

Nos termos do artigo 2.o desse regulamento, estão abrangidos pelo seu âmbito de aplicação todos os jogos internacionais e competições internacionais, com exceção dos jogos disputados no âmbito das competições organizadas pela FIFA ou por uma das confederações continentais reconhecidas por esta.

15

Por força do artigo 6.o do referido regulamento, todos os jogos internacionais devem ser autorizados, consoante os casos, pela FIFA, pela confederação continental a que respeita e/ou pelas associações nacionais de futebol membros da FIFA nas quais as equipas participantes estejam filiadas ou em cujo âmbito territorial esses jogos devam ser disputados.

16

Em conformidade com os artigos 7.o e 10.o do mesmo regulamento, qualquer «jogo internacional de primeira categoria», definido como qualquer jogo que opõe a primeira equipa representativa de duas associações nacionais de futebol membros da FIFA, deve ser autorizado tanto pela FIFA como pela confederação continental e pelas associações nacionais interessadas. Em contrapartida, por força dos artigos 8.o e 11.o do Regulamento para os jogos internacionais da FIFA, qualquer «jogo internacional de segunda categoria», definido como qualquer jogo que envolve a primeira equipa representativa de uma única associação nacional, uma outra equipa representativa dessa associação nacional, uma equipa composta por jogadores registados em vários clubes de uma mesma associação nacional ou, ainda, a equipa primeira de um clube que evolua na melhor divisão de uma associação nacional, deve ser autorizado apenas pelas confederações continentais e pelas associações nacionais em causa.

C. Estatutos da UEFA

17

A UEFA é igualmente uma associação de direito privado com sede na Suíça.

18

O artigo 2.o, n.o 1, dos Estatutos da UEFA enuncia que a UEFA tem por objeto:

«a)

tratar todas as questões relativas ao futebol europeu;

b)

promover o futebol na Europa num espírito de paz, de compreensão e de fair‑play, sem nenhuma discriminação baseada na política, no sexo, na religião, na raça ou em qualquer outra razão;

c)

supervisionar e controlar o desenvolvimento do futebol na Europa sob todas as suas formas;

d)

preparar e organizar competições internacionais e torneios internacionais de futebol sob todas as suas formas a nível europeu […];

e)

impedir que métodos ou práticas ponham em risco a regularidade dos jogos ou competições ou deem origem a abusos no futebol;

f)

promover e proteger os padrões éticos e a boa governação no futebol europeu;

g)

assegurar que os valores desportivos prevaleçam sempre sobre os interesses comerciais;

h)

redistribuir as receitas provenientes do futebol de acordo com o princípio da solidariedade e apoiar o reinvestimento a todos os níveis e setores do futebol, em especial do futebol de base;

i)

promover a unidade entre as suas associações membros em questões relacionadas com o futebol europeu e mundial;

j)

salvaguardar os interesses coletivos das suas associações membros;

k)

assegurar que os interesses das diferentes partes interessadas do futebol europeu (ligas, clubes, jogadores, adeptos) sejam devidamente tidos em conta;

l)

atuar enquanto voz representativa da família do futebol europeu, considerada no seu conjunto;

m)

manter boas relações e cooperar com a FIFA e as outras confederações reconhecidas pela FIFA;

n)

assegurar que os seus representantes na FIFA atuem de forma leal e num espírito de solidariedade europeia;

o)

conciliar os interesses das suas associações membros, arbitrar os diferendos que surjam entre elas e prestar‑lhes assistência em assuntos particulares sempre que solicitado.»

19

De acordo com o artigo 5.o desses estatutos, qualquer associação que esteja estabelecida num país europeu reconhecido como Estado independente pela maioria dos membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e que seja responsável pela organização do futebol nesse país pode tornar‑se membro da UEFA. Por força do artigo 7.o‑A dos referidos estatutos, esta qualidade implica a obrigação de as associações em causa respeitarem os estatutos, os regulamentos e as decisões da UEFA e assegurarem a sua observância, no país a que pertencem, pelas ligas profissionais que lhes estão subordinadas, bem como pelos clubes e pelos jogadores. Na prática, mais de 50 associações nacionais de futebol são atualmente membros da UEFA.

20

Nos termos dos artigos 11.o e 12.o dos mesmos estatutos, os órgãos da UEFA incluem, nomeadamente, um «órgão supremo», denominado «Congresso», e um «Comité Executivo».

21

O artigo 49.o dos Estatutos da UEFA, sob a epígrafe «Competições», prevê:

«1.   A UEFA tem competência exclusiva para organizar e suprimir competições internacionais na Europa em que participem associações e/ou clubes filiados. As competições da FIFA não são afetadas por esta disposição.

[…]

3.   Os jogos, competições ou torneios internacionais que não sejam organizados pela UEFA mas que sejam realizados em território da UEFA requerem a autorização prévia da FIFA e/ou da UEFA e/ou das associações membros competentes, em conformidade com o [r]egulamento para os jogos internacionais da FIFA e com as disposições de execução adicionais adotadas pelo Comité Executivo da UEFA.»

22

O artigo 51.o desses estatutos, sob a epígrafe «Relações proibidas», enuncia:

«1.   Não podem formar‑se sem a autorização da UEFA agrupamentos ou alianças entre associações membros da UEFA ou entre ligas ou clubes direta ou indiretamente filiados em diferentes associações membros da UEFA.

2.   Os membros da UEFA ou as ligas e clubes nela filiados não podem jogar nem organizar jogos fora do seu próprio território sem a autorização das associações membros interessadas.»

II. Factos no processo principal e questões prejudiciais

A. Projeto de Superleague

23

A ESLC é uma sociedade de direito privado com sede em Espanha. Foi constituída por iniciativa de um conjunto de clubes de futebol profissional, com sede, consoante os casos, em Espanha (Club Atlético de Madrid, Fútbol Club Barcelona e Real Madrid Club de Fútbol), em Itália (Associazione Calcio Milan, Football Club Internazionale Milano e Juventus Football Club) e no Reino Unido (Arsenal Football Club, Chelsea Football Club, Liverpool Football Club, Manchester City Football Club, Manchester United Football Club e Tottenham Hotspur Football Club). De acordo com a decisão de reenvio, a ESLC tem por objeto a implementação de um projeto de nova competição internacional de futebol profissional denominada «Superleague». Para o efeito, constituiu ou previu constituir três outras sociedades responsáveis, a primeira, pela gestão financeira, desportiva e disciplinar da Superleague, uma vez implementada, a segunda, pela exploração dos direitos mediáticos associados a essa competição e, a terceira, pela exploração dos outros ativos comerciais associados à referida competição.

24

A A22 Sports Management SL é igualmente uma sociedade de direito privado com sede em Espanha. Apresenta‑se como uma sociedade que tem por objeto a prestação de serviços ligados à criação e à gestão de competições de futebol profissional e, mais especificamente, do projeto da Superleague.

25

No que respeita ao lançamento desse projeto, decorre, antes de mais, da decisão de reenvio que os clubes de futebol profissional que constituíram a ESLC pretendiam criar um nova competição internacional de futebol com a participação, por um lado, de doze a quinze clubes de futebol profissional com o estatuto de «membros permanentes» e, por outro, um número a definir de clubes de futebol profissional com o estatuto de «clubes qualificados» e selecionados segundo um determinado processo.

26

Em seguida, o referido projeto baseava‑se num pacto de acionistas e de investimento que previa, por um lado, a celebração de um conjunto de contratos que vinculariam cada um dos clubes de futebol profissional participantes ou destinados a participar na Superleague às três sociedades constituídas ou a constituir pela ESLC, e que teriam por objeto especificar, nomeadamente, as regras de cessão à ESLC por esses clubes dos seus direitos mediáticos ou comerciais sobre esta competição, bem como a remuneração de tal cessão. Por outro lado, estava contemplada a celebração de um conjunto de contratos entre estas três sociedades, com o objetivo de coordenar a prestação dos serviços necessários à gestão da Superleague, à exploração dos direitos cedidos à ESLC e à atribuição aos clubes participantes dos fundos à disposição da ESLC. A própria disponibilização destes fundos estava prevista numa carta pela qual a JP Morgan AG se comprometia a conceder à ESLC, através de um crédito‑ponte, um montante máximo de cerca de 4 mil milhões de euros, um apoio financeiro e uma subvenção de infraestrutura destinados a permitir a criação da Superleague e o seu financiamento provisório, enquanto se aguardava pela organização de uma emissão de obrigações nos mercados de capitais.

27

Por último, o pacto de acionistas e de investimento em questão subordinava a criação da Superleague e a disponibilização dos fundos necessários para o efeito a uma condição suspensiva que consistia em obter ou o reconhecimento, pela FIFA ou pela UEFA, desta competição internacional e da sua conformidade com as regras adotadas por estas duas entidades ou a concessão, pelas autoridades administrativas ou judiciais competentes, de proteção jurídica que permitisse aos clubes de futebol profissional com o estatuto de membros permanentes da referida competição participarem nesta, sem que tal afetasse a sua pertença ou a sua participação nas associações nacionais de futebol, nas ligas profissionais ou nas competições internacionais em que estavam até então envolvidos. Para este efeito, o referido pacto previa, nomeadamente, que o projeto da Superleague seria levado ao conhecimento da FIFA e da UEFA.

B. Tramitação do processo principal e questões prejudiciais

28

O processo principal tem origem numa ação em matéria comercial, acompanhada de um pedido de adoção de medidas cautelares sem debate contraditório (inaudita parte), intentada pela ESLC no Juzgado de lo Mercantil de Madrid (Tribunal de Comércio de Madrid, Espanha) contra a FIFA e a UEFA.

29

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a propositura dessa ação seguiu‑se ao lançamento do projeto da Superleague pela ESLC, bem como à oposição da FIFA e da UEFA a este projeto.

30

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio enuncia que, em 21 de janeiro de 2021, a FIFA e as seis confederações continentais reconhecidas por esta, entre as quais a UEFA, publicaram uma declaração na qual, primeiro, exprimiram a recusa de reconhecerem a Superleague, segundo, anunciaram que qualquer clube de futebol profissional e jogador que participasse nessa competição internacional seria excluído das organizadas pela FIFA e pela UEFA e, terceiro, sublinharam que todas as competições internacionais de futebol deviam ser organizadas ou autorizadas pelas entidades competentes, a que se referem os estatutos da FIFA e das confederações continentais. Esta declaração continha, em especial, a seguinte passagem:

«Na sequência das recentes especulações divulgadas pelos meios de comunicação social sobre a criação de uma “Super League” europeia fechada por alguns clubes europeus, a FIFA e as seis confederações […] desejam reiterar e sublinhar, sem ambiguidade, que essa competição não seria reconhecida nem pela FIFA nem pela confederação em causa. Por este motivo, seria recusado a qualquer clube ou jogador que disputasse tal competição o direito de participar em qualquer competição organizada pela FIFA ou pela sua confederação.

Em conformidade com os estatutos da FIFA e das confederações, todas as competições devem ser organizadas ou reconhecidas pelo órgão competente a seu nível respetivo, pela FIFA a nível internacional e pela confederação interessada a nível continental.»

31

Além disso, em 18 de abril de 2021, um comunicado foi publicado pela UEFA, pelas associações inglesa, espanhola e italiana de futebol e por algumas ligas profissionais que lhes estão subordinadas, no qual se indicava, nomeadamente, que «os clubes em causa serão proibidos de participar em qualquer outra competição a nível nacional, europeu ou mundial, e aos seus jogadores poderá ser recusada a possibilidade de representarem as suas equipas nacionais».

32

Em 19 e 20 de abril de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu, sucessivamente, que a ação da ESLC era admissível e adotou, sem debate contraditório, um conjunto de medidas cautelares que, em substância, impunham à FIFA, à UEFA e, por seu intermédio, às associações nacionais de futebol que delas são membros que se abstivessem, na pendência do processo judicial, de qualquer comportamento suscetível de impedir ou dificultar a implementação da Superleague e a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores na mesma, designadamente, de adotar qualquer medida disciplinar ou sanção e de ameaçar adotar tais medidas ou sanções contra clubes ou jogadores.

33

Em apoio do seu pedido de decisão prejudicial, esse órgão jurisdicional salienta, em substância, em primeiro lugar, que decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral que a atividade desportiva não está excluída do âmbito de aplicação das disposições do Tratado FUE relativas às liberdades de circulação (Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, e de 13 de junho de 2019, TopFit e Biffi, C‑22/18, EU:C:2019:497) e às normas da concorrência (Acórdãos de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, e de 26 de janeiro de 2005, Piau/Comissão, T‑193/02, EU:T:2005:22).

34

Em segundo lugar, o referido órgão jurisdicional considera que as duas atividades económicas distintas mas complementares que constituem o mercado relevante no caso em apreço, do ponto de vista material e geográfico, são, por um lado, a organização e a comercialização das competições internacionais de futebol interclubes no território da União e, por outro, a exploração dos diferentes direitos associados a essas competições, quer se trate de direitos patrimoniais, de direitos de gravação, de reprodução e de difusão audiovisuais, de outros direitos mediáticos, de direitos de natureza comercial ou ainda de direitos de propriedade intelectual.

35

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a FIFA e a UEFA detêm, desde há muito, uma posição de monopólio económico e comercial e, consequentemente, de domínio, no mercado em causa, que lhes permite atuar de forma independente de qualquer concorrência potencial, que faz delas parceiros obrigatórios para qualquer entidade que já opere ou deseje entrar, de uma forma ou de outra, nesse mercado e que lhes impõe uma responsabilidade particular em matéria de preservação da concorrência.

36

A este respeito, observa, antes de mais, que a posição dominante de que gozam a FIFA e a UEFA é exercida não só sobre as empresas que poderiam querer fazer‑lhes concorrência ao organizar outras competições internacionais de futebol mas também, por intermédio das associações nacionais de futebol que delas são membros, sobre todos os outros atores do futebol, como os clubes de futebol profissional ou os jogadores, situação já conhecida pelo Tribunal Geral (Acórdão de 26 de janeiro de 2005, Piau/Comissão, T‑193/02, EU:T:2005:22). Seguidamente, precisa que a posição dominante da FIFA e da UEFA no mercado em causa no processo principal se baseia não apenas num monopólio económico e comercial mas também e, em última análise, sobretudo na existência de poderes de regulamentação, de controlo, de decisão e de sanção que permitem à FIFA e à UEFA regular, de forma imperativa e completa, as condições em que todos os outros atores presentes nesse mercado podem exercer uma atividade económica. Por último, expõe que a conjugação de todos estes elementos cria, na prática, uma barreira à entrada quase intransponível pelos potenciais concorrentes da FIFA e da UEFA. Em especial, estes são confrontados com as regras de autorização prévia aplicáveis à organização das competições internacionais de futebol e à participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nas mesmas, bem como com as regras de apropriação e de exploração exclusiva dos diferentes direitos associados a essas competições.

37

Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se o comportamento da FIFA e da UEFA não constitui, sob dois aspetos, um abuso de posição dominante proibido pelo artigo 102.o TFUE.

38

Sobre este ponto, o órgão jurisdicional de reenvio enuncia, por um lado, que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral (Acórdãos de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.os 51 e 52, e de 16 de dezembro de 2020, International Skating Union/Comissão, T‑93/18, EU:T:2020:610, n.o 70) que o facto de conceder, por via legislativa ou regulamentar, a uma associação desportiva que exerce uma atividade económica de organização e de comercialização de competições desportivas o poder de designar em paralelo, de jure ou de facto, as outras empresas autorizadas a implementar tais competições, sem que esse poder esteja sujeito a limites, a obrigações e a um controlo adequados, confere a essa associação desportiva uma vantagem evidente sobre os seus concorrentes, ao permitir‑lhe simultaneamente impedir o acesso destes últimos ao mercado e favorecer a sua própria atividade económica.

39

Atendendo a esta jurisprudência, o órgão jurisdicional de reenvio entende que é possível considerar, no caso vertente, que a FIFA e a UEFA abusam da sua posição dominante no mercado em causa no processo principal. Com efeito, as regras que estas duas entidades adotaram, na sua qualidade de associações e ao abrigo dos poderes de regulamentação e de controlo que se atribuíram, no que respeita à autorização prévia das competições internacionais de futebol, permite‑lhes impedir a entrada de empresas potencialmente concorrentes nesse mercado, tanto mais que esses poderes estão aliados aos poderes de decisão e de sanção que lhes dão a possibilidade de obrigar tanto as associações nacionais de futebol que delas são membros como os outros atores do futebol, em especial, os clubes de futebol profissional e os jogadores, a respeitarem o seu monopólio no referido mercado. Além disso, os estatutos da FIFA e da UEFA não preveem disposições que garantam que o exercício destas regras de autorização prévia e, mais amplamente, dos poderes de decisão e de sanção com os quais se conjugam é exclusivamente guiado por objetivos de interesse geral e não por interesses comerciais ou financeiros ligados à atividade económica a que estas duas entidades se dedicam em paralelo. Por último, tais regras e poderes não estão sujeitos a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado, capazes de limitar o poder discricionário da FIFA e da UEFA. As medidas anunciadas por estas duas entidades no caso em apreço, na sequência do lançamento do projeto da Superleague, exemplificam esta situação.

40

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se a FIFA e a UEFA também não violam os artigos 101.o e 102.o TFUE ao apropriarem‑se, por via estatutária, de todos os direitos jurídicos e económicos associados às competições internacionais de futebol que são organizadas no território da União, bem como ao reservarem para si a exploração exclusiva desses direitos. Com efeito, as regras adotadas pela FIFA a este respeito conferem a esta, à UEFA e às associações nacionais de futebol que delas são membros o estatuto de «detentores originais» dos referidos direitos, privando, por conseguinte, os clubes de futebol profissional que participem em tais competições da propriedade de tais direitos ou obrigando‑os a cedê‑los a estas duas entidades. Além disso, estas regras conjugam‑se com as regras de autorização prévia e, mais amplamente, com os poderes de regulamentação, de controlo, de decisão e de sanção de que a FIFA e a UEFA dispõem para fechar o mercado em causa a todas as empresas potencialmente concorrentes ou, pelo menos, para as dissuadir de entrar neste mercado, limitando a sua possibilidade de explorar os diferentes direitos associados às competições em questão.

41

Em quinto lugar, esse órgão jurisdicional observa que o comportamento da FIFA e da UEFA é igualmente suscetível de violar a proibição dos acordos enunciada no artigo 101.o TFUE.

