ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

26 de outubro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 101.o TFUE — Acordos, decisões e práticas concertadas — Proibição de acordos, decisões e práticas concertadas — Acordos entre empresas — Distinção entre um acordo vertical e um acordo horizontal — Concorrência potencial — Restrição da concorrência por objeto ou por efeito — Acordo entre um comercializador de energia elétrica e um retalhista de bens de grande consumo que explora hipermercados e supermercados — Cláusula de não concorrência — Regulamento (UE) n.o 330/2010 — Contrato de agência — Liberalização do mercado de comercialização de energia elétrica»

No processo C‑331/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal da Relação de Lisboa (Portugal), por Decisão de 6 de abril de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2021, no processo

EDP — Energias de Portugal, S.A.,

EDP Comercial — Comercialização de Energia, S.A.,

MC retail, SGPS, S.A., anteriormente Sonae MC, SGPS, S.A.,

Modelo Continente Hipermercados, S.A.,

contra

Autoridade da Concorrência,

sendo interveniente:

Ministério Público,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente de secção, N. Piçarra, M. Safjan, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de novembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da EDP — Energias de Portugal, S.A., por C. Botelho Moniz, T. Coelho Magalhães, T. Geraldo, P. Gouveia e Melo, J. Lima Cluny e L. Nascimento Ferreira, advogados,

em representação da EDP Comercial — Comercialização de Energia, S.A., por C. Botelho Moniz, T. Coelho Magalhães, T. Geraldo, P. Gouveia e Melo, J. Lima Cluny e L. Nascimento Ferreira, advogados,

em representação da MC retail, SGPS, S.A., anteriormente Sonae MC, SGPS, S.A., por I. Gouveia, G. Rosas, D. Silva Ramalho e C. Vieira Peres, advogados,

em representação da Modelo Continente Hipermercados, S.A., por J. Vieira Peres, advogado,

em representação da Autoridade da Concorrência, por D. Cardoso, A. Cruz Nogueira e I. Nascimento, advogadas,

em representação do Governo português, por P. Barros da Costa e C. Chambel Alves, na qualidade de agentes, assistidas por S. Assis Ferreira, advogada,

em representação da Comissão Europeia, por S. Baches Opi, T. Baumé, P. Caro de Sousa e B. Rechena, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o TFUE e do artigo 1.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento (UE) n.o 330/2010 da Comissão, de 20 de abril de 2010, relativo à aplicação do artigo 101.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO 2010, L 102, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a EDP — Energias de Portugal, S.A. (a seguir «EDP Energias»), a EDP Comercial — Comercialização de Energia, S.A. (a seguir «EDP Comercial»), a MC retail, SGPS, S.A. (anteriormente Sonae MC, SGPS, S.A., e, no momento dos factos do processo principal, Sonae Investimentos, SGSP, S.A., e Sonae MC — Modelo Continente, SGPS) (a seguir «MC retail»), bem como a Modelo Continente Hipermercados, S.A. (a seguir «Modelo Continente»), à Autoridade da Concorrência (a seguir «AdC»), no que respeita às coimas aplicadas devido à celebração de um acordo anticoncorrencial.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 330/2010

3

O artigo 1.o do Regulamento n.o 330/2010, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«1.   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

“Acordo vertical”, um acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas, exercendo cada uma delas as suas atividades, para efeitos do acordo ou da prática concertada, a um nível diferente da cadeia de produção ou distribuição e que digam respeito às condições em que as partes podem adquirir, vender ou revender certos bens ou serviços;

b)

“Restrição vertical”, uma restrição da concorrência num acordo vertical abrangida pelo n.o 1 do artigo 101.o [TFUE];

c)

“Empresa concorrente”, um concorrente real ou potencial; “concorrente real”, empresa que desenvolve atividades no mesmo mercado relevante; “concorrente potencial”, empresa que, na ausência do acordo vertical, e numa base realista e não meramente teórica, é suscetível de, dentro de um curto período de tempo, proceder aos investimentos adicionais necessários ou de incorrer noutros custos de transição necessários para entrar no mercado relevante, em resposta a um aumento pequeno mas permanente dos preços relativos;

[...]»

Orientações relativas às restrições verticais

4

As Orientações relativas às restrições verticais, contidas na Comunicação da Comissão de 10 de maio de 2010 [SEC(2010) 411 final, a seguir «Orientações relativas às restrições verticais»], precisam, nomeadamente, o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 330/2010.

5

Sob o título II das Orientações relativas às restrições verticais, denominado «Acordos verticais geralmente não abrangidos pelo artigo 101.o, n.o 1[, TFUE]», figura um n.o 2, intitulado «Acordos de agência», que inclui, nomeadamente, os pontos 12 a 17 dessas orientações, que têm a seguinte redação:

«(12)

Um agente é uma pessoa singular ou coletiva incumbida de negociar e/ou celebrar contratos por conta de outra pessoa (o comitente), quer em nome do próprio agente, quer em nome do comitente, relativamente à:

compra de bens ou serviços pelo comitente, ou

venda de bens ou serviços fornecidos pelo comitente.

(13)

O fator determinante na apreciação da aplicabilidade do artigo 101.o, n.o 1, [TFUE] é o risco financeiro ou comercial suportado pelo agente na prática dos atos relativamente aos quais foi nomeado enquanto tal pelo comitente. No que se refere a este aspeto, não é relevante, para efeitos de apreciação, saber se o agente age por conta de um ou mais comitentes. Não é também relevante para efeitos de apreciação saber qual a qualificação que as partes ou a legislação nacional atribuem ao acordo.

(14)

Existem três tipos de riscos financeiros ou comerciais que são relevantes para a definição de um acordo de agência para efeitos de aplicação do artigo 101.o, n.o 1[, TFUE]. Em primeiro lugar, existem os riscos específicos a cada contrato, diretamente relacionados com os contratos celebrados e/ou negociados pelo agente por conta do comitente, tais como o financiamento de existências. Em segundo lugar, existem os riscos específicos dos investimentos associados ao mercado em causa. Trata‑se de investimentos exigidos especificamente pela atividade para a qual o agente foi nomeado pelo comitente, isto é, que são necessários para permitir que o agente celebre e/ou negoceie este tipo de contratos. Tais investimentos são normalmente irrecuperáveis, o que significa que após o abandono desse domínio de atividade específico, o investimento não pode ser utilizado para outras atividades ou só pode ser vendido com prejuízos significativos. Em terceiro lugar, existem riscos relacionados com outras atividades desenvolvidas no mesmo mercado do produto, na medida em que o comitente solicite ao agente que desenvolva tais atividades, não na qualidade de agente por conta do comitente mas por sua própria conta.

(15)

Para efeitos de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, [TFUE,] o acordo será considerado como um acordo de agência se o agente não suportar quaisquer riscos ou suportar apenas riscos insignificantes em relação aos contratos celebrados e/ou negociados por conta do comitente, aos investimentos específicos ao mercado para esse domínio de atividade e a outras atividades exigidas pelo comitente a desenvolver no mesmo mercado do produto. Contudo, os riscos relacionados com a atividade de prestação de serviços de agência em geral, tais como o risco de as receitas do agente dependerem do seu êxito enquanto agente ou de investimentos gerais em, por exemplo, instalações ou pessoal, não são relevantes para esta apreciação.

(16)

Assim, para efeitos de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, [TFUE,] um acordo será normalmente considerado um acordo de agência quando o agente não é proprietário dos bens contratuais vendidos ou adquiridos ou quando o próprio agente não fornece os serviços contratuais e também nos casos em que o agente:

a)

não contribui para os custos relativos ao fornecimento/aquisição dos bens ou serviços contratuais, incluindo os custos de transporte dos bens. Tal não impede o agente de prestar o serviço de transporte, desde que os custos sejam cobertos pelo comitente;

b)

não mantém por sua conta e risco existências dos produtos contratuais, incluindo os custos de financiamento de existências e os custos de perda de existências, e pode devolver ao comitente produtos não vendidos sem qualquer pagamento, a não ser que o agente possa ser responsabilizado por negligência (por exemplo, incumprimento de medidas de segurança razoáveis a fim de evitar a perda de existências);

c)

não assume responsabilidades face a terceiros pelos danos causados pelo produto vendido (responsabilidade pelo produto), a não ser que, na qualidade de agente, possa ser responsabilizado por negligência neste contexto;

d)

não assume responsabilidades pelo incumprimento do contrato por parte dos clientes, à exceção da perda da sua comissão, a não ser que o agente possa ser responsabilizado por negligência (por exemplo, incumprimento de medidas de segurança razoáveis ou de medidas de prevenção do roubo ou incumprimento de medidas razoáveis para participar um roubo ao comitente ou à polícia ou para comunicar ao comitente todas as informações necessárias de que tenha conhecimento sobre a solvabilidade financeira do cliente);

e)

não é, direta ou indiretamente, obrigado a fazer investimentos na promoção das vendas, como uma contribuição para orçamentos de publicidade do comitente;

f)

não efetua investimentos específicos ao mercado em equipamento, instalações ou formação de pessoal, como, por exemplo, os depósitos de armazenamento de gasolina, em caso de venda a retalho de gasolina, ou software específico para a venda de apólices de seguros, no caso de agentes de seguros, salvo se tais custos forem reembolsados na íntegra pelo comitente;

g)

não desenvolve outras atividades no mesmo mercado do produto exigidas pelo comitente, salvo se tais atividades forem reembolsadas na íntegra pelo comitente.

