ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

28 de setembro de 2023 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílio de Estado — Artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE — Mercado dinamarquês do transporte aéreo — Auxílio concedido pelo Reino da Dinamarca em benefício de uma companhia aérea no âmbito da pandemia de COVID‑19 — Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal — Garantia pública que tem por objeto uma linha de crédito renovável — Decisão da Comissão Europeia de não levantar objeções — Auxílio destinado a remediar os danos sofridos por uma única vítima — Princípios da proporcionalidade e da não discriminação — Liberdades de estabelecimento e de livre prestação de serviços»

No processo C‑321/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 21 de maio de 2021,

Ryanair DAC, estabelecida em Swords (Irlanda), representada inicialmente por V. Blanc, F.‑C. Laprévote, E. Vahida, avocats, I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, dikigoros, e S. Rating, abogado, e, em seguida, por V. Blanc, F.‑C. Laprévote, E. Vahida, avocats, I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, dikigoros, D. Pérez de Lamo e S. Rating, abogados,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, S. Noë e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

Reino da Dinamarca, representado inicialmente por V. Pasternak Jørgensen e M. Søndahl Wolff, na qualidade de agentes, assistidas por R. Holdgaard, advokat, e, em seguida, por C. Maertens e M. Søndahl Wolff, na qualidade de agentes, assistidas por R. Holdgaard, advokat,

República Francesa, representada inicialmente por A.‑L. Desjonquères, P. Dodeller, A. Ferrand e N. Vincent, na qualidade de agentes, e, em seguida, por A.‑L. Desjonquères e N. Vincent, na qualidade de agentes, e, por último, por A.‑L. Desjonquères, na qualidade de agente,

SAS AB, estabelecida em Estocolmo (Suécia), representada por F. Sjövall e A. Lundmark, advokater,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot, S. Rodin (relator) e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de setembro de 2022,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a Ryanair DAC pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (SAS, Dinamarca; Covid‑19) (T‑378/20, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2021:194), pelo qual este negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão C(2020) 2416 final da Comissão, de 15 de abril de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.56795 (2020/N) — Dinamarca — Indemnização dos danos causados à SAS AB pela pandemia de COVID‑19 (JO 2020, C 220, p. 7, a seguir «decisão controvertida»).

Antecedentes do litígio e decisão controvertida

2

Os antecedentes do litígio, conforme resultam do acórdão recorrido, podem ser resumidos da seguinte forma.

3

Em 10 de abril de 2020, o Reino da Dinamarca notificou à Comissão Europeia, nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, uma medida de auxílio sob a forma de uma garantia sobre uma linha de crédito renovável no montante máximo de 1,5 mil milhões de coroas suecas (SEK) (aproximadamente 137 milhões de euros) a favor da SAS AB (a seguir «medida em causa»). Esta medida visava indemnizar parcialmente a SAS pelo dano resultante da anulação ou da reprogramação dos seus voos na sequência da instauração de restrições em matéria de deslocações no contexto da pandemia de COVID‑19.

4

Em 15 de abril de 2020, a Comissão adotou a decisão controvertida, na qual declarou a medida em causa compatível com o mercado interno ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

5

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de junho de 2020, a Ryanair interpôs recurso de anulação da decisão controvertida.

6

A Ryanair invoca cinco fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, ao facto de a Comissão ter violado a exigência de que os auxílios concedidos ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE não sejam destinados a remediar os danos sofridos por uma única vítima; o segundo, ao facto de a Comissão ter considerado, erradamente, que esta medida era proporcionada aos danos causados à SAS pela pandemia de COVID‑19; o terceiro, ao facto de a Comissão ter violado várias disposições em matéria de liberalização do transporte aéreo na União Europeia, o quarto, ao facto de a Comissão ter violado os seus direitos processuais ao recusar dar início ao procedimento formal de investigação apesar da existência de dificuldades sérias que deveriam ter levado a dar início a tal procedimento, e, o quinto, ao facto de a Comissão ter violado o artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE.

7

Tendo em conta, em especial, as considerações que o conduziram a conceder um tratamento acelerado deste procedimento e a importância dada, tanto pela Ryanair como pela Comissão e o Reino da Dinamarca, a uma resposta rápida quanto ao mérito, o Tribunal Geral considerou que havia que começar por examinar o mérito do recurso, sem decidir previamente sobre a sua admissibilidade.

8

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes o primeiro a terceiro e quinto fundamentos invocados pela Ryanair. Quanto ao quarto fundamento, considerou, nomeadamente à luz das razões que conduziram à improcedência do primeiro a terceiro fundamentos, que não era necessário examinar o seu mérito. Por último, no que respeita ao quinto fundamento, o Tribunal Geral declarou que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada à luz do artigo 296.o TFUE. Por conseguinte, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade, sem se pronunciar sobre a admissibilidade deste recurso.

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

9

Com o seu recurso, a Ryanair pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

anular a decisão controvertida, e

condenar a Comissão e as intervenientes em primeira instância nas despesas,

a título subordinado, anular o acórdão recorrido,

remeter o processo ao Tribunal Geral; e

reservar para o final a decisão quanto às despesas relativas ao recurso em primeira instância e ao presente recurso.

10

A Comissão e a SAS pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar a recorrente nas despesas.

11

A República Francesa e o Reino da Dinamarca concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento ao recurso.

Quanto ao presente recurso

12

A Ryanair invoca seis fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral quando decidiu declarar improcedente o argumento da recorrente de que os auxílios concedidos ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE não se destinam a reparar os danos sofridos por uma única vítima. O segundo fundamento é relativo a um erro de direito e a uma manifesta desvirtuação dos factos na aplicação do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE e do princípio da proporcionalidade, dado que respeita aos danos causados à SAS pela pandemia de COVID‑19. O terceiro fundamento é relativo a um erro de direito, uma vez que o Tribunal Geral declarou erradamente improcedente o argumento da Ryanair atinente à violação do princípio da não‑discriminação. O quarto fundamento é relativo a um erro de direito e a uma manifesta desvirtuação dos factos quando decidiu declarar improcedente o argumento da recorrente relativo à violação da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços. O quinto fundamento é relativo a um erro de direito e a uma manifesta desvirtuação dos factos quando decidiu não examinar, quanto ao mérito, o quarto fundamento do recurso em primeira instância, relativo a uma violação dos direitos processuais da recorrente. O sexto fundamento é relativo a um erro de direito e a uma manifesta desvirtuação dos factos, visto que o Tribunal Geral declarou erradamente que a Comissão não violou o dever de fundamentação que lhe incumbe por força do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

13

Com o seu primeiro fundamento, que visa os n.os 21 a 26 do acórdão recorrido, a Ryanair acusa o Tribunal Geral, em substância, de ter cometido um erro de direito, uma vez que considerou erradamente que um auxílio concedido ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE se pode destinar a remediar os danos sofridos por uma única vítima de um acontecimento extraordinário, ainda que os concorrentes desta vítima, como a recorrente, também tenham sido afetados por este acontecimento.

14

Segundo a Ryanair, os fundamentos enunciados nos n.os 22 e 23 do acórdão recorrido não justificam a improcedência do primeiro fundamento do seu recurso em primeira instância. Não se trata de saber se o Reino da Dinamarca devia ter concedido mais auxílios, mas antes se este Estado‑Membro devia ter concedido um qualquer auxílio à SAS. O facto de um Estado‑Membro nunca ser obrigado a conceder um auxílio não pode justificar que conceda tal auxílio em violação da base jurídica pertinente, ou seja, o artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE. Do mesmo modo, a questão não é a de saber se o auxílio cobre a totalidade dos danos causados por um acontecimento extraordinário, mas se é concedido a todas as empresas concorrentes que operam num determinado mercado que sofreram este dano ou a uma única, escolhida arbitrariamente, não constituindo este último caso uma aplicação correta desta disposição.

15

A Ryanair alega que o Tribunal Geral devia ter constatado que o mérito deste argumento é corroborado pela redação clara e a sistemática do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, que deve ser objeto de uma interpretação estrita, bem como pela prática decisória da Comissão antes da pandemia de COVID‑19. A este respeito, o próprio objeto desta disposição seria permitir aos Estados‑Membros atuar enquanto «seguradoras em último recurso» quando o risco relacionado com as calamidades naturais ou outros acontecimentos extraordinários não pode ser coberto pelas empresas do mercado. Trata‑se de um papel económico fundamental de cada Estado. Por definição, esta função de «seguradora em último recurso» pressupõe que o Estado ofereça a mesma proteção, em igualdade de circunstâncias, a todas as empresas expostas ao risco subjacente. Um Estado que só ofereça a sua proteção a um pequeno número de empresas ou, como no caso em apreço, a uma única empresa, já não age como seguradora em último recurso, mas por outras razões de política geral, tais como razões de política industrial.