42

A este respeito, considera, em primeiro lugar, que os artigos 20.o, 22.o, 67.o, 68.o e 71.o a 73.o dos Estatutos da FIFA, os artigos 49.o e 51.o dos Estatutos da UEFA e os artigos relevantes do Regulamento para os jogos internacionais da FIFA traduzem a decisão, tomada por cada uma destas duas associações de empresas e aplicável, designadamente, no território da União, de coordenar, sujeitando‑o a certas regras e a determinadas condições comuns, o seu comportamento e o das empresas que delas são direta ou indiretamente membros no mercado da organização e da comercialização das competições de futebol interclubes, bem como da exploração dos diferentes direitos a elas associados. Com efeito, independentemente das regras de autorização prévia, de decisão e de sanção que neles figuram, estes artigos contêm diferentes disposições que visam assegurar o seu respeito tanto pelas associações nacionais de futebol que são membros da FIFA e da UEFA como pelos clubes de futebol profissional que são membros dessas associações nacionais ou nelas filiados.

43

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o exame do conteúdo das regras em causa, do contexto económico e jurídico em que se inserem, dos objetivos que prosseguem e, no caso presente, das medidas de aplicação anunciadas pela FIFA e pela UEFA, em 21 de janeiro e 18 de abril de 2021, revela que essas regras podem restringir a concorrência no mercado em causa no processo principal. Retomando a este respeito todos os elementos já mencionados no âmbito da sua análise relativa ao artigo 102.o TFUE, acrescenta, de forma mais geral, que o problema de concorrência que lhe é colocado decorre, em última análise, do facto de a FIFA e a UEFA serem simultaneamente, por um lado, empresas que monopolizam o mercado da organização e da comercialização das competições internacionais de futebol interclubes, designadamente no território da União, bem como da exploração dos diferentes direitos associados a essas competições, e, por outro, associações de direito privado dotadas, ao abrigo dos seus próprios estatutos, de poderes de regulamentação, de controlo, de decisão e de sanção aplicáveis a todos os outros atores do futebol, quer se trate de agentes económicos ou de desportistas. Com efeito, sendo assim simultaneamente «legislador e parte», a FIFA e a UEFA encontram‑se manifestamente numa situação de conflito de interesses suscetível de as levar a utilizar os seus poderes de autorização prévia e de sanção para impedir a implementação de competições internacionais de futebol que não façam parte do seu sistema e, portanto, para obstar a qualquer concorrência potencial no mercado.

44

Em sexto e último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se as regras de autorização prévia e de sanção adotadas pela FIFA e pela UEFA, bem como as medidas anunciadas, no caso vertente, por estas duas entidades, em 21 de janeiro e 18 de abril de 2021, violam, ao mesmo tempo, a liberdade de circulação dos trabalhadores de que gozam os jogadores que são ou possam ser contratados pelos clubes de futebol profissional que pretendam participar em competições internacionais de futebol como a Superleague, as liberdades de prestação de serviços e de estabelecimento de que beneficiam tanto esses clubes como as empresas que propõem outros serviços ligados à organização e à comercialização de tais competições, bem como a liberdade de circulação dos capitais necessários à sua implementação.

45

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa, em especial, que decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma regulamentação de origem pública ou privada que institua um regime de autorização prévia deve não só ser justificada por um objetivo de interesse geral mas também estar conforme com o princípio da proporcionalidade, o que implica, nomeadamente, que o exercício do poder de apreciação de que dispõe a entidade competente para emitir essa autorização esteja sujeito a critérios transparentes, objetivos e não discriminatórios (Acórdão de 22 de janeiro de 2002, Canal Satélite Digital, C‑390/99, EU:C:2002:34, n.o 35 e jurisprudência referida).

46

Ora, no caso, esses diferentes requisitos não estão preenchidos, como resulta dos diferentes elementos evocados no âmbito da análise efetuada à luz dos artigos 101.o e 102.o TFUE.

47

Nestas circunstâncias, o Juzgado de lo Mercantil de Madrid (Tribunal de Comércio de Madrid) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 102.o TFUE ser interpretado no sentido de que proíbe um abuso de posição dominante, que consiste no facto de a FIFA e a UEFA preverem nos seus estatutos (em especial, artigos 22.o e 71.o a 73.o dos Estatutos da FIFA, artigos 49.o e 51.o dos Estatutos da UEFA, bem como qualquer artigo semelhante constante dos estatutos das associações membros e das ligas nacionais) que seja exigida uma autorização prévia destas entidades, que se atribuíram competência exclusiva para organizar ou autorizar competições internacionais de clubes na Europa, para que uma terceira entidade estabeleça uma nova competição [europeia] de clubes, como a Superliga, em especial quando não existe um procedimento regulamentado baseado em critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios, e tendo em consideração o possível conflito de interesses que afeta a FIFA e a UEFA?

2)

Deve o artigo 101.o TFUE ser interpretado no sentido de que proíbe que a FIFA e a UEFA exijam nos seus estatutos (em especial, artigos 22.o e 71.o a 73.o dos Estatutos da FIFA, artigos 49.o e 51.o dos Estatutos da UEFA, bem como qualquer artigo semelhante constante dos estatutos das associações membros e das ligas nacionais) uma autorização prévia dessas entidades, que se atribuíram competência exclusiva para organizar ou autorizar competições internacionais de clubes na Europa, para que uma terceira entidade possa criar uma competição [europeia] de clubes, como a Superliga, em especial quando não existe um procedimento regulamentado baseado em critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios, e tendo em consideração o possível conflito de interesses que afetaria a FIFA e a UEFA?

3)

Devem os artigos 101.o e/ou 102.o TFUE ser interpretados no sentido de que proíbem uma atuação por parte da FIFA, da UEFA, das federações que são membros destas entidades e/ou das ligas nacionais que consiste na ameaça da aplicação de sanções aos clubes que participem na Superliga e/ou aos seus jogadores, dado o seu eventual efeito dissuasório? Caso sejam aplicadas as sanções de exclusão de competições ou de proibição de participação em jogos de seleções nacionais, constituiriam essas sanções, por não se basearem em critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios, uma violação dos artigos 101.o e/ou 102.o TFUE?

4)

Devem os artigos 101.o e/ou 102.o TFUE ser interpretados no sentido de que são incompatíveis com os mesmos os artigos 67.o e 68.o dos Estatutos da FIFA na medida em que identificam a UEFA e as federações nacionais que são membros desta entidade como “proprietários originários de todos os direitos decorrentes das competições […] sob a respetiva jurisdição”, excluindo os clubes participantes e qualquer organizador de competições alternativas da propriedade originária dos referidos direitos, arrogando‑se a responsabilidade exclusiva pela sua comercialização?

5)

Se a FIFA e a UEFA, enquanto entidades que se atribuem a competência exclusiva para organizar e autorizar competições de clubes de futebol internacionais na Europa, proibirem ou se opuserem, com fundamento nas referidas disposições dos seus estatutos, ao desenvolvimento da Superliga, deve o artigo 101.o TFUE ser interpretado no sentido de que estas restrições à concorrência podem beneficiar da exceção prevista nesta disposição, tendo em conta que a produção é limitada de maneira substancial, que é impedido o aparecimento de produtos alternativos aos oferecidos no mercado pela FIFA/UEFA e que se restringe a inovação, quando se impedem outros formatos e modalidades, eliminando‑se a potencial concorrência no mercado e limitando‑se a escolha do consumidor? Essa restrição beneficia de uma justificação objetiva que permita concluir pela inexistência de abuso de posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE?

6)

Devem os artigos 45.o, 49.o, 56.o e/ou 63.o TFUE ser interpretados no sentido de que constituem restrições contrárias a uma das liberdades fundamentais neles consagradas disposições como as constantes dos Estatutos da FIFA e da UEFA (em especial, artigos 22.o e 71.o a 73.o dos Estatutos da FIFA, artigos 49.o e 51.o dos Estatutos da UEFA, bem como qualquer artigo semelhante constante dos estatutos das associações membros e das ligas nacionais), quando exigem uma autorização prévia dessas entidades para o estabelecimento por parte de um operador económico de um Estado‑Membro de uma competição de clubes [europeia] como a Superliga?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

48

Na sua decisão de reenvio, o Juzgado de lo Mercantil de Madrid (Tribunal de Comércio de Madrid) pediu que o Tribunal de Justiça submetesse o presente processo à tramitação acelerada prevista no artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio desse pedido, fez referência, por um lado, ao caráter importante e sensível, do ponto de vista económico e social, do litígio no processo principal e das questões submetidas ao Tribunal de Justiça, uma vez que têm por objeto a organização de competições de futebol no território da União e a exploração dos diferentes direitos associados a essas competições. Por outro lado, expôs que as referidas questões são submetidas no âmbito de um processo judicial nacional que já deu origem à adoção de medidas cautelares e que apresenta um certo caráter de urgência, tendo em conta os prejuízos cuja existência é invocada pelos clubes de futebol profissional que constituíram a ESLC e, mais amplamente, as consequências práticas e financeiras decorrentes da pandemia de COVID‑19 para o setor do futebol, designadamente, no território da União.

49

Por Decisão de 1 de julho de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça indeferiu esse pedido com o fundamento de que as circunstâncias invocadas em apoio do mesmo não justificavam, por si só, que o presente processo fosse submetido a tramitação acelerada.

50

Com efeito, esta tramitação constitui um instrumento processual que se destina a atender a uma situação de urgência extraordinária cuja existência deve ser demonstrada tendo em conta as circunstâncias excecionais próprias do processo em relação ao qual é apresentado um pedido de tramitação acelerada (Despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de dezembro de 2017, M. A. e o., C‑661/17, EU:C:2017:1024, n.o 17, e de 25 de fevereiro de 2021, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2021:149, n.o 22).

51

Ora, o caráter importante e sensível, do ponto de vista económico e social de um litígio e das questões relacionadas com este que são submetidas ao Tribunal de Justiça, num determinado domínio do direito da União, não é suscetível de determinar a existência de uma situação de urgência extraordinária e, consequentemente, a necessidade de recorrer à tramitação acelerada (v., neste sentido, Despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 27 de fevereiro de 2019, M.V. e o., C‑760/18, EU:C:2019:170, n.o 18, e de 25 de fevereiro de 2021, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2021:149, n.o 24).

52

Além disso, o facto de um litígio ter caráter urgente e de o tribunal nacional competente ter de tomar todas as medidas para assegurar a sua resolução célere não justifica, em si mesma, que o Tribunal de Justiça submeta o correspondente processo prejudicial a esta tramitação, atendendo ao seu objeto e as suas condições de aplicação (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de fevereiro de 2021, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2021:149, n.os 26 a 29). Com efeito, cabe, em primeira linha, ao tribunal nacional da causa, que está em melhor posição para apreciar os interesses concretos das partes e que considera necessário submeter questões ao Tribunal de Justiça, adotar, na pendência da decisão deste, todas as medidas provisórias adequadas para garantir a plena eficácia da decisão que é ele próprio chamado a proferir (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de fevereiro de 2021, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2021:149, n.o 33), como, aliás, fez o órgão jurisdicional de reenvio no caso em apreço.

IV. Quanto à admissibilidade

53

As demandadas no processo principal, uma das duas intervenientes no processo principal que as apoiam, a Irlanda e os Governos Francês e eslovaco puseram em causa a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no seu todo.

54

Os argumentos invocados a este respeito são, em substância, de três ordens. Incluem, em primeiro lugar, argumentos de ordem processual relativos ao facto de a decisão de reenvio ter sido tomada, por um lado, na sequência da adoção de medidas cautelares sem debate contraditório, portanto, sem que as partes no litígio no processo principal tenham sido previamente ouvidas, contrariamente ao exigido pelas disposições do direito interno aplicáveis, e, por outro, sem que o órgão jurisdicional de reenvio se tenha pronunciado sobre o pedido de declaração de incompetência apresentado pelas demandadas no processo principal que alegam a competência dos tribunais helvéticos. Em segundo lugar, são invocados argumentos de ordem formal segundo os quais o conteúdo da referida decisão não respeita as exigências enunciadas no artigo 94.o, alínea a), do Regulamento de Processo, uma vez que não apresenta de forma suficientemente exata e detalhada o quadro jurídico e factual em que o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça. Esta situação é particularmente problemática num processo de natureza complexa que tem essencialmente por objeto a interpretação e a aplicação das regras de concorrência da União. Além disso, é suscetível de impedir os interessados de tomarem utilmente posição sobre as questões a decidir. Em terceiro lugar, são apresentados argumentos de ordem material relativos ao caráter hipotético do pedido de decisão prejudicial, uma vez que não existe um litígio real cuja resolução possa tornar necessária uma qualquer decisão interpretativa do Tribunal de Justiça. Tal situação decorre, em especial, do facto de ainda não ter sido apresentado à FIFA e à UEFA um pedido de autorização, em boa e devida forma, do projeto da Superleague e da circunstância de este projeto ainda estar indefinido e pouco avançado tanto na data em que foi anunciado como na data em que a ação na origem do litígio no processo principal foi proposta.

55

Por outro lado, os Governos Francês, Húngaro e Romeno puseram em causa a admissibilidade das terceira a sexta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, por razões que são, em substância, análogas às invocadas para pôr em causa a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no seu todo, a saber, o seu caráter hipotético ou insuficientemente fundamentado. Os principais elementos apresentados neste contexto prendem‑se com a inexistência de uma relação factual ou jurídica real ou suficientemente explicitada, na decisão de reenvio, entre, por um lado, o litígio no processo principal e, por outro, as regras da FIFA relativas à apropriação e à exploração dos diferentes direitos associados às competições internacionais de futebol (quarta questão), bem como as disposições do Tratado FUE relativas às liberdades de circulação (sexta questão).

A. Quanto aos requisitos processuais de adoção da decisão de reenvio

56

No âmbito do processo prejudicial, não cabe ao Tribunal de Justiça, tendo em conta a repartição de funções entre este e os tribunais nacionais, verificar se a decisão de reenvio foi adotada em conformidade com as regras nacionais de organização e de processo judiciais. Além disso, o Tribunal de Justiça deve ater‑se a essa decisão, enquanto não tiver sido revogada no quadro das vias processuais previstas eventualmente pelo direito interno (Acórdãos de 14 de janeiro de 1982, Reina, 65/81, EU:C:1982:6, n.o 7, e de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2022:235, n.o 70).

57

No presente processo, não compete, portanto, ao Tribunal de Justiça determinar a que normas processuais o direito interno sujeita a adoção de uma decisão como a decisão de reenvio no caso de, como neste, terem sido anteriormente ordenadas medidas cautelares sem debate contraditório, nem verificar se a decisão foi tomada em conformidade com essas regras.

58

Por outro lado, tendo em conta os argumentos invocados por algumas das demandadas no processo principal, refira‑se que um órgão jurisdicional nacional pode apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, tanto no âmbito de um processo de caráter urgente, como um processo que tenha por objeto medidas cautelares ou outras medidas provisórias (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de maio de 1977, Hoffmann‑La Roche, 107/76, EU:C:1977:89, n.os 1 e 4, e de 13 de abril de 2000, Lehtonen e Castors Braine, C‑176/96, EU:C:2000:201, n.o 20), como num processo que não tenha natureza contraditória (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de dezembro de 1971, Politi, 43/71, EU:C:1971:122, n.os 4 e 5, e de 2 de setembro de 2021, Finanzamt für Steuerstrafsachen und Steuerfahndung Münster, C‑66/20, EU:C:2021:670, n.o 37), desde que estejam reunidos todos os pressupostos previstos no artigo 267.o TFUE e esse pedido preencha todos os requisitos aplicáveis quanto à sua forma e ao seu conteúdo (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 1998, Corsica Ferries France, C‑266/96, EU:C:1998:306, n.os 23 e 24).

B. Quanto ao conteúdo da decisão de reenvio

59

O processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para proferirem uma sentença nos litígios que lhes cabe decidir. Segundo jurisprudência constante, que passou a estar refletida no artigo 94.o, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Além disso, é indispensável, como enuncia o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo, que o pedido de decisão prejudicial exponha as razões que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal. Estas exigências são particularmente válidas nos domínios caracterizados por situações de facto e de direito complexas, tais como o domínio da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 83, e de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.os 23 e 24).

60

Por outro lado, as informações fornecidas na decisão de reenvio devem não só permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas também dar aos governos dos Estados‑Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (v., neste, Acórdãos de 1 de abril de 1982, Holdijk e o., 141/81 a 143/81, EU:C:1982:122, n.o 7, e de 11 de abril de 2000, Deliège, C‑51/96 e C‑191/97, EU:C:2000:199, n.o 31).

61

No caso em apreço, o pedido de decisão prejudicial cumpre as exigências recordadas nos dois números anteriores do presente acórdão. Com efeito, a decisão de reenvio apresenta, de forma detalhada, o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões submetidas ao Tribunal de Justiça. Em seguida, essa decisão expõe de forma circunstanciada as razões de facto e de direito que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a considerar que era necessário submeter essas questões, bem como o nexo que, em seu entender, une os artigos 45.o, 49.o, 56.o, 63.o, 101.o e 102.o TFUE ao litígio no processo principal, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio enuncia, de forma clara e precisa, os elementos em que se baseou para formular ele próprio determinadas apreciações de ordem factual e jurídica.

62

Em especial, as apreciações do órgão jurisdicional de reenvio que dizem respeito, por um lado, ao mercado em causa no processo principal, definido como o da organização e da comercialização das competições de futebol interclubes no território da União, bem como da exploração dos diferentes direitos associados a essas competições, e, por outro, à posição dominante que a FIFA e a UEFA ocupam nesse mercado, permitem compreender a realidade da relação existente, no quadro assim definido, entre o litígio no processo principal e a quarta questão submetida ao Tribunal de Justiça, na qual esse órgão jurisdicional se interroga sobre a interpretação do artigo 102.o TFUE para efeitos da eventual aplicação deste artigo às regras da FIFA relativas à apropriação e à exploração dos direitos em causa.

63

Por outro lado, o teor das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça põe em evidência o facto de os seus autores não terem tido nenhuma dificuldade em apreender o quadro factual e jurídico em que se inserem as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, em compreender o sentido e o alcance dos enunciados factuais que lhes estão subjacentes, em entender as razões pelas quais o órgão jurisdicional de reenvio considerou necessário submetê‑las, bem como, em última análise, em tomar posição de forma completa e útil a esse respeito.

C. Quanto à realidade do litígio e à pertinência das questões submetidas ao Tribunal de Justiça

64

Compete, exclusivamente, ao órgão jurisdicional nacional chamado a decidir do litígio no processo principal, que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades desse litígio, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Daqui resulta que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais gozam de presunção de pertinência e que o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre essas questões se for manifesto que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, se o problema for hipotético ou ainda se o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às referidas questões [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de dezembro de 1981, Foglia, 244/80, EU:C:1981:302, n.os 15 e 18, e de 7 de fevereiro de 2023, Confédération paysanne e o. (Mutagénese aleatória in vitro), C‑688/21, EU:C:2023:75, n.os 32 e 33].

