ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

22 de dezembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Harmonização das legislações fiscais — Diretiva 92/83/CEE — Harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas — Impostos especiais sobre o consumo — Álcool etílico — Isenções — Artigo 27.o, n.o 1, alínea e) — Fabrico de aromas destinados à preparação de géneros alimentícios e bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 % — Âmbito de aplicação — Princípios da proporcionalidade e da efetividade»

No processo C‑332/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia), por Decisão de 9 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de maio de 2021, no processo

Quadrant Amroq Beverages SRL

contra

Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală de Administrare a Marilor Contribuabili,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente de secção, M. Ilešič (relator) e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Quadrant Amroq Beverages SRL, por D.‑D. Dascălu, avocat,

em representação do Governo romeno, por E. Gane e A. Rotăreanu, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, por M. Browne, A. Joyce e M. Tierney, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e C. Perrin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 21), e dos princípios da proporcionalidade e da efetividade.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Quadrant Amroq Beverages SRL à Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală a Marilor Contribuabili (Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral da Administração para os Grandes Contribuintes, Roménia, a seguir «autoridade fiscal competente») a respeito do reembolso dos impostos especiais de consumo que esta sociedade pagou sobre o álcool etílico.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 92/83

3

O vigésimo segundo considerando da Diretiva 92/83 enuncia:

«Considerando que os Estados‑Membros não devem ser privados dos meios de combate a qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida que possa surgir através das isenções.»

4

O artigo 19.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros aplicarão ao álcool etílico um imposto especial de consumo de acordo com as disposições da presente diretiva.»

5

O artigo 20.o, primeiro travessão, da referida diretiva dispõe:

«Para efeitos de aplicação da presente diretiva, por “álcool etílico” entendem‑se:

os produtos com um teor alcoólico em volume superior a 1,2 % vol. abrangidos pelos códigos NC 2207 e 2208, mesmo quando estes produtos constituam parte de um produto abrangido por outro capítulo da Nomenclatura Combinada [que figura no anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/1754 da Comissão, de 6 de outubro de 2015 (JO 2015, L 285, p. 1) (a seguir “NC”)].»

6

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, alínea d), da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros isentarão do imposto especial de consumo harmonizado os produtos abrangidos pela presente diretiva, nas condições por eles estabelecidas para assegurar a aplicação correta e direta das isenções e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida, sempre que esses produtos:

[…]

e)

Sejam utilizados para o fabrico de aromas destinados à preparação de géneros alimentícios e bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %;

[…]

2.   Os Estados‑Membros podem isentar do imposto especial de consumo harmonizado os produtos abrangidos pela presente diretiva, nas condições por eles estabelecidas para assegurar a aplicação correta e direta das isenções e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida, sempre que esses produtos sejam utilizados:

[…]

d)

Em processos de fabrico, desde que o produto final não contenha álcool.»

Diretiva 92/12/CEE

7

O artigo 24.o da Diretiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 1992, L 76, p. 1), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 807/2003 do Conselho, de 14 de abril de 2003 (JO 2003, L 122, p. 36), dispunha:

«1.   A Comissão [Europeia] é assistida pelo Comité dos Impostos Especiais de Consumo.

[…]

4.   Além das medidas referidas no n.o 2, o comité deve analisar as questões suscitadas pelo seu presidente, por sua própria iniciativa, ou a pedido do representante de um Estado‑Membro, que incidam sobre a aplicação das disposições comunitárias em matéria de impostos especiais de consumo.

[…]»

Diretiva 2008/118/CE

8

O considerando 2 da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12), enuncia:

«A fim de garantir o funcionamento adequado do mercado interno, importa manter harmonizadas as condições de exigibilidade dos impostos especiais de consumo no respeitante aos produtos abrangidos pela Diretiva [92/12], adiante designados por “produtos sujeitos a impostos especiais de consumo”.»

9

O artigo 1.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2008/118 prevê:

«A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados “produtos sujeitos a impostos especiais de consumo”:

[…]

b)

Álcool e bebidas alcoólicas abrangidos pelas Diretivas [92/83] e 92/84/CEE [do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 29)].»

10

Nos termos do artigo 4.o, pontos 1 e 9, da Diretiva 2008/118:

«Para efeitos da presente diretiva, bem como das suas disposições de execução, entende‑se por:

1)

“Depositário autorizado”, a pessoa singular ou coletiva autorizada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro, no exercício da sua profissão, a produzir, transformar, deter, receber e expedir, num entreposto fiscal, produtos sujeitos ao imposto especial de consumo em regime de suspensão do imposto.