16

Ora, segundo a Ryanair, a prossecução simultânea de diversos objetivos de política geral por um Estado‑Membro através de um auxílio concedido ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE enfraquece o nexo direto entre o acontecimento extraordinário, os danos e o auxílio concedido, constituindo este nexo uma condição essencial de aplicação desta disposição, uma vez que esta assenta numa lógica puramente compensatória.

17

A Comissão, o Reino da Dinamarca e a República Francesa sustentam que o primeiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

18

Há que recordar, a título preliminar, que, através da decisão controvertida, a medida em causa foi declarada compatível com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, que prevê esta compatibilidade relativamente aos auxílios «destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários».

19

A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, uma vez que constitui uma derrogação ao princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, consagrado no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, as disposições do n.o 2, alínea b), deste artigo devem ser objeto de interpretação estrita. Assim, o Tribunal de Justiça decidiu, nomeadamente, que só podem ser compensados, ao abrigo destas últimas disposições, os prejuízos causados diretamente por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários. Por conseguinte, deve existir um nexo direto entre os prejuízos causados pelo acontecimento extraordinário e o auxílio de Estado, e é necessária uma avaliação tão precisa quanto possível dos prejuízos sofridos pelos operadores em causa (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Atzeni e o., C‑346/03 e C‑529/03, EU:C:2006:130, n.o 79 e jurisprudência referida).

20

Segundo a Ryanair, no caso de um Estado‑Membro decidir adotar medidas de apoio ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, é obrigado a fazê‑lo em relação a todas as empresas prejudicadas.

21

A este respeito, embora seja certo que a derrogação prevista nesta disposição deva ser objeto de uma interpretação estrita, isso não significa no entanto que os termos utilizados para definir a derrogação devam ser interpretados de uma maneira que a prive dos seus efeitos, uma vez que a derrogação deve ser interpretada de maneira conforme com os objetivos prosseguidos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, Fastweb,C‑19/13, EU:C:2014:2194, n.o 40).

22

Ora, não resulta de modo algum dos termos do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, lidos à luz do objetivo desta disposição, que só pode ser declarado compatível com o mercado interno, na aceção da mesma, um auxílio que seja concedido a todas as empresas afetadas pelos danos causados, em especial, por um acontecimento extraordinário. Com efeito, ainda que seja concedido a uma única empresa, um auxílio pode, eventualmente, destinar‑se a remediar estes danos e, em plena conformidade com o direito da União, cumprir o objetivo expressamente previsto na referida disposição.

23

Por conseguinte, como indicou, em substância, o advogado‑geral G. Pitruzzella no n.o 17 das suas conclusões no processo Ryanair/Comissão (C‑320/21 P, EU:C:2023:54), o objetivo prosseguido pelo artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, que visa compensar as desvantagens causadas diretamente por um acontecimento extraordinário, não exclui que um Estado‑Membro possa, sem que isso seja ditado por uma vontade de favorecer uma empresa em relação aos seus concorrentes, escolher, por razões objetivas, apenas fazer beneficiar uma única empresa com uma medida adotada ao abrigo desta disposição.

24

Uma interpretação em sentido contrário do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE privaria, aliás, esta disposição de uma grande parte do seu efeito útil. Com efeito, se esta disposição concedesse apenas a um Estado‑Membro a faculdade de conceder um auxílio a todas as vítimas de um acontecimento extraordinário, sem poder reservar este auxílio a um número limitado de empresas, ou mesmo a apenas uma, os Estados‑Membros seriam frequentemente dissuadidos de fazer uso desta faculdade devido aos custos que representaria a concessão, nestas condições, de um auxílio significativo a todas as empresas afetadas à sua jurisdição.

25

Decorre das considerações precedentes que o artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE não pode ser objeto da interpretação sustentada pela Ryanair, sob pena de prejudicar o objetivo e o efeito útil desta disposição.

26

Não obstante, uma vez que a Ryanair alega, em substância, em apoio do seu primeiro fundamento, que um Estado‑Membro que apenas concede um auxílio, ao abrigo da referida disposição, a um pequeno número de empresas que foram prejudicadas pelo acontecimento extraordinário, ou mesmo a apenas uma delas, não prossegue o objetivo previsto nesta mesma disposição, ou seja, remediar os danos causados na sequência deste acontecimento, mas objetivos de política geral, o que enfraquece, além disso, o nexo direto exigido entre os danos causados pelo acontecimento extraordinário e o auxílio concedido, importa recordar, como resulta, em substância, da jurisprudência referida no n.o 19 do presente acórdão, que uma medida de auxílio só pode ser declarada compatível com o mercado interno por força de uma derrogação ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, TFUE se estiverem preenchidos todos os requisitos de aplicação desta, o que implica, nomeadamente, que contribua para a realização de um objetivo que aí figura e que seja proporcionada ao objetivo prosseguido.

27

Daqui resulta, como salientou, em substância, no n.o 17 das suas conclusões, o advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Ryanair/Comissão (C‑320/21 P, EU:C:2023:54), que não podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno as medidas de auxílio concedidas ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE que, embora se destinem a remediar danos sofridos devido a um acontecimento extraordinário, sejam, na realidade, motivadas por considerações arbitrárias ou alheias a este objetivo, como o desejo de favorecer, por razões não ligadas ao referido objetivo, uma empresa em relação aos seus concorrentes, nomeadamente uma empresa que já se encontrava em dificuldades antes da verificação do acontecimento em questão.

28

Por conseguinte, se, no momento da apreciação da compatibilidade de uma medida de auxílio ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, a Comissão devesse concluir, nomeadamente, que a seleção do beneficiário não é conforme com o objetivo destinado a compensar as desvantagens causadas de forma direta, em especial, por um acontecimento extraordinário, previsto nesta disposição, e que, assim, não responde verdadeiramente à intenção de o alcançar, mas a outras considerações que lhe são alheias, a referida medida não pode ser declarada compatível com o mercado interno ao abrigo da derrogação instituída pela referida disposição.

29

A este respeito, um auxílio concedido com base no artigo 107.o, n.o 2, TFUE deve ser necessário para alcançar os objetivos previstos por esta disposição, pelo que um auxílio que conduz a uma melhoria da situação financeira da empresa beneficiária mas que não é necessário para alcançar estes objetivos não pode ser considerado compatível com o mercado interno (v., por analogia, Acórdãos de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 104, e de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 49).

30

Todavia, ao contrário do que a Ryanair sugere, o simples facto de um auxílio nos termos do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE só ser concedido a uma única empresa, como no caso em apreço à SAS, entre várias empresas potencialmente prejudicadas pelo acontecimento extraordinário em causa, não implica, no entanto, que este auxílio vise necessariamente outros objetivos com exclusão do prosseguido por esta disposição ou que seja concedido de forma arbitrária.

31

Neste contexto, há que julgar improcedente a argumentação da Ryanair relativa ao facto de que o objeto do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE pressupõe que o Estado‑Membro em causa atua como «seguradora em último recurso», uma vez que tal interpretação desta disposição não resulta da sua redação nem do seu objetivo, recordados nos n.os 18 e 19 do presente acórdão.

32

Por último, visto que a Ryanair invoca uma prática decisória da Comissão anterior à pandemia de COVID‑19, basta salientar que é, no caso em apreço, só no âmbito do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE que se deve apreciar a legalidade da decisão controvertida e, em seguida, do acórdão recorrido, e não à luz de uma alegada prática decisória anterior desta instituição (v., por analogia, Acórdãos de 21 de julho de 2011, Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, C‑459/10 P, EU:C:2011:515, n.o 50, e de 26 de março de 2020, Larko/Comissão,C‑244/18 P, EU:C:2020:238, n.o 114).

33

Resulta do que precede que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao concluir, no n.o 25 do acórdão recorrido, que a Ryanair não tem razão ao alegar que a Comissão tinha cometido um erro de direito pelo simples facto de a medida em causa não ter beneficiado todas as empresas que sofreram danos causados pela pandemia de COVID‑19.