65

No caso, há que observar, em complemento das apreciações constantes do n.o 61 do presente acórdão, que as indicações do órgão jurisdicional de reenvio resumidas nos n.os 28 a 32 deste acórdão comprovam o caráter real do litígio no processo principal. Além disso, estas mesmas indicações e as mencionadas nos n.os 33 a 46 do referido acórdão revelam que o facto de o órgão jurisdicional de reenvio questionar o Tribunal de Justiça, nesse quadro, sobre a interpretação dos artigos 45.o e 101.o TFUE não é manifestamente desprovido de relação com a realidade e com o objeto do litígio no processo principal.

66

Em especial, embora seja verdade que existe uma controvérsia entre as partes no processo principal sobre a possibilidade de esse órgão jurisdicional aplicar, paralelamente às disposições do Tratado FUE relativas às normas da concorrência da União, artigos relativos às liberdades de circulação, tendo em conta os termos em que estão redigidos os pedidos da demandante no processo principal, não é menos verdade que, como recordou o Governo Espanhol na audiência, o referido órgão jurisdicional parece, nesta fase, considerar‑se competente para tal, não sendo a fiscalização do mérito desta posição da competência do Tribunal de Justiça.

67

Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível na íntegra.

V. Quanto às questões prejudiciais

68

Com as suas cinco primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que interprete os artigos 101.o e 102.o TFUE, relativos à proibição dos acordos anticoncorrenciais e dos abusos de posição dominante, a fim de se pronunciar sobre a compatibilidade com estes dois artigos de um conjunto de regras adotadas pela FIFA e pela UEFA.

69

Com a sua sexta questão, esse órgão jurisdicional interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação dos artigos 45.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE, relativos às liberdades de circulação garantidas pelo direito da União, a fim de se pronunciar, de forma paralela, sobre a compatibilidade das mesmas regras com estes quatro artigos.

70

O litígio no âmbito do qual estas questões são submetidas ao Tribunal de Justiça tem origem na ação de uma empresa que se queixa, em substância, de que as regras adotadas pela FIFA e pela UEFA, tendo em conta a sua natureza, o seu conteúdo, os seus objetivos, o contexto concreto em que se inserem e a aplicação que delas pode ser feita, impedem, restringem ou falseiam a concorrência no mercado da organização e da comercialização das competições de futebol interclubes no território da União, bem como da exploração dos diferentes direitos associados a essas competições. Mais especificamente, essa empresa sustenta que, na sequência do lançamento do projeto de nova competição internacional de futebol que pretende implementar, a FIFA e a UEFA violaram os artigos 101.o e 102.o TFUE ao indicarem que pretendiam aplicar as referidas regras e ao sublinharem as consequências concretas que tal aplicação poderia ter para a competição em causa e para os clubes e jogadores participantes.

71

Atendendo tanto ao teor das questões submetidas ao Tribunal de Justiça como à natureza do litígio no âmbito do qual são suscitadas, importa, antes de examinar estas questões, formular três séries de observações preliminares.

A. Observações preliminares

1.   Quanto ao objeto do processo principal

72

As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio incidem exclusivamente sobre uma série de regras através das quais a FIFA e a UEFA pretendem regular, por um lado, a autorização prévia de determinadas competições internacionais de futebol e a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições e, por outro, a exploração dos diferentes direitos a elas associados.

73

A este respeito, antes de mais, resulta da redação destas questões que as regras em causa figuram nos artigos 22.o, 67.o, 68.o e 71.o a 73.o dos Estatutos da FIFA e nos artigos 49.o a 51.o dos Estatutos da UEFA. No entanto, como decorre das indicações do órgão jurisdicional de reenvio, estas regras só estão em causa, no litígio no processo principal, na parte em que são aplicáveis às competições internacionais «que envolvam» ou «em que participem» clubes, de acordo com a terminologia utilizada, respetivamente, no artigo 71.o, n.o 1, dos Estatutos da FIFA e no artigo 49.o, n.o 1, dos Estatutos da UEFA. Também qualificadas de «competições interclubes» no artigo 22.o, n.o 3, alínea c), dos Estatutos da FIFA, estas competições fazem parte da categoria mais ampla das competições internacionais de futebol ditas «de segunda categoria» que são referidas nos artigos 8.o e 11.o do Regulamento para os jogos internacionais da FIFA e que são abrangidas pelo mecanismo de autorização prévia a que se referem estes artigos.

74

Não estão consequentemente em causa, no litígio no processo principal nem, portanto, no presente processo, as regras adotadas pela FIFA e pela UEFA no que respeita, primeiro, à autorização prévia de outras competições internacionais de futebol, como aquelas em que participam exclusivamente equipas representativas de associações nacionais de futebol membros da FIFA e da UEFA, segundo, à participação das equipas ou dos jogadores nestas competições e, terceiro, à exploração dos diferentes direitos a elas associados.

75

Por maioria de razão, não estão em causa, no caso em apreço, nem as regras que podem ter sido adotadas pela FIFA e pela UEFA a propósito de outras atividades, nem as disposições dos estatutos da FIFA e da UEFA que têm por objeto o funcionamento, a organização, os objetivos ou ainda a própria existência destas duas associações, observando‑se, a este respeito, que o Tribunal de Justiça já salientou que, dispondo embora de autonomia jurídica que lhes permite adotar regras relativas, designadamente, à organização das competições na respetiva modalidade, à sua boa evolução e à participação dos desportistas nas mesmas (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de abril de 2000, Deliège, C‑51/96 e C‑191/97, EU:C:2000:199, n.os 67 e 68, e de 13 de junho de 2019, TopFit e Biffi, C‑22/18, EU:C:2019:497, n.o 60), essas associações não podem, ao fazê‑lo, limitar o exercício dos direitos e das liberdades que o direito da União confere aos particulares (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.os 81 e 83, e de 13 de junho de 2019, TopFit e Biffi, C‑22/18, EU:C:2019:497, n.o 52).

76

Assim sendo, a consideração feita no número anterior em nada se opõe a que as disposições como as relativas à organização ou ao funcionamento da FIFA e da UEFA sejam tomadas em consideração pelo órgão jurisdicional de reenvio no âmbito do exame que este será chamado a efetuar para decidir a causa principal, na medida em que essa consideração se justifique para aplicar os artigos do Tratado FUE sobre os quais esse órgão jurisdicional questiona o Tribunal de Justiça, à luz da interpretação constante do presente acórdão.

77

Em seguida, há que observar que, embora o litígio no processo principal tenha origem numa ação intentada por uma sociedade que anunciou o lançamento de um projeto de nova competição internacional de futebol denominada «Superleague», e a terceira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio diga especificamente respeito aos comportamentos concretos da FIFA e da UEFA quando reagiram a esse lançamento, as outras cinco questões desse órgão jurisdicional têm por objeto, por sua vez, as regras da FIFA e da UEFA em que se basearam esses comportamentos (a saber, as regras relativas à autorização prévia das competições desta natureza e à participação dos clubes de futebol profissional ou dos jogadores nas mesmas), e outras regras relacionadas, segundo o referido órgão jurisdicional, com o mercado em causa conforme definido por este (a saber, as regras relativas à apropriação e à exploração dos diferentes direitos associados a essas competições).

78

Estas questões, consideradas em conjunto, visam assim permitir ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se essas diferentes regras, na medida em que são suscetíveis de ser aplicadas a qualquer nova competição de futebol interclubes organizada ou prevista no território da União, como aquela cujo lançamento anunciado está na origem do litígio no processo principal, são constitutivas, tendo em conta a sua natureza, o seu conteúdo, os seus objetivos e o contexto concreto em que se inserem, de uma violação dos artigos 45.o, 49.o, 56.o, 63.o, 101.o e 102.o TFUE.

79

Nestas condições, o Tribunal de Justiça terá em conta, no âmbito das suas respostas ao conjunto de questões que lhe são submetidas, todas as características relevantes das regras da FIFA e da UEFA que estão em causa no litígio no processo principal, conforme referidas na decisão de reenvio e recordadas por todas as partes no processo principal.

80

Por último, impõe‑se observar que o órgão jurisdicional de reenvio não questiona, em contrapartida, o Tribunal de Justiça sobre a interpretação dos artigos 45.o, 49.o, 56.o, 63.o, 101.o e 102.o TFUE para se pronunciar, num sentido ou noutro, sobre a compatibilidade do próprio projeto de Superleague com estes diferentes artigos do Tratado FUE.

81

De resto, as características desse projeto não revestem especial relevância para as respostas a dar à primeira, segunda e quarta a sexta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta o objeto destas. Por outro lado, uma vez que estas características são fortemente debatidas pelas partes no processo principal, o Tribunal de Justiça limitar‑se‑á, a este respeito, a precisar, se necessário, em que medida podem ser relevantes, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar.

2.   Quanto à aplicabilidade do direito da União ao desporto e à atividade das associações desportivas

82

As questões submetidas ao Tribunal de Justiça têm por objeto a interpretação dos artigos 45.o, 49.o, 56.o, 63.o, 101.o e 102.o TFUE no contexto de um litígio que põe em causa regras que foram adotadas por duas entidades que têm, de acordo com os respetivos estatutos, a qualidade de associações de direito privado responsáveis pela organização e pelo controlo do futebol a nível mundial e europeu, e que são relativas à autorização prévia das competições internacionais de futebol interclubes e à exploração dos diferentes direitos associados a essas competições.

83

A este respeito, há que recordar que, no que constitua uma atividade económica, a prática de um desporto está abrangida pelas disposições do direito da União que são aplicáveis a tal atividade (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de dezembro de 1974, Walrave e Koch, 36/74, EU:C:1974:140, n.o 4, e de 16 de março de 2010, Olympique Lyonnais, C‑325/08, EU:C:2010:143, n.o 27).

84

Só certas regras específicas que, por um lado, foram adotadas exclusivamente por razões de ordem não económica e que, por outro, dizem respeito a questões que interessam apenas ao desporto, devem, enquanto tal, ser consideradas alheias a qualquer atividade económica. É, especialmente, o caso das regras relativas à exclusão dos jogadores estrangeiros da composição das equipas que participam nas competições entre equipas representativas de cada país ou à fixação dos critérios de classificação utilizados para selecionar os atletas que participam em competições a título individual (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de dezembro de 1974, Walrave e Koch, 36/74, EU:C:1974:140, n.o 8; de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.os 76 e 127, e de 11 de abril de 2000, Deliège, C‑51/96 e C‑191/97, EU:C:2000:199, n.os 43, 44, 63, 64 e 69).

85

Com exceção destas regras específicas, as regras que as associações desportivas adotam para regular o trabalho por conta de outrem ou a prestação de serviços dos jogadores profissionais ou semiprofissionais e, mais amplamente, as regras que, embora não regulem formalmente tal trabalho e prestação de serviços, têm incidência direta nos mesmos, podem ser abrangidas pelos artigos 45.o e 56.o TFUE (v., nesse sentido, Acórdãos de 12 de dezembro de 1974, Walrave e Koch, 36/74, EU:C:1974:140, n.os 5, 17 a 19 e 25; de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.os 75, 82 a 84 e 87; de 12 de abril de 2005, Simutenkov, C‑265/03, EU:C:2005:213, n.o 32, e de 16 de março de 2010, Olympique Lyonnais, C‑325/08, EU:C:2010:143, n.os 28 e 30).

86

Do mesmo modo, as regras adotadas por essas associações podem ser abrangidas pelo artigo 49.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.o 28), ou mesmo pelo artigo 63.o TFUE.

87

Por último, estas regras e, mais amplamente, o comportamento das associações que as adotaram são abrangidos pelas disposições do Tratado FUE relativas ao direito da concorrência quando estejam reunidos os pressupostos de aplicação dessas disposições (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.os 30 a 33), o que implica que essas associações possam ser qualificadas de «empresas», na aceção dos artigos 101.o e 102.o TFUE ou que as regras em causa possam ser qualificadas de «decisões de associações de empresas», na aceção do artigo 101.o TFUE.

88

De forma mais geral, uma vez que tais regras são abrangidas pelas referidas disposições do Tratado FUE, devem, no caso de enunciarem prescrições aplicáveis aos particulares, ser concebidas e aplicadas no respeito pelos princípios gerais do direito da União, em especial, dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2019, TopFit e Biffi, C‑22/18, EU:C:2019:497, n.os 60, 65 e 66 e jurisprudência referida).

89

Ora, as regras em causa no processo principal, quer emanem da FIFA ou da UEFA, não fazem parte das regras às quais pode ser aplicada a exceção referida no n.o 84 do presente acórdão, relativamente à qual o Tribunal de Justiça recordou reiteradamente que deve ser mantida dentro dos limites do seu próprio objeto e que não pode ser invocada para excluir toda uma atividade desportiva do âmbito de aplicação das disposições do Tratado FUE relativas ao direito económico da União (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de julho de 1976, Donà, 13/76, EU:C:1976:115, n.os 14 e 15, e de 18 de julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.o 26).

90

Pelo contrário, em primeiro lugar, as regras relativas ao exercício, por uma associação desportiva, de poderes em matéria de autorização prévia de competições desportivas, cuja organização e comercialização constituam, como o Tribunal de Justiça já observou, uma atividade económica para as empresas que a elas se dedicam ou pretendem dedicar‑se, são abrangidas, a este título, pelo âmbito de aplicação das disposições do Tratado FUE relativas ao direito da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 28). Pela mesma razão, são também abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições do Tratado FUE relativas às liberdades de circulação.

91

Em segundo lugar, as regras adotadas pela FIFA e pela UEFA para regular a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nas competições internacionais de futebol interclubes são igualmente abrangidas pelo âmbito de aplicação destas disposições. Com efeito, embora não regulem formalmente as condições de trabalho ou de prestação de serviços dos jogadores nem as condições de prestação de serviços ou, mais amplamente, de exercício da atividade económica pelos clubes de futebol profissional, deve considerar‑se que essas regras têm incidência direta, consoante o caso, nesse trabalho, nessa prestação de serviços ou no exercício dessa atividade económica, uma vez que influenciam necessariamente a possibilidade de os jogadores e os clubes participarem nas competições em causa.

92

Em terceiro lugar, as regras adotadas pela FIFA para regular a exploração dos diferentes direitos associados às competições internacionais de futebol têm por objetivo prever as condições em que as empresas titulares desses direitos podem explorá‑los ou delegar em empresas terceiras a sua exploração, revestindo tais atividades natureza económica. Além disso, essas regras têm incidência direta nas condições em que essas empresas terceiras ou outras empresas podem esperar explorar os referidos direitos ou que lhes sejam cedidos ou concedidos, sob qualquer forma, a fim de se dedicarem a atividades de intermediação (como a revenda dos direitos em causa a organismos de radiodifusão televisiva e a outros fornecedores de serviços de comunicação social) ou finais (como a difusão ou a retransmissão de determinados jogos na televisão ou via Internet) que também revestem natureza económica.

93

Estas diferentes atividades económicas de organização das competições desportivas, de comercialização do espetáculo desportivo, de transmissão do mesmo e de inserção de publicidade são, de resto, complementares, ou mesmo interligadas, como já salientou o Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de abril de 2000, Deliège, C‑51/96 e C‑191/97, EU:C:2000:199, n.os 56 e 57, e de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 33).

94

Portanto, todas as regras da FIFA e da UEFA em relação às quais o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça são abrangidas pelo âmbito de aplicação dos artigos 45.o, 49.o, 56.o, 63.o, 101.o e 102.o TFUE.

3.   Quanto ao artigo 165.o TFUE

95

Todas as partes no processo principal e um grande número de governos que participaram no processo no Tribunal de Justiça se pronunciaram, em sentidos diferentes, sobre as consequências que podem estar ligadas ao artigo 165.o TFUE no âmbito das respostas a dar às diferentes questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

96

A este respeito, refira‑se primeiro que o artigo 165.o TFUE deve ser entendido à luz do artigo 6.o, alínea e), TFUE, que prevê que a União dispõe de competência para desenvolver ações destinadas a apoiar, coordenar ou completar a ação dos Estados‑Membros nos domínios da educação, da formação profissional, da juventude e do desporto. Com efeito, o artigo 165.o TFUE concretiza essa disposição ao precisar tanto os objetivos que são atribuídos à ação da União nos domínios em causa como os meios a que se pode recorrer para contribuir para a realização desses objetivos.

97

Assim, no que respeita aos objetivos atribuídos à ação da União no domínio do desporto, o artigo 165.o TFUE enuncia, no seu n.o 1, segundo parágrafo, que a União contribui para a promoção dos aspetos europeus do desporto, tendo simultaneamente em conta as suas especificidades, as suas estruturas baseadas no voluntariado e a sua função social e educativa, e, no seu n.o 2, último travessão, que ação da União neste domínio tem por objetivo desenvolver a dimensão europeia do desporto, promovendo a equidade e a abertura nas competições desportivas e a cooperação entre os organismos responsáveis pelo desporto, bem como protegendo a integridade física e moral dos desportistas, nomeadamente dos mais jovens de entre eles.

98

No que diz respeito aos meios a que se pode recorrer para contribuir para a realização desses objetivos, o artigo 165.o TFUE prevê, no seu n.o 3, que a União incentivará a cooperação com países terceiros e com as organizações internacionais competentes em matéria de desporto e, no seu n.o 4, que o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário ou o Conselho deliberando sozinho sob proposta da Comissão podem adotar, respetivamente, ações de incentivo ou recomendações.

99

Em segundo lugar, como decorre tanto da redação do artigo 165.o TFUE como da redação do artigo 6.o, alínea e), TFUE, os autores dos Tratados pretenderam conferir à União, através destas disposições, uma competência de apoio, que lhe permite desenvolver não uma «política», como previsto noutras disposições do Tratado FUE, mas sim uma «ação» em vários domínios específicos, entre os quais o desporto. As referidas disposições constituem assim uma base jurídica que autoriza a União a exercer essa competência de apoio, dentro das condições e dos limites nelas fixados, entre os quais figura, de acordo com o artigo 165.o, n.o 4, primeiro travessão, TFUE, a exclusão de qualquer harmonização das disposições legislativas e regulamentares adotadas a nível nacional. Além disso, a referida competência de apoio permite à União adotar atos jurídicos com o único objetivo de apoiar, coordenar ou completar a ação dos Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 6.o TFUE.

100

Correlativamente, e como decorre igualmente do contexto em que se insere o artigo 165.o TFUE, em especial da sua inserção na terceira parte do Tratado FUE, consagrada às «políticas e ações internas da União», e não na primeira parte desse Tratado, que contém disposições de princípio entre as quais figuram, no título II, «[d]isposições de aplicação geral» relativas, designadamente, à promoção de um nível elevado de emprego, à garantia de uma proteção social adequada, à luta contra qualquer discriminação, à proteção do ambiente ou ainda à defesa dos consumidores, este artigo não constitui uma disposição de aplicação geral de caráter transversal.