[…]

9)

“Destinatário registado”, a pessoa singular ou coletiva autorizada pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de destino, no exercício da sua profissão e nas condições fixadas por essas autoridades, a receber produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que circulam em regime de suspensão do imposto, provenientes de outro Estado‑Membro.»

11

O artigo 7.o, n.os 1 e 2, desta diretiva enuncia:

«1.   O imposto especial de consumo torna‑se exigível no momento e no Estado‑Membro da introdução no consumo.

2.   Para efeitos da presente diretiva, por “introdução no consumo” entende‑se:

a)

A saída, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo de um regime de suspensão do imposto;

b)

A detenção fora de um regime de suspensão do imposto de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo caso o imposto especial de consumo não tenha sido cobrado em conformidade com as disposições comunitárias e a legislação nacional aplicáveis;

c)

A produção, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo fora de um regime de suspensão do imposto;

d)

A importação, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, a menos que esses produtos sejam colocados, imediatamente após a importação, num regime de suspensão do imposto.»

A NC

12

O capítulo 22 da NC inclui as posições 2207 e 2208, que têm a seguinte redação:

Código NC

Designação das mercadorias

[…]

[…]

2207

Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume igual ou superior a 80 % vol.; álcool etílico e aguardentes, desnaturados, com qualquer teor alcoólico:

[…]

[…]

2208

Álcool etílico não desnaturado, com um teor alcoólico em volume inferior a 80 % vol.; aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas:

13

O capítulo 33 da NC inclui a seguinte posição:

Código NC

Designação das mercadorias

[…]

[…]

3302

Misturas de substâncias odoríferas e misturas (incluindo as soluções alcoólicas) à base de uma ou mais destas substâncias, do[s] tipo[s] utilizado[s] como matérias básicas para a indústria; outras preparações à base de substâncias odoríferas, do[s] tipo[s] utilizado[s] para [a] fabricação de bebidas:

[…]

[…]

Orientações adotadas na reunião de 12, 13 e 14 de novembro de 2003

14

Nos termos do ponto 1 do documento do Comité dos Impostos Especiais de Consumo intitulado «Orientações adotadas na reunião de 12, 13 e 14 de novembro de 2003» (Documento CED n.o 458, de 19 de novembro de 2003), «[a]s delegações entendem, de forma quase unânime, que a isenção a que se refere o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva [92/83], é concedida, no momento da produção ou da importação, para aromas abrangidos pelos códigos NC 1302 1930, 2106 9020 e 3302, na redação em vigor à data da adoção desta[s] orientaç[ões]».

Direito romeno

15

O artigo 20658, n.o 1, alínea e), da Legea nr. 571/2003 privind Codul fiscal (Lei n.o 571/2003 que aprova o Código Tributário), de 22 de dezembro de 2003 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 927, de 23 de dezembro de 2003, a seguir «Código Tributário de 2003»), em vigor até 31 de dezembro de 2015, dispunha:

«O álcool etílico e os outros produtos alcoólicos referidos no artigo 2062, alínea a), estão isentos dos impostos especiais de consumo quando sejam:

[…]

e)

utilizados para o fabrico de aromas alimentares destinados à preparação de géneros alimentícios ou bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %.»

16

A redação desta disposição foi retomada no artigo 397.o, n.o 1, da Legea nr. 227/2015 privind codul fiscal (Lei n.o 227/2015 que aprova o Código Tributário), de 8 de setembro de 2015 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 688, de 10 de setembro de 2015, a seguir «Código Tributário de 2015»), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2016.

17

As modalidades de execução do artigo 20658 do Código Tributário de 2003 enunciavam:

«[…]

13.

Em todas as situações referidas no artigo 20658, n.o 1, do Código Tributário [de 2003], a isenção dos impostos especiais de consumo é concedida apenas ao utilizador, sob a condição de o fornecimento ser efetuado diretamente a partir de um entreposto fiscal.

14.

Quando um utilizador faça aquisições intracomunitárias de álcool etílico com vista a uma utilização para os fins referidos no artigo 20658, n.o 1, alíneas b) a i), do Código Tributário [de 2003], esse utilizador deve igualmente ser um destinatário registado.

[…]

16.

A isenção será concedida diretamente:

a)

nas situações referidas no artigo 20658, n.o 1, alíneas d), f), g) e h), do Código Tributário [de 2003];

b)

nas situações referidas no artigo 20658, n.o 1, alíneas a), b), c) e e), do Código Tributário [de 2003], para depositários autorizados que operem no âmbito de um sistema integrado. Entende‑se por “sistema integrado” a utilização de álcool etílico e de outros produtos alcoólicos pelos depositários para o fabrico de produtos acabados destinados ao consumo enquanto tais, sem serem objeto de alterações adicionais.