(17)

Esta lista não é exaustiva. Contudo, quando o agente incorre num ou mais dos riscos ou custos referidos nos pontos 14, 15 e 16, o acordo entre o agente e o comitente não será considerado como um acordo de agência. A questão do risco deve ser apreciada caso a caso, à luz da realidade económica da situação, e não da sua forma jurídica. Por razões de ordem prática, a análise de risco pode ter início com a apreciação dos riscos específicos ao contrato. Se o agente incorrer em riscos específicos ao contrato, tal será suficiente para concluir que o agente é um distribuidor independente. Em contrapartida, se o agente não incorrer em riscos específicos ao contrato, será necessário prosseguir a análise, avaliando os riscos relacionados com os investimentos específicos ao mercado. Por último, se o agente não incorrer em riscos específicos ao contrato nem em riscos relacionados com investimentos específicos ao mercado, os riscos relativos a outras atividades exigidas no mesmo mercado do produto poderão ter de ser tomados em consideração.»

6

Segundo os pontos 24 e 25 das referidas orientações:

«(24)

O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento [n.o 330/2010] define “acordo vertical” como “um acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas, exercendo cada uma delas as suas atividades, para efeitos do acordo ou da prática concertada, a um nível diferente da produção ou da cadeia de distribuição e que digam respeito às condições em que as partes podem adquirir, vender ou revender certos bens ou serviços”.

(25)

Existem quatro elementos principais na definição de “acordo vertical” mencionada no ponto 24:

[...]

c)

O acordo ou prática concertada deve envolver empresas que operam cada uma delas, para efeitos do acordo, a um nível diferente da cadeia de produção ou de distribuição. Isto significa, por exemplo, que uma empresa produz uma matéria‑prima que a outra empresa utiliza como fator de produção, ou de que a primeira é um produtor, a segunda um grossista e a terceira um retalhista. Tal não exclui a possibilidade de uma empresa desenvolver as suas atividades em mais de um nível da produção ou da cadeia de distribuição.

[...]»

7

O ponto 27 das mesmas orientações precisa:

«O artigo 2.o, n.o 4, do Regulamento [n.o 330/2010] exclui expressamente do seu âmbito de aplicação os “acordos verticais concluídos entre empresas concorrentes”. Os acordos verticais entre concorrentes são tratados, no que respeita aos eventuais efeitos de colusão, nas [Orientações relativas aos acordos de cooperação horizontal]. Contudo, os aspetos verticais desses acordos devem ser apreciados à luz das presentes Orientações. O artigo 1.o, n.o 1, alínea c), do [Regulamento n.o 330/2010] define uma empresa concorrente como “um concorrente real ou potencial”. Duas empresas são consideradas concorrentes reais se desenvolverem atividades no mesmo mercado relevante. Uma empresa é considerada um concorrente potencial de uma outra empresa se, na ausência do acordo vertical, é suscetível de proceder aos investimentos adicionais necessários ou de incorrer noutros custos de transição necessários dentro de um curto período de tempo, normalmente não superior a um ano, por forma a entrar no mercado relevante em que a outra empresa desenvolve atividades, em resposta a um aumento pequeno mas permanente dos preços relativos. Esta apreciação deve basear‑se em fatores realistas; a mera possibilidade teórica de entrada no mercado não é suficiente. Um distribuidor que fornece especificações a um fabricante para a produção de determinados bens com a marca de distribuidor não deve ser considerado um fabricante destes bens.»

Direito português

8

O artigo 9.o, n.o 1, da Lei n.o 19/2012, de 8 de maio de 2012, que aprova o Novo Regime Jurídico da Concorrência, revogando as Leis n.os 18/2003, de 11 de junho, e 39/2006, de 25 de agosto, e procede à Segunda Alteração à Lei n.o 2/99, de 13 de janeiro (Diário da República, 1.a série, n.o 89, de 8 de maio de 2012, a seguir «NRJC»), dispõe:

«São proibidos os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional [...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9

Resulta do pedido de decisão prejudicial que a Modelo Continente e a MC retail se inserem num universo empresarial com presença em múltiplos setores de atividade, incluindo distribuição retalhista, telecomunicações e audiovisual, centros comerciais, produtos derivados da madeira, turismo e energia, com uma organização capilarizada sob a égide de holdings e sub‑holdings, organizadas por setor de atividade e/ou áreas de negócio (a seguir «Grupo Sonae»).

10

Neste grupo, a Modelo Continente exerce atividades no setor da distribuição de bens alimentares e de grande consumo em Portugal. Esta explora, direta e indiretamente, através de participadas, um portfólio de lojas que operam sob as insígnias Continente, Continente Modelo e Continente Bom Dia. A MC retail, que tinha por objeto a gestão de participações sociais, exercia atividades, no momento dos factos no processo principal, no setor da distribuição a retalho. Detinha 100 % do capital da Modelo Continente Hipermercados.

11

A EDP Energias e a EDP Comercial fazem parte de um conglomerado português cuja sociedade‑mãe é a EDP Energias, que desenvolve atividade, nomeadamente, no setor da produção e da comercialização de energia elétrica e de gás natural em Portugal (a seguir «Grupo EDP»). O Grupo EDP é o ator português mais importante nos mercados da produção, da distribuição e da comercialização de energia elétrica, a terceira maior empresa de produção de eletricidade e um dos maiores distribuidores de gás na Península Ibérica.

12

Em 5 de janeiro de 2012, a EDP Comercial e a Modelo Continente celebraram um Acordo de Parceria que definia os termos e as condições do «Plano EDP Continente». Este acordo visava atrair clientes, estimular as vendas e oferecer reduções aos consumidores. À data da celebração do referido acordo, estas duas sociedades não estavam em situação de concorrência efetiva nos mercados distintos da venda a retalho de bens alimentares e de grande consumo, nem da comercialização de energia elétrica e de gás natural em Portugal.

13

A cláusula 2.1 do Acordo de Parceria definia o seu objeto e alcance ao prever, em substância, potenciar o desenvolvimento das atividades de comercialização de energia elétrica pela EDP Comercial, e de distribuição retalhista de bens alimentares pela Modelo Continente, nos diferentes hipermercados e supermercados, bem como nos estabelecimentos comerciais, explorados por outras sociedades participadas pelo Grupo Sonae.

14

Do ponto de vista comercial, o «Plano EDP Continente» previa descontos nos preços da energia elétrica que estavam reservados aos clientes titulares do «Cartão Continente», cartão de descontos propriedade da Modelo Continente inserido no programa de fidelização.

15

Além da titularidade deste cartão, os clientes que pretendessem subscrever o «Plano EDP Continente» deviam assinar um contrato de fornecimento de energia elétrica em Baixa Tensão com a EDP Comercial em regime liberalizado em Portugal. Estes clientes beneficiavam, por conseguinte, de um desconto de 10 % do seu consumo de energia elétrica. Este desconto traduzia‑se na emissão de vales de desconto correspondentes ao montante desse desconto e creditados no Cartão Continente dos clientes em causa. Estes últimos podiam então utilizá‑los em compras efetuadas nos estabelecimentos referidos na cláusula 2.1 do Acordo de Parceria em causa no processo principal.

16

O valor dos descontos seria, à partida, suportado na totalidade pela EDP Comercial. A Modelo Continente devia emitir mensalmente uma nota de débito pelo valor dos vales emitidos e efetivamente ativados durante o mês anterior, nota essa que devia ser paga até ao final do mês de emissão de cada fatura. No entanto, dependendo do acréscimo de tráfego nos estabelecimentos do Grupo Sonae e do acréscimo do volume de negócios induzido pelo «Plano EDP Continente», estava previsto que a Modelo Continente comparticiparia parte dos descontos concedidos.

17

Os outros custos com a parceria, aqueles incorridos com publicidade, marketing, comunicação e defesa nos processos foram suportados em partes iguais pela EDP Comercial e pela Modelo Continente.