101

Daqui resulta que, embora as instituições competentes da União devam ter em conta os diferentes elementos e objetivos enumerados no artigo 165.o TFUE quando adotam, com base neste artigo e nas condições nele fixadas, ações de incentivo ou recomendações no domínio do desporto, estes diferentes elementos e objetivos e estas ações de incentivo e recomendações não têm de ser integrados ou tidos em conta de forma vinculativa na aplicação das regras sobre cuja interpretação o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça, quer estas digam respeito às liberdades de circulação de pessoas, de serviços e de capitais (artigos 45.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE) ou às normas da concorrência (artigos 101.o e 102.o TFUE). Mais genericamente, o artigo 165.o TFUE também não pode ser considerado uma norma especial que subtrai o desporto à totalidade ou a parte das outras disposições do direito primário da União suscetíveis de lhe ser aplicadas ou que impõe que lhe seja reservado um tratamento especial no âmbito dessa aplicação.

102

Em terceiro lugar, não deixa de ser verdade que, conforme foi salientado várias vezes pelo Tribunal de Justiça, a atividade desportiva reveste uma importância social e educativa considerável, agora refletida no artigo 165.o TFUE, para a União e para os seus cidadãos (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 106, e de 13 de junho de 2019, TopFit e Biffi, C‑22/18, EU:C:2019:497, n.os 33 e 34).

103

Além disso, esta atividade apresenta inegáveis especificidades que, embora dizendo especialmente respeito ao desporto amador, também podem ser encontradas na prática do desporto enquanto atividade económica (v., neste sentido, Acórdão de 13 de abril de 2000, Lehtonen e Castors Braine, C‑176/96, EU:C:2000:201, n.o 33).

104

Por último, essas especificidades podem eventualmente ser tidas em conta, entre outros elementos e no que se revelem relevantes, na aplicação dos artigos 45.o e 101.o TFUE, devendo observar‑se, no entanto, que essa consideração só pode verificar‑se no âmbito e no respeito das condições e dos critérios de aplicação previstos em cada um destes artigos. A mesma apreciação é válida para os artigos 49.o, 56.o, 63.o e 102.o TFUE.

105

Em especial, quando se alega que uma regra adotada por uma associação desportiva constitui um entrave à liberdade de circulação dos trabalhadores ou um acordo anticoncorrencial, a determinação dessa regra como entrave ou como acordo anticoncorrencial deve, em qualquer caso, basear‑se num exame concreto do conteúdo da referida regra no contexto real em que é aplicada (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.os 98 a 103; de 11 de abril de 2000, Deliège, C‑51/96 e C‑191/97, EU:C:2000:199, n.os 61 a 64; e de 13 de abril de 2000, Lehtonen e Castors Braine, C‑176/96, EU:C:2000:201, n.os 48 a 50). Esse exame pode implicar ter em conta, por exemplo, a natureza, a organização ou ainda o funcionamento do desporto em causa e, mais especificamente, o seu grau de profissionalização, o modo como é praticado, a forma como interagem os diferentes atores que nele participam e o papel desempenhado pelas estruturas ou pelos organismos por ele responsáveis a todos os níveis, com os quais a União incentiva a cooperação, em conformidade com o artigo 165.o, n.o 3, TFUE.

106

Por outro lado, quando se verifique a existência de um entrave à liberdade de circulação dos trabalhadores, a associação que adotou a regra em causa tem a possibilidade de demonstrar o seu caráter justificado, necessário e proporcionado atendendo a determinados objetivos que possam ser considerados legítimos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 104), que, por sua vez, dependem das especificidades do desporto em causa.

107

É à luz de todas estas considerações que importa examinar sucessivamente as questões do órgão jurisdicional de reenvio relativas às normas da concorrência e, em seguida, a questão relativa às liberdades de circulação.

B. Quanto à primeira a quinta questões, relativas às normas da concorrência

108

As duas primeiras questões incidem, em substância, sobre a forma como devem ser entendidas, à luz, por um lado, do artigo 102.o TFUE e, por outro, do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, regras como as da FIFA e da UEFA, relativas à autorização prévia das competições internacionais de futebol interclubes e à participação dos clubes de futebol profissional e dos desportistas nestas competições.

109

A terceira questão tem por objeto o modo como deve ser entendida, à luz dos mesmos artigos, a aplicação dessas regras anunciada através da declaração e do comunicado referidos nos n.os 30 e 31 do presente acórdão.

110

A quarta questão diz respeito, por seu turno, à forma como devem ser entendidas, à luz dos referidos artigos, regras como as que foram adotadas pela FIFA relativas aos direitos de exploração dessas competições.

111

A quinta questão, que é submetida para o caso de as regras mencionadas nos três números anteriores do presente acórdão serem consideradas constitutivas de um abuso de posição dominante abrangido pelo artigo 102.o TFUE ou de um acordo anticoncorrencial proibido pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE, destina‑se a permitir ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se essas regras podem, no entanto, ser admitidas à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 102.o TFUE ou nas condições previstas no artigo 101.o, n.o 3, TFUE.

112

Tendo em conta o alcance destas diferentes questões, importa, a título preliminar, recordar, em primeiro lugar, que os artigos 101.o e 102.o TFUE são aplicáveis a qualquer entidade que exerça uma atividade económica e que deva, como tal, ser qualificada de empresa, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de abril de 1991, Höfner e Elser, C‑41/90, EU:C:1991:161, n.o 21; de 11 de dezembro de 2007, ETI e o., C‑280/06, EU:C:2007:775, n.o 38; e de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.os 20 e 21).

113

Consequentemente, estes artigos são aplicáveis, nomeadamente, a entidades que são constituídas sob a forma de associações que têm por objetivo, segundo os seus estatutos, a organização e o controlo de um determinado desporto, na medida em que estas entidades exerçam uma atividade económica relacionada com esse desporto que consista na oferta de bens ou serviços e, a esse título, devam ser qualificadas de «empresas» (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.os 22, 23 e 26).

114

Por outro lado, o artigo 101.o TFUE é igualmente aplicável a entidades que, embora não sejam necessariamente elas próprias empresas, podem ser qualificadas de «associações de empresas».

115

No caso em apreço, tendo em conta o objeto do processo principal e as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que os artigos 101.o e 102.o TFUE são aplicáveis à FIFA e à UEFA, uma vez que estas duas associações exercem uma dupla atividade económica que consiste, como decorre dos n.os 34, 90 e 92 do presente acórdão, em organizar e comercializar competições de futebol interclubes no território da União e em explorar os diferentes direitos associados a essas competições, e que ambas devem ser qualificadas, a este título, de «empresas». Além disso, o artigo 101.o TFUE é‑lhes aplicável, dado que as referidas associações têm como membros associações nacionais de futebol que podem, por sua vez, ser qualificadas de «empresas», uma vez que exercem uma atividade económica ligada à organização e à comercialização de competições de futebol interclubes à escala nacional, bem como à exploração de direitos associados a essas competições, ou têm elas próprias como membros ou filiados entidades que podem ser qualificadas de empresas, como sucede com os clubes de futebol.

116

Em segundo lugar, contrariamente ao artigo 102.o TFUE, que tem por objeto unicamente os comportamentos unilaterais de empresas que detenham individual ou coletivamente, sendo o caso, uma posição dominante, o artigo 101.o TFUE visa abranger diferentes formas de comportamento que têm como ponto comum resultar do concurso de várias empresas, a saber, os «acordos entre empresas», as «práticas concertadas» e as «decisões de associações de empresas», sem tomar em consideração a posição das mesmas no mercado (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C‑395/96 P e C‑396/96 P, EU:C:2000:132, n.os 34 a 36).

117

No presente processo, a aplicação do artigo 102.o TFUE a uma entidade como a FIFA ou a UEFA pressupõe, entre outras condições, demonstrar que esta entidade detém uma posição dominante num determinado mercado. Ora, no caso em apreço, resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio que este considera que cada uma dessas duas entidades detém uma posição dominante no mercado da organização e da comercialização de competições de futebol interclubes no território da União, bem como da exploração dos diferentes direitos associados a essas competições. Por conseguinte, é com base nesta premissa factual e jurídica, de resto incontestável, tendo em conta, em especial, a circunstância de a FIFA e a UEFA serem as únicas associações que organizam e comercializam tais competições à escala mundial e europeia, ao contrário da situação que se verifica noutras disciplinas desportivas, que há que responder às questões do órgão jurisdicional de reenvio sobre a interpretação do artigo 102.o TFUE.

118

Quanto ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, a sua aplicação perante entidades como a FIFA ou a UEFA implica determinar a existência de um «acordo», de uma «prática concertada» ou de uma «decisão de associação de empresas», que podem ser, por sua vez, de natureza diferente e apresentar‑se sob diferentes formas. Em especial, a decisão de uma associação que consista em adotar ou aplicar uma regulamentação com incidência direta nas condições de exercício da atividade económica das empresas que dela são direta ou indiretamente membros pode constituir uma «decisão de associação de empresas», na aceção desta disposição (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 64, e de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.os 42 a 45). No caso presente, é atendendo a decisões deste tipo que o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, a saber, as de a FIFA e para a UEFA adotarem regras relativas à autorização prévia das competições internacionais de futebol interclubes, ao controlo da participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições, bem como às sanções que podem ser aplicadas em caso de violação dessas regras de autorização prévia e de participação.

119

Em terceiro e último lugar, uma vez que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio têm simultaneamente por objeto o artigo 101.o TFUE e o artigo 102.o TFUE, importa recordar que um mesmo comportamento pode dar origem a uma violação tanto do primeiro como do segundo artigo, mesmo embora estes prossigam objetivos e tenham âmbitos de aplicação distintos. Os referidos artigos podem aplicar‑se concomitantemente sempre que estejam preenchidas as respetivas condições de aplicação [v., neste sentido, Acórdãos de 11 de abril de 1989, Saeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro, 66/86, EU:C:1989:140, n.o 37; de 16 de março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C‑395/96 P e C‑396/96 P, EU:C:2000:132, n.o 33, e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 146]. Por conseguinte, os referidos artigos devem ser interpretados e aplicados de forma coerente, no respeito, porém, das especificidades que caracterizam um e outro.

1.   Quanto à primeira questão, relativa à interpretação do artigo 102.o TFUE perante regras relativas à autorização prévia das competições de futebol interclubes e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

120

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 102.o° TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui um abuso de posição dominante o facto de associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições terem adotado e aplicarem regras que fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de uma nova competição de futebol interclubes por uma empresa terceira, sem que esse poder esteja sujeito a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo e não discriminatório.

121

Contudo, como resulta simultaneamente da redação das regras a que essa questão se refere e das indicações da decisão de reenvio subjacentes à referida questão, as regras em causa no processo principal incidem não só sobre a autorização prévia das competições internacionais de futebol interclubes mas também sobre a possibilidade de os clubes de futebol profissional e os jogadores participarem nestas competições. Como decorre igualmente dessas indicações, o incumprimento das referidas regras é, além disso, acompanhado de sanções aplicáveis às pessoas singulares ou coletivas infratoras, sanções que incluem, como menciona a terceira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio e como recordaram todas as partes no processo principal, a exclusão dos clubes de futebol profissional de todas as competições organizadas pela FIFA e pela UEFA, a proibição de os jogadores participarem em competições de futebol interclubes ou ainda a proibição de participarem em encontros entre equipas representativas de associações nacionais de futebol.

122

Tendo em conta estes elementos, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 102.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui um abuso de posição dominante o facto de associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, terem adotado e aplicarem regras que fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de uma nova competição de futebol interclubes por uma empresa terceira e que controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nessa competição, sob pena de sanções, sem que estes diferentes poderes estejam sujeitos a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

a)   Quanto ao conceito de «abuso de posição dominante»

123

Nos termos do artigo 102.o TFUE, é incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste.

124

Como decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este artigo visa evitar que a concorrência seja impedida em detrimento do interesse geral, das empresas individuais e dos consumidores, reprimindo os comportamentos de empresas em posição dominante que restrinjam a concorrência pelo mérito e sejam, assim, suscetíveis de causar um prejuízo direto a estes últimos, ou que impeçam ou falseiem essa concorrência e sejam, assim, suscetíveis de lhes causar indiretamente um prejuízo (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 22 e 24; de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 20; e de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o., C‑377/20, EU:C:2022:379, n.os 41 e 44).

125

Constituem tais comportamentos os que, num mercado em que o grau de concorrência já está enfraquecido, na sequência precisamente da presença de uma ou mais empresas em posição dominante, obstam, recorrendo a meios diferentes dos que regem a concorrência pelo mérito entre empresas, à manutenção do grau de concorrência existente no mercado ou ao desenvolvimento dessa concorrência (v., neste sentido, Acórdãos 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.os 174 e 177; de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 24; e de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o., C‑377/20, EU:C:2022:379, n.o 68).

126

Em contrapartida, o artigo 102.o TFUE não visa impedir as empresas de conquistarem, pelo seu próprio mérito, uma posição dominante em um ou mais mercados, nem assegurar que empresas concorrentes menos eficazes do que as que detêm tal posição fiquem no mercado (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 21; de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 133; e de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o., C‑377/20, EU:C:2022:379, n.o 73).

127

Pelo contrário, a concorrência pelo mérito pode, por definição, conduzir ao desaparecimento ou à marginalização das empresas concorrentes menos eficazes e, portanto, menos interessantes para os consumidores em termos, nomeadamente, de preços, de produção, de escolha, de qualidade ou de inovação (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 22; de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 134; e de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o., C‑377/20, EU:C:2022:379, n.o 45).

128

Por maioria de razão, ao mesmo tempo que faz recair sobre as empresas em posição dominante a responsabilidade especial de não impedirem, através do seu comportamento, uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno, o artigo 102.o TFUE não proíbe a própria existência de uma posição dominante, mas apenas a sua exploração abusiva (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 23, e de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão, C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.o 188).

b)   Quanto à caracterização da existência de um abuso de posição dominante

129

Para se poder considerar, num determinado caso, que um comportamento deve ser qualificado de «exploração abusiva de uma posição dominante», é necessário, regra geral, demonstrar que, recorrendo a meios diferentes dos que regem a concorrência pela mérito entre empresas, esse comportamento tem por efeito atual ou potencial restringir esta concorrência ao excluir empresas concorrentes igualmente eficazes do ou dos mercados em causa (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 25), ou ao impedir o seu desenvolvimento nesses mercados, observando‑se que podem ser tanto os mercados em que a posição dominante é detida como os mercados, conexos ou vizinhos, em que o referido comportamento se destina a produzir os seus efeitos atuais ou potenciais (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C‑333/94 P, EU:C:1996:436, n.os 25 a 27; de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 84 a 86, e de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o., C‑377/20, EU:C:2022:379, n.o 76).

130

Esta demonstração, que pode implicar o recurso a grelhas de análise diferentes em função do tipo de comportamento que está em causa num caso concreto, deve todavia ser efetuada, em todos os casos, apreciando o conjunto das circunstâncias factuais relevantes (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 18, e de 19 de janeiro de 2023, Unilever Italia Mkt. Operations, C‑680/20, EU:C:2023:33, n.o 40), quer digam respeito ao próprio comportamento, ao ou aos mercados em causa ou ao funcionamento da concorrência nesse ou nesses mercados. Além disso, a referida demonstração deve procurar determinar, baseando‑se em elementos de análise e de prova precisos e concretos, que o referido comportamento tem, pelo menos, capacidade para produzir efeitos de exclusão (v. neste sentido, Acórdão de 19 de janeiro de 2023, Unilever Italia Mkt. Operations, C‑680/20, EU:C:2023:33, n.os 42, 51 e 52 e jurisprudência referida).

131

Para além dos comportamentos que tenham por efeito atual ou potencial restringir a concorrência pelo mérito ao expulsarem empresas concorrentes igualmente eficazes do mercado ou dos mercados em causa, podem também ser qualificados de «exploração abusiva de uma posição dominante» comportamentos que se tenha demonstrado terem quer por efeito atual ou potencial, quer mesmo por objetivo, impedir numa fase prévia, através do estabelecimento de barreiras à entrada ou através do recurso a outras medidas de encerramento ou a outros meios diferentes dos que regem a concorrência pelo mérito, empresas potencialmente concorrentes quando mais não seja de acederem a esse ou esses mercados e, ao fazê‑lo, impedir o desenvolvimento da concorrência nos mesmos em detrimento dos consumidores, aí limitando a produção, o desenvolvimento de produtos ou de serviços alternativos ou ainda a inovação [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 154 a 157].

132

Assim, embora não seja proibido enquanto tal a um Estado‑Membro atribuir a uma empresa, por via legislativa ou regulamentar, direitos exclusivos ou especiais num mercado, tal situação não deve, todavia, ser suscetível de permitir a essa empresa explorar abusivamente a posição dominante que daí decorre, por exemplo, exercendo os direitos em questão de forma que impeça empresas potencialmente concorrentes de acederem ao mercado em causa ou a mercados conexos ou vizinhos (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C‑179/90, EU:C:1991:464, n.o 14, e de 13 de dezembro de 1991, GB‑Inno‑BM, C‑18/88, EU:C:1991:474, n.os 17 a 19 e 24). Esta exigência é válida, por maioria de razão, quando esses direitos conferem à referida empresa o poder de determinar se e, sendo o caso, em que condições outras empresas estão autorizadas a exercer a sua atividade económica (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.os 38 e 51).

133

Com efeito, a manutenção ou o desenvolvimento não falseado da concorrência no mercado interno só pode ser garantido se estiver assegurada a igualdade de oportunidades entre as empresas. Ora, conferir a uma empresa que exerce uma certa atividade económica o poder de determinar, de jure ou mesmo de facto, quais outras empresas estão autorizadas a exercer também essa atividade e fixar as condições em que esta pode ser exercida, coloca‑a numa situação de conflito de interesses e concede‑lhe uma vantagem evidente sobre os seus concorrentes, permitindo‑lhe impedi‑los de acederem ao mercado em causa ou favorecer a sua própria atividade (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de dezembro de 1991, GB‑Inno‑BM, C‑18/88, EU:C:1991:474, n.o 25; de 12 de fevereiro de 1998, Raso e o., C‑163/96, EU:C:1998:54, n.os 28 e 29, e de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.os 51 e 52), bem como, ao fazê‑lo, impedir o desenvolvimento da concorrência pelo mérito em detrimento dos consumidores, limitando a produção, o desenvolvimento de produtos ou de serviços alternativos ou ainda a inovação.

134

Por conseguinte, a atribuição de direitos exclusivos ou especiais que confiram um tal poder à empresa em causa, ou a existência de uma situação análoga nos mercados relevantes, deve ser acompanhada de limites, obrigações e de um controlo adequados a excluir o risco de exploração abusiva da sua posição dominante por ela, a fim de não violar, por si própria, o artigo 102.o° TFUE, conjugado com o artigo 106.o°TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o°53).