34

Consequentemente, há que julgar o primeiro fundamento improcedente.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

35

Com o seu segundo fundamento, que visa os n.os 29 a 54 do acórdão recorrido e inclui seis partes, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito e de ter desvirtuado manifestamente os factos, ao considerar de modo errado que a medida em causa se baseava no artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE e que era proporcionada aos danos sofridos pela SAS devido à pandemia de COVID‑19.

36

Com a primeira parte do seu segundo fundamento, a Ryanair sustenta que, no n.o 30 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral adotou uma interpretação errada dos n.os 40 e 41 do Acórdão de 11 de novembro de 2004, Espanha/Comissão (C‑73/03, EU:C:2004:711), dado que daí inferiu um critério de probabilidade. Com efeito, quando a medida em causa se destina a cobrir danos futuros, como no caso em apreço, devem ser considerados incompatíveis com o mercado interno todos os auxílios que possam ser superiores às perdas sofridas pelas empresas beneficiárias, independentemente do grau de probabilidade de ocorrência de uma sobrecompensação dos danos. A previsão de um mecanismo de recuperação dos auxílios pagos em excesso não é, a seu ver, suficiente para evitar a atribuição à empresa beneficiária de uma vantagem indevida, embora temporária.

37

Na segunda parte, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito e uma manifesta desvirtuação dos factos na aplicação do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE e do critério da proporcionalidade que lhe está subjacente, uma vez que errou ao considerar que a Comissão tinha fundamentado corretamente a decisão controvertida, apesar de o método de cálculo dos danos sofridos pela SAS adotado por esta instituição não ser suficientemente preciso.

38

A este respeito, resulta de jurisprudência constante que um auxílio só pode ser autorizado nos termos do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE com base num método de avaliação preciso dos danos sofridos. No caso em apreço, o fundamento que figura no n.o 36 do acórdão recorrido, segundo o qual a Comissão tinha definido com suficiente precisão, na decisão controvertida, um método de cálculo para a avaliação dos danos, é inconciliável com o conteúdo desta decisão, em especial com o seu n.o 34, que precisa que as autoridades dinamarquesas se tinham comprometido a submeter, o mais tardar em 31 de dezembro de 2020, para aprovação prévia pela Comissão, o método a ser utilizado para quantificar os danos. Por conseguinte, a medida em causa mais não é do que um cheque em branco dado à SAS durante mais de um ano, ou seja, até ao primeiro relatório sobre as perdas reais sofridas por esta companhia aérea.

39

Com a terceira parte do seu segundo fundamento, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de um erro de direito e de uma manifesta desvirtuação dos factos, visto que afirmou, no n.o 37 do acórdão recorrido, que não tinha apresentado nenhum elemento suscetível de demonstrar que o método de cálculo, conforme definido na decisão controvertida, teria permitido o pagamento de um auxílio de Estado superior aos danos efetivamente sofridos pela SAS. Segundo a recorrente, para verificar se o método de cálculo apresentava, no caso em apreço, este risco, o Tribunal Geral examinou se a sua aplicação era «suscetível» de conduzir a uma sobrecompensação. Ora, a Ryanair forneceu inúmeros elementos que provam que o auxílio à SAS era com efeito superior às perdas. Em especial, para efeitos do cálculo do dano, o Tribunal Geral reconheceu a importância dos custos variáveis, que devem ser excluídos para quantificar o dano. Se os custos fixos e variáveis forem desconhecidos, há um risco de sobrecompensação. Por conseguinte, isso deve bastar para determinar que o auxílio não era proporcionado ao dano sofrido pela SAS devido à crise relacionada com a pandemia de COVID‑19. Além disso, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na medida em que fez incidir sistematicamente o ónus da prova sobre a recorrente e não sobre a Comissão.

40

Com a quarta parte, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito quando julgou improcedente, no n.o 39 do acórdão recorrido, por simples remissão para o n.o 24 deste acórdão, o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão devia ter tido em conta o dano sofrido pelas outras companhias aéreas que operam na Dinamarca. Com efeito, o princípio segundo o qual o auxílio deve ser proporcionado ao dano impõe que este seja avaliado não apenas no que respeita ao beneficiário do auxílio, mas também aos seus concorrentes. No caso em apreço, haveria, portanto, que proceder a uma avaliação do impacto da medida em causa nas outras companhias aéreas que operam na Dinamarca. De qualquer modo, o Tribunal Geral não podia validamente afirmar, como fez nos n.os 70 e 72 do acórdão recorrido, que a medida em causa se justificava à luz do maior dano sofrido pela SAS dada a sua situação concorrencial nem recusar‑se a ter em conta esta situação ao avaliar a proporcionalidade do auxílio em relação aos danos sofridos por esta sociedade.

41

Com a quinta parte do seu segundo fundamento, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter justificado o facto de a Comissão não ter tomado em consideração o auxílio concedido pelo Reino da Noruega tendo em conta o compromisso do Reino da Dinamarca de pedir o reembolso do auxílio ex post, no caso de a medida em causa, cumulada com outras, incluindo as concedidas por autoridades estrangeiras, exceder o dano efetivamente sofrido pela SAS, quando a Comissão devia ter tido desde logo em conta o auxílio concedido pelo Reino da Noruega, uma vez que era conhecido no momento da adoção da decisão controvertida, em vez de se contentar com uma avaliação ex post.

42

Com a sexta parte deste fundamento, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao julgar improcedente, nos n.os 50 e 51 do acórdão recorrido, o seu argumento segundo o qual a vantagem concorrencial resultante do facto de a SAS ser a única companhia aérea beneficiária da medida em causa devia ter sido tomada em conta para efeitos da apreciação da compatibilidade do auxílio à luz do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE. Tal apreciação é essencial para determinar se o regime de auxílio não vai além do necessário para atingir o seu objetivo declarado e se é, portanto, proporcionado.

43

A Comissão, o Reino da Dinamarca, a República Francesa e a SAS sustentam que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente. A República Francesa considera, além disso, que o referido fundamento é parcialmente inadmissível.

Apreciação do Tribunal de Justiça

44

O segundo fundamento é dirigido contra os n.os 29 a 54 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral examinou e julgou improcedente o segundo fundamento do recurso em primeira instância, que visa contestar a proporcionalidade da medida em causa relativamente aos danos sofridos pela SAS, em especial porque a Comissão autorizou uma possível sobrecompensação destes danos.

45

Para efeitos do exame deste fundamento nas suas seis partes, importa salientar, a título preliminar, como resulta do n.o 29 do presente acórdão, que um auxílio concedido com base no artigo 107.o, n.o 2, TFUE deve ser necessário para alcançar os objetivos previstos por esta disposição, pelo que um auxílio que conduz a uma melhoria da situação financeira da empresa beneficiária mas que não é necessário para alcançar estes objetivos não pode ser considerado compatível com o mercado interno (v., por analogia, Acórdãos de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 104, e de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 49).

46

No que respeita ao artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 19 do presente acórdão, só podem ser compensados, por força desta disposição, os prejuízos causados diretamente por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários.

47

Daqui resulta que os auxílios concedidos não podem ser superiores às perdas sofridas pelos seus beneficiários na sequência do acontecimento em causa, como o Tribunal de Justiça já declarou, em substância, nos n.os 40 e 41 do Acórdão de 11 de novembro de 2004, Espanha/Comissão (C‑73/03, EU:C:2004:711), mencionado no n.o 30 do acórdão recorrido.

48

A este respeito, visto que, com a primeira parte do seu segundo fundamento, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de, neste número do acórdão recorrido, ter introduzido um critério errado de probabilidade, que seria incompatível com o ensinamento do Acórdão de 11 de novembro de 2004, Espanha/Comissão (C‑73/03, EU:C:2004:711), importa salientar que esta parte assenta numa leitura errada do acórdão recorrido, uma vez que o Tribunal Geral não introduziu este critério. No n.o 30 deste acórdão, o Tribunal Geral apenas precisou que, desde que o montante de um auxílio viesse a ser superior aos danos em que o seu beneficiário incorreu, esta parte do auxílio não podia ser justificada ao abrigo da referida disposição. Em todo o caso, não resulta do acórdão recorrido que, para verificar se, na decisão controvertida, a Comissão aprovou uma sobrecompensação dos danos efetivamente sofridos pela SAS, o Tribunal Geral tenha adotado este critério e que este tenha, assim, tido impacto no resultado desta análise.