18

A cláusula 12.1 do Acordo de Parceria em causa no processo principal, epigrafada «Exclusividade», estipulava:

«Durante a vigência do presente Acordo, e pelo prazo de 1 (um) ano após o seu termo, a Modelo Continente obriga‑se a:

a.

não desenvolver, diretamente ou através de sociedade participada maioritariamente pela Sonae Investimentos, SGPS, S.A., a atividade de comercialização de energia elétrica e de gás natural em Portugal Continental;

b.

não negociar ou estabelecer, com qualquer comercializador de energia elétrica ou de gás natural que não se encontre em relação de domínio ou de grupo com a EDP Comercial [...], acordos de parceria, empresas comuns, acordos de princípio, campanhas publicitárias ou outros, que tenham por objeto ou como efeito a concessão de descontos ou outras vantagens patrimoniais relacionados com energia elétrica ou gás natural, quaisquer que sejam os seus termos.

[...]»

19

Por força da cláusula 12.2 deste acordo, a EDP Comercial assumia obrigações simétricas para o mercado da distribuição retalhista de bens alimentares em Portugal Continental.

20

O Acordo de Parceria em causa no processo principal manteve‑se em vigor até 31 de dezembro de 2012, embora o período de adesão dos consumidores ao «Plano EDP Continente» tenha apenas decorrido entre 9 de janeiro de 2012 e 4 de março de 2012.

21

A subscrição de contratos de fornecimento de energia elétrica decorreu numa rede de 180 espaços comerciais explorados pela Modelo Continente, cujo fornecimento foi partilhado pela EDP Comercial e pela Modelo Continente. Aderiram ao «Plano EDP Continente»146775 clientes, dos quais 137144 se mantiveram contratualmente ligados à EDP Comercial durante e após o término da campanha.

22

O valor dos descontos de que beneficiaram os aderentes do «Plano EDP Continente» ascendeu a 6907354 euros, tendo a taxa total de ativação dos vouchers atingido cerca de 6024252 euros. Daquele valor, 1795912 euros foram suportados pela Modelo Continente.

23

O órgão jurisdicional de reenvio indica que o Acordo de Parceria em causa no processo principal coincidiu com uma fase crucial do processo de liberalização do mercado da comercialização de energia elétrica, extinguindo‑se as tarifas reguladas para a baixa tensão normal até ao fim do ano de 2012. Por conseguinte, o Grupo EDP procurou captar um número significativo de clientes no mercado nacional liberalizado, aproveitando uma altura em que esse mercado ainda não havia sofrido o boom de transição de clientes de baixa tensão.

24

A este respeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que o processo de liberalização da comercialização da eletricidade decorreu em Portugal de uma forma progressiva desde 1995. O quadro regulatório português aplicável à comercialização de energia elétrica promovia, desde este mesmo ano de 1995, um regime de livre concorrência neste setor, através da simplificação dos requisitos legais de acesso e exercício da atividade de comercialização de energia elétrica, passando a atividade a estar sujeita apenas a registo em vez de licenciamento, favorecendo a entrada de operadores independentes.

25

O órgão jurisdicional de reenvio especifica que, durante o ano de 2006, Portugal instituiu um período de transição voluntária em que os consumidores passaram a poder optar entre o mercado regulamentado e o mercado liberalizado apenas com base no incentivo e na atratividade comercial das ofertas, sem nenhum encargo ou constrangimento do ponto de vista regulamentar.

26

A partir de 1 de janeiro de 2011, foram extintas as tarifas reguladas aplicáveis a clientes finais para a comercialização de energia elétrica de Muito Alta, Alta, Média e Baixa Tensão Especial. As tarifas reguladas aplicáveis à comercialização de energia elétrica de Baixa Tensão Normal (pequenos negócios/domésticos) foram suprimidas, a partir de 1 de julho de 2012, para clientes finais com potência contratada superior ou igual a 10,35 kVA e, a partir de 1 de janeiro de 2013, para clientes com potência contratada inferior a 10,35 kVA. Após estas datas, a celebração de novos contratos só era possível no mercado liberalizado. No entanto, foram estabelecidos mecanismos tarifários transitórios para os consumidores que não optaram, nestas últimas datas, por celebrar um contrato no mercado liberalizado. Aplicar‑se‑iam tarifas definidas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (Portugal) a esses consumidores, com preços agravados para potenciar a transição para o mercado liberalizado. O último destes regimes transitórios terminou em 31 de dezembro de 2017.

27

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, neste contexto, o Grupo Sonae desenvolveu entre 2002 e 2008 uma atividade no mercado da comercialização de energia elétrica em Portugal, através de uma parceria com a Endesa, ator histórico em Espanha no mercado da produção e da comercialização de eletricidade. Essa parceria assumiu a forma de uma joint venture, criada em 1 de maio de 2002, a Sodesa — Comercialização de Energia, S.A. (a seguir «Sodesa»), detida a 50 % por cada uma das sociedades participantes, com o objetivo de comercializar energia elétrica e serviços no mercado liberalizado português.

28

Em maio de 2007, o Grupo EDP perdeu quotas no mercado liberalizado da comercialização de energia elétrica em Portugal. Os seus concorrentes, como a Sodesa e a Unión Fenosa, conseguiram quotas de mercado acumuladas superiores a 50 % dos clientes que optaram por mudar de fornecedor. Esta perda de quotas de mercado foi, no entanto, circunscrita ao segmento industrial.

29

Além disso, desde 2004, a Modelo Continente e a Petróleos de Portugal — Petrogal, S.A., um operador presente, designadamente, no mercado da comercialização de energia elétrica em Portugal e no mercado da comercialização de combustíveis, desenvolveram uma parceria que concedia descontos aos clientes comuns. Além disso, o Grupo Sonae operava, desde 2009, no mercado da produção de eletricidade através de painéis fotovoltaicos instalados nas coberturas dos estabelecimentos que explora.

30

Por Decisão de 4 de maio de 2017, a AdC aplicou às recorrentes no processo principal coimas por violação do artigo 9.o do NRJC, que reproduz, em substância, o artigo 101.o TFUE.

31

Segundo a AdC, a infração ao direito da concorrência consistiu na celebração de um Acordo de Parceria entre essas empresas que teve por objeto uma repartição de mercados, na forma de um pacto de não concorrência, nos mercados da comercialização de energia elétrica, de gás natural e da distribuição retalhista de géneros alimentares, os três situados em Portugal Continental. Além disso, este acordo foi aplicado num momento crucial do processo de liberalização do mercado nacional da comercialização de energia elétrica, o que reforçou o caráter anticoncorrencial do acordo.

32

Por outro lado, a AdC considerou, designadamente, que o Acordo de Parceria em causa no processo principal não constituía um contrato de agência nem um acordo vertical para efeitos de aplicação das regras da concorrência, e que não se podia excluir que a cláusula 12.1, alínea a), e a cláusula 12.2 desse acordo estejam abrangidas por uma «cooperação horizontal». Assim, a cláusula de não concorrência contida nesse acordo devia ser qualificada de restrição por objeto e constituía uma violação da proibição enunciada no artigo 9.o do NRJC.

33

Na sequência de um recurso interposto pelas recorrentes no processo principal, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (Portugal) confirmou, por Sentença de 30 de setembro de 2020, a decisão de sanção em causa no processo principal, mas reduziu em 10 % o montante das coimas aplicadas. Para determinar a existência de uma restrição da concorrência por objeto, este órgão jurisdicional tomou em consideração, nomeadamente, as atividades do Grupo Sonae nos mercados de produção e de comercialização de energia elétrica antes e durante a aplicação do Acordo de Parceria.

34

As recorrentes no processo principal e a AdC interpuseram recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa (Portugal), o órgão jurisdicional de reenvio.

35

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se o Acordo de Parceria em causa no processo principal e mais especificamente a cláusula de não concorrência contida no mesmo pode ter tido um impacto negativo na concorrência nos mercados em causa. A este respeito, sublinha que as recorrentes no processo principal não estavam em situação de concorrência efetiva nesses mercados. Além disso, constata a ausência de elementos suscetíveis de comprovar a existência de preparativos ou investimentos significativos e suficientes pela Modelo Continente ou pelas sociedades que fazem parte do Grupo Sonae.

36

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre os requisitos exigidos para que tal acordo possa ser qualificado de restrição de concorrência por objeto, por oposição a uma restrição da concorrência por efeito, dado que os consumidores dele retiraram algumas vantagens.

37

Recorda que, de acordo com a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça, existe a possibilidade de se afastar a presunção de que determinadas práticas suficientemente restritivas pelo seu objeto, por serem gravosamente prejudiciais para a concorrência, produzem efeitos anticoncorrenciais, quando os acordos visem objetivos legítimos e proporcionais, ou quando se demonstrem objetivos ou efeitos pró‑concorrenciais. Além disso, interroga‑se sobre se o Acordo de Parceria em causa no processo principal pode ser qualificado de contrato de agência e, assim, subtrair‑se, em aplicação da disposição nacional equivalente ao artigo 101.o, n.o 3, TFUE, à proibição prevista no n.o 1 desta disposição.