[…]

17.

Em todas as situações de isenção direta, a isenção é concedida com base numa autorização do utilizador final. Esta autorização é concedida a todos os utilizadores que adquiram produtos isentos de impostos especiais de consumo.

[…]

34.

Em todas as situações de isenção direta, os preços de entrega dos produtos não incluem os impostos especiais de consumo e a circulação de tais produtos deve ser acompanhada de uma cópia impressa do documento administrativo eletrónico referido no n.o 91.

[…]

37.

Nas situações referidas no artigo 20658, n.o 1, alíneas a), b), c), e) e i), do Código Tributário [de 2003], é concedida uma isenção indiretamente. Os preços de entrega dos produtos incluem o imposto especial de consumo, podendo depois os operadores económicos que sejam utilizadores pedir uma compensação ou um reembolso do imposto especial de consumo ao abrigo das disposições do Codul de procedură fiscală [(Código de Processo Tributário)].

38.

Para o reembolso do imposto especial de consumo, os utilizadores devem apresentar à autoridade fiscal territorial, mensalmente, o mais tardar no vigésimo quinto dia do mês seguinte ao mês relativamente ao qual pretendem o reembolso, um pedido de reembolso do imposto especial de consumo, acompanhado de:

a)

uma cópia da fatura de compra de álcool etílico e/ou outro produto alcoólico, na qual o imposto especial de consumo seja destacado separadamente;

b)

prova de que os impostos especiais de consumo foram pagos ao fornecedor, a saber, um documento de pagamento confirmado pelo banco junto do qual o utilizador tenha aberto uma conta;

c)

prova da quantidade utilizada para os fins para os quais a isenção foi concedida, a saber, um resumo das quantidades efetivamente utilizadas e os respetivos documentos.»

18

As modalidades de execução do artigo 397 do Código Tributário de 2015 preveem:

«[…]

81.   

1.

Em situações de isenção direta, para os produtos referidos no artigo 397.o, n.o 1, do Código Tributário [de 2015], a isenção do imposto especial de consumo é concedida apenas ao utilizador, sob a condição de o fornecimento ser efetuado diretamente a partir de um entreposto fiscal, das próprias compras intracomunitárias do utilizador ou das suas próprias operações de importação.

2.

Em situações de isenção indireta, para os produtos referidos no artigo 397.o, n.o 1, do Código Tributário [de 2015], a isenção do imposto especial de consumo é concedida apenas ao utilizador, sob a condição de o fornecimento ser efetuado diretamente a partir de um entreposto fiscal, de um destinatário registado ou das próprias operações de importação do utilizador. Um destinatário registado que entregue produtos destinados a serem utilizados para um fim isento de imposto especial de consumo deve destacar na fatura o valor equivalente do imposto especial de consumo pago ao orçamento do Estado.

3.

Quando um utilizador fizer aquisições intracomunitárias de álcool etílico com vista à sua utilização para os fins referidos no artigo 397.o, n.o 1, alíneas b) a i), do Código Tributário [de 2015], esse utilizador deve igualmente ser um destinatário registado.

4.

Quando o álcool etílico for importado de um país terceiro com vista à sua utilização para os fins referidos no artigo 397.o, n.o 1, alíneas b) a i), do Código Tributário [de 2015], o importador deve igualmente ser o utilizador da matéria‑prima.

82.   

1.

A isenção do imposto especial de consumo será concedida diretamente:

a)

nas situações referidas no artigo 397.o, n.o 1, alíneas d) e f), do Código Tributário [de 2015];

b)

na situação referida no artigo 397.o, n.o 1, alínea b), do Código Tributário [de 2015], apenas para a produção de álcool sanitário;

c)

nas situações referidas no artigo 397.o, n.o 1, alíneas a), c) e e), do Código Tributário [de 2015].

2.

Só os depositários autorizados que operem no âmbito de um sistema integrado beneficiarão da isenção direta referida nas alíneas b) e c) do n.o 1. Entende‑se por “sistema integrado” a utilização de álcool etílico e de outros produtos alcoólicos no entreposto fiscal em que esses produtos foram produzidos, para o fabrico de produtos acabados destinados ao consumo enquanto tais, sem serem objeto de alterações adicionais.

3.

Em todas as situações de isenção direta, a isenção é concedida com base numa autorização do utilizador final.»