49

Daí resulta que a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

50

Visto que, com a segunda parte deste fundamento, a Ryanair censura ao Tribunal Geral, em primeiro lugar, um erro de direito, dado que considerou, no n.o 36 do acórdão recorrido, que, na decisão controvertida, a Comissão tinha apresentado um método de cálculo suficientemente preciso do dano sofrido pela SAS, há que constatar que, no n.o 35 deste acórdão, o Tribunal Geral faz uma remissão para o seu n.o 31, no âmbito do qual especificou todos os elementos tomados em consideração pela Comissão para a avaliação deste dano. Foi com base nesta descrição detalhada que o Tribunal Geral, neste n.o 35, considerou que, na decisão controvertida, a Comissão tinha, por um lado, identificado os elementos que foram tomados em consideração para quantificar os danos, a saber, a perda de receitas, os custos variáveis evitados e o ajustamento da margem de lucro, bem como o período durante o qual este dano era suscetível de se materializar e, por outro, precisou que a perda de receitas devia ser determinada tendo em conta todas as receitas da SAS, e não apenas as provenientes do transporte aéreo de passageiros. Além disso, o Tribunal Geral salientou que a Comissão tinha tomado nota do compromisso das autoridades dinamarquesas, por um lado, de proceder à quantificação ex post detalhada e concreta dos danos sofridos pela SAS e do montante do auxílio de que esta teria afinal beneficiado e, por outro, de garantir que a SAS reembolsa uma eventual sobrecompensação do referido dano.

51

Ora, tendo em conta todos estes elementos relativos à determinação do dano sofrido pela SAS considerado pela Comissão, o Tribunal Geral pôde, sem cometer um erro de direito, declarar, no n.o 36 do acórdão recorrido, que, atendendo às circunstâncias do caso em apreço, em especial a natureza necessariamente prospetiva da quantificação deste dano e do montante do auxílio por fim concedido, a decisão controvertida continha uma exposição bastante precisa do método de cálculo do referido dano.

52

Contrariamente ao que sustenta a Ryanair, esta conclusão não pode ser posta em causa pelo simples facto de as autoridades dinamarquesas se terem comprometido, por seu turno, a submeter à Comissão o método de cálculo pormenorizado que seria utilizado para quantificar ex post o dano.

53

Uma vez que, em segundo lugar, com esta segunda parte, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de ter desvirtuado os elementos de facto que lhe foram submetidos, há que recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o Tribunal Geral tem competência exclusiva, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos documentos dos autos que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar estes factos (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF,C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 103 e jurisprudência referida).

54

Daqui decorre que a apreciação dos factos não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados no Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF,C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 104 e jurisprudência referida).

55

Quando o recorrente alega uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve, em aplicação do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados por aquele e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a esta desvirtuação. Por outro lado, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma desvirtuação deve resultar de modo manifesto dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF,C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 105 e jurisprudência referida).

56

No caso em apreço, há que constatar que, em apoio desta parte, a Ryanair não precisa os elementos de prova que o Tribunal Geral desvirtuou para chegar à consideração de que a Comissão tinha apresentado um método de cálculo do dano suficientemente preciso e, a fortiori, não demonstra em que medida estes elementos foram desvirtuados.

57

Daqui resulta ser improcedente a segunda parte do segundo fundamento.

58

Com a terceira parte deste fundamento, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito e de uma manifesta desvirtuação dos factos que viciam o n.o 37 do acórdão recorrido, segundo o qual a recorrente não tinha apresentado nenhum elemento suscetível de demonstrar que o método de cálculo da Comissão permitia o pagamento de um auxílio superior aos danos efetivamente sofridos pela SAS.

59

Ora, uma vez que, em apoio desta parte, a Ryanair se limita a afirmar que os elementos de facto que tinha apresentado ao Tribunal Geral eram suscetíveis de demonstrar o mérito deste argumento, há que julgar inadmissível a referida parte, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 53 e 54 do presente acórdão, visto que, na falta de elementos concretos que permitam concluir por uma eventual desvirtuação dos factos, a recorrente pretende, na realidade, pôr em causa a apreciação soberana dos factos que o Tribunal Geral efetuou para decidir, no n.o 38 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha cometido nenhum erro de apreciação no que respeita à avaliação do dano sofrido pela SAS.

60

Além disso, dado que a Ryanair sustenta que, ao fazê‑lo, o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova, que, em seu entender, deveria ter recaído sobre a Comissão, importa recordar que incumbe, em princípio, à pessoa que alega factos em apoio de um pedido ou de um argumento fazer prova da sua realidade [v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2001, Brunnhofer,C‑381/99, EU:C:2001:358, n.o 52, e Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2008, Provincia di Ascoli Piceno e Comune di Monte Urano/Apache Footwear e o., C‑464/07 P (I), EU:C:2008:49, n.o 9].

61

Foi, portanto, sem violar os princípios relativos à repartição do ónus da prova que o Tribunal Geral pôde constatar que a Ryanair não tinha feito prova dos factos invocados em apoio da sua argumentação de que a Comissão tinha cometido erros no que respeita à avaliação do dano sofrido pela SAS.

62

Por conseguinte, há que julgar a terceira parte do segundo fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

63

A quarta parte deste fundamento é relativa, em substância, ao facto de o Tribunal Geral, ao examinar se a Comissão pôde validamente considerar que a medida em causa era proporcionada face aos danos sofridos pela SAS devido à pandemia de COVID‑19 e, assim, que não beneficiava de uma sobrecompensação dos seus danos, errou ao considerar improcedente, no n.o 39 do acórdão recorrido, o argumento da Ryanair, enunciado no n.o 34 deste acórdão, de que a Comissão devia ter tido em conta os danos sofridos pelas outras companhias aéreas que operam na Dinamarca.

64

A este respeito, quanto à proporcionalidade de uma medida de auxílio concedida ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE à luz do montante do auxílio em questão, resulta do n.o 47 do presente acórdão que este não pode ser superior às perdas sofridas pelo seu beneficiário. Quando se trata, como no caso em apreço, de um auxílio individual, cabe, portanto, à Comissão verificar, quando aprecia a compatibilidade do auxílio com o mercado interno, se o beneficiário não obtém um montante de auxílio que excede o dano que efetivamente sofreu devido ao acontecimento extraordinário em causa.

65

Ora, é claramente irrelevante para esta apreciação relativa a uma determinada companhia aérea, o facto de saber se, ou em que medida, outras companhias também sofreram danos devido ao mesmo acontecimento.

66

Além disso, resulta dos n.os 21 a 26 do presente acórdão que, em apoio do seu primeiro fundamento do presente recurso, a Ryanair sustenta erradamente que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando decidiu que o Estado‑Membro em causa não está obrigado a ter em conta a totalidade dos danos causados pelo acontecimento extraordinário em questão ou a fazer beneficiar do auxílio todas as vítimas destes danos. Assim, com base nestas considerações, o Tribunal Geral declarou acertadamente, no n.o 39 do acórdão recorrido, que a autorização de conceder um auxílio apenas em benefício da SAS não estava subordinada à circunstância de a Comissão demonstrar que os danos causados por este acontecimento só prejudicavam esta empresa.

67

Por último, a Ryanair limita‑se a afirmar que é contraditório que o Tribunal Geral tenha justificado a necessidade da medida em causa fazendo referência à situação concorrencial da SAS, mas que não tenha tido em conta esta situação na apreciação da proporcionalidade do auxílio, sem, todavia, indicar de forma precisa os argumentos jurídicos em apoio desta afirmação.

68

Daqui resulta que deve ser julgada improcedente a quarta parte do segundo fundamento.

69

Uma vez que a Ryanair alega, na quinta parte deste fundamento, que, contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou nos n.os 48 e 49 do acórdão recorrido, a Comissão devia, desde logo, ter tido em conta, para efeitos da apreciação da existência de uma sobrecompensação do dano sofrido pela SAS, o auxílio concedido pelo Reino da Noruega, em vez de se contentar com uma avaliação ex post, basta salientar que, no n.o 49 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que a Comissão tinha, com efeito, tido em conta, na decisão controvertida, os auxílios concedidos pelo Reino da Noruega, e que a Ryanair não tinha apresentado nenhum argumento destinado a infirmar esta conclusão.