38

Nestas circunstâncias, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 101.o do TFUE, no qual o artigo 9.o do NRJC [...] é inspirado, deve ser interpretado no sentido de permitir a classificação de uma cláusula de não concorrência com o teor das inseridas nos artigos 12.1 e 12.2 [...] do Acordo de Parceria [em causa no processo principal] como um acordo de restrição pelo objeto, celebrado entre um comercializador de energia elétrica e um retalhista alimentar que explora hipermercados e supermercados, visando a outorga de descontos aos clientes que simultaneamente adiram a um dado Plano Tarifário energético do comercializador de eletricidade, disponível em Portugal continental, e sejam titulares de um cartão de fidelização do retalhista alimentar, descontos esses que só podem ser descontados em compras de bens nos estabelecimentos deste último ou de sociedades com ele coligadas, quando desse acordo fazem parte outras cláusulas que referem que o objetivo do mesmo era potenciar o desenvolvimento das atividades das sociedades intervenientes [...] e se mostram comprovados benefícios para os consumidores [...], sem análise dos efeitos concretos nocivos para a concorrência que resultam das referidas cláusulas 12.°1 e 12.°2?

2)

Pode o artigo 101.o, n.o 1 do TFUE ser interpretado no sentido de que um acordo [para] não desenvolver certas atividades económicas correspondente a uma alegada repartição de mercados entre duas empresas pode [ser] considerada restritiva da concorrência por objeto quando a mesma é celebrada entre entidades que não são concorrentes atuais ou potenciais em nenhum dos mercados abrangidos pela aludida obrigação, mesmo que os mercados abrangidos pela mesma se possam considerar liberalizados ou sem barreiras legais intransponíveis à entrada?

3)

Pode o artigo 101.o, n.o 1 do TFUE ser interpretado no sentido de que devem ser considerados concorrentes potenciais um comercializador de energia elétrica e um retalhista alimentar que explora hipermercados e supermercados que celebraram entre eles o Acordo, visando promover mutuamente a realização de negócios e o incremento das vendas da contraparte (e, no caso do retalhista alimentar, de sociedades detidas maioritariamente pela […] sua sociedade‑mãe), quando o retalhista alimentar e estas últimas sociedades com ele coligadas não desenvolviam, à data da celebração do Acordo, a atividade de comercializador de energia elétrica, no mercado geográfico em causa ou em qualquer outro, e quando não ficou demonstrado no processo que tinham a intenção de ali desenvolver aquela atividade ou que tinham adotado qualquer diligência preparatória para preparar o exercício da mesma?

4)

A resposta à questão anterior mantém‑se se uma outra sociedade detida maioritariamente por uma sociedade‑mãe do retalhista alimentar que é parte no Acordo (mas sem que nenhuma daquelas duas entidades tenha sido acusada ou condenada pela [AdC] e ou sido parte no processo neste tribunal), que não se encontrava abrangida pelo âmbito subjetivo de aplicação da obrigação de não‑concorrência, deteve uma participação de 50 % numa entidade terceira que desenvolveu atividades de comercialização de energia elétrica em Portugal, terminadas três anos e meio antes da celebração do Acordo, pela dissolução desta última?

5)

A resposta à pergunta anterior será idêntica se a empresa retalhista que é parte no Acordo produzir energia elétrica através de instalações de minigeração e de microgeração localizadas nas coberturas dos seus estabelecimentos mas em que a totalidade da energia produzida é entregue, a preços regulados, ao Comercializador de Último Recurso?

6)

A resposta à quarta pergunta mantém‑se se a empresa retalhista que é parte no Acordo tiver celebrado oito anos antes da data deste (e mantenha em vigência, à data do Acordo) um outro contrato de cooperação comercial com um terceiro, comercializador de combustíveis líquidos, visando a atribuição de descontos cruzados, referente à compra destes produtos e dos produtos vendidos nos hipermercados e supermercados da empresa, em que a empresa contraparte, por sua vez, além de comercializar combustíveis líquidos também é comercializador de energia elétrica em Portugal Continental, não estando demonstrado que as partes, à data da celebração do Acordo, tenham tido a intenção ou adotado qualquer preparativo para estender o dito contrato à comercialização de energia elétrica?

7)

A resposta à quarta pergunta mantém‑se se uma outra sociedade detida maioritariamente por uma sociedade‑mãe do retalhista alimentar que é parte no Acordo (mas igualmente sem que nenhuma daquelas duas entidades tenha sido acusada ou condenada pela [AdC] e ou sido parte no processo neste tribunal), que não se encontrava abrangida pelo âmbito subjetivo de aplicação da obrigação de não‑concorrência, produzia energia elétrica numa central de cogeração mas em que a totalidade da energia produzida era entregue, apreços regulados, ao Comercializador de Último Recurso?

8)

No caso de uma resposta positiva às perguntas anteriores, deve o artigo 101.o, n.o 1 do TFUE ser interpretado no sentido de que pode ser considerada restritiva por objeto uma cláusula que impede o aludido retalhista alimentar, pelo prazo de vigência do Acordo e no ano imediatamente seguinte, de desenvolver atividades de comercialização de energia elétrica por si ou por sociedade detida maioritariamente por uma sua sociedade‑mãe que é visada no processo, no território abrangido pelo Acordo?

9)

Pode o conceito de “concorrente potencial”, na aceção do artigo 101.o do TFUE [e] da al. c) do n.o 1 do artigo 1.o do Regulamento [n.o 330/2010], ser interpretado como abrangendo uma empresa vinculada por uma cláusula de não concorrência que esteja presente num mercado de produto inteiramente distinto da contraparte no acordo, quando não existam nos autos perante o tribunal nacional quaisquer indícios concretos (tais como projetos, investimentos ou outros preparativos) de que, antes e na ausência dessa cláusula, a empresa em questão era suscetível de, dentro de um curto período de tempo, entrar no mercado da outra parte, nem se tenha demonstrado que tal empresa era, antes e na ausência dessa cláusula, percecionada pela contraparte no acordo como um concorrente potencial no mercado em causa?

10)

Pode o artigo 101.o, n.o 1, do TFUE ser interpretado no sentido de que o simples facto de um Acordo de Parceria [em causa no processo principal] entre uma empresa ativa na comercialização de eletricidade e uma empresa ativa na venda a retalho de produtos alimentares e não alimentares de consumo no lar, para a promoção cruzada das suas respetivas atividades (no âmbito da qual, entre outras, a primeira empresa concede descontos aos seus clientes sobre o seu consumo de energia elétrica que a segunda empresa deduz do preço das compras desses clientes nos estabelecimentos de retalho), conter uma cláusula em que ambas as partes se comprometem a não competir uma com a outra e a não celebrar acordos similares com concorrentes uma da outra, significa que o objeto dessa cláusula é restringir a concorrência na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, embora:

o alcance temporal da cláusula em questão (prazo de um ano do acordo, acrescido de mais um ano) coincida com o período definido no mesmo acordo, durante o qual as partes não estão autorizadas a utilizar segredos comerciais ou know‑how adquiridos no âmbito da implementação da parceria em projetos com terceiros;

o alcance geográfico da cláusula se limite ao alcance geográfico do acordo;

o alcance subjetivo da cláusula seja limitado às partes do acordo e às empresas em que detêm uma participação maioritária e a outras empresas do mesmo grupo que também possuem e/ou operam estabelecimentos de retalho abrangidos pelo acordo;

o alcance subjetivo da cláusula exclua a vasta maioria das sociedades pertencentes ao mesmo grupo económico das partes, as quais, portanto, não estão vinculadas pela cláusula e podem competir com a contraparte durante e após a vigência do acordo;

as empresas abrangidas pela cláusula de não concorrência estejam presentes em mercados de produto inteiramente distintos e não se tenha demonstrado que, no momento da celebração do acordo, haviam desenvolvido quaisquer projetos ou planos, ou realizado investimentos ou outros preparativos, para entrar no mercado de produto da outra parte?