Direito irlandês

19

A section 77(a)(iii) do Finance Act 2003 (Lei de Finanças de 2003) transpõe o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 para a ordem jurídica irlandesa. A mesma dispõe o seguinte:

«Sem prejuízo de qualquer outra isenção dos impostos especiais de consumo que possa ser aplicada, e sob reserva das condições que os Commissioners [(Administração Tributária, Irlanda)] possam prescrever ou, de outro modo impor, será concedida uma isenção do imposto sobre os produtos alcoólicos a quaisquer produtos alcoólicos quanto aos quais se prove, de forma satisfatória para os Commissioners [(Administração Tributária)], que:

a)

são destinados a ser utilizados ou foram utilizados para o fabrico de:

[…]

iii)

aromas para a preparação de géneros alimentícios ou de bebidas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20

A Concentrate Manufacturing Company Ireland Ltd (a seguir «CMCI») é uma filial irlandesa da PepsiCo, uma sociedade multinacional que fabrica alimentos e bebidas. A CMCI utiliza álcool etílico a 100 %, não desnaturado, abrangido pela posição 2207 da NC, para o fabrico de aromas, abrangidos pela posição 3302 da NC. Estes aromas têm um teor alcoólico em volume superior a 1,2 % e destinam‑se à preparação de bebidas não alcoólicas.

21

A CMCI produz os referidos aromas na Irlanda e vende‑os a uma outra filial irlandesa da PepsiCo, a Pepsi Cola International Cork (a seguir «Pepsi Irlanda»). Esta última sociedade vendeu aromas à recorrente no processo principal, que os utiliza para fabricar refrigerantes na Roménia. Os aromas em causa são diretamente entregues pela CMCI à recorrente no processo principal.

22

A recorrente no processo principal não tem a qualidade de destinatário registado e a Pepsi Irlanda não tem a qualidade de depositário autorizado. Em contrapartida, a CMCI é um depositário autorizado.

23

Entre 2011 e 2014, bem como entre janeiro e agosto de 2016, a recorrente no processo principal pagou 3702961 lei romenos (RON) (cerca de 752787 euros) a título de imposto especial de consumo sobre os aromas em causa no processo principal. Em setembro de 2016, pediu o reembolso desse montante.

24

A autoridade fiscal competente indeferiu esse pedido com o fundamento de que o artigo 20658 do Código Tributário de 2003, atual artigo 397.o do Código Tributário de 2015, prevê a isenção do imposto especial de consumo unicamente para o álcool etílico e os outros produtos alcoólicos utilizados para a produção de aromas alimentares destinados à preparação de géneros alimentícios ou de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %. Essa autoridade considera que, na medida em que a recorrente no processo principal produz bebidas não alcoólicas à base de aromas alimentares que contêm álcool, essa isenção não é aplicável.

25

Além disso, segundo a referida autoridade, essa isenção não pode ser concedida uma vez que a recorrente no processo principal não tem a qualidade de destinatário registado e a Pepsi Irlanda não tem a qualidade de depositário autorizado.

26

Em conformidade com a legislação fiscal irlandesa, o álcool utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de géneros alimentícios ou de bebidas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 % beneficia da isenção prevista na section 77(a)(iii) da Lei de Finanças de 2003, que transpõe o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 para a ordem jurídica irlandesa. Esta isenção aplica‑se ao álcool etílico utilizado não só no fabrico desses aromas mas também em todas as vendas posteriores.

27

No entanto, a autoridade fiscal competente considera que os referidos aromas devem ser sujeitos a imposto especial de consumo.

28

Depois de, por Decisão de 22 de junho de 2017, a autoridade fiscal competente ter indeferido uma reclamação fiscal de 28 de dezembro de 2016 apresentada pela recorrente no processo principal, esta última interpôs recurso dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia). Este órgão jurisdicional interroga‑se sobre a interpretação do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, alínea d), da Diretiva 92/83.

29

Nestas condições, o Tribunalul București (Tribunal Regional de Bucareste) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem as disposições do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva [92/83] ser interpretadas no sentido de que apenas estão abrangidas pela isenção do imposto especial de consumo os produtos do tipo álcool etílico utilizados para o fabrico de aromas destinados, por sua vez, ao fabrico de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico [adquirido] não superior a 1,2 % ou de que também beneficiam dessa isenção os produtos do tipo álcool etílico já utilizados para o fabrico de determinados aromas desse tipo, que tenham sido ou devem ser utilizados para o fabrico de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico [adquirido] não superior a 1,2 %?