135

Mais especificamente, quando a empresa em causa tem o poder de determinar as condições em que empresas potencialmente concorrentes podem aceder ao mercado ou de se pronunciar caso a caso a esse respeito, por via de decisão de autorização prévia ou de não autorização prévia de tal acesso, esse poder deve, para não violar, pela sua própria existência, o artigo 102.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 106.o TFUE, estar sujeito a critérios materiais transparentes, claros e precisos (v., por analogia, Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.os 84 a 86, 90, 91 e 99), que permitem evitar que possa ser usado de forma arbitrária. Estes critérios devem ser adequados para assegurar o exercício não discriminatório desse poder e permitir uma fiscalização efetiva (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.o 99).

136

Por outro lado, o poder em questão deve estar regulado por normas processuais transparentes e não discriminatórias relativas, designadamente, aos prazos aplicáveis à apresentação de um pedido de autorização prévia e à adoção de uma decisão sobre o mesmo. A este respeito, os prazos fixados não devem poder prejudicar as empresas potencialmente concorrentes, impedindo‑as de acederem de forma efetiva ao mercado (v., por analogia, Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.os 86 e 92), e, em última análise, limitar assim a produção, o desenvolvimento de produtos ou de serviços alternativos e a inovação.

137

Exigências idênticas às recordadas nos três números anteriores do presente acórdão impõem‑se tanto mais quanto é através do seu comportamento autónomo, e não devido à atribuição de direitos exclusivos ou especiais por um Estado‑Membro, que uma empresa em posição dominante se coloca ela própria na situação de poder impedir empresas potencialmente concorrentes de acederem a um determinado mercado (v., neste sentido, Acórdão de13 de dezembro de 1991, GB‑Inno‑BM, C‑18/88, EU:C:1991:474, n.o 20). Pode ser o caso quando a empresa dispõe de poder de regulamentação, de controlo e de sanção que lhe permite autorizar ou controlar esse acesso e, portanto, de um meio diferente dos que são normalmente utilizados pelas empresas e que regulam a concorrência entre elas pelo mérito.

138

Por conseguinte, esse poder deve igualmente ser sujeito a limites, obrigações e a um controlo adequados para excluir o risco de exploração abusiva de uma posição dominante, a fim de não violar o artigo 102.o TFUE.

c)   Quanto à qualificação de abuso de posição dominante de regras relativas à autorização prévia das competições de futebol interclubes e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

139

No caso em apreço, decorre das indicações do órgão jurisdicional de reenvio que a FIFA e a UEFA exercem ambas uma atividade económica de organização e de comercialização de competições internacionais de futebol e de exploração dos diferentes direitos associados a essas competições. Por conseguinte, as duas associações constituem, nesta medida, empresas. Por outro lado, ambas detêm uma posição dominante, ou mesmo um monopólio, no mercado correspondente.

140

Em seguida, resulta do enunciado da decisão de reenvio que as regras em relação às quais esse órgão jurisdicional questiona o Tribunal de Justiça constam dos estatutos que foram adotados pela FIFA e pela UEFA, na sua qualidade de associações e ao abrigo dos poderes de regulamentação e de controlo que se atribuíram, e que conferem a estas duas entidades não só o poder de autorizar a criação e a organização, por uma empresa terceira, de uma nova competição de futebol interclubes no território da União, mas também o de regular a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nessa competição, sob pena de sanções.

141

Por último, conforme enunciado pelo órgão jurisdicional de reenvio, estes diferentes poderes não estão sujeitos a critérios materiais nem a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo e não discriminatório.

142

A este respeito, decorre da jurisprudência referida no n.o 75 do presente acórdão que as associações responsáveis por uma disciplina desportiva, como a FIFA e a UEFA, podem adotar, aplicar e fazer respeitar regras relativas não apenas, de forma geral, à organização e à realização das competições internacionais nessa disciplina, no caso vertente o futebol profissional, mas também, mais especificamente, à sua autorização prévia e à participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nas mesmas.

143

Com efeito, este desporto, que, na União, reveste considerável importância não apenas social e cultural (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 106, e de 16 de março de 2010, Olympique Lyonnais, C‑325/08, EU:C:2010:143, n.o 40), mas também mediática, caracteriza‑se, entre outras especificidades, pelo facto de dar origem à organização de muitas competições a nível tanto europeu como nacional, nas quais são chamados a participar inúmeros clubes e jogadores. Além disso, caracteriza‑se, à semelhança de alguns outros desportos, pelo facto de a participação nestas competições estar reservada a equipas que obtiveram determinados resultados desportivos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 132), baseando‑se a realização das referidas competições no confronto e na eliminação progressiva dessas equipas. Por conseguinte, assenta essencialmente no mérito desportivo, que só pode ser garantido se todas as equipas presentes se defrontarem em condições regulamentares e técnicas homogéneas, assegurando uma certa igualdade de oportunidades.

144

Estas diferentes especificidades permitem considerar que é legítimo submeter a organização e a realização das competições internacionais de futebol profissional a regras comuns destinadas a garantir a homogeneidade e a coordenação dessas competições dentro de um calendário conjunto e, mais amplamente, a promover, de forma adequada e efetiva, a prática de competições desportivas baseadas na igualdade de oportunidades e no mérito. Além disso, é legítimo garantir o respeito dessas regras comuns através de regras como as instituídas pela FIFA e pela UEFA no que respeita à autorização prévia das referidas competições e à participação dos clubes e dos jogadores nas mesmas.

145

Uma vez que tais regras de autorização prévia e de participação são, assim, legítimas no contexto específico do futebol profissional e das atividades económicas a que a prática desse desporto dá origem, nem a adoção nem a aplicação das mesmas podem ser qualificadas, no seu princípio e de modo geral, de «exploração abusiva de uma posição dominante» (v., por analogia, no que respeita a uma restrição à liberdade de prestação de serviços, Acórdão de 11 de abril de 2000, Deliège, C‑51/96 e C‑191/97, EU:C:2000:199, n.o 64).

146

O mesmo se aplica às sanções instituídas acessoriamente a essas regras, na medida em que tais sanções sejam legítimas, no seu princípio, para garantir a efetividade das referidas regras (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.o 44).

147

Em contrapartida, nenhuma das especificidades que caracterizam o futebol profissional é suscetível de permitir considerar legítimas a adoção e, por maioria de razão, a aplicação de regras de autorização prévia e de participação que, de modo geral, não estejam sujeitas a limites, a obrigações e a um controlo adequados para excluir o risco de exploração abusiva de uma posição dominante, e que, mais especificamente, não estejam sujeitas a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, preciso e não discriminatório, quando para mais conferem à entidade responsável pela sua aplicação o poder de impedir qualquer empresa concorrente de aceder ao mercado. Deve considerar‑se que essas regras violam o artigo 102.o TFUE, como decorre dos n.os 134 a 138 do presente acórdão.

148

Do mesmo modo, na falta de critérios materiais e de normas processuais que assegurem o caráter transparente, objetivo, preciso, não discriminatório e proporcionado das sanções instituídas acessoriamente a essas regras, deve considerar‑se que estas sanções, pela sua própria natureza, violam o artigo 102.o TFUE, uma vez que revestem caráter discricionário. Com efeito, tal situação torna impossível verificar, de forma transparente e objetiva, se a sua aplicação caso a caso é justificada e proporcionada atendendo às características concretas do projeto de competição internacional interclubes em causa.

149

A este respeito, é irrelevante a circunstância de a FIFA e a UEFA não gozarem de um monopólio legal e de as empresas concorrentes poderem, em teoria, criar novas competições não sujeitas às regras adotadas e aplicadas por estas duas associações. Com efeito, como decorre das indicações do órgão jurisdicional de reenvio, a posição dominante da FIFA e da UEFA no mercado da organização e da comercialização das competições internacionais de futebol interclubes é tal que, na prática, mostra‑se, no estado atual, impossível criar, de forma viável, uma competição externa ao seu ecossistema, tendo em conta o controlo que exercem, diretamente ou por intermédio das associações nacionais de futebol que delas são membros, sobre os clubes, sobre os jogadores e sobre outros tipos de competições, como as organizadas a nível nacional.

150

No caso em apreço, é, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio que caberá qualificar as regras em causa no processo principal à luz do artigo 102.o TFUE, após proceder às verificações adicionais que julgue necessárias.

151

Nesta perspetiva, importa precisar que, para que se possa considerar que as regras de autorização prévia das competições desportivas e de participação nestas competições, como as que estão em causa no processo principal, estão sujeitas a critérios materiais transparentes, objetivos e precisos, bem como a normas processuais transparentes e não discriminatórias, não constituindo um obstáculo ao acesso efetivo ao mercado, é necessário, especialmente, que esses critérios e essas normas tenham sido estabelecidos, de forma acessível, previamente a qualquer aplicação das referidas regras. Além disso, para que os referidos critérios e as referidas normas possam ser considerados não discriminatórios, é necessário, atendendo, nomeadamente, ao facto de entidades como a FIFA e a UEFA exercerem elas próprias diferentes atividades económicas no mercado em causa através das suas regras de autorização prévia e de participação, que esses mesmos critérios e normas não sujeitem a organização e a comercialização de competições terceiras, bem como a participação dos clubes e dos jogadores nestas competições, quer a exigências diferentes das aplicáveis às competições organizadas e comercializadas pela entidade decisora, quer a exigências idênticas ou semelhantes mas impossíveis ou excessivamente difíceis de preencher, na prática, por uma empresa que não tenha a mesma qualidade de associação ou não disponha dos mesmos poderes que essa entidade e que se encontre, portanto, numa situação diferente da dela. Por último, para que as sanções instituídas acessoriamente a regras de autorização prévia e de participação como as que estão em causa no processo principal não sejam discricionárias, devem estar sujeitas a critérios que não só têm que ser, também eles, transparentes, objetivos, precisos e não discriminatórios, mas também garantir que essas sanções sejam determinadas, em cada caso concreto, no respeito pelo princípio da proporcionalidade, tomando em consideração, nomeadamente, a natureza, a duração e a gravidade do incumprimento verificado.

152

À luz de todas estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 102.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui um abuso de posição dominante o facto de associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições terem adotado e aplicarem regras que fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de uma nova competição de futebol interclubes por uma empresa terceira e que controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nessa competição, sob pena de sanções, sem que estes diferentes poderes estejam sujeitos a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

2.   Quanto à segunda questão, relativa à interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE perante regras relativas à autorização prévia das competições de futebol interclubes e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

153

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma decisão de associação de empresas que tem por objetivo ou efeito impedir a concorrência o facto de associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições terem adotado e aplicarem, diretamente ou por intermédio das associações nacionais de futebol que delas são membros, regras que fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de uma nova competição de futebol interclubes por uma empresa terceira, sem que este poder esteja sujeito a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo e não discriminatório.

154

Contudo, atendendo aos enunciados da decisão de reenvio subjacentes a esta questão, e por razões idênticas às expostas no n.o 121 do presente acórdão, há que considerar que, com a referida questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma decisão de associação de empresas que tem por objetivo ou efeito impedir a concorrência o facto de associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições terem adotado e aplicarem, diretamente ou por intermédio das associações nacionais de futebol que delas são membros, regras que fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de uma nova competição de futebol interclubes por uma empresa terceira e que controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nessa competição, sob pena de sanções, sem que estes diferentes poderes estejam sujeitos a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

a)   Quanto ao conceito de comportamento que tem por «objetivo» ou «efeito» prejudicar a concorrência e quanto à determinação da existência de tal comportamento

155

Em primeiro lugar, o artigo 101.o, n.o 1, TFUE declara incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

156

No caso, como decorre da redação da questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta unicamente ao Tribunal de Justiça, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que as decisões de associações de empresas como as materializadas pelas regras da FIFA e da UEFA às quais se refere têm «por objetivo ou efeito»«impedir» a concorrência.

157

No entanto, a decisão de reenvio também destaca claramente as razões que levaram esse órgão jurisdicional a considerar que estas decisões de associações de empresas são, por outro lado, suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros.

158

Em segundo lugar, para se poder considerar, num determinado caso, que um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada são abrangidos pela proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, é necessário, em conformidade com os próprios termos desta disposição, demonstrar que esse comportamento tem por objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência ou que tem esse efeito (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de junho de 1966, LTM, 56/65, EU:C:1966:38, p. 359, e de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 31).

159

Para tal, há que examinar, num primeiro momento, o objetivo do comportamento em causa. No termo deste exame, se se verificar que esse comportamento tem um objetivo anticoncorrencial, não é necessário examinar o seu efeito sobre a concorrência. Por conseguinte, apenas quando não for possível considerar que o referido comportamento tem um objetivo anticoncorrencial, mostra‑se necessário proceder, num segundo momento, à análise desse efeito (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de junho de 1966, LTM, 56/65, EU:C:1966:38, p. 359, e de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.os 16 e 17).

160

A análise a efetuar difere consoante incida sobre a questão de saber se o comportamento em causa tem por «objetivo» ou por «efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência, estando cada um destes dois conceitos sujeito a um regime jurídico e probatório distinto [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 63].

1) Quanto à determinação da existência de um comportamento que tem por «objetivo» impedir, restringir ou falsear a concorrência

161

Como decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, conforme recapitulada, em especial, nos Acórdãos de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o. (C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 78), e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 67), o conceito de «objetivo» anticoncorrencial, embora não constitua, como resulta dos n.os 158 e 159 do presente acórdão, uma exceção em relação ao conceito de «efeito» anticoncorrencial, deve, no entanto, ser interpretado de forma estrita.

162

Assim, esse conceito deve ser entendido no sentido de que remete exclusivamente para certos tipos de coordenação entre empresas que revelem um grau suficiente de nocividade para com a concorrência para que se possa considerar desnecessário o exame dos seus efeitos. Certas formas de coordenação entre empresas podem ser, efetivamente, consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao normal funcionamento da concorrência [v., neste sentido, Acórdãos de 30 de junho de 1966, LTM, 56/65, EU:C:1966:38, p. 359; de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 78, e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 67].

163

Entre os tipos de comportamentos que devem ser assim considerados figuram, em primeiro lugar, certos comportamentos colusivos particularmente prejudiciais à concorrência, como os cartéis horizontais que conduzem à fixação dos preços, à limitação das capacidades de produção ou à repartição da clientela. Com efeito, estes tipos de comportamentos são de natureza a provocar uma subida dos preços ou uma redução da produção e, portanto, da oferta, resultando numa má utilização dos recursos, em detrimento das empresas utilizadoras e dos consumidores (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.os 17 e 33; de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 51; e de 16 de julho de 2015, ING Pensii, C‑172/14, EU:C:2015:484, n.o 32).

164

Pode‑se considerar que, sem serem necessariamente tão prejudiciais à concorrência, outros tipos de comportamentos têm igualmente, em determinados casos, um objetivo anticoncorrencial. É o que sucede, designadamente, com certos tipos de acordos horizontais diferentes dos cartéis, por exemplo os que levam à exclusão de empresas concorrentes do mercado [v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 76, 77, 83 a 87 e 101, e de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.os 113 e 114], ou ainda com certos tipos de decisões de associações de empresas (v., neste sentido, Acórdão de 27 de janeiro de 1987, Verband der Sachversicherer/Comissão, 45/85, EU:C:1987:34, n.o 41).

165

A fim de determinar, num caso concreto, se um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada apresenta, pela sua própria natureza, suficiente grau de nocividade para se poder considerar que tem por objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência, é necessário examinar, primeiro, o teor do acordo, da decisão ou da prática em causa, segundo, o contexto económico e jurídico em que se insere e, terceiro, os objetivos que visa alcançar (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 79).

166

A este respeito, antes de mais, no que se refere ao contexto económico e jurídico em que o comportamento em causa se insere, há que tomar em consideração a natureza dos produtos ou dos serviços afetados e as condições reais que caracterizam a estrutura e o funcionamento do ou dos setores ou mercados em questão (Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 80). Em contrapartida, não é de todo necessário examinar nem, por maioria de razão, demonstrar os efeitos desse comportamento na concorrência, sejam eles reais ou potenciais e negativos ou positivos, como decorre da jurisprudência referida nos n.os 158 e 159 do presente acórdão.

167

Em seguida, no que respeita aos objetivos prosseguidos pelo comportamento em causa, há que determinar os fins objetivos que esse comportamento visa alcançar em relação à concorrência. Em contrapartida, o facto de as empresas envolvidas terem atuado sem a intenção subjetiva de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido determinados objetivos legítimos não são determinantes para efeitos da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão, C‑551/03 P, EU:C:2006:229, n.os 64 e 77 e jurisprudência referida, e de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.o 21).

168

Por último, a consideração de todos os elementos referidos nos três números anteriores do presente acórdão deve, de qualquer modo, revelar as razões precisas pelas quais o comportamento em causa apresenta suficiente grau de nocividade, que justifique considerar que tem por objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 69).

2) Quanto à determinação da existência de um comportamento que tem por «efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência

169

O conceito de comportamento que tem um «efeito» anticoncorrencial engloba, por seu turno, qualquer comportamento que não possa ser considerado como tendo um «objetivo» anticoncorrencial, desde que seja demonstrado que esse comportamento tem por efeito atual ou potencial impedir, restringir ou falsear a concorrência, e isto de forma sensível [v., neste sentido, Acórdãos de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, EU:C:1998:256, n.o 77, e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 117].

170

Para o efeito, é necessário analisar o jogo da concorrência no quadro real em que se produziria se não existisse o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa [Acórdãos de 30 de junho de 1966, LTM, 56/65, EU:C:1966:38, p. 360, e de 30 de janeiro de 2020,Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 118], definindo o ou os mercados em que esse comportamento se destina a produzir os seus efeitos e, depois, identificando esses efeitos, sejam eles reais ou potenciais. Por sua vez, essa análise implica ter em consideração todas as circunstâncias relevantes.

b)   Quanto à qualificação, como decisão de associação de empresas que tem por «objetivo» restringir a concorrência, das regras relativas à autorização prévia das competições de futebol interclubes e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

171

No caso vertente, resulta, antes de mais, do enunciado da decisão de reenvio que as regras da FIFA e da UEFA em relação às quais esse órgão jurisdicional questiona o Tribunal de Justiça conferem a estas duas entidades não só o poder de autorizar a criação e a organização de qualquer competição de futebol no território da União, incluindo, portanto, qualquer nova competição de futebol interclubes prevista por uma empresa terceira, mas também o poder de controlarem a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nessa competição, sob pena de sanções.