11)

Deve o conceito de “acordo vertical”, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE [e] da al. a) do n.o 1 do artigo 1.o do Regulamento [n.o 330/2010], ser interpretado como abrangendo um acordo com as características descritas nas questões anteriores, no âmbito do qual as partes estão presentes em mercados de produto inteiramente distintos e não se demonstrou que tenham feito, antes e na ausência do acordo, quaisquer projetos, investimentos ou planos para entrar no mercado de produto da outra parte, mas no âmbito do qual as partes, para efeitos do acordo em causa, disponibilizam uma à outra as respetivas redes comerciais, forças de vendas e know‑how para promoverem, angariarem e aumentarem a clientela e o negócio da outra parte?»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade das questões prejudiciais

39

No que respeita, primeiro, à competência do Tribunal de Justiça, há que salientar que as recorrentes no processo principal foram condenadas em aplicação do direito português, a saber, com base no NRJC, e não por força de uma disposição do direito da União. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio observa que as disposições nacionais pertinentes reproduzem, em substância, o artigo 101.o TFUE e que são interpretadas da mesma maneira que esta disposição do direito da União, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

40

Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito nacional, sendo esta tarefa da competência exclusiva do órgão jurisdicional de reenvio [v., neste sentido, Acórdãos de 1 de dezembro de 1965, Dekker, 33/65, EU:C:1965:118, p. 1116, e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 25].

41

Contudo, o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre os pedidos de decisão prejudicial respeitantes a disposições do direito da União em situações nas quais, mesmo que os factos do processo principal não se insiram diretamente no âmbito de aplicação desse direito, as referidas disposições foram declaradas aplicáveis pelo direito nacional, em virtude de uma remissão operada por este último para o conteúdo daquelas [v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.os 41 e 42, e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 26].

42

Com efeito, quando uma legislação nacional se adequa, relativamente às soluções que dá a situações puramente internas, às soluções preconizadas pelo direito da União, a fim, por exemplo, de evitar eventuais distorções de concorrência, ou ainda de assegurar um procedimento único em situações comparáveis, existe um indiscutível interesse da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados do direito da União sejam interpretados de modo uniforme, independentemente das condições em que os mesmos devem ser aplicados [v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.o 37, e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 27].

43

Ora, no caso em apreço, como resulta das informações comunicadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 9.o do NRJC retoma a substância do artigo 101.o TFUE e é aplicado pelas autoridades nacionais competentes e pelos órgãos jurisdicionais nacionais em conformidade com esta última disposição.

44

Daqui resulta que o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões prejudiciais.

45

No que respeita, segundo, à admissibilidade das questões prejudiciais, importa recordar que o reenvio prejudicial, que é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, assenta num diálogo de juiz a juiz. Sendo da competência do órgão jurisdicional de reenvio determinar se a interpretação de uma regra de direito da União é necessária para lhe permitir decidir o litígio que lhe é submetido, tendo em conta o mecanismo do processo previsto no artigo 267.o TFUE, incumbe também ao referido órgão jurisdicional decidir de que forma essas questões devem ser formuladas. Embora o mesmo órgão jurisdicional possa convidar as partes no litígio que lhe foi submetido a sugerirem formulações suscetíveis de serem aceites para o enunciado das questões prejudiciais, só a ele incumbe, porém, decidir em última análise tanto da forma como do conteúdo das questões (Acórdão de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 21 e jurisprudência referida).

46

As questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 22 e jurisprudência referida).

47

Quanto a este último aspeto, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, que passou a estar refletida no artigo 94.o, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Estas exigências são particularmente válidas no domínio da concorrência, que se caracteriza por situações de facto e de direito complexas (Acórdão de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 23 e jurisprudência referida).

48

Além disso, é indispensável, como enuncia o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo, que o pedido de decisão prejudicial exponha as razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

49

No caso em apreço, no espírito de cooperação inerente ao diálogo de juiz a juiz e para permitir ao Tribunal de Justiça proferir uma decisão o mais útil possível, teria sido desejável que o órgão jurisdicional de reenvio expusesse, de forma mais sintética e clara, a sua própria compreensão do litígio que lhe foi submetido, bem como das questões de direito subjacentes ao seu pedido de decisão prejudicial, em vez de reproduzir, de forma excessivamente longa, inúmeros excertos das peças dos autos que lhe foram submetidos.

50

Do mesmo modo, como salientam, em substância, a Comissão e o Governo Português, embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha exposto as razões que o conduziram a submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, teria sido do interesse de uma cooperação útil que procedesse igualmente a uma reformulação das questões que lhe foram sugeridas pelas partes no processo principal, a fim de evitar sobreposições inúteis entre essas questões e que clarificasse as premissas jurídicas e factuais em que essas questões assentam.

51

Além disso, importa salientar que a decisão de reenvio distingue, entre os factos pertinentes, os que são considerados provados dos que não o são. Ora, a segunda questão baseia‑se em hipóteses factuais que são identificadas como não provadas na medida em que esta questão parte da premissa da inexistência de concorrência potencial ainda que uma das principais questões de direito que justificam o reenvio prejudicial tenha por objeto este conceito.

52

Do mesmo modo, a nona questão coloca a hipótese de não existir prova de que a empresa presente no mercado da comercialização de energia elétrica via a sua contraparte, retalhista de bens alimentares, como um concorrente potencial. No entanto, esta hipótese não se enquadra nos factos provados conforme expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio. Pelo contrário, resulta do pedido de decisão prejudicial que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão teve em consideração, para decidir em primeira instância, o facto de as recorrentes no processo principal se reconhecerem mútua e reciprocamente como potenciais concorrentes.

53

Por último, a hipótese factual da décima questão, segundo a qual o alcance da cláusula de não concorrência coincide com o período durante o qual as partes no Acordo de Parceria em causa no processo principal não estavam autorizadas a utilizar segredos comerciais ou know‑how adquiridos no âmbito da implementação dessa parceria não se enquadra nos factos provados, mas, pelo contrário, nos factos não provados.

54

Tendo em conta o que precede, há que considerar a segunda questão inadmissível. Quanto à nona e décima questões, devem ser consideradas inadmissíveis na medida em que se baseiam nas hipóteses expostas nos números anteriores.

Quanto às questões prejudiciais

55

A título preliminar, há que observar que as questões prejudiciais se sobrepõem parcialmente na medida em que dizem respeito à interpretação de um número limitado de conceitos de direito da União, apesar de as hipóteses factuais variarem.

56

A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de novembro de 1978, Redmond, 83/78, EU:C:1978:214, n.o 26, e de 20 de abril de 2023, Blue Air Aviation, C‑775/21 e C‑826/21, EU:C:2023:307, n.o 58).

57

No caso em apreço, à semelhança do que sugere o advogado‑geral nos n.os 33 e 34 das suas conclusões, há que reformular as questões submetidas, agrupando‑as quando tenham por objeto uma problemática comum sobre a qual o órgão jurisdicional de reenvio procura obter clarificações.

58

A este respeito, a terceira a sétima e nona questões dizem respeito aos critérios pertinentes para determinar se duas empresas presentes em mercados de produtos distintos estão em situação de concorrência potencial. A décima primeira questão diz respeito aos conceitos de «contrato de agência» e de «acordo vertical». A décima questão diz respeito às condições em que uma restrição à concorrência pode ser considerada acessória de um acordo cujo objeto não seja anticoncorrencial. A primeira e oitava questões podem igualmente ser tratadas em conjunto, uma vez que dizem respeito à distinção entre o conceito de «restrição da concorrência por objetivo [(objeto)]» e o de «restrição da concorrência por efeito».

Quanto à terceira a sétima e nona questões, relativas ao conceito de «concorrência potencial»

59

Com a terceira a sétima e nona questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se e em que condições o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que gere uma rede de retalhistas de bens de grande consumo pode ser considerada, no mercado da energia elétrica, um concorrente potencial de um comercializador de energia elétrica com o qual celebrou um Acordo de Parceria que contém uma cláusula de não concorrência, ainda que essa empresa não exerça nenhuma atividade nesse mercado de produto.

60

Segundo jurisprudência constante, para apreciar se uma empresa que não está presente num mercado é um potencial concorrente de uma ou várias empresas já presentes nesse mercado, importa determinar se existem possibilidades reais e concretas de aquela primeira entrar no referido mercado e concorrer com esta ou estas segundas [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 36 e jurisprudência referida].

61

Assim, quando esteja em causa um acordo cuja consequência é manter uma empresa temporariamente fora do mercado, há que determinar se, na falta desse acordo, tinham existido possibilidades reais e concretas de essa empresa aceder ao referido mercado e concorrer com as empresas aí estabelecidas [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 37].

62

Tal critério exclui que a conclusão de que uma relação de concorrência potencial possa resultar apenas da possibilidade, puramente hipotética, de tal entrada ou ainda da mera vontade da empresa que não está presente no mercado em causa. Em contrapartida, não exige, de modo algum, que se demonstre com certeza que essa empresa entrará efetivamente nesse mercado e, mais ainda, que posteriormente conseguirá manter‑se nele [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 38].

63

Assim, a demonstração de uma situação de concorrência potencial deve ser sustentada por um conjunto de elementos factuais concordantes que tenham em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento, destinados a demonstrar que a empresa em causa teria tido, na falta do acordo, possibilidades reais e concretas de aceder ao mercado em causa [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 39].