2)

Deve o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva [92/83], no contexto dos objetivos e da sistemática geral da diretiva, ser interpretado no sentido de que, [desde] que os produtos do tipo álcool etílico destinados a ser comercializados noutro Estado‑Membro já tenham sido introduzidos no consumo num primeiro Estado‑Membro com isenção de imposto, quando utilizados para obter aromas destinados a ser utilizados para o fabrico de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico [adquirido] não superior a 1,2 %, o Estado‑Membro de destino deve reservar‑lhes um tratamento idêntico no seu território?

3)

Devem as disposições do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), e n.o 2, alínea d), da Diretiva [92/83], bem como os [princípios] da efetividade e [da proporcionalidade] ser interpretados no sentido de que autorizam um Estado‑Membro a impor requisitos processuais que subordinam a aplicação da isenção à posse, por parte do utilizador, da qualidade de destinatário registado e [à] posse da qualidade de [depositário] autorizado por parte do vendedor dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, embora o Estado‑Membro no qual esses produtos são adquiridos não imponha ao operador económico que os comercializa a obrigação de dispor da qualidade de entreposto fiscal?

4)

Os princípios da proporcionalidade e da efetividade, à luz das disposições do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva [92/83], no contexto dos objetivos e da sistemática geral da diretiva, opõem‑se a que a isenção prevista nessas disposições não seja aplicada a um contribuinte de um Estado‑Membro de destino que recebeu produtos do tipo álcool etílico e que se baseou na circunstância de esses produtos terem sido considerados isentos com base numa interpretação oficial dessas disposições da diretiva por parte das autoridades tributárias do Estado‑Membro de origem, [interpretação essa que foi] constante durante um longo período de tempo, transposta para o ordenamento jurídico nacional e aplicada na prática, mas que se conclui[u] posteriormente ser errada, num caso em que, tendo em conta as circunstâncias, possa ser excluída a hipótese de fraude ou de evasão aos impostos especiais de consumo?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

30

O Governo romeno contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial pelo facto de o órgão jurisdicional de reenvio não ter fornecido ao Tribunal de Justiça as informações exigidas pelo artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

31

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir (Acórdãos de 20 de junho de 2013, Impacto Azul, C‑186/12, EU:C:2013:412, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 1 de agosto de 2022, Vyriausioji tarnybinės etikos komisija, C‑184/20, EU:C:2022:601, n.o 47 e jurisprudência referida).

32

A este respeito, importa recordar, que, no âmbito deste processo, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio no processo principal e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. Só é assim possível a rejeição pelo Tribunal de Justiça de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 3 de junho de 2021, BalevBio, C‑76/20, EU:C:2021:441, n.o 46 e jurisprudência referida).

33

Resulta igualmente de jurisprudência constante que a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Além disso, a decisão de reenvio deve indicar as razões precisas que levaram o juiz nacional a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 1 de agosto de 2022, Roma Multiservizi e Rekeep, C‑332/20, EU:C:2022:610, n.o 43 e jurisprudência referida).

34

No caso em apreço, embora a decisão de reenvio contenha algumas lacunas, o Tribunal de Justiça considera que o órgão jurisdicional de reenvio expôs de forma suficientemente clara as razões que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação de certas disposições e de certos princípios do direito da União. Além disso, as informações contidas na decisão de reenvio permitiram aos governos dos Estados‑Membros e aos outros interessados apresentarem observações.

35

Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

36

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que tanto o álcool etílico que é utilizado para o fabrico de aromas, por sua vez, utilizados para a preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %, como o álcool etílico que já foi utilizado para o fabrico desses aromas estão abrangidos pela isenção prevista nesta disposição.

37

A Diretiva 92/83, que procede a uma harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas, prevê, no seu artigo 27.o, n.o 1, alínea e), que os Estados‑Membros isentarão do imposto especial de consumo harmonizado os produtos abrangidos por esta diretiva, nas condições por eles estabelecidas para assegurar a aplicação correta e direta das isenções e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida, sempre que esses produtos sejam utilizados para o fabrico de aromas destinados à preparação de géneros alimentícios e bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %.

38

Nos termos do artigo 20.o, primeiro travessão, da referida diretiva, o conceito de «álcool etílico» abrange, nomeadamente, «os produtos com um teor alcoólico em volume superior a 1,2 % […] abrangidos [pelas posições] 2207 e 2208 [da NC], mesmo quando estes produtos [façam] parte de um produto abrangido por outro capítulo da [NC]».

39

Por outro lado, importa salientar que decorre da própria redação do artigo 27.o da Diretiva 92/83 que somente os produtos abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva podem beneficiar de uma isenção ao abrigo do mesmo artigo. Em contrapartida, pouco importa se esses produtos fazem parte de uma mercadoria que, enquanto tal, não está abrangida pelo âmbito de aplicação da referida diretiva [Acórdão de 7 de abril de 2022, Y GmbH (Oleorresina de baunilha), C‑668/20, EU:C:2022:270, n.o 65, e jurisprudência referida].