172

No que respeita, mais especificamente, ao teor das regras da FIFA, decorre do enunciado da decisão de reenvio que estas preveem, primeiro, que nenhuma liga internacional ou outro agrupamento análogo de clubes ou de ligas pode ser formado sem o consentimento dessa entidade e da associação ou das associações nacionais de futebol de que são membros esses clubes ou ligas. Segundo, nenhum jogo ou competição pode ser realizado sem autorização prévia da FIFA, da UEFA e da ou das referidas associações. Terceiro, nenhum jogador nem nenhuma equipa filiada numa associação nacional de futebol membro da FIFA ou da UEFA pode disputar jogos nem ter contacto desportivo com outro jogador ou outra equipa não filiada, sem o consentimento da FIFA. Quarto, as associações, ligas ou clubes pertencentes a uma associação nacional de futebol membro da FIFA só podem, a título excecional, filiar‑se noutra associação membro ou participar em competições do seu âmbito territorial, com autorização da FIFA, da UEFA e das duas associações em causa.

173

Por seu turno, as regras da UEFA preveem, segundo a decisão de reenvio, primeiro, que esta entidade tem competência exclusiva para organizar e suprimir, no seu âmbito territorial, competições internacionais em que participem associações nacionais de futebol seus membros ou clubes filiados nestas últimas, com exceção das competições organizadas pela FIFA. Segundo, os jogos, competições ou torneios internacionais que não sejam organizados pela UEFA mas que sejam realizados no seu âmbito territorial, requerem autorização prévia da FIFA, da UEFA e/ou das associações membros interessadas, em conformidade com o regulamento para os jogos internacionais da FIFA. Terceiro, nenhum agrupamento nem nenhuma aliança entre ligas ou clubes direta ou indiretamente filiados em diferentes associações nacionais de futebol membros da UEFA se pode formar sem a autorização da UEFA.

174

Por outro lado, nenhum dos poderes de que assim dispõem a FIFA e a UEFA está, de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, sujeito a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo e não discriminatório, como os mencionados no n.o 151 do presente acórdão.

175

Em seguida, decorre dos n.os 142 a 149 do presente acórdão que, embora a natureza específica das competições internacionais de futebol e as condições reais que caracterizam a estrutura e o funcionamento do mercado da organização e da comercialização dessas competições no território da União permitam considerar legítimas, no seu princípio, regras de autorização prévia como as que acabam de ser recordadas, estes elementos contextuais não são, em contrapartida, suscetíveis de legitimar a inexistência de critérios materiais e de normas processuais adequados para garantir o caráter transparente, objetivo, preciso e não discriminatório de tais regras.

176

Por último, ainda que a adoção das regras de autorização prévia possa ser motivada pela prossecução de certos objetivos legítimos, como o de fazer respeitar os princípios, os valores e as regras do jogo subjacentes ao futebol profissional, não é menos verdade que essas regras submetem aos poderes de autorização prévia e de sanção das entidades que as adotaram, na sua qualidade de associações de empresas, a organização e a comercialização de qualquer competição internacional de futebol diferente das que essas duas entidades organizam em paralelo, no âmbito do exercício de uma atividade económica. Ora, ao fazê‑lo, essas regras conferem às referidas entidades o poder de autorizar, controlar ou condicionar o acesso de qualquer empresa potencialmente concorrente ao mercado em causa e de determinar tanto o grau de concorrência que pode existir nesse mercado como as condições em que essa eventual concorrência pode ser exercida. A este título, as referidas regras são suscetíveis de permitir, senão excluir do referido mercado qualquer empresa concorrente, mesmo sendo igualmente eficaz, pelo menos limitar a conceção e a comercialização de competições alternativas ou novas pelo seu formato ou conteúdo. Ao fazê‑lo, são, além disso, suscetíveis de privar os clubes de futebol profissional e os jogadores de qualquer possibilidade de participação nestas competições, mesmo quando estas possam, por exemplo, propor um formato inovador, respeitando ao mesmo tempo todos os princípios, valores e regras do jogo subjacentes a este desporto. Em última análise, são de natureza a privar os espectadores e os telespectadores de qualquer possibilidade de lhes ser proposto assistir às referidas competições ou ver a respetiva transmissão.

177

Por outro lado, uma vez que as regras de autorização prévia das competições internacionais de futebol interclubes são acompanhadas de regras relativas à participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições e relativas às sanções a que está sujeita essa participação, há que acrescentar que estas regras são, manifestamente, suscetíveis de reforçar o objetivo anticoncorrencial inerente a qualquer mecanismo de autorização prévia não sujeito a limites, a obrigações e a um controlo adequados para garantir o seu caráter transparente, objetivo, preciso e não discriminatório. Com efeito, essas regras reforçam a barreira à entrada que resulta de tal mecanismo, impedindo qualquer empresa organizadora de uma competição potencialmente concorrente de valer‑se utilmente dos recursos disponíveis no mercado, a saber, os clubes e os jogadores, que são expostos, em caso de participação numa competição que não recebeu a autorização prévia da FIFA e da UEFA, a sanções que, conforme salientado no n.o 148 do presente acórdão, não estão sujeitas a critérios materiais nem a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, preciso, não discriminatório e proporcionado.

178

Por todas estas razões, deve considerar‑se que, no caso de não estarem sujeitas a critérios materiais e normas processuais adequados para garantir o seu caráter transparente, objetivo, preciso, não discriminatório e proporcionado, como os mencionados no n.o 151 do presente acórdão, as regras de autorização prévia, de participação e de sanção como as que estão em causa no processo principal apresentam, pela sua própria natureza, um grau suficiente de nocividade e têm, assim, por objetivo impedir a concorrência. Por conseguinte, estão abrangidas pela proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, sem que seja necessário examinar os seus efeitos atuais ou potenciais.

179

À luz de todas estas considerações, há que responder à segunda questão que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma decisão de associação de empresas que tem por objetivo impedir a concorrência o facto de associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições terem adotado e aplicarem, diretamente ou por intermédio das associações nacionais de futebol que delas são membros, regras que fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de uma nova competição de futebol interclubes por uma empresa terceira e que controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nessa competição, sob pena de sanções, sem que estes diferentes poderes estejam sujeitos a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

3.   Quanto à terceira questão, relativa à interpretação do artigo 101.o, n.o 1, e do artigo 102.o TFUE perante comportamentos que consistem em ameaçar de sanções os clubes e os desportistas que venham a participar em competições não autorizadas

180

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, e o artigo 102.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que constitui uma decisão de associação de empresas de caráter anticoncorrencial ou um abuso de posição dominante o facto de entidades como a FIFA e a UEFA anunciarem publicamente que serão aplicadas sanções a qualquer clube de futebol profissional e a qualquer jogador que venham a participar numa competição de futebol interclubes que não tenha recebido a sua autorização prévia, quando essas sanções não estejam sujeitas a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

181

Atendendo às respostas dadas às duas questões anteriores e, mais especificamente, às considerações constantes dos n.os 148 e 177 do presente acórdão, das quais resulta que esse anúncio público constitui a aplicação de regras que violam tanto o artigo 102.o TFUE como o artigo 101.o, n.o 1, TFUE e que, portanto, também está abrangido pelas proibições previstas nestas duas disposições, não há que responder de forma autónoma à presente questão.

4.   Quanto à quinta questão, relativa à possibilidade de justificar regras relativas à autorização prévia das competições e à participação dos clubes e dos desportistas nestas competições

182

Com a sua quinta questão, que importa tratar previamente à quarta questão uma vez que se refere às mesmas regras da FIFA e da UEFA objeto das três primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 3, TFUE e a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 102.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que as regras através das quais associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu, e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de competições de futebol interclubes por uma empresa terceira e controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições, sob pena de sanções, podem beneficiar de uma isenção ou ser consideradas justificadas.

a)   Quanto à possibilidade de considerar certos comportamentos específicos como não abrangidos pelo artigo 101.o, n.o 1, e pelo artigo 102.o TFUE

183

Decorre de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que qualquer acordo entre empresas ou qualquer decisão de associação de empresas que restrinja a liberdade de ação das empresas partes nesse acordo ou sujeitas ao cumprimento dessa decisão não fica necessariamente sob a alçada da proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, a análise do contexto económico e jurídico em que se inserem alguns desses acordos e algumas dessas decisões pode levar a concluir, primeiro, que estes se justificam pela prossecução de um ou mais objetivos legítimos de interesse geral desprovidos, em si mesmos, de caráter anticoncorrencial, segundo, que os meios concretos a que se recorre para prosseguir esses objetivos são verdadeiramente necessários para tal e, terceiro, que, mesmo que se verifique que esses meios têm por efeito inerente restringir ou falsear, pelo menos potencialmente, a concorrência, esse efeito inerente não vai além do necessário, designadamente eliminando toda a concorrência. Esta jurisprudência pode ser aplicada, nomeadamente, a acordos ou decisões que assumam a forma de regras adotadas por uma associação, como uma associação profissional ou uma associação desportiva, com vista a prosseguir determinados objetivos de ordem ética ou deontológica e, mais amplamente, regular o exercício de uma atividade profissional, se a associação em causa demonstrar que as condições que acabaram de ser recordadas estão preenchidas (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 97; de 18 de julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.os 42 a 48; e de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.os 93, 96 e 97).

184

Mais especificamente, no domínio do desporto, o Tribunal de Justiça foi levado a referir, tendo em conta os elementos de que dispunha, que a regulamentação antidopagem adotada pelo Comité Olímpico Internacional (COI) não fica sob a alçada da proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, mesmo quando limita a liberdade de ação dos atletas e tem por efeito inerente restringir a concorrência potencial entre eles ao definir um limite acima do qual a presença de nandrolona é constitutiva de dopagem, com o objetivo de preservar a lealdade, a integridade e a objetividade no decorrer da competição desportiva, de assegurar a igualdade de oportunidades entre os atletas, de proteger a sua saúde e de fazer respeitar os valores éticos que estão no cerne do desporto, entre os quais figura o mérito (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.os 43 a 55).

185

Em contrapartida, a jurisprudência mencionada no n.o 183 do presente acórdão não é aplicável a comportamentos que, independentemente de saber se emanam de uma associação desse tipo e quais são os objetivos legítimos de interesse geral que possam ser invocados para os explicar, violam pela sua própria natureza o artigo 102.o TFUE, como, de resto, já resulta, implícita mas necessariamente, da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 53).

186

Uma vez que, por um lado, a inexistência de uma intenção subjetiva de impedir, restringir ou falsear a concorrência e a prossecução de objetivos eventualmente legítimos também não são determinantes para efeitos da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e, por outro, os artigos 101.o e 102.o TFUE devem ser interpretados e aplicados de forma coerente, há que considerar que a jurisprudência mencionada no n.o 183 do presente acórdão também não é aplicável a comportamentos que, longe de se limitarem a ter por «efeito» inerente restringir, pelo menos potencialmente, a concorrência, limitando a liberdade de ação de certas empresas, apresentam um grau de nocividade que justifique considerar que têm mesmo por «objetivo» impedir, restringir ou falsear a concorrência. Assim, só quando se verificar, no termo da análise do comportamento em causa num determinado caso concreto, que esse comportamento não tem por objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência, é que há que determinar, em seguida, se pode ser‑lhe aplicada esta jurisprudência (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.o 69; de 4 de setembro de 2014, API e o., C‑184/13 a C‑187/13, C‑194/13, C‑195/13 e C‑208/13, EU:C:2014:2147, n.o 49; e de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International, C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890, n.os 51, 53, 56 e 57).

187

No que respeita aos comportamentos que têm por objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência, é, portanto, exclusivamente ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, desde que estejam preenchidos todos os requisitos previstos nesta disposição, que podem beneficiar de uma isenção à proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.o 21).

188

No caso, atendendo às indicações constantes da decisão de reenvio e às respostas que, à luz das mesmas, foram dadas pelo Tribunal de Justiça às três primeiras questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que a jurisprudência recordada no n.o 183 do presente acórdão não é aplicável perante regras como as que estão em causa no processo principal.

b)   Quanto à isenção prevista no artigo 101.o, n.o 3, TFUE

189

Resulta da própria redação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE que qualquer acordo, qualquer decisão de associação de empresas ou qualquer prática concertada que seja contrário ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, devido ao seu objetivo ou ao seu efeito anticoncorrencial, pode beneficiar de uma isenção se preencher todos os requisitos previstos para tal (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, EU:C:1985:327, n.o 38, e de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 230), observando‑se que estes requisitos são mais estritos do que os referidos no n.o 183 do presente acórdão.

190

Em conformidade com o artigo 101.o, n.o 3, TFUE, o benefício desta isenção, num determinado caso, está sujeito a quatro requisitos cumulativos. Primeiro, deve estar demonstrado, com suficiente grau de probabilidade (Acórdão de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, EU:C:2009:610, n.o 95), que o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa deve permitir obter ganhos de eficiência, contribuindo quer para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou dos serviços em causa, quer para promover o progresso técnico ou económico. Segundo, deve estar demonstrado, na mesma medida, que é reservada aos utilizadores uma parte equitativa do proveito resultante desses ganhos de eficiência. Terceiro, o acordo, a decisão ou a prática em causa não deve impor às empresas participantes restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses ganhos de eficiência. Quarto, esse acordo, essa decisão ou essa prática não deve dar às empresas participantes a possibilidade de eliminarem qualquer concorrência efetiva relativamente a uma parte substancial dos produtos ou dos serviços em causa.

191

Incumbe à parte que invoca tal isenção demonstrar, através de argumentos e provas convincentes, que estão reunidos todos os requisitos exigidos para beneficiar da mesma (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, EU:C:1985:327, n.o 45, e de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, EU:C:2009:610, n.o 82). No caso de esses argumentos e provas obrigarem a outra parte a refutá‑los de forma convincente, é permitido, na falta de refutação, concluir que está cumprido o ónus da prova que incumbe à parte que invoca o artigo 101.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 79, e de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, EU:C:2009:610, n.o 83).

192

Em especial, no que respeita ao primeiro requisito recordado no n.o 190 do presente acórdão, os ganhos de eficiência que o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada deve permitir obter não correspondem a todas as vantagens que as empresas participantes retiram desse acordo, dessa decisão ou dessa prática no âmbito da sua atividade económica, mas apenas as sensíveis vantagens objetivas que o referido acordo, a referida decisão ou a referida prática, considerado especificamente, permita obter, no ou nos diferentes setores ou mercados em causa. Além disso, para que este primeiro requisito possa ser considerado preenchido, importa não só demonstrar a realidade e a extensão dos ganhos de eficiência, mas também demonstrar que estes podem compensar os inconvenientes que resultam do acordo, da decisão ou da prática em causa no plano da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, EU:C:1966:41, p. 502, e de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.os 232, 234 e 236, e, por analogia, de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 43).

193

No que respeita ao segundo requisito recordado no n.o 190 do presente acórdão, implica demonstrar que os ganhos de eficiência que o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa deve permitir obter têm uma incidência favorável no conjunto dos utilizadores, quer se trate de profissionais, de consumidores intermédios ou de consumidores finais, nos diferentes setores ou mercados em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, EU:C:2006:734, n.o 70, e de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.os 236 e 242).

194

Daqui resulta que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o comportamento que viola o artigo 101.o, n.o 1, TFUE é anticoncorrencial por objetivo, isto é, apresenta um grau suficiente de nocividade para a concorrência e em que pode, além disso, afetar diferentes categorias de utilizadores ou de consumidores, há que determinar se e, sendo o caso, em que medida esse comportamento tem, não obstante a sua nocividade, uma incidência favorável em cada uma destas categorias.

195

No processo principal, caberá, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as regras de autorização prévia, de participação e de sanção em causa no processo principal são suscetíveis de ter uma influência favorável nas diferentes categorias de «utilizadores» que são, designadamente, as associações nacionais de futebol, os clubes profissionais ou amadores, os jogadores profissionais ou amadores, os jovens jogadores e, mais amplamente, os consumidores, quer sejam espectadores ou telespetadores.

196

No entanto, importa recordar, a este respeito, que, embora essas regras possam parecer legítimas, no seu princípio, contribuindo para garantir o respeito dos princípios, dos valores e das regras do jogo subjacentes ao futebol profissional, em especial o caráter aberto e meritocrático das competições em causa, e para assegurar uma certa forma de redistribuição solidária no futebol, a existência desses objetivos, por mais louváveis que sejam, não dispensa as associações que adotaram essas regras da obrigação de demonstrar, no órgão jurisdicional de reenvio, por um lado, que a prossecução dos referidos objetivos se reflete em ganhos de eficiência reais e quantificáveis e, por outro, que estes compensam os inconvenientes decorrentes das regras em causa no processo principal no plano da concorrência.

197

No que diz respeito ao terceiro requisito recordado no n.o 190 do presente acórdão, relativo ao caráter indispensável ou necessário do comportamento em causa, implica apreciar e comparar a incidência respetiva desse comportamento e das medidas alternativas realmente viáveis, para determinar se os ganhos de eficiência esperados do referido comportamento podem ser obtidos através de medidas menos restritivas para a concorrência. Em contrapartida, não pode levar a fazer, em termos de oportunidade, uma escolha entre esse comportamento e essas medidas alternativas, na hipótese de estas últimas não se revelarem menos restritivas para a concorrência.

198

Quanto ao quarto requisito recordado no n.o 190 do presente acórdão, a verificação do seu preenchimento, num determinado caso, implica que se proceda a um exame dos elementos de natureza quantitativa e qualitativa que caracterizam o funcionamento da concorrência nos setores ou nos mercados em causa, a fim de determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa dá às empresas participantes a possibilidade de eliminarem qualquer concorrência efetiva relativamente a uma parte substancial dos produtos ou dos serviços em causa. Em especial, perante uma decisão de associação de empresas ou um acordo a que aderiram empresas coletivamente, a elevada quota de mercado detida por estas pode constituir, entre outras circunstâncias relevantes e no âmbito de uma análise de conjunto de todas elas, um indicador da possibilidade que essa decisão ou esse acordo dá às empresas participantes, tendo em conta o seu conteúdo e o seu objetivo ou efeito, de eliminar qualquer concorrência efetiva, razão que exclui por si só o benefício da isenção prevista no artigo 101.o, n.o 3, TFUE. Outra circunstância pode prender‑se com o facto de saber se tal decisão ou acordo, ao mesmo tempo que suprime uma forma de concorrência efetiva ou um canal de acesso ao mercado, permite que outros subsistam (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 1986, Metro/Comissão, 75/84, EU:C:1986:399, n.os 64, 65 e 88).

199

Para determinar se este quarto requisito se mostra preenchido no caso presente, o órgão jurisdicional de reenvio deverá ter em consideração, primeiro, como foi salientado, nomeadamente, nos n.os 174 a 179 do presente acórdão, o facto de as regras de autorização prévia, de participação e de sanção em causa no processo principal não estarem sujeitas a critérios materiais e a normas processuais adequados para garantir o seu caráter transparente, objetivo, preciso e não discriminatório. Ora, há que considerar que esta situação é suscetível de permitir às entidades que adotaram essas regras impedir qualquer concorrência no mercado da organização e da comercialização das competições de futebol interclubes no território da União.