64

No Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 58), o Tribunal de Justiça teve assim em conta as especificidades do mercado dos medicamentos e o contexto económico e jurídico próprio desse mercado para declarar, em substância, que um fabricante de medicamentos genéricos deve ser considerado um concorrente potencial de um fabricante de medicamentos originais, titular de patentes farmacêuticas do medicamento em causa, quando tenha efetivamente a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado em causa.

65

Como o advogado‑geral salientou no n.o 55 das suas conclusões, e contrariamente ao que as recorrentes no processo principal sustentam, não se pode considerar que a interpretação do conceito de «concorrência potencial» dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão referido no número anterior tem um alcance geral. Com efeito, esse nível de prova exigido para demonstrar que a empresa em causa teria tido, na falta de acordo, possibilidades reais e concretas de aceder ao mercado em causa assenta numa análise específica aos mercados de medicamentos em questão no processo que deu origem ao referido acórdão.

66

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o Acordo de Parceria em causa no processo principal coincidiu com uma fase crucial do processo de liberalização do mercado da comercialização de energia elétrica, extinguindo‑se as tarifas reguladas para a baixa tensão normal até ao fim do ano de 2012. Deixou então de ser necessário obter uma autorização para desenvolver uma atividade nesse mercado. O Grupo EDP procurou captar um número significativo de clientes no mercado nacional liberalizado, aproveitando uma altura em que este mercado ainda não havia sofrido o boom de transição dos clientes de baixa tensão. Por conseguinte, resulta dessa descrição que, sob o pretexto de verificações que são da exclusiva competência do órgão jurisdicional de reenvio, o contexto económico e jurídico específico desse mercado não pode ser comparado ao mercado de medicamentos, que é altamente regulado e apresenta barreiras à entrada, como as patentes que protegem esses medicamentos.

67

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre a pertinência de um determinado número de indícios probatórios suscetíveis de serem tidos em conta para demonstrar a existência de uma situação de concorrência potencial. Em especial, pergunta ao Tribunal de Justiça se se deve ter em conta a intenção ou a perceção que as partes nesse Acordo de Parceria tinham das atividades das entidades do grupo, no qual está integrada a empresa que não está presente no mercado em causa, ou ainda as atividades da referida empresa nesse mercado e nos mercados a montante ou conexos antes da assinatura do acordo em causa no processo principal, bem como as diligências preparatórias da mesma empresa para entrar nesse mercado.

68

Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a pertinência, no caso em apreço, dos elementos de que dispõe, o Tribunal de Justiça pode, no entanto, fornecer‑lhe algumas orientações úteis a esse respeito.

69

No que respeita, em primeiro lugar, à pertinência de elementos de prova subjetivos, o Tribunal de Justiça já declarou, em conformidade com o que foi recordado no n.o 63 do presente acórdão, que a demonstração de uma situação de concorrência potencial deve ser sustentada por um conjunto de elementos factuais concordantes que tenham em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento. Por conseguinte, um indício de natureza subjetiva, como a simples vontade da empresa que não está presente no mercado em causa de nele entrar ou ainda a perceção que dela tem a empresa que já está ativa nesse mercado, não pode constituir um indício autónomo, decisivo ou indispensável para demonstrar uma situação de concorrência potencial.

70

No entanto, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 66 das suas conclusões, nada proíbe que esse elemento subjetivo seja tido em conta para sustentar indícios objetivos concordantes e, assim, reforçar a demonstração da existência de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa.

71

No que respeita, mais especificamente, à perceção de que a empresa já presente no mercado tem da empresa com a qual celebrou um acordo que prevê que seja mantida fora desse mercado, há que observar, como salientou o advogado‑geral no n.o 73 das suas conclusões, que a celebração desse acordo representa um forte indício da existência de uma situação de concorrência potencial. Com efeito, se as partes num acordo de não concorrência não se vissem como concorrentes potenciais, não teriam, em princípio, nenhuma razão para celebrar tal acordo. Esse indício pode, portanto, sustentar de modo útil elementos objetivos destinados a demonstrar as possibilidades reais e concretas de a empresa que não está presente no mercado entrar no mesmo.

72

No que respeita, em segundo lugar, às atividades das entidades do grupo no qual essa empresa está integrada e às atividades dessa empresa no mercado em causa, bem como nos mercados a montante e conexos antes da assinatura do acordo em causa, há que considerar que tais elementos também são suscetíveis de serem tidos em conta para a identificação de uma situação de concorrência potencial. É certo que a existência de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa deve ser apreciada na data da celebração do acordo em causa, pelo que estão logicamente excluídos os indícios relativos a circunstâncias posteriores à celebração desse acordo. No entanto, não sucede o mesmo em relação às atividades económicas anteriores no mercado em causa ou nos mercados a montante ou conexos das entidades do grupo da empresa que não está presente nesse mercado ou dessa empresa nesses mercados. Com efeito, tais atividades podem nomeadamente revelar‑se pertinentes para determinar as eventuais barreiras à entrada ou à estrutura do mercado, ou ainda constituir indícios de uma potencial estratégia económica viável de entrada no mercado em causa.

73

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a Sodesa, controlada conjuntamente pelo Grupo Sonae e pela Endesa, o ator histórico em Espanha no mercado da produção e da comercialização de energia elétrica, desenvolvia atividade em Portugal no mercado da comercialização de energia elétrica de 2002 a 2008. Do mesmo modo, o Grupo Sonae, através de uma das suas entidades, adquiriu uma empresa que detinha e explorava uma central de cogeração de eletricidade. Além disso, a Modelo Continente produzia, no momento do Acordo de Parceria em causa no processo principal, energia elétrica através de instalações de minigeração e de microgeração localizadas nas coberturas dos seus estabelecimentos e revendia essa energia elétrica ao comercializador de último recurso. Por último, no que respeita a mercados conexos, o órgão jurisdicional faz igualmente referência ao facto de a Modelo Continente ter celebrado com um comercializador de combustíveis líquidos um contrato de descontos cruzados, semelhante ao Acordo de Parceria em causa no processo principal.

74

A este respeito, como o advogado‑geral salientou no n.o 78 das suas conclusões, há que considerar que, independentemente da questão de saber se o Grupo Sonae podia ser considerado uma única empresa, na aceção do direito da concorrência, as atividades económicas das diferentes entidades do grupo no mercado em causa antes da assinatura do Acordo de Parceria em causa no processo principal podem ser tidas em conta, uma vez que constituem elementos factuais pertinentes para caracterizar uma situação de concorrência potencial. Além da possível constituição ou transmissão de um know‑how útil para entrar no mercado em causa, esses elementos podem nomeadamente ser pertinentes para apreciar se a empresa em causa era suscetível de ter uma estratégia económica viável para entrar nesse mercado. Tal podia suceder nomeadamente se essa empresa já tivesse demonstrado a sua capacidade de utilizar a sua forte presença num determinado mercado geográfico para entrar em novos setores de atividade através de parcerias com empresas que já estão ativas nos mercados de produtos em causa. Do mesmo modo, as atividades da empresa em questão em mercados conexos ao mercado em causa são suscetíveis de serem tidas em conta se permitirem sustentar a demonstração das possibilidades reais e concretas de essa empresa entrar nesse mercado.

75

No que respeita, em terceiro lugar, à pertinência das diligências preparatórias da empresa em causa para entrar no mercado em causa, estas não podem constituir, como o advogado‑geral no n.o 69 salientou das suas conclusões, uma exigência autónoma para demonstrar a existência de uma situação de concorrência potencial. Com efeito, essas diligências só são pertinentes na medida em que possam ser úteis para demonstrar que a empresa em causa tinha possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa. Por conseguinte, não se pode considerar que deve necessariamente ser demonstrado que a empresa em causa efetuou diligências preparatórias para ser considerada um concorrente potencial no mercado em causa.

76

Em todo o caso, a eventual importância dessas diligências para entrar no mercado em causa depende, nomeadamente, da estrutura desse mercado, bem como do contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento. Assim, o Tribunal de Justiça declarou, em substância, que essas diligências se podem revelar importantes quando esse mercado apresenta, à semelhança de um mercado de medicamento, numerosas barreiras à entrada [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 43].

77

Tendo em conta todos os fundamentos precedentes, há que responder à terceira a sétima e nona questões que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que gere uma rede de retalhistas de bens de grande consumo deve ser considerada, no mercado da energia elétrica, um concorrente potencial de um comercializador de energia elétrica com o qual celebrou um acordo de parceria que contém uma cláusula de não concorrência, ainda que essa empresa não exerça nenhuma atividade nesse mercado no momento da celebração desse acordo, desde que se demonstre, com base num conjunto de elementos factuais concordantes que têm em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento, que existem possibilidades reais e concretas de a referida empresa entrar no referido mercado e concorrer com esse comercializador.