40

Daqui resulta que qualquer produto abrangido pelas posições 2207 e 2208 da NC com um teor alcoólico em volume superior a 1,2 % é abrangido pelo conceito de «álcool etílico» na aceção do artigo 20.o, primeiro travessão, da Diretiva 92/83, ainda que faça parte de um aroma abrangido pela posição 3302 da NC. Por conseguinte, por força do artigo 19.o, n.o 1, desta diretiva, esse produto deve, em princípio, estar sujeito ao imposto especial de consumo harmonizado previsto na referida diretiva, ainda que sem prejuízo das isenções previstas no artigo 27.o, n.o 1, da mesma diretiva.

41

A este respeito, como o advogado‑geral salientou igualmente, em substância, no n.o 30 das suas conclusões, a redação do artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 não está, no entanto, isenta de ambiguidade.

42

Todavia, segundo jurisprudência constante, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [Acórdão de 8 de setembro de 2022, Ministerstvo životního prostředí (Papagaios‑arara‑jacinto), C‑659/20, EU:C:2022:642, n.o 37 e jurisprudência referida].

43

Nestas condições, há que examinar o contexto em que se inscreve o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, bem como os objetivos prosseguidos por esta última.

44

Resulta da jurisprudência que o elemento que determina a isenção prevista nesta disposição é a utilização final que é feita de álcool etílico (v., por analogia, Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 49).

45

No caso em apreço, essa utilização final consiste, por um lado, no fabrico de aromas que contêm eles próprios álcool etílico e, por outro, no fabrico de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %.

46

Neste contexto, importa recordar igualmente que o Tribunal de Justiça já decidiu que, por um lado, a isenção dos produtos objeto do artigo 27.o, n.o 1, da Diretiva 92/83 constitui a regra e a recusa de isenção a exceção e, por outro, que a faculdade reconhecida aos Estados‑Membros por essa mesma disposição de estabelecerem condições «para assegurar a aplicação correta e direta das isenções e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida» não pode pôr em causa o caráter incondicional da obrigação de isenção prevista na referida disposição (Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 51 e jurisprudência referida).

47

O objetivo prosseguido pelas isenções previstas na Diretiva 92/83 é, designadamente, neutralizar a incidência do imposto especial de consumo sobre o álcool usado como matéria intermédia na composição de outros produtos comerciais ou industriais (Acórdãos de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 48, e de 15 de outubro de 2015, Biovet, C‑306/14, EU:C:2015:689, n.o 21).

48

Neste sentido, o ponto 1 do documento do Comité dos Impostos Especiais de Consumo, intitulado «Orientações adotadas na reunião de 12, 13 e 14 de novembro de 2003», indica, aliás, que as delegações dos Estados‑Membros aceitam, de forma quase unânime, que a isenção a que se refere o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, se aplica, desde o momento do fabrico ou da importação, para aromas abrangidos, nomeadamente, pela posição 3302 da NC.

49

Como salientou o advogado‑geral no n.o 33 das suas conclusões, se a interpretação defendida pela autoridade fiscal competente, resumida no n.o 24 do presente acórdão, viesse a prevalecer, isso significaria que o álcool etílico destinado à produção desses aromas ficaria isento dos impostos especiais de consumo, ao passo que o álcool etílico já incorporado nesses aromas já não estaria isento. Essa interpretação levaria ao resultado incoerente de, tendo sido isento de impostos especiais de consumo na fase em que estava destinado ao fabrico de aromas, o álcool etílico, depois de ter sido utilizado para fabricar esses mesmos aromas, voltaria a estar sujeito a esses impostos. Tal resultado não permitiria atingir o objetivo de neutralizar o impacto dos impostos especiais de consumo sobre o álcool utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %.

50

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que tanto o álcool etílico que é utilizado para o fabrico de aromas, por sua vez, utilizados para a preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 % como o álcool etílico que já foi utilizado para o fabrico desses aromas estão abrangidos pela isenção prevista nesta disposição.

Quanto à segunda questão

51

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que, quando o álcool etílico introduzido no consumo num Estado‑Membro no qual está isento de impostos especiais de consumo, pelo facto de ter sido utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %, é depois comercializado noutro Estado‑Membro, este último é obrigado a reservar um tratamento idêntico a esse álcool etílico.