70

A quinta parte do segundo fundamento deve, por conseguinte, ser julgada improcedente.

71

Com a sexta parte deste fundamento, a Ryanair acusa o Tribunal Geral, em substância, de ter cometido um erro de direito ao considerar, nos n.os 51 e 52 do acórdão recorrido, que a Comissão não era obrigada a tomar em consideração, para efeitos da apreciação da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, nomeadamente da sua proporcionalidade, a vantagem concorrencial resultante para a SAS do facto de ser a única beneficiária deste auxílio.

72

A este respeito, há que observar, à semelhança do advogado‑geral G. Pitruzzella no n.o 48 das suas conclusões no processo Ryanair/Comissão (C‑320/21 P, EU:C:2023:54), que, contrariamente ao que sustenta a Ryanair, o Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity (C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.o 92), a que o Tribunal Geral se referiu no n.o 51 do acórdão recorrido, embora diga respeito à determinação do montante de um auxílio ilegal para efeitos da sua recuperação, é pertinente no caso em apreço, porquanto se pode deduzir do referido n.o 92 que a vantagem por este concedida ao seu beneficiário não inclui o eventual benefício económico por este realizado através da exploração desta vantagem.

73

Assim, no caso da medida em causa, ou seja, um auxílio em forma de uma garantia, o montante do auxílio concedido à SAS, que a Comissão deve ter em conta para determinar se existiu uma eventual sobrecompensação dos danos sofridos por esta companhia aérea devido ao acontecimento extraordinário em causa, corresponde, em princípio, como resulta da Comunicação da Comissão relativa à aplicação dos artigos [107.o e 108.o TFUE] aos auxílios estatais sob forma de garantias (JO 2008, C 155, p. 10) e como o Tribunal Geral salientou, com razão, no n.o 42 do acórdão recorrido, à diferença da taxa concedida à SAS com a medida em causa ou na inexistência dela, na data da adoção da decisão impugnada. Em contrapartida, para efeitos desta determinação, a Comissão não tem de atender a uma eventual vantagem que a SAS possa indiretamente ter retirado, como a vantagem concorrencial alegada pela Ryanair.

74

Daqui resulta que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar, nos n.os 51 a 53 do acórdão recorrido, que a Comissão não era obrigada a ter em conta a vantagem concorrencial cuja existência a Ryanair alegava.

75

Em face do exposto, há que julgar improcedente a sexta parte do segundo fundamento e, consequentemente, este fundamento na íntegra.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

76

Com o seu terceiro fundamento, que visa os n.os 58 a 76 do acórdão recorrido, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito e uma manifesta desvirtuação dos factos ao julgar improcedente a primeira parte do terceiro fundamento do seu recurso em primeira instância e ao ter decidido, no n.o 76 do acórdão recorrido, que era justificado conceder o benefício da medida em causa apenas à SAS e que esta não violava o princípio da não discriminação.

77

A este respeito, a Ryanair alega, com a primeira parte do seu terceiro fundamento, que o Tribunal Geral não aplicou devidamente o princípio da proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, que é um princípio essencial da ordem jurídica da União. Embora o Tribunal Geral tenha reconhecido, no n.o 68 do acórdão recorrido, que a diferença de tratamento instituída pela medida em causa, na parte em que apenas beneficiava a SAS, podia ser equiparada a uma discriminação, considerou erradamente que esta discriminação só devia ser apreciada à luz do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, pelo facto de que esta disposição constituía uma disposição especial prevista pelos Tratados, na aceção do artigo 18.o TFUE. Além disso, o Tribunal Geral devia ter examinado se esta discriminação se justificava por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública, na aceção do artigo 52.o TFUE, ou, em todo o caso, se se baseava em considerações objetivas, independentes da nacionalidade das pessoas em causa.

78

Com a segunda parte deste fundamento, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral, nos n.os 62 a 65 do acórdão recorrido, cometeu um erro de direito e uma manifesta desvirtuação dos factos no que respeita à determinação do objetivo da medida em causa. Em particular, errou ao considerar, nos n.os 62 e 63 do acórdão recorrido, que esta medida não tinha por objetivo preservar a «conectividade da Dinamarca» e a «acessibilidade intraescandinava», o que constitui uma interpretação demasiado formalista da decisão controvertida. Além disso, esta afirmação está em contradição com o n.o 70 do acórdão recorrido. Segundo a Ryanair, é igualmente errada a afirmação do Tribunal Geral que figura no n.o 65 do acórdão recorrido, de que a discriminação era inerente ao caráter individual do auxílio.

79

Com a terceira parte do seu terceiro fundamento, a Ryanair alega que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito, visto que considerou erradamente, no n.o 72 do acórdão recorrido, que a diferença de tratamento estabelecida pela medida em causa se justificava, uma vez que a SAS, devido ao facto de as suas quotas de mercado serem mais elevadas, tinha sido mais afetada pelas restrições relacionadas com a pandemia de COVID‑19 do que as outras companhias aéreas que operam na Dinamarca.

80

Ora, primeiro, esta justificação não constava em nenhuma parte da decisão controvertida. Segundo, tal afirmação equivale, em substância, a afirmar que uma empresa que detenha uma quota de mercado elevada tem o direito de obter a totalidade dos auxílios concedidos ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, o que é contrário aos princípios da proporcionalidade e da concorrência não falseada. Terceiro, uma vez que, no n.o 73 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral justifica este direito da SAS à totalidade do auxílio pelo facto de esta ser «em proporção, […] significativamente mais afetada por essas restrições do que a recorrente», esta afirmação é «absurda e manifestamente errada». Quarto, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 75 do acórdão recorrido, que, tendo em conta a importância relativa do montante da medida em causa, a recorrente não demonstrou que uma repartição deste montante entre todas as companhias aéreas que operam na Dinamarca não teria privado a referida medida de efeito útil. Ora, um critério ligado a este «efeito útil», não especificado pelo Tribunal Geral, faz parte de uma «interpretação puramente sui generis». Em todo o caso, tal análise não figurava em nenhuma parte da decisão controvertida.

81

A Comissão, o Reino da Dinamarca e a República Francesa sustentam que o terceiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente. A República Francesa considera, além disso, que este fundamento é, em parte, inadmissível.

Apreciação do Tribunal de Justiça

82

Com a segunda parte do terceiro fundamento, que importa examinar em primeiro lugar, a Ryanair sustenta, antes de mais, em substância, que o Tribunal Geral, nos n.os 62 a 64 do acórdão recorrido, identificou mal o objetivo da medida em causa, conforme resulta da decisão controvertida, e que considerou, erradamente, que este objetivo não consistia em preservar a «conectividade da Dinamarca» nem a «acessibilidade intraescandinava».

83

A este respeito, há que observar, como o Tribunal Geral salientou no n.o 63 do acórdão recorrido, que resulta expressamente do considerando 5 da decisão controvertida, que figura no ponto intitulado «Objetivo da medida», que este objetivo consiste em «indemnizar parcialmente a SAS pelos danos resultantes da anulação ou da reprogramação dos seus voos na sequência da instauração de restrições em matéria de deslocações no contexto da pandemia de COVID‑19». Em contrapartida, no que respeita à preservação da «conectividade» da Dinamarca, da «acessibilidade intraescandinava», estes aspetos são evocados numa parte diferente da decisão controvertida, ou seja, no ponto intitulado «Beneficiário», que tende unicamente a descrever o perfil da empresa destinatária da medida em causa e não o objetivo desta medida.

84

Nestas condições, foi sem cometer um erro de direito nem desvirtuar os termos da decisão controvertida que o Tribunal Geral considerou, no n.o 62 do acórdão recorrido, que o objetivo da medida em causa não era, à luz desta decisão, mais do que a indemnização parcial da SAS pelos danos resultantes da pandemia de COVID‑19, a preservação da «conectividade da Dinamarca» e a «acessibilidade intraescandinava».

85

Visto que a Ryanair alega, em seguida, a existência de uma contradição entre os fundamentos que figuram, por um lado, nos n.os 63 e 64 do acórdão recorrido e, por outro, no n.o 70 do mesmo, basta constatar que, neste último número, o Tribunal Geral já não procedeu ao exame do objetivo da medida em causa, referido nos n.os 63 e 64 deste acórdão, mas ao da proporcionalidade das modalidades de concessão desta medida à luz deste objetivo, que é objeto dos n.os 68 a 75 do referido acórdão.