Quanto à décima primeira questão, relativa à distinção entre um acordo vertical e um acordo horizontal

78

Com a sua décima primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 3, TFUE, lido em conjugação com o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 330/2010, deve ser interpretado no sentido de que um acordo de parceria comercial celebrado entre duas empresas que desenvolvem atividade em mercados de produtos diferentes, cujos mercados não se situam a montante ou a jusante um do outro, está abrangido pelas categorias de «acordos verticais» e de «contratos de agência» quando esse acordo consista em potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados, assumindo cada uma dessas empresas uma parte dos custos associados à execução dessa parceria.

79

A título preliminar, por um lado, importa observar, como o advogado‑geral salientou no n.o 98 das suas conclusões, que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar o caráter anticoncorrencial da cláusula de não concorrência, independentemente da natureza do Acordo de Parceria em causa no processo principal, em especial à luz do caráter acessório desse acordo. Por conseguinte, é unicamente na perspetiva desta última hipótese que se deve responder a esta questão.

80

Por outro lado, o artigo 101.o, n.o 3, TFUE prevê uma isenção da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE para os acordos que criem benefícios suficientes para compensar os efeitos anticoncorrenciais. Para efeitos da aplicação desta primeira disposição, o Regulamento n.o 330/2010 fixa, para determinadas categorias de acordos, os requisitos para que a isenção prevista na referida disposição possa ser aplicada. Caberá, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio não só verificar se o Acordo de Parceria em causa no processo principal está abrangido por uma das categorias de acordos assim identificadas, mas também, se for caso disso, se todos os requisitos previstos pelo referido regulamento estão efetivamente preenchidos para que o Acordo de Parceria em causa no processo principal beneficie da exceção prevista na mesma disposição.

81

Feita esta precisão, há que salientar que o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 330/2010 define «acordo vertical» como um acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas, exercendo cada uma delas as suas atividades, para efeitos do acordo ou da prática concertada, a um nível diferente da cadeia de produção ou distribuição e que digam respeito às condições em que as partes podem adquirir, vender ou revender certos bens ou serviços.

82

Ora, as Orientações relativas às restrições verticais incluem os contratos de agência entre os acordos verticais que não estão geralmente abrangidos pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE e define‑os como contratos através dos quais um agente é incumbido de negociar e/ou celebrar contratos por conta de outra pessoa, o comitente, com vista, nomeadamente, à venda de bens ou serviços fornecidos por esse comitente. O ponto 13 destas orientações especifica que o fator determinante na apreciação da aplicabilidade do artigo 101.o, n.o 1, TFUE é o risco financeiro ou comercial suportado pelo agente na prática dos atos relativamente aos quais foi nomeado enquanto tal pelo comitente. Por outras palavras, para efeitos de aplicação desta disposição, um acordo será considerado como um contrato de agência se o agente não suportar quaisquer riscos ou suportar apenas riscos insignificantes no âmbito dos contratos que negocie ou celebre por conta do comitente.

83

No caso em apreço, as recorrentes no processo principal sustentam que o Acordo de Parceria em causa no processo principal deve ser analisado como uma agência cruzada, uma vez que cada uma das contrapartes é responsável pela promoção das vendas da outra contraparte. No entanto, resulta da decisão de reenvio que os custos de execução do «Plano EDP Continente» foram suportados em partes iguais pelas partes nesse Acordo de Parceria.

84

A este respeito, decorre dos n.os 81 e 82 do presente acórdão que não pode ser qualificado como contrato de agência um acordo que partilha entre as contrapartes os riscos associados às operações nele previstas. Do mesmo modo, quando as contrapartes não operam, para efeitos do acordo ou da prática concertada em causa, numa mesma cadeia de produção ou de distribuição, essa qualificação não pode ser aceite.

85

No entanto, só o órgão jurisdicional de reenvio tem competência para qualificar o Acordo de Parceria em causa no processo principal tendo em conta todas as precisões precedentes.

86

Em face do exposto, há que responder à décima primeira questão que o artigo 101.o, n.o 3, TFUE, lido em conjugação com o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 330/2010, deve ser interpretado no sentido de que um Acordo de Parceria comercial celebrado entre duas empresas que desenvolvem atividade em mercados de produtos diferentes, cujos mercados não se situam a montante ou a jusante um do outro, não está abrangido pelas categorias de «acordos verticais» e de «contratos de agência», quando esse acordo consista em potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados, assumindo cada uma dessas empresas uma parte dos custos associados à execução dessa parceria.

Quanto à décima questão, relativa ao conceito de «restrição acessória»

87

Com a sua décima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de não concorrência constante de um Acordo de Parceria comercial celebrado entre duas empresas ativas em mercados de produtos diferentes e que visa potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados pode ser considerada uma restrição acessória a esse Acordo de Parceria.

88

Segundo jurisprudência constante, se uma operação ou uma atividade determinada não estiver abrangida pelo princípio da proibição previsto no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, devido à sua neutralidade ou ao seu efeito positivo no plano da concorrência, uma restrição da autonomia comercial de um ou de vários dos participantes nessa operação ou nessa atividade também não está abrangida pelo referido princípio da proibição se essa restrição for objetivamente necessária à realização da referida operação ou da referida atividade e for proporcionada aos objetivos de uma ou da outra (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 89, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 69).

89

Assim, quando não for possível dissociar tal restrição da operação ou da atividade principal sem comprometer a existência e o objeto dessa operação ou dessa atividade, há que analisar a compatibilidade com o artigo 101.o TFUE desta restrição juntamente com a compatibilidade da operação ou da atividade principal da qual é acessória, e isso apesar de, tomada isoladamente, se afigurar que essa restrição pode, à primeira vista, ser abrangida pelo princípio da proibição do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 90, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 70).

90

Tratando‑se de determinar se uma restrição anticoncorrencial pode escapar à proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, por constituir o acessório de uma operação principal desprovida de tal caráter anticoncorrencial, há que apurar se a realização dessa operação seria impossível na falta da restrição em questão. Não se pode considerar que o facto de a referida operação se tornar simplesmente mais difícil de realizar ou até menos rentável sem a restrição em causa confere a esta restrição o caráter «objetivamente necessário» exigido para poder ser qualificada de acessória. Com efeito, tal interpretação equivaleria a alargar esse conceito a restrições que não são estritamente indispensáveis à realização da operação principal. Esse resultado poria em causa o efeito útil da proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 91, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 71).

91

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que cada uma das contrapartes do Acordo de Parceria em causa no processo principal se comprometeu, por força da cláusula de não concorrência que nele figura, por um período de dois anos, ou seja, mais um ano do que a duração prevista por esse Acordo de Parceria, a não desenvolver, direta ou indiretamente, atividade no mercado em que a outra contraparte operava. No que respeita, mais especificamente, ao mercado da comercialização de energia elétrica, esta cláusula de não concorrência não se limitava apenas à comercialização de energia elétrica de baixa tensão, como o referido Acordo de Parceria, mas abrangia igualmente a comercialização de energia elétrica de média e alta tensão destinada aos clientes industriais. A referida cláusula proibia igualmente a Modelo Continente de negociar ou estabelecer com outro comercializador de energia elétrica um acordo que tivesse por objeto ou por efeito conceder descontos ou outras vantagens monetárias ligadas à comercialização de energia elétrica.

92

As recorrentes no processo principal alegam que a cláusula de não concorrência que figura no Acordo de Parceria em causa no processo principal visava simplesmente impedir as partes nesse acordo de utilizarem em seu benefício informações comercialmente sensíveis trocadas para efeitos de execução do «Plano EDP Continente», e que essas informações eram relativas, nomeadamente, ao esquema de consumo de energia elétrica dos clientes que aderiram ao «Plano EDP Continente». Ora, as cláusulas de confidencialidade e de proteção da propriedade intelectual e dos dados não foram suficientes para proteger os investimentos efetuados e o know‑how partilhado. Por conseguinte, a cláusula de não concorrência em causa no processo principal permitiu cobrir esse risco.

93

A este respeito, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se esta cláusula de não concorrência era objetivamente necessária à execução do Acordo de Parceria em causa no processo principal e se era proporcionada aos objetivos visados nesse acordo. Para tal, importa, nomeadamente, verificar se não existia uma solução menos restritiva da concorrência, à qual as partes no referido acordo poderiam ter recorrido no momento da sua celebração, para atingir esses objetivos. Para esse efeito, o órgão jurisdicional de reenvio poderá, nomeadamente, ter em conta o alcance da cláusula de não concorrência para verificar se esta corresponde ao objeto e ao alcance espaciotemporal do Acordo de Parceria em causa no processo principal.