52

O Tribunal de Justiça já declarou que a aplicação uniforme das disposições da Diretiva 92/83 implica que a sujeição, ou não, de um produto a imposto especial de consumo ou a isenção de um produto num Estado‑Membro deve, em princípio, ser reconhecida pelos outros Estados‑Membros (Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 41).

53

Uma interpretação contrária comprometeria a realização do objetivo prosseguido por esta diretiva e seria suscetível de entravar a livre circulação de mercadorias (Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 42).

54

No entanto, um Estado‑Membro não pode ser privado da possibilidade, reconhecida no vigésimo segundo considerando e no artigo 27.o desta diretiva, de adotar medidas com vista a evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida que possa surgir através das isenções e a assegurar a aplicação correta e direta destas últimas (Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 43).

55

Dito isto, a adoção de tais medidas deve assentar em elementos concretos, objetivos e verificáveis (Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 44).

56

Decorre das considerações precedentes que, na medida em que, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, os aromas em causa no processo principal foram introduzidos no consumo, na aceção da Diretiva 2008/118, no Estado‑Membro do seu fabrico, a saber, a Irlanda, e em que esse Estado‑Membro aplicou a esses aromas a isenção prevista na section 77(a)(iii) da Lei de Finanças de 2003, que transpôs o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83, o Estado‑Membro de destino dos referidos aromas era obrigado a reservar‑lhes um tratamento idêntico desde a sua chegada ao seu território, a menos que houvesse motivos que justificassem a constatação de uma aplicação errada dessa isenção ou da possível existência de uma fraude, de uma evasão ou de uma utilização indevida.

57

Ora, por um lado, resulta da resposta à primeira questão que a aplicação, pela Irlanda, da referida isenção aos aromas em causa no processo principal era correta. Por outro lado, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a recusa da autoridade fiscal competente de aplicar a esses aromas a mesma isenção se justificava pela existência de indícios de fraude, de evasão ou de utilização indevida.

58

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que, quando o álcool etílico introduzido no consumo num Estado‑Membro no qual está isento de impostos especiais de consumo, pelo facto de ter sido utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %, é depois comercializado noutro Estado‑Membro, este último é obrigado a reservar um tratamento idêntico a esse álcool etílico no seu território, quando o primeiro Estado‑Membro aplicou corretamente a isenção prevista nesta disposição e não existem indícios de fraude, de evasão ou de utilização indevida.

Quanto à terceira questão

59

A título preliminar, há que salientar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha referido, na terceira questão, o artigo 27.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 92/83, não fez referência, no seu pedido de decisão prejudicial, a uma eventual legislação nacional que aplica essa disposição, nem a eventuais circunstâncias suscetíveis de justificar a pertinência da referida disposição para a resolução do litígio no processo principal.

60

Nestas condições, há que considerar que, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que subordina a concessão, a um operador económico que comercializa no seu território produtos comprados a um vendedor situado no território de outro Estado‑Membro, no qual foram fabricados, introduzidos no consumo e isentos de impostos especiais de consumo em conformidade com esta disposição, do benefício da isenção prevista na referida disposição aos requisitos de esse operador ter a qualidade de destinatário registado e de esse vendedor ter a qualidade de depositário autorizado.

61

A este respeito, há que recordar que o artigo 27.o, n.o 1, da Diretiva 92/83 prevê que os Estados‑Membros podem estabelecer condições que têm por objetivo assegurar a aplicação correta e direta das isenções previstas nesta disposição, e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida. Ora, como foi recordado no n.o 46 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça já decidiu que esta faculdade reconhecida aos Estados‑Membros não pode pôr em causa o caráter incondicional da obrigação de isenção prevista na referida disposição (Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 51 e jurisprudência referida).

62

Daqui resulta que, no âmbito do exercício da referida faculdade, incumbe ao Estado‑Membro em causa invocar elementos concretos, objetivos e verificáveis que comprovem a existência de um risco sério de fraude, evasão ou utilização indevida e que as condições estabelecidas por este Estado‑Membro em virtude da faculdade que lhe é assim reconhecida não podem ir além do que é necessário para atingir o referido objetivo (Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 52 e jurisprudência referida).

63

Por conseguinte, os Estados‑Membros não podem subordinar a aplicação da isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 ao cumprimento de condições cuja necessidade para assegurar a aplicação correta e direta desta isenção e evitar fraudes, evasões ou utilizações indevidas não foi demonstrada com fundamento em elementos concretos, objetivos e verificáveis (v., por analogia, Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Repertoire Culinaire, C‑163/09, EU:C:2010:752, n.o 53).