86

Por último, dado que a segunda parte do terceiro fundamento visa o n.o 64 do acórdão recorrido, no termo do qual o Tribunal Geral julgou improcedente o argumento da recorrente de que a medida em causa tinha sido concedida à SAS pelo facto de que era a única titular de uma licença dinamarquesa, esta constatação não padece, pelo mesmo fundamento que o enunciado no n.o 83 do presente acórdão, de nenhum erro de direito.

87

Por conseguinte, a segunda parte do terceiro fundamento deve ser julgada, nesta medida, improcedente.

88

Com um último argumento apresentado no âmbito da primeira e segunda partes deste fundamento, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de, nos n.os 65 e 68 do acórdão recorrido, ter cometido erros de direito na aplicação do princípio da não discriminação e, mais especificamente, da proibição de discriminação em razão da nacionalidade, estabelecida no artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE.

89

No que respeita, em primeiro lugar, à alegação da Ryanair relativa ao erro de direito que o Tribunal Geral cometeu no n.o 65 do acórdão recorrido, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, requer que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Primeiro, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou ser proveniente de recursos estatais. Segundo, esta intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Terceiro, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Quarto, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v., nomeadamente, Acórdão de 28 de junho de 2018, Alemanha/Comissão,C‑208/16 P, EU:C:2018:506, n.o 79 e jurisprudência referida).

90

É por conseguinte em relação a medidas que apresentam estas características, por serem suscetíveis de falsear o jogo da concorrência e de prejudicar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE consagra o princípio da incompatibilidade das mesmas com o mercado interno.

91

Em especial, a exigência de seletividade resultante do artigo 107.o, n.o 1, TFUE pressupõe que a Comissão demonstre que a vantagem económica, considerada em sentido lato, decorrente direta ou indiretamente de uma dada medida beneficia especificamente uma ou várias empresas. Incumbe‑lhe, para tal, demonstrar, em especial, que a medida em causa introduz diferenciações entre as empresas que estão, tendo em conta o objetivo prosseguido, numa situação comparável. Assim, é necessário que esta vantagem seja concedida de maneira seletiva e seja suscetível de colocar certas empresas numa situação mais favorável do que outras (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão (C‑270/15 P, EU:C:2016:489, n.o 48 e jurisprudência referida).

92

Quando, como no caso em apreço, a medida em causa é encarada como um auxílio individual, a identificação da vantagem económica permite, em princípio, presumir a sua seletividade (Acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão,C‑270/15 P, EU:C:2016:489, n.o 49 e jurisprudência referida).

93

Daqui resulta que, ao afirmar, em substância, no n.o 65 do acórdão recorrido, que, pela sua própria natureza, um auxílio individual cria uma diferença de tratamento entre a empresa beneficiária deste auxílio e todas as outras empresas que se encontram, à luz do objetivo prosseguido, numa situação comparável, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito. Além disso, contrariamente ao que parece alegar a Ryanair, o n.o 65 não pode ser entendido no sentido de que o Tribunal Geral considera aí que um auxílio individual que seja, em seu entender, contrário ao princípio da não discriminação, é, todavia, compatível com o mercado interno, uma vez que indicou expressamente, no final do referido número, que o direito da União permite aos Estados‑Membros conceder estes auxílios, «desde que as condições previstas no artigo 107.o TFUE estejam preenchidas».

94

Quanto a este último aspeto, o artigo 107.o, n.os 2 e 3, TFUE prevê certas derrogações ao princípio, evocado no n.o 90 do presente acórdão, da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno. Assim, são compatíveis ou suscetíveis de ser declarados compatíveis com o mercado interno os auxílios de Estado concedidos para os fins e segundo as exigências previstas nestas disposições derrogatórias, não obstante o facto de apresentarem as características e produzirem os efeitos referidos no n.o 89 do presente acórdão.

95

Daqui resulta que, sob pena de privar as referidas disposições derrogatórias de qualquer efeito útil, os auxílios de Estado que são concedidos em conformidade com estas exigências, isto é, para efeitos de um objetivo que aí é reconhecido e dentro dos limites do que é necessário e proporcionado à realização deste objetivo, não podem ser considerados incompatíveis com o mercado interno apenas à luz das características ou dos efeitos, referidos no n.o 89 do presente acórdão, que são inerentes a qualquer auxílio de Estado, ou seja, nomeadamente, por razões ligadas ao facto de o auxílio ser seletivo ou de falsear a concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de março de 1977, Iannelli & Volpi, 74/76, EU:C:1977:51, n.os 14 e 15, e de 26 de setembro de 2002, Espanha/Comissão,C‑351/98, EU:C:2002:530, n.o 57).

96

Por conseguinte, um auxílio não pode ser considerado incompatível com o mercado interno apenas por razões relacionadas com o facto de o auxílio ser seletivo ou de falsear ou ameaçar falsear a concorrência.

97

Todavia, no que respeita, em segundo lugar, à alegação da Ryanair de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, uma vez que não aplicou, no n.o 68 do acórdão recorrido, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.o TFUE, mas examinou a medida em causa à luz do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, importa recordar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o procedimento previsto no artigo 108.o TFUE não deve nunca conduzir a um resultado que seja contrário às disposições específicas do Tratado. Assim, um auxílio que, enquanto tal ou por algumas das suas modalidades, viole disposições ou princípios gerais do direito da União não pode ser declarado compatível com o mercado interno (Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o., C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.o 96 e jurisprudência referida).

98

Contudo, no que respeita especificamente ao artigo 18.o TFUE, é jurisprudência constante que este artigo só se destina a ser aplicado autonomamente em situações reguladas pelo direito da União em relação às quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação (Acórdão de 18 de julho de 2017, Erzberger,C‑566/15, EU:C:2017:562, n.o 25 e jurisprudência referida).

99

Uma vez que, como foi recordado no n.o 94 do presente acórdão, o artigo 107.o, n.os 2 e 3, TFUE, prevê derrogações ao princípio, referido no n.o 1 deste artigo, da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, e admite assim, em especial, diferenças de tratamento entre as empresas, sob reserva do cumprimento das exigências previstas por estas derrogações, estas últimas devem ser consideradas, como salientou o advogado‑geral G. Pitruzzella no n.o 64 das suas Conclusões no processo Ryanair/Comissão (C‑320/21 P, EU:C:2023:54), «disposições específicas» previstas pelos Tratados, na aceção do artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE.

100

Daqui resulta que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 68 do acórdão recorrido, que o artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE constituía uma disposição específica deste tipo e que importava apenas examinar se a diferença de tratamento induzida pela medida em causa era permitida ao abrigo desta disposição.

101

Daqui decorre que as diferenças de tratamento decorrentes da medida em causa também não têm de ser justificadas à luz dos motivos enunciados no artigo 52.o TFUE, contrariamente ao que sustenta a Ryanair.

102

Em face do exposto, há que julgar improcedentes a última acusação da segunda parte e a primeira parte do terceiro fundamento.

103

Com a terceira parte do seu terceiro fundamento, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de erros de direito e de manifesta desvirtuação dos factos que cometeu quando examinou, nomeadamente nos n.os 72, 73 e 75 do acórdão recorrido, no contexto da questão da proporcionalidade da medida em causa, o mérito da argumentação da recorrente, reproduzida no n.o 71 deste acórdão, de que a diferença de tratamento resultante desta medida não era proporcionada, visto que esta última concede à SAS a totalidade do auxílio destinado a remediar os danos causados pela pandemia de COVID‑19, quando a SAS só sofreu menos de 35 % destes danos.

104

A este respeito, a Ryanair alega, numa primeira acusação, em substância, que, ao afirmar, nomeadamente, no n.o 72 do acórdão recorrido, que a SAS, devido às suas maiores quotas de mercado, tinha sido mais afetada pelas restrições impostas no âmbito da pandemia de COVID‑19 do que as outras companhias aéreas que operam na Dinamarca, o Tribunal Geral apresentou uma justificação que não figurava na decisão controvertida, pelo que substituiu pelos seus próprios fundamentos os invocados pela Comissão em apoio desta decisão.

105

Ora, embora seja certo que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no âmbito da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral não podem, em nenhuma hipótese, substituir a fundamentação do autor do ato impugnado pela sua própria fundamentação (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 70 e jurisprudência referida), há que constatar que, no n.o 72 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral se limitou, em resposta à argumentação da recorrente mencionada no n.o 103 do presente acórdão, a recordar o conteúdo da decisão controvertida, e, mais especificamente, a retirar conclusões das indicações que nela figuram, sem, no entanto, proceder a uma substituição dos fundamentos desta decisão.