200

De um modo mais geral, o exame dos diferentes requisitos mencionados no n.o 190 do presente acórdão pode necessitar de ter em conta as características e as especificidades do ou dos setores ou dos mercados a que diz respeito o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa, se essas características e especificidades forem determinantes para o resultado desse exame (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, EU:C:2009:610, n.o 103, e de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 236).

c)   Quanto à justificação objetiva à luz do artigo 102.o TFUE

201

De forma coerente com o previsto no artigo 101.o, n.o 3, TFUE, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 102.o TFUE que uma empresa que detenha uma posição dominante pode justificar comportamentos suscetíveis de ficar sob a alçada da proibição prevista nesse artigo (Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 40, e de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o., C‑377/20, EU:C:2022:379, n.o 46).

202

Em especial, essa empresa pode demonstrar para tal que o seu comportamento é objetivamente necessário ou que o efeito de exclusão que produz pode ser compensado, ou mesmo superado, por ganhos de eficiência que aproveitem igualmente aos consumidores (Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 41, e de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o., C‑377/20, EU:C:2022:379, n.os 46 e 86).

203

No que respeita à primeira parte desta alternativa, decorre do n.o 147 do presente acórdão que a adoção, pela FIFA e pela UEFA, de regras discricionárias de autorização prévia das competições internacionais de futebol interclubes, de controlo da participação dos clubes e dos jogadores nestas competições e de sanções não pode em caso algum ser considerada, atendendo, precisamente, a este caráter discricionário, objetivamente justificada por necessidades de ordem técnica ou comercial, contrariamente ao que poderia ser o caso se essas regras estivessem sujeitas a critérios materiais e normas processuais que respondessem às exigências de transparência, clareza, precisão, neutralidade e proporcionalidade que se impõem neste domínio. Por conseguinte, há que considerar que essas regras, controlos e sanções têm, do ponto de vista objetivo, por finalidade reservar a essas entidades a organização de qualquer competição desse género, com o risco de eliminar qualquer concorrência por parte de uma empresa terceira, pelo que tal comportamento constitui um abuso de posição dominante proibido pelo artigo 102.o TFUE e não justificado por uma necessidade objetiva.

204

No que respeita à segunda parte da referida alternativa, cabe à empresa que detém uma posição dominante demonstrar, primeiro, que o seu comportamento pode permitir obter ganhos de eficiência, comprovando a realidade e a extensão dos mesmos, segundo, que esses ganhos de eficiência neutralizam os prováveis efeitos prejudiciais desse comportamento para a concorrência e os interesses dos consumidores no mercado ou nos mercados em causa, terceiro, que o referido comportamento é indispensável à obtenção desses ganhos de eficiência e, quarto, que não elimina uma concorrência efetiva suprimindo a totalidade ou a maior parte das fontes existentes de concorrência atual ou potencial (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 42).

205

Do mesmo modo que para a isenção prevista no artigo 101.o, n.o 3, TFUE, esta justificação exige que a empresa que a invoca demonstre, através de argumentos e provas convincentes, que estão preenchidos todos os requisitos exigidos para dela beneficiar.

206

No caso em apreço, é ao órgão jurisdicional de reenvio que caberá decidir se as regras em causa no processo principal preenchem todos os requisitos que permitem considerá‑las justificadas à luz do artigo 102.o TFUE, após ter dado às partes a possibilidade de cumprirem o ónus da prova que lhes incumbe, conforme recordado no n.o 191 do presente acórdão.

207

No entanto, importa observar, no que respeita ao quarto destes requisitos, que são aplicáveis tanto no contexto do artigo 101.o, n.o 3, TFUE como no do artigo 102.o TFUE, que, atendendo à natureza dessas regras — que fazem depender a organização e a comercialização de qualquer competição de futebol interclubes no território da União da autorização prévia da FIFA e da UEFA, sem que este poder esteja sujeito a critérios materiais e normas processuais adequadas — e à posição dominante, até mesmo monopolista, que, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, é detida por estas duas entidades no mercado em causa, há que considerar que as referidas regras dão a essas entidades a possibilidade de impedirem qualquer concorrência nesse mercado, conforme indicado no n.o 199 do presente acórdão.

208

Além disso, há que recordar que o não preenchimento de um dos quatro requisitos cumulativos recordados nos n.os 190 e 204 do presente acórdão é suficiente para excluir que regras como as que estão em causa no processo principal possam beneficiar da isenção prevista no artigo 101.o, n.o 3, TFUE ou ser consideradas justificadas à luz do artigo 102.o TFUE.

209

À luz de todas estas considerações, há que responder à quinta questão que o artigo 101.o, n.o 3, e o artigo 102.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que as regras através das quais associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu, e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de competições de futebol interclubes por uma empresa terceira e controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições, sob pena de sanções, só podem beneficiar da isenção prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE ou ser consideradas justificadas à luz do artigo 102.o TFUE se se demonstrar, através de argumentos e provas convincentes, o preenchimento de todos os requisitos que, para tal, são exigidos.

5.   Quanto à quarta questão, relativa à interpretação dos artigos 101.o e 102.o TFUE perante regras relativas aos direitos associados às competições desportivas

210

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 101.o e 102.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a regras adotadas por associações responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu, e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, que, por um lado, designam essas associações como titulares originais de todos os direitos que possam resultar das competições sob a sua «jurisdição», incluindo os direitos associados a uma competição organizada por uma empresa terceira, e que, por outro, atribuem às referidas associações um poder exclusivo em matéria de comercialização desses direitos.

211

Refira‑se, a este respeito, que, nas suas observações escritas e orais no Tribunal de Justiça, a FIFA e a UEFA alegaram com insistência que as regras de direito privado helvético a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio — e mais especificamente o artigo 67.o, n.o 1, e o artigo 68.o, n.o 1, dos Estatutos da FIFA — devem ser entendidas, na parte em que tenham por objeto os direitos que possam resultar das competições, dos jogos e dos outros eventos sob a «jurisdição» da FIFA e da UEFA, no sentido de que não são aplicáveis a todas as competições abrangidas pelo âmbito territorial e pelos respetivos poderes destas duas entidades, mas apenas às competições que, de entre estas, são organizadas por essas entidades, com exclusão das que possam ser organizadas por entidades ou empresas terceiras. De acordo com a sua própria interpretação dessas regras, a FIFA e a UEFA não poderiam, assim, em caso algum, alegar ser titulares dos direitos que pudessem resultar das competições organizadas por entidades ou empresas terceiras.

212

Nestas circunstância, observando‑se, como fez a demandante no processo principal na audiência de alegações realizada no Tribunal de Justiça, que as regras em causa no processo principal podem ser entendidas de outra forma, atendendo às diferentes aceções que o termo «jurisdição» pode revestir, e que, consequentemente, essas regras ganhariam em ser alteradas para eliminar qualquer ambiguidade possível a esse respeito, o Tribunal de Justiça responderá à presente questão tendo como premissa a interpretação mencionada no número anterior e tomando em consideração a relação de complementaridade que une as regras em causa às regras de autorização prévia, de participação e de sanção objeto das questões anteriores. Por conseguinte, tal resposta não prejudica a que possa ser dada à questão distinta de saber se os artigos 101.o e 102.o TFUE se opõem a regras através das quais uma entidade como a FIFA se designa ela própria ou designa uma entidade como a UEFA titulares originais de todos os direitos que possam resultar das competições que, embora abrangidas pelo seu âmbito territorial e pelos respetivos poderes, são organizadas por entidades ou empresas terceiras.

a)   Quanto à titularidade dos direitos associados às competições desportivas

213

Nos termos do artigo 345.o TFUE, os Tratados UE e FUE em nada prejudicam o regime da propriedade nos Estados‑Membros.

214

Daqui resulta que não se pode considerar que os artigos 101.o e 102.o TFUE se opõem, no seu próprio princípio, a regras como os artigos 67.o e 68.o dos Estatutos da FIFA, na parte em que essas regras designam esta entidade e a UEFA como titulares de todos os direitos que possam derivar das competições de futebol profissional interclubes que organizam no território da União, com o indispensável concurso dos clubes de futebol profissional e dos jogadores que participam nestas competições.

215

Pelo contrário, a interpretação dos artigos 101.o e 102.o TFUE pelo Tribunal de Justiça e a aplicação destes artigos pelo órgão jurisdicional de reenvio devem tomar como ponto de partida a circunstância de o regime de propriedade dos direitos aos quais tais regras são aplicáveis poder variar de um Estado‑Membro para outro e, portanto, de ser, antes de mais, à luz do direito aplicável em matéria de propriedade e de propriedade intelectual que deve ser examinada a questão do sentido a dar ao conceito de «titularidade original» a que se referem essas regras, como referiu, em substância, um grande número de governos que intervieram no Tribunal de Justiça. Assim, alguns deles expuseram que este conceito deve ser considerado, no que lhes diz respeito e para ser compatível com as disposições do seu direito interno aplicável em matéria de propriedade e de propriedade intelectual, uma «cessão voluntária» ou uma «cessão forçada» de direitos pelos clubes de futebol profissional às associações nacionais de futebol, no momento da sua filiação nestas, completada por uma cessão posterior dos mesmos direitos à FIFA e à UEFA, no momento da adesão dessas associações a estas últimas.

216

No entanto, o presente processo não incide sobre esta questão, cujo exame implicaria ter igualmente em consideração o artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que constitui uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares consagrando o direito de propriedade e o direito de propriedade intelectual, sem, no entanto, atribuir a esses direitos caráter absoluto ou intangível (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Spiegel Online, C‑516/17, EU:C:2019:625, n.o 56), como o Tribunal de Justiça já salientou no que respeita aos direitos que estão especificamente em causa no caso em apreço (Acórdãos de 18 de julho de 2013, FIFA/Comissão, C‑204/11 P, EU:C:2013:477, n.o 110, e de 18 de julho de 2013, UEFA/Comissão, C‑201/11 P, EU:C:2013:519, n.o 102).

b)   Quanto à exploração dos direitos associados às competições desportivas

217

No que respeita à questão de saber se o artigo 101.o, n.o 1, e o artigo 102.o TFUE se opõem às regras a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que já não tenham por objeto a titularidade original dos direitos que possam resultar das competições de futebol profissional interclubes organizadas pela FIFA e pela UEFA, mas sim a exploração comercial desses direitos, decorre, antes de mais, dos n.os 115, 117, 118, 139 e 140 do presente acórdão que essas regras podem ser consideradas, paralelamente, por um lado, uma «decisão de associação de empresas» na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e, por outro, um comportamento que emana de uma «empresa» em «posição dominante» e resultante do exercício de um poder de regulamentação e, portanto, de um meio diferente dos que regem a concorrência entre as empresas pelo mérito.

218

Em seguida, o artigo 101.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 102.o, alínea b), TFUE proíbem expressamente as decisões de associações de empresas e as práticas abusivas que consistam em impedir ou restringir a concorrência, limitando ou controlando, entre outros parâmetros de concorrência, a produção e a distribuição, em prejuízo dos consumidores.

219

Ora, como assinalam, nomeadamente, alguns dos governos que apresentaram observações no Tribunal de Justiça e a Comissão, o próprio objetivo das regras em causa no processo principal é, como revela a análise do seu teor, substituir, de forma imperativa e completa, por um dispositivo de exploração exclusiva e coletiva da totalidade dos direitos que possam resultar das competições de futebol profissional interclubes organizadas pela FIFA e pela UEFA, sob todas as suas formas, qualquer outro modo de exploração que pudesse ser livremente escolhido, na falta dessas regras, pelos clubes de futebol profissional que participam nos jogos organizados no âmbito dessas competições, seja este modo de exploração individual, bilateral ou mesmo multilateral.

220

Com efeito, regras como as enunciadas nos artigos 67.o e 68.o dos Estatutos da FIFA reservam a esta associação, em termos claros e precisos, o poder exclusivo de determinar, por via regulamentar, as condições de exploração e de utilização desses direitos por si própria ou por terceiros. Além disso, reservam à FIFA e à UEFA o poder exclusivo de autorizar a transmissão de jogos ou de eventos, incluindo os ligados às competições de futebol interclubes, em suporte audiovisual ou outros, sem restrição de lugar, de conteúdo, de data ou de meios técnicos.

221

Por outro lado, essas regras sujeitam a esses poderes, em termos também eles unívocos, a totalidade dos referidos direitos, quer se trate de direitos patrimoniais, de direitos de gravação, de reprodução e de difusão audiovisuais, de direitos multimédia, de direitos de marketing e de promoção ou ainda de direitos de propriedade intelectual.

222

Desse modo, as referidas regras permitem à FIFA e à UEFA controlar na sua totalidade a oferta de direitos associados às competições interclubes que organizam e, consequentemente, impedir qualquer concorrência entre clubes de futebol profissional, no que respeita aos direitos associados aos jogos em que participam. Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que este modo de funcionamento concorrencial do mercado não é de todo teórico mas, pelo contrário, real e concreto, e que, por exemplo, existiu até 2015 em Espanha, no que se refere aos direitos audiovisuais associados às competições organizadas pela associação nacional de futebol em causa.

223

Por último, no que respeita ao contexto económico e jurídico em que se inserem as regras em causa no processo principal, refira‑se primeiro que os diferentes direitos que podem resultar das competições de futebol profissional interclubes constituem a principal fonte de rendimentos que pode ser auferida com essas competições, designadamente pela FIFA e pela UEFA, enquanto organizadoras das mesmas, bem como pelos clubes de futebol profissional, sem a participação dos quais as referidas competições não se poderiam realizar. Estes direitos estão, portanto, no cerne da atividade económica a que dão origem essas competições, e a sua venda está, portanto, intrinsecamente ligada à organização das mesmas.

224

Nesta medida, o monopólio que as regras em causa no processo principal conferem à entidade que as adotou, a saber, a FIFA, bem como a UEFA, em matéria de exploração e de comercialização dos direitos, conjuga‑se com o controlo absoluto de que dispõem estas entidades sobre a organização e a comercialização das competições, graças às regras objeto das três primeiras questões do órgão jurisdicional de reenvio, e reforça o alcance jurídico, económico e prático dessas regras.

225

Em segundo lugar, independentemente da atividade económica a que dão origem, os direitos em causa no processo principal, considerados enquanto tais, constituem um elemento essencial do sistema de concorrência não falseado que os Tratados UE e FUE pretendem instituir e manter, como já salientou o Tribunal de Justiça a propósito dos direitos de marca de que são titulares os clubes de futebol profissional (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2002, Arsenal Football Club, C‑206/01, EU:C:2002:651, n.os 47 e 48). Com efeito, constituem direitos, juridicamente protegidos e dotados de valor económico próprio, de explorar comercialmente sob diferentes formas um produto ou um serviço preexistente, no caso, um jogo ou uma série de jogos em que um determinado clube defronta um ou mais clubes.

226

Trata‑se, portanto, de um parâmetro de concorrência que as regras em causa no processo principal subtraem do controlo dos clubes de futebol profissional que participam nas competições interclubes organizadas pela FIFA e pela UEFA.

227

Em terceiro lugar, ao contrário da organização das competições de futebol interclubes propriamente dita, que é uma atividade económica de natureza «horizontal» em que intervêm unicamente as entidades ou as empresas que são atual ou potencialmente organizadoras das mesmas, a comercialização dos diferentes direitos associados a essas competições é de natureza «vertical» uma vez que intervêm, do lado da oferta, estas mesmas entidades ou empresas e, do lado da procura, empresas que pretendem adquirir esses direitos, seja para os revenderem a organismos de radiodifusão televisiva e a outros fornecedores de serviços de comunicação social (comércio) seja para transmitirem jogos por si próprias através de diferentes redes de comunicações eletrónicas e diferentes suportes, como a televisão linear ou a pedido, a radiofonia, a Internet, os equipamentos de telefonia móvel e outros suportes emergentes. Além disso, estes diferentes organismos de difusão podem, eles próprios, vender espaço ou tempo a empresas que operam noutros setores económicos, para fins publicitários ou de patrocínio, para lhes permitir inserirem os seus produtos ou serviços durante a transmissão das competições.

228

As regras como as que estão em causa no processo principal são, portanto, atendendo ao seu teor, aos fins que visam objetivamente alcançar em relação à concorrência e ao contexto económico e jurídico em que se inserem, suscetíveis não só de impedir qualquer concorrência entre os clubes de futebol profissional que são filiados nas associações nacionais de futebol membros da FIFA e da UEFA, no âmbito da comercialização dos diferentes direitos associados aos jogos em que participam, mas também de afetar o funcionamento da concorrência em detrimento de empresas terceiras que operam num conjunto de mercados dos meios de comunicação social situados a jusante desta comercialização, em prejuízo dos consumidores e dos telespetadores.

229

Em especial, essas regras são suscetíveis de permitir que as duas entidades às quais conferem um monopólio nesta matéria, sob a forma de controlo total da oferta, pratiquem preços de venda excessivos e, portanto, abusivos (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.o 250, e de 11 de dezembro de 2008, Kanal 5 e TV 4, C‑52/07, EU:C:2008:703, n.os 28 e 29), perante os quais os compradores atuais ou potenciais de direitos têm, a priori, apenas um poder de negociação limitado, tendo em conta o lugar fundamental e incontornável que ocupam as competições e os jogos de futebol profissional interclubes, enquanto produtos chamativos suscetíveis de atrair e de fidelizar um vasto público ao longo do ano, no pacote de programas e de emissões que os organismos de radiodifusão podem oferecer aos seus clientes e, mais geralmente, aos telespetadores. Além disso, ao obrigarem todos os compradores atuais ou potenciais de direitos a adquirirem junto de dois vendedores que beneficiam de uma imagem e de uma reputação muito sólidas e que propõem, cada um deles, um leque de produtos que excluem qualquer oferta alternativa, as referidas regras podem levar esses compradores atuais ou potenciais a uniformizarem o seu comportamento no mercado e a sua oferta aos seus próprios clientes, e resultar, consequentemente, numa redução da escolha e da inovação em prejuízo dos consumidores e dos telespetadores.