64

Ora, parece resultar dos elementos de que dispõe o Tribunal de Justiça que as condições previstas pela regulamentação nacional em causa no processo principal, a saber, que o operador económico que comercializa, no território do Estado‑Membro em causa, produtos comprados a um vendedor situado no território de outro Estado‑Membro tenha a qualidade de destinatário registado e que esse vendedor tenha a qualidade de depositário autorizado, não são necessárias para assegurar a aplicação correta e direta da isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 nem para evitar fraudes, evasões ou utilizações indevidas.

65

É certo que o Governo romeno alegou, nas suas observações escritas, que, se os aromas em causa no processo principal fossem autorizados a circular fora de um regime de suspensão do imposto, existiria o risco de serem transformados em bebidas alcoólicas destinadas ao consumo sobre as quais o imposto especial de consumo não seria pago.

66

No entanto, há que recordar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 36 das suas conclusões, que, como resulta do Documento CED n.o 364 rev 1, de 22 de janeiro de 2003, o Comité dos Impostos Especiais de Consumo considerou que os aromas são predominantemente utilizados como concentrados para a preparação de refrigerantes, que são relativamente caros, custando mais do que o álcool mais barato comercializado na maioria dos Estados‑Membros e, por último, que é dispendioso purificar aromas para deles extrair álcool etílico. À luz destas características, o Comité dos Impostos Especiais de Consumo concluiu que a concessão da isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 no momento do fabrico dos aromas não geraria um risco de fraude fiscal.

67

Estas considerações são suscetíveis de lançar sérias dúvidas sobre a existência do risco de transformação dos aromas em bebidas alcoólicas destinadas ao consumo, evocado pelo Governo romeno, bem como sobre a necessidade das condições previstas pela regulamentação em causa no processo principal para assegurar a aplicação correta e direta dessa isenção e para evitar as fraudes, as evasões ou as utilizações indevidas.

68

No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, a quem foi submetido o litígio no processo principal e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, verificar, com base em elementos concretos, objetivos e verificáveis de que dispõe, se as condições a que a regulamentação romena subordina a aplicação da isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 são necessárias para assegurar a aplicação correta e direta desta isenção e evitar as fraudes, as evasões ou as utilizações indevidas.

69

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que subordina a concessão, a um operador económico que comercializa no seu território produtos comprados a um vendedor situado no território de outro Estado‑Membro, no qual foram fabricados, introduzidos no consumo e isentos de impostos especiais de consumo em conformidade com esta disposição, do benefício da isenção prevista na referida disposição aos requisitos de esse operador ter a qualidade de destinatário registado e de esse vendedor ter a qualidade de depositário autorizado, a menos que resulte de elementos concretos, objetivos e verificáveis que esses requisitos são necessários para assegurar a aplicação correta e direta dessa isenção e para evitar qualquer fraude, evasão ou utilização indevida.

Quanto à quarta questão

70

A quarta questão refere‑se à hipótese de um Estado‑Membro ter aplicado incorretamente a isenção prevista no artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83.

71

Ora, resulta da resposta dada à primeira questão que, no caso em apreço, a Irlanda aplicou corretamente essa isenção aos aromas em causa no processo principal. Nestas condições, não há que responder à quarta questão.

Quanto às despesas

72

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

1)

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas,

deve ser interpretado no sentido de que:

tanto o álcool etílico que é utilizado para o fabrico de aromas, por sua vez, utilizados para a preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 % como o álcool etílico que já foi utilizado para o fabrico desses aromas estão abrangidos pela isenção prevista nesta disposição.

 

2)

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83

deve ser interpretado no sentido de que:

quando o álcool etílico introduzido no consumo num Estado‑Membro no qual está isento de impostos especiais de consumo, pelo facto de ter sido utilizado para o fabrico de aromas destinados à preparação de bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %, é depois comercializado noutro Estado‑Membro, este último é obrigado a reservar um tratamento idêntico a esse álcool etílico no seu território, quando o primeiro Estado‑Membro aplicou corretamente a isenção prevista nesta disposição e não existem indícios de fraude, de evasão ou de utilização indevida.

 

3)

O artigo 27.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/83,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que subordina a concessão, a um operador económico que comercializa no seu território produtos comprados a um vendedor situado no território de outro Estado‑Membro, no qual foram fabricados, introduzidos no consumo e isentos de impostos especiais de consumo em conformidade com esta disposição, do benefício da isenção prevista na referida disposição aos requisitos de esse operador ter a qualidade de destinatário registado e de esse vendedor ter a qualidade de depositário autorizado, a menos que resulte de elementos concretos, objetivos e verificáveis que esses requisitos são necessários para assegurar a aplicação correta e direta dessa isenção e para evitar qualquer fraude, evasão ou utilização indevida.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.