106

Uma vez que, com a terceira acusação desta terceira parte, a recorrente visa as afirmações do Tribunal Geral, que figuram nos n.os 72 e 73 do acórdão recorrido, de que as quotas de mercado da SAS eram «significativamente mais elevadas do que as do seu concorrente mais próximo» e que a SAS era, «em proporção, significativamente mais afetada por essas restrições», ou seja, as impostas no âmbito da pandemia de COVID‑19, há que observar que se trata de apreciações soberanas de facto que o Tribunal Geral, além disso, efetuou a título exaustivo.

107

Por conseguinte, há que julgar esta acusação inadmissível, tanto mais que a recorrente não demonstra nenhuma desvirtuação destes factos pelo Tribunal Geral.

108

Além disso, na medida em que a Ryanair alega em apoio da segunda e terceira alegações desta terceira parte, em substância, que, segundo o princípio da proporcionalidade, os auxílios deviam ter sido repartidos entre todas as vítimas do acontecimento extraordinário em causa, proporcionalmente aos danos sofridos por estas, este raciocínio assenta numa premissa errada, como resulta dos n.os 20 a 25 do presente acórdão.

109

Quanto à quarta acusação da terceira parte do terceiro fundamento da recorrente, basta observar que visa contestar o n.o 75 do acórdão recorrido, o qual tem caráter supérfluo à luz da sua decisão, no n.o 74 do acórdão recorrido, segundo a qual a diferença de tratamento em benefício da SAS não viola o princípio da proporcionalidade. Este argumento deve, pois, ser julgado improcedente por ser inoperante.

110

Face ao exposto, há que julgar improcedente a terceira parte do terceiro fundamento e, consequentemente, este fundamento na íntegra.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

111

Com o seu quarto fundamento, relativo aos n.os 81 a 83 do acórdão recorrido, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito e uma manifesta desvirtuação dos factos e dos elementos de prova ao julgar improcedente a segunda parte do terceiro fundamento do seu recurso em primeira instância, através da qual a Ryanair invocava uma violação da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços.

112

Com a primeira parte deste fundamento, a Ryanair alega que o Tribunal Geral, ao afirmar, no n.o 81 do acórdão recorrido, que esta não demonstrou de que forma o caráter exclusivo da medida em causa, que beneficia apenas a SAS, era «suscetível de [a dissuadir] de se estabelecer na Dinamarca ou de efetuar prestações de serviços a partir deste país ou com destino a ele», escolheu um critério incorreto para avaliar se esta medida nacional impedia ou tornava menos atraente o exercício da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento. Em conformidade com a jurisprudência, o Tribunal Geral devia antes ter examinado se a medida em causa era suscetível de dissuadir «qualquer operador interessado» e, portanto, no caso em apreço, outras companhias aéreas diferentes da SAS que operam na Dinamarca, de se estabelecerem ou efetuarem uma prestação de serviços neste Estado‑Membro.

113

Com a segunda parte deste fundamento, a Ryanair sustenta que, no âmbito do seu recurso em primeira instância, demonstrou com prova bastante, em conformidade com o critério pertinente, que a medida em causa prejudicava, na prática, apenas as transportadoras aéreas com sede social num Estado‑Membro diferente do Reino da Dinamarca. Com efeito, a Ryanair forneceu múltiplos elementos de prova relativos ao efeito restritivo da medida na livre prestação de serviços e, ao não os examinar, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e uma desvirtuação dos elementos de prova.

114

Com a terceira parte do referido fundamento, a Ryanair sustenta que, contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou no n.o 81 do acórdão recorrido, demonstrou que a restrição à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento não era justificada. O Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao referir‑se de forma global ao seu raciocínio relativo ao artigo 107.o TFUE no contexto do artigo 18.o TFUE, quando abordava uma restrição à livre prestação de serviços. Na realidade, o Tribunal Geral, e, antes dele a Comissão, deviam ter examinado se a restrição à livre prestação de serviços deduzida da medida em causa se justificava por uma razão imperiosa de interesse geral, não discriminatória, necessária e proporcionada em relação ao objetivo de interesse geral prosseguido. Ora, a recorrente identificou elementos de facto e de direito que demonstravam que a medida em causa teve efeitos restritivos da livre prestação de serviços que não eram necessários, apropriados, nem proporcionados à luz do objetivo declarado da mesma. O Tribunal Geral «negou essa realidade» e, portanto, cometeu um erro de direito e desvirtuou manifestamente os factos.

115

A Comissão, o Reino da Dinamarca e a República Francesa sustentam que o quarto fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

116

Tendo em conta que, com a primeira parte deste fundamento de recurso, a Ryanair sustenta que o Tribunal Geral, no primeiro período do n.o 81 do acórdão recorrido, usou um critério errado para apreciar se a medida em causa entravava ou tornava menos atrativo o exercício da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento, há que constatar que esta parte assenta numa leitura errada deste número. Com efeito, sem que seja necessário examinar se, como sustenta a Ryanair, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quanto ao alcance do ónus da prova que sobre ela impendia, resulta, como salientou acertadamente o Governo francês na sua contestação, do segundo período deste número, que remete para os n.os 58 a 76 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral analisou a proporcionalidade da medida em causa à luz da situação de todas as companhias aéreas presentes na Dinamarca, que o Tribunal Geral visou a existência de efeitos restritivos que se produziriam em relação não exclusivamente à Ryanair, mas ao conjunto das companhias aéreas que operam ou pretendem operar na Dinamarca.

117

Por conseguinte, esta parte deve ser julgada improcedente.

118

Com a segunda e terceira partes do quarto fundamento, que importa examinar em conjunto, a Ryanair acusa o Tribunal Geral, em substância, de ter viciado o acórdão recorrido de erros de direito, uma vez que apenas examinou o facto de a medida em causa só beneficiar a SAS, à luz dos critérios do artigo 107.o TFUE, em vez de verificar se esta medida era justificada à luz dos motivos visados pelas disposições relativas à livre prestação de serviços ou à liberdade de estabelecimento. Ora, a Ryanair submeteu ao Tribunal Geral elementos de facto e de direito que demonstram uma violação destas disposições.

119

A este respeito, como foi recordado no n.o 97 do presente acórdão, o processo previsto no artigo 108.o TFUE não deve nunca conduzir a um resultado que seja contrário às disposições específicas do Tratado. Assim, um auxílio que, enquanto tal ou por algumas das suas modalidades, viole disposições ou princípios gerais do direito da União não pode ser declarado compatível com o mercado interno.

120

Todavia, por um lado, como o advogado‑geral G. Pitruzzella salientou, em substância, no n.o 85 das suas conclusões no processo Ryanair/Comissão (C‑320/21 P, EU:C:2023:54), os efeitos restritivos que uma medida de auxílio produziria na livre prestação de serviços ou na liberdade de estabelecimento não constituem, no entanto, uma restrição proibida pelo Tratado, dado que se pode tratar de um efeito inerente à própria natureza de um auxílio de Estado, como o seu caráter seletivo.

121

Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando as modalidades de um auxílio estão de tal modo indissoluvelmente ligadas ao objeto do auxílio que não é possível apreciá‑las isoladamente, o seu efeito sobre a compatibilidade ou incompatibilidade do auxílio no seu conjunto com o mercado interno deve ser necessariamente apreciado através do procedimento previsto no artigo 108.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de março de 1977, Iannelli & Volpi, 74/76, EU:C:1977:51, n.o 14, e de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o., C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.o 97).

122

Ora, no caso em apreço, como resulta do n.o 83 do presente acórdão, a escolha da SAS enquanto beneficiária da medida em causa faz parte do objeto da mesma e, em todo o caso, ainda que esta escolha devesse ser considerada uma modalidade da referida medida, a Ryanair não contesta que esta modalidade está indissociavelmente ligada ao referido objeto, que é o de indemnizar parcialmente esta empresa do dano resultante da pandemia de COVID‑19. Daqui decorre que o efeito resultante da escolha da SAS enquanto beneficiária da medida em causa no mercado interno não pode ser objeto de um exame separado do da compatibilidade desta medida de auxílio no seu todo com o mercado interno através do procedimento previsto no artigo 108.o TFUE.

123

Resulta dos fundamentos precedentes e do que foi salientado, nomeadamente, nos n.os 95 e 96 do presente acórdão, que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito quando declarou, no n.o 81 do acórdão recorrido, em substância, que, para demonstrar que a medida em causa constituía, pelo facto de só beneficiar a SAS, um entrave à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, a recorrente devia ter demonstrado, no caso em concreto, que esta medida produzia efeitos restritivos que iam além dos que são inerentes a um auxílio de Estado concedido em conformidade com os requisitos previstos no artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

124

Ora, a argumentação apresentada pela Ryanair em apoio da segunda e terceira partes do quarto fundamento visa, no seu todo, criticar a escolha da SAS enquanto única beneficiária da medida em causa e as consequências desta escolha, pese embora esta última ser inerente ao caráter seletivo desta medida.

125

Além disso, quanto aos elementos de prova que apresentou no Tribunal Geral, há que constatar que a Ryanair não apresentou nenhum argumento suscetível de demonstrar que este desvirtuou estes elementos de prova.

126

Resulta do exposto que há que julgar improcedente o quarto fundamento.

Quanto ao quinto fundamento

Argumentos das partes

127

Com o seu quinto fundamento, a Ryanair alega que, ao constatar, nos n.os 86 e 87 do acórdão recorrido, que o seu quarto fundamento do recurso em primeira instância, relativo à recusa da Comissão de dar início ao procedimento formal de investigação, se encontrava privado da sua finalidade manifestada e era desprovido de conteúdo autónomo, o Tribunal Geral cometeu erros de direito e uma manifesta desvirtuação dos factos.

128

Com efeito, contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou, este fundamento tinha um conteúdo autónomo, diferente dos três primeiros fundamentos do recurso em primeira instância, uma vez que o critério de fiscalização é diferente para a demonstração de dificuldades sérias que deveriam ter conduzido à abertura de um procedimento formal de investigação, e o mesmo pode ser cumprido ainda que não esteja demonstrado que o exame da Comissão está viciado por um erro manifesto de apreciação ou por um erro de direito, argumentos em que se baseavam estes três primeiros fundamentos.

129

Do mesmo modo, o quarto fundamento do recurso em primeira instância não foi privado da sua finalidade declarada, porquanto a demonstração da existência de um erro manifesto de apreciação por parte da Comissão é totalmente diferente da demonstração de dificuldades sérias que deveriam ter conduzido à abertura de um procedimento formal de investigação. Além disso, a Ryanair apresentou argumentos autónomos para este efeito, demonstrando, nomeadamente, que a Comissão não dispunha de dados de mercado relativos à estrutura do setor da aviação, nem de informações sobre a avaliação do montante dos danos causados pela crise ligada à pandemia de COVID‑19 nem do quantum do auxílio concedido à SAS. Daqui resulta que, no Tribunal Geral, a Ryanair identificou lacunas e omissões na informação da Comissão, tendo estas evidenciado dificuldades sérias e constituído um «conteúdo autónomo» em relação aos outros fundamentos.

130

A Comissão, o Reino da Dinamarca e a República Francesa sustentam que o quinto fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

131

Quando um recorrente pede a anulação de uma decisão da Comissão de não levantar objeções a respeito de um auxílio de Estado, põe essencialmente em causa o facto de que esta decisão ter sido adotada sem que esta instituição abra um procedimento formal de investigação, violando assim os seus direitos processuais. Para que o seu pedido de anulação proceda, o recorrente pode invocar qualquer fundamento suscetível de demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispôs, no âmbito da fase preliminar de análise da medida notificada, devia ter suscitado dúvidas quanto à respetiva compatibilidade com o mercado interno. A utilização destes argumentos não pode ter por efeito alterar o objeto do recurso nem alterar os pressupostos da sua admissibilidade. Pelo contrário, a existência de dúvidas sobre esta compatibilidade é precisamente a prova que deve ser apresentada para demonstrar que a Comissão estava obrigada a abrir o procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9) (v., neste sentido, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 59 e jurisprudência referida).

132

Cabe ao autor deste pedido demonstrar que existiam dúvidas sobre esta compatibilidade, pelo que a Comissão estava obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Esta prova deve ser procurada tanto nas circunstâncias da adoção da decisão como no seu conteúdo, a partir de um conjunto de indícios concordantes (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 40 e jurisprudência referida).

133

Em especial, o caráter insuficiente ou incompleto da análise levada a cabo pela Comissão no procedimento de análise preliminar constitui um indício de que esta instituição foi confrontada com sérias dificuldades para apreciar a compatibilidade da medida notificada com o mercado interno, o que a deveria ter levado a dar início ao procedimento formal de investigação (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 41 e jurisprudência referida).

134

A este respeito, no que se refere, antes de mais, à acusação relativa ao facto de o Tribunal Geral ter declarado, no n.o 87 do acórdão recorrido, que o quarto fundamento do recurso em primeira instância não tinha conteúdo autónomo, importa salientar que é exato, como a Ryanair alegou no seu recurso, que se a existência de «dificuldades sérias», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no número anterior, tivesse sido demonstrada, a decisão controvertida só podia ter sido anulada por este motivo, ainda que não se demonstrasse que as apreciações da Comissão quanto à materialidade dos factos padeciam de um erro de direito ou de facto (v., por analogia, Acórdão de 2 de abril de 2009, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão, C‑431/07 P, EU:C:2009:223, n.o 66).

135

Além disso, a existência de tais dificuldades pode ser procurada, designadamente, nestas apreciações e pode, em princípio, ser demonstrada através de fundamentos ou argumentos apresentados por um recorrente para contestar o mérito da decisão de não levantar objeções, ainda que o exame destes fundamentos ou argumentos não leve à conclusão de que as apreciações da Comissão quanto à materialidade dos factos padecem de um erro de direito ou de facto (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2009, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão, C‑431/07 P, EU:C:2009:223, n.os 63 e 66 e jurisprudência referida).

136

No caso em apreço, há que constatar que o quarto fundamento do recurso em primeira instância da Ryanair era relativo, em substância, ao caráter incompleto e insuficiente do exame efetuado pela Comissão no procedimento de investigação preliminar e à apreciação diferente da compatibilidade da medida em causa a que a Comissão teria chegado no termo de um procedimento formal de investigação. Ora, resulta também deste recurso que, em apoio deste fundamento, a recorrente, no essencial, retomou de forma condensada argumentos desenvolvidos no âmbito dos três primeiros fundamentos do referido recurso, relativos ao mérito da decisão controvertida, ou remeteu diretamente para estes argumentos.

137

Nestas condições, foi de forma juridicamente bastante que o Tribunal Geral considerou, no n.o 87 do acórdão recorrido, que o quarto fundamento do recurso em primeira instância «não [tinha] conteúdo autónomo» em relação aos três primeiros fundamentos do mesmo, no sentido de que, tendo examinado o mérito destes últimos fundamentos, incluindo os argumentos relativos ao caráter incompleto e insuficiente do exame efetuado pela Comissão, não estava obrigado a apreciar o mérito do quarto fundamento deste recurso em separado, tanto mais que, como o Tribunal Geral salientou, também com razão, neste número do acórdão recorrido, a Ryanair não tinha, através deste último fundamento, destacado elementos específicos suscetíveis de demonstrar a existência de eventuais «dificuldades sérias» encontradas pela Comissão para apreciar a compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

138

Daqui resulta que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 88 deste acórdão, que não era necessário examinar o mérito do quarto fundamento do recurso em primeira instância, sem que fosse necessário examinar, por outro lado, se foi com razão que o Tribunal Geral declarou, no n.o 86 do acórdão recorrido, que este fundamento tinha caráter subsidiário e que estava privado da sua finalidade declarada.

139

Além disso, há que constatar que a Ryanair não apresentou nenhum argumento suscetível de demonstrar que o Tribunal Geral desvirtuou elementos de prova, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 55 do presente acórdão, no âmbito da sua análise do quarto fundamento do recurso em primeira instância.

140

Resulta do que precede que o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao sexto fundamento

Argumentos das partes

141

Com o seu sexto fundamento, a Ryanair acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito e uma manifesta desvirtuação dos factos, uma vez que declarou erradamente, nos n.os 89 a 101 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha violado o dever de fundamentação que lhe incumbe por força