230

Por todas estas razões, pode considerar‑se que regras como as que estão em causa no processo principal, uma vez que substituem, de forma imperativa e completa, por um dispositivo de exploração exclusiva de todos os direitos que possam resultar das competições de futebol profissional interclubes organizadas pela FIFA e pela UEFA, qualquer outro modo de exploração que pudesse ser livremente escolhido na ausência de tais regras, têm «por objetivo» impedir ou restringir a concorrência nos diferentes mercados em causa, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, e constituem uma «exploração abusiva» de uma posição dominante, na aceção do artigo 102.o TFUE, a menos que o seu caráter justificado seja demonstrado. Isto é ainda mais assim quando essas regras se combinam com regras de autorização prévia, de participação e de sanção como as que são objeto das questões anteriores.

c)   Quanto à existência de uma eventual justificação

231

No que respeita à questão de saber se essas regras são suscetíveis de cumprir todos os requisitos, recordados nos n.os 190 e 204 do presente acórdão, que devem estar preenchidos para poderem beneficiar da isenção ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE e ser consideradas justificadas à luz do artigo 102.o TFUE, refira‑se que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre este ponto, após ter dado às partes no processo principal a possibilidade de cumprirem o ónus da prova que, respetivamente, lhes incumbe.

232

No entanto, importa observar, em primeiro lugar, que, no Tribunal de Justiça, as demandadas no processo principal, vários governos e a Comissão alegaram que essas regras permitem obter ganhos de eficiência, contribuindo para melhorar tanto a produção como a distribuição. Com efeito, ao permitirem aos compradores atuais ou potenciais negociar a compra de direitos com dois vendedores exclusivos, previamente a cada uma das competições internacionais ou europeias organizadas por estes, essas regras reduzem consideravelmente os seus custos de transação, bem como a incerteza com que estes seriam confrontados se tivessem de negociar caso a caso com os clubes participantes, cuja posição e respetivos interesses poderiam divergir quanto à comercialização desses direitos. Além disso, entendem que as referidas regras permitem, sobretudo, a esses compradores atuais ou potenciais ter acesso, em condições determinadas e aplicadas de forma coerente à escala internacional ou europeia, a direitos incomparavelmente mais atrativos do que os que lhes poderiam ser propostos conjuntamente pelos clubes que participam neste ou naquele jogo, atendendo ao facto de esses direitos gozarem da notoriedade da FIFA ou da UEFA e terem por objeto, se não a totalidade de uma das competições por elas organizadas, pelo menos um lote consequente de jogos programados nas diferentes fases da competição (jogos de qualificação, jogos de grupos e fase final).

233

Todavia, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta os argumentos e as provas a apresentar pelas partes no processo principal, determinar a extensão desses ganhos de eficiência e, caso se comprove a veracidade e a extensão dos mesmos, pronunciar‑se sobre a questão de saber se esses ganhos de eficiência permitem compensar os inconvenientes que resultam das regras em causa no processo principal no plano da concorrência.

234

Em segundo lugar, as demandadas no processo principal, vários governos e a Comissão alegaram que uma parte equitativa do proveito que parece resultar dos ganhos de eficiência gerados pelas regras em causa no processo principal está reservada aos utilizadores. Assim, o proveito retirado da venda centralizada dos diferentes direitos associados às competições de futebol interclubes organizadas pela FIFA e pela UEFA é afetado, numa medida significativa, a financiamentos ou a projetos destinados a assegurar uma certa forma de redistribuição solidária no futebol, em benefício não só dos clubes de futebol profissional que participam nestas competições mas também dos que não participam, dos clubes amadores, dos jogadores profissionais, do futebol feminino, dos jovens jogadores e das outras categorias de atores do futebol. Do mesmo modo, a melhoria da produção e da distribuição resultante desta venda centralizada e a redistribuição solidária do proveito que permite gerar beneficiam, em última análise, os adeptos, os consumidores que são os telespectadores e, mais amplamente, todos os cidadãos da União que praticam futebol a nível amador.

235

Estes argumentos parecem, à primeira vista, convincentes, tendo em conta as características essenciais das competições de futebol interclubes organizadas à escala mundial ou europeia. Com efeito, o bom funcionamento, a perenidade e o sucesso das mesmas assentam na manutenção de um equilíbrio e na preservação de uma certa igualdade de oportunidades entre os clubes de futebol profissional que nelas participam, atendendo à relação de interdependência que os une, como decorre do n.o 143 do presente acórdão. Além disso, essas competições dependem dos clubes de futebol profissional mais pequenos e dos clubes de futebol amador que, sem que nelas participem, investem a nível local no recrutamento e na formação de jovens jogadores de talento, alguns dos quais se tornarão profissionais e poderão esperar juntar‑se a um clube com participação nas mesmas (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2010, Olympique Lyonnais, C‑325/08, EU:C:2010:143, n.os 41 a 45). Por último, o funcionamento solidário do futebol, desde que seja real, é suscetível de reforçar a sua função educativa e social na União.

236

No entanto, o proveito que a venda centralizada dos direitos relativos às competições de futebol interclubes gera para cada categoria de utilizadores ‑ incluindo não só os clubes profissionais e amadores e os outros atores do futebol, mas também os espectadores e os telespectadores — tem que ser demonstrado de forma real e concreta.

237

Por conseguinte, em última análise, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, tendo em conta as provas, designadamente de ordem contabilística e financeira, a apresentar pelas partes no processo principal, em que medida os argumentos em questão, que se referem à solidariedade «horizontal» entre clubes que participam nas referidas competições ou à solidariedade «vertical» com os diferentes outros atores do futebol, se verificam realmente perante as regras em causa no processo principal.

238

Em terceiro lugar, é também ao órgão jurisdicional de reenvio que caberá determinar, tendo em conta as provas a apresentar pelas partes no processo principal, se as regras em causa nesse processo são indispensáveis para permitir obter os ganhos de eficiência anteriormente evocados e para assegurar a redistribuição solidária de uma parte equitativa do proveito que daí decorre a todos os utilizadores, sejam os atores do futebol profissional ou amador ou os espectadores ou telespectadores.

239

Em quarto lugar, no que respeita à questão de saber se as regras em causa deixam subsistir uma concorrência efetiva para uma parte substancial dos produtos ou dos serviços em causa, há que observar que, embora eliminem toda a concorrência do lado da oferta, essas regras não parecem, em contrapartida, em si mesmas, eliminar a concorrência do lado da procura. Com efeito, embora possam impor aos compradores atuais ou potenciais o pagamento de um preço mais alto para a aquisição dos direitos e, consequentemente, reduzir o número de compradores em condições de o fazer, ou mesmo incitá‑los a agrupar‑se, as referidas regras permitem, em contrapartida, que estes acedam a um produto mais atrativo em termos tanto de conteúdo como de imagem, para o qual a concorrência é viva, atendendo ao lugar de destaque que ocupa no pacote de programas ou de emissões que pode ser proposto aos clientes e, mais amplamente, aos telespetadores.

240

Todavia, a realidade e a importância concretas desta concorrência só podem ser apreciadas pelo órgão jurisdicional de reenvio tomando em consideração as condições jurídicas e económicas reais em que a FIFA regula a exploração e procede à comercialização dos diferentes direitos (audiovisuais, multimédia, marketing ou outros) associados às competições, com base nos artigos 67.o e 68.o dos seus estatutos. Na falta de concorrência entre vendedores e, portanto, «pelos produtos», essa concorrência pode ser assegurada, entre outros elementos, pelo recurso a um procedimento de leilão, de seleção ou de apresentação de ofertas, aberto, transparente e não discriminatório, que conduza a uma tomada de decisão imparcial e que permita, deste modo, aos compradores atuais ou potenciais exercerem uma concorrência efetiva e não falseada «para os produtos». Tal concorrência também pode depender do período durante o qual esses direitos são propostos, do seu caráter exclusivo ou não exclusivo, do seu âmbito geográfico, do número de jogos (lotes) e do tipo de jogos (jogos de qualificação, jogos de fade de grupos ou jogos eliminatórios) que permitem transmitir, bem como de todas as outras condições jurídicas, técnicas e financeiras em que os referidos direitos podem ser adquiridos. Para além desses parâmetros jurídicos, a concorrência pode igualmente depender do número de compradores atuais ou potenciais, das respetivas posições de mercado e das ligações que possam eventualmente existir entre eles e com outros atores do futebol, como clubes de futebol profissional, outras empresas ou ainda as próprias FIFA e UEFA.

241

À luz de todas estas considerações, há que responder à quarta questão que os artigos 101.o e 102.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a regras adotadas por associações responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, na medida em que designam essas associações como titulares originais de todos os direitos que possam derivar das competições sob a sua «jurisdição», quando essas regras se aplicam unicamente às competições organizadas pelas referidas associações, com exclusão das que possam ser organizadas por entidades ou empresas terceiras;

se opõem a tais regras na medida em que atribuem a essas mesmas associações um poder exclusivo em matéria de comercialização dos direitos em causa, a menos que se demonstre, através de argumentos e provas convincentes, que estão preenchidos todos os requisitos exigidos para que essas regras possam beneficiar, ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, da isenção prevista no n.o 1 deste artigo e ser consideradas justificadas à luz do artigo 102.o TFUE.

C. Quanto à sexta questão, relativa às liberdades de circulação

242

Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 45.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a regras através das quais associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu, e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de competições de futebol interclubes por uma empresa terceira e controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições, sob pena de sanções, quando essas regras não estejam sujeitas a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

1.   Quanto à identificação da liberdade de circulação pertinente

243

Quando o órgão jurisdicional nacional questiona o Tribunal de Justiça sobre a interpretação de diferentes disposições do Tratado FUE relativas às liberdades de circulação, para poder pronunciar‑se sobre uma medida que diz simultaneamente respeito a várias dessas liberdades, e quando se verifica que, tendo em conta o seu objeto, essa medida está relacionada de forma preponderante com uma das referidas liberdades e de forma secundária com as outras, o Tribunal de Justiça limita, em princípio, a sua apreciação à liberdade principalmente em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C‑42/07, EU:C:2009:519, n.o 47, e de 7 de setembro de 2022, Cilevičs e o., C‑391/20, EU:C:2022:638, n.os 50 e 51).

244

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre a interpretação das disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de circulação dos trabalhadores, à liberdade de estabelecimento, à liberdade de prestação de serviços e à liberdade de circulação de capitais. No entanto, as regras sobre as quais esse órgão jurisdicional é chamado a pronunciar‑se no âmbito do litígio no processo principal têm por objeto, acima de tudo, o facto de fazer depender de autorização prévia da FIFA e da UEFA a organização e a comercialização de qualquer nova competição de futebol interclubes no território da União e, portanto, de tornar dependente da concessão de tal autorização toda a empresa que pretenda exercer essa atividade económica em qualquer Estado‑Membro. Embora seja verdade que essas regras de autorização prévia são acompanhadas de regras que controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições, estas últimas podem ser consideradas, para efeitos da resposta a dar à presente questão, secundárias relativamente às primeiras, no sentido de que lhes são acessórias.

245

Assim, pode considerar‑se que as regras da FIFA e da UEFA em causa no processo principal estão relacionadas, de forma preponderante, com a liberdade de prestação de serviços, que abrange todas as prestações que não sejam propostas de modo estável e continuado a partir de um estabelecimento no Estado‑Membro de destino (Acórdão de 7 de setembro de 2022, Cilevičs e o., C‑391/20, EU:C:2022:638, n.o 53).

246

Nestas condições, o Tribunal de Justiça limitará a sua análise ao artigo 56.o TFUE.

2.   Quanto à existência de um entrave à liberdade de prestação de serviços

247

O artigo 56.o TFUE, que consagra a liberdade de prestação de serviços em benefício tanto dos prestadores como dos destinatários dos serviços, opõe‑se a qualquer medida, ainda que indistintamente aplicável, suscetível de entravar o exercício dessa liberdade ao proibir, perturbar ou tornar menos atrativa a atividade desses prestadores nos Estados‑Membros diferentes daqueles onde estão estabelecidos (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C‑42/07, EU:C:2009:519, n.o 51, e de 3 de março de 2020, Google Ireland, C‑482/18, EU:C:2020:141, n.os 25 e 26).

248

É o que sucede no caso em apreço com as regras em causa no processo principal. Com efeito, uma vez que, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, essas regras não estão sujeitas a critérios materiais e a normas processuais adequadas para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado, permitem à FIFA e à UEFA controlar, de forma discricionária, a possibilidade de qualquer empresa terceira organizar e comercializar competições de futebol interclubes no território da União, a possibilidade de qualquer clube de futebol profissional participar nestas competições e, indiretamente, a possibilidade de qualquer outra empresa prestar serviços ligados à organização ou à comercialização das referidas competições, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 175 e 176 das suas conclusões.

249

Ao fazê‑lo, essas regras não são suscetíveis simplesmente de perturbar ou tornar menos atrativas as diferentes atividades económicas em causa, mas sim de as impedir, restringindo o acesso às mesmas por parte de qualquer novo operador (v., por analogia, Acórdãos de 10 de março de 2009, Hartlauer, C‑169/07, EU:C:2009:141, n.o 34, e de 8 de junho de 2023, Prestige and Limousine, C‑50/21, EU:C:2023:448, n.o 62).

250

Daqui resulta que as referidas regras constituem um entrave à liberdade de prestação de serviços consagrada no artigo 56.o TFUE.

3.   Quanto à existência de uma eventual justificação

251

Podem ser admitidas medidas de origem não estatal, mesmo que sejam um entrave à liberdade de circulação consagrada no Tratado FUE, se se demonstrar, primeiro, que a sua adoção se justifica por um objetivo legítimo de interesse geral, de natureza não puramente económica, e, segundo, que respeitam o princípio da proporcionalidade, o que implica que sejam adequadas para garantir a realização desse objetivo e não ultrapassem o necessário para o alcançar (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 104, e de 13 de junho 2019, TopFit e Biffi, C‑22/18, EU:C:2019:497, n.o 48). No que respeita, mais especificamente, ao requisito relativo à adequação de tais medidas, importa recordar que só podem ser consideradas adequadas para garantir a realização do objetivo invocado se responderem efetivamente à intenção de o alcançar de uma maneira coerente e sistemática [v., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C‑42/07, EU:C:2009:519, n.o 61, e de 6 de outubro de 2020, Comissão/Hungria (Ensino superior), C‑66/18, EU:C:2020:792, n.o 178].

252

Como para as medidas de origem estatal, incumbe ao autor das medidas de origem não estatal em causa demonstrar que estes dois requisitos cumulativos estão preenchidos [v., por analogia, Acórdãos de 21 de janeiro de 2016, Comissão/Chipre, C‑515/14, EU:C:2016:30, n.o 54, e de 18 de junho de 2020, Comissão/Hungria (Transparência associativa), C‑78/18, EU:C:2020:476, n.o 77].

253

No caso em apreço, tendo em conta os elementos referidos nos n.os 142 a 144 e 196 do presente acórdão, há que considerar que a adoção de regras relativas à autorização prévia das competições de futebol interclubes e à participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições pode justificar‑se, no seu próprio princípio, por objetivos de interesse geral de assegurar, previamente à organização de tais competições, que serão organizadas no respeito dos princípios, dos valores e das regras do jogo subjacentes ao futebol profissional, designadamente valores de abertura, de mérito e de solidariedade, mas também que essas competições serão integradas, de forma materialmente homogénea e temporalmente coordenada, no «sistema organizado» de competições nacionais, europeias e internacionais que caracteriza este desporto.

254

No entanto, esses objetivos não podem justificar a adoção de tais regras quando não estejam sujeitas a critérios materiais e a normas processuais adequados para garantir o seu caráter transparente, objetivo, preciso e não discriminatório, como decorre dos n.os 147, 175, 176 e 199 do presente acórdão.

255

Com efeito, para que um regime de autorização prévia como o instituído por essas regras possa ser considerado justificado, deve, de qualquer forma, basear‑se em critérios objetivos, não discriminatórios e conhecidos antecipadamente, para enquadrar o exercício do poder de apreciação que confere à instância competente para conceder ou recusar a autorização prévia e a evitar que esse poder não seja utilizado de modo arbitrário (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de janeiro de 2002, Canal Satélite Digital, C‑390/99, EU:C:2002:34, n.o 35, e de 13 de junho de 2019, TopFit e Biffi, C‑22/18, EU:C:2019:497, n.o 65).

256

No caso em apreço, tendo em conta as indicações do órgão jurisdicional de reenvio recordadas no n.o 248 do presente acórdão, não se afigura que as regras em causa no processo principal possam ser consideradas justificadas por um objetivo legítimo de interesse geral.

257

À luz de todas estas considerações, há que responder à sexta questão que o artigo 56.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regras através das quais as associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu, e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de competições de futebol interclubes por uma empresa terceira e controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições, sob pena de sanções, quando essas regras não estejam sujeitas a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

Quanto às despesas

258

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 102.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui um abuso de posição dominante o facto de associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições terem adotado e aplicarem regras que fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de uma nova competição de futebol interclubes por uma empresa terceira e que controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nessa competição, sob pena de sanções, sem que estes diferentes poderes estejam sujeitos a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

 

2)

O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma decisão de associação de empresas que tem por objetivo impedir a concorrência o facto de associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições terem adotado e aplicarem, diretamente ou por intermédio das associações nacionais de futebol que delas são membros, regras que fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de uma nova competição de futebol interclubes por uma empresa terceira e que controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nessa competição, sob pena de sanções, sem que estes diferentes poderes estejam sujeitos a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

 

3)

O artigo 101.o, n.o 3, e o artigo 102.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que as regras através das quais associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu, e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de competições de futebol interclubes por uma empresa terceira e controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições, sob pena de sanções, só podem beneficiar da isenção prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE ou ser consideradas justificadas à luz do artigo 102.o TFUE se se demonstrar, através de argumentos e provas convincentes, o preenchimento de todos os requisitos que, para tal, são exigidos.

 

4)

Os artigos 101.o e 102.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a regras adotadas por associações responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, na medida em que designam essas associações como titulares originais de todos os direitos que possam derivar das competições sob a sua «jurisdição», quando essas regras se aplicam unicamente às competições organizadas pelas referidas associações, com exclusão das que possam ser organizadas por entidades ou empresas terceiras;

se opõem a tais regras na medida em que atribuem a essas mesmas associações um poder exclusivo em matéria de comercialização dos direitos em causa, a menos que se demonstre, através de argumentos e provas convincentes, que estão preenchidos todos os requisitos exigidos para que essas regras possam beneficiar, ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, da isenção prevista no n.o 1 deste artigo e ser consideradas justificadas à luz do artigo 102.o TFUE.

 

5)

O artigo 56.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regras através das quais as associações que são responsáveis pelo futebol a nível mundial e europeu, e que exercem paralelamente diferentes atividades económicas ligadas à organização de competições, fazem depender da sua autorização prévia a criação, no território da União, de competições de futebol interclubes por uma empresa terceira e controlam a participação dos clubes de futebol profissional e dos jogadores nestas competições, sob pena de sanções, quando essas regras não estejam sujeitas a critérios materiais e a normas processuais adequados para assegurar o seu caráter transparente, objetivo, não discriminatório e proporcionado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.