94

Resulta do que precede que há que responder à décima questão que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de não concorrência constante de um acordo de parceria comercial celebrado entre duas empresas ativas em mercados de produtos diferentes e que visa potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados não pode ser considerada uma restrição acessória a esse acordo de parceria, salvo se a restrição resultante desta cláusula for objetivamente necessária à execução do referido acordo de parceria e proporcionada aos objetivos do mesmo.

Quanto à primeira e oitava questões, relativas à distinção entre uma «restrição da concorrência por objetivo [(objeto)]» e uma «restrição da concorrência por efeito»

95

Com a primeira e oitava questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de não concorrência que consiste, nomeadamente, no âmbito de um acordo de parceria comercial, em proibir a uma das partes nesse acordo, a entrada no mercado nacional da comercialização de energia elétrica no qual a outra parte no referido acordo é um dos principais intervenientes, e isto no momento das últimas fases da liberalização desse mercado, constitui um acordo que tem por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência, ainda que os consumidores retirem certos benefícios do referido acordo e que essa cláusula de não concorrência esteja limitada no tempo.

96

Ao abrigo do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos celebrados entre as empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

97

Para ser abrangido pela proibição enunciada nesta disposição, um acordo deve ter «por objeto ou por efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça desde o Acórdão de 30 de junho de 1966, LTM (56/65, EU:C:1966:38), o caráter alternativo deste requisito, indicado pela conjunção «ou», conduz, em primeiro lugar, à necessidade de considerar o próprio objeto do acordo (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 16 e jurisprudência referida, e de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.os 54 e 55 e jurisprudência referida). Deste modo, quando o objeto anticoncorrencial de um acordo esteja provado, não há que verificar os seus efeitos na concorrência (Acórdão de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 31 e jurisprudência referida).

98

Por outro lado, o conceito de «restrição da concorrência por objeto» deve ser interpretado restritivamente. Assim, este conceito só pode ser aplicado a certos tipos de coordenação entre empresas que revelem um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não é necessário examinar os seus efeitos (Acórdão de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 32 e jurisprudência referida).

99

Com efeito, determinadas práticas colusórias entre empresas revelam, por si só e atendendo ao teor das suas disposições, aos objetivos por elas visados, bem como ao contexto económico e jurídico em que se inserem, um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos, uma vez que determinadas formas de prática concertada podem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 67 e jurisprudência referida]

100

Entre estas práticas colusórias suscetíveis de estar abrangidas pela categoria das restrições por objeto figuram os acordos de repartição dos mercados. Com efeito, esses acordos constituem violações particularmente graves da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de dezembro de 2013, Solvay Solexis/Comissão, C‑449/11 P, EU:C:2013:802, n.o 82, e de 4 de setembro de 2014, YKK e o./Comissão, C‑408/12 P, EU:C:2014:2153, n.o 26), uma vez que têm um objetivo restritivo da concorrência por si mesmos e estão abrangidos por uma categoria de acordos expressamente proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE, não podendo esse objetivo ser justificado pela análise do contexto económico no qual o comportamento anticoncorrencial em causa se insere (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão (C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.o 28 e jurisprudência referida).

101

Sucede o mesmo com os acordos de exclusão de mercados, uma vez que têm por objeto suprimir a concorrência potencial e impedir a livre concorrência mantendo um concorrente potencial fora do mercado em causa.

102

Nesta hipótese, a análise do contexto económico e jurídico no qual se insere esse acordo pode limitar‑se ao que se revele estritamente necessário para concluir pela existência de uma restrição da concorrência por objeto (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão (C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.o 29). A este respeito, o objeto anticoncorrencial de um acordo desta natureza pode ser assim confirmado pela circunstância de ocorrer num contexto específico de liberalização do mercado que corresponde à dissolução de significativas barreiras à entrada.

103

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça declarou que, sempre que as partes num acordo invoquem os efeitos pró‑concorrenciais que lhes estão associados, esses efeitos devem, enquanto elementos do contexto desse acordo, ser devidamente tidos em conta para efeitos da sua qualificação de «restrição por objetivo [(objeto)]», na medida em que são suscetíveis de pôr em causa a apreciação global do grau suficientemente nocivo da prática colusória em causa relativamente à concorrência e, consequentemente, a sua qualificação de «restrição por objetivo [(objeto)]» (Acórdão de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão, C‑883/19 P, EU:C:2023:11, n.o 139 e jurisprudência referida).

104

Todavia, a simples existência de efeitos pró‑concorrenciais não basta para afastar essa qualificação. Com efeito, apenas se esses efeitos forem concretos, relevantes, específicos do acordo em causa, suficientemente significativos e permitirem suscitar dúvidas razoáveis quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência desse acordo é que a qualificação de restrição por objeto deve ser afastada [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 103, 105 a 107]

105

No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta a circunstância, por si salientada na decisão de reenvio, de que a aplicação da cláusula de não concorrência em causa no processo principal ter coincidido com o contexto particular da última fase de liberalização do mercado da comercialização de energia elétrica em Portugal. Do mesmo modo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, na hipótese de a cláusula de não concorrência não ter sido acessória do Acordo de Parceria em causa no processo principal, se os efeitos pró‑concorrenciais invocados pelas recorrentes no processo principal eram efetivamente específicos dessa cláusula e não simplesmente ligados a esse acordo.

106

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira e oitava questões que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de não concorrência que consiste, nomeadamente, no âmbito de um acordo de parceria comercial, em proibir a uma das partes nesse acordo, a entrada no mercado nacional da comercialização de energia elétrica no qual a outra parte no referido acordo é um dos principais intervenientes, e isto no momento das últimas fases da liberalização desse mercado, constitui um acordo que tem por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência, ainda que os consumidores retirem certos benefícios do referido acordo e que essa cláusula de não concorrência esteja limitada no tempo, desde que resulte de uma análise do teor dessa cláusula, bem como do seu contexto económico e jurídico que a referida cláusula apresenta um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não é necessário o exame dos respetivos efeitos.

Quanto às despesas

107

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 101.o, n.o 1, TFUE

deve ser interpretado no sentido de que:

uma empresa que gere uma rede de retalhistas de bens de grande consumo deve ser considerada, no mercado da energia elétrica, um concorrente potencial de um comercializador de energia elétrica com o qual celebrou um acordo de parceria que contém uma cláusula de não concorrência, ainda que essa empresa não exerça nenhuma atividade nesse mercado de produto no momento da celebração desse acordo, desde que se demonstre, com base num conjunto de elementos factuais concordantes que têm em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento, que existem possibilidades reais e concretas de a referida empresa entrar no referido mercado e concorrer com esse comercializador.

 

2)

O artigo 101.o, n.o 3, TFUE, em conjugação com o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.o 330/2010 da Comissão, de 20 de abril de 2010, relativo à aplicação do artigo 101.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas,

deve ser interpretado no sentido de que:

um acordo de parceria comercial celebrado entre duas empresas que desenvolvem atividade em mercados de produtos diferentes, cujos mercados não se situam a montante ou a jusante um do outro, não está abrangido pelas categorias de «acordos verticais» e de «contratos de agência», quando esse acordo consista em potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados, assumindo cada uma dessas empresas uma parte dos custos associados à execução dessa parceria.

 

3)

O artigo 101.o, n.o 1, TFUE

deve ser interpretado no sentido de que:

uma cláusula de não concorrência constante de um acordo de parceria comercial celebrado entre duas empresas ativas em mercados de produtos diferentes e que visa potenciar o desenvolvimento das vendas dos produtos dessas duas empresas através de um mecanismo de promoção e de descontos cruzados não pode ser considerada uma restrição acessória a esse acordo de parceria, salvo se a restrição resultante desta cláusula for objetivamente necessária à execução do referido acordo de parceria e proporcionada aos objetivos do mesmo.

 

4)

O artigo 101.o, n.o 1, TFUE

deve ser interpretado no sentido de que:

uma cláusula de não concorrência que consiste, nomeadamente, no âmbito de um acordo de parceria comercial, em proibir a uma das partes nesse acordo, a entrada no mercado nacional da comercialização de energia elétrica no qual a outra parte no referido acordo é um dos principais intervenientes, e isto no momento das últimas fases da liberalização desse mercado, constitui um acordo que tem por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência, ainda que os consumidores retirem certos benefícios do referido acordo e que essa cláusula de não concorrência esteja limitada no tempo, desde que resulte de uma análise do teor dessa cláusula, bem como do seu contexto económico e jurídico que a referida cláusula apresenta um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não é necessário o exame dos respetivos efeitos.

 

Jürimäe

Piçarra

Safjan

Jääskinen

Gavalec

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de outubro de 2023.

O Secretário

A. Calot Escobar

A Presidente de Secção

K. Jürimäe


( *1 ) Língua do processo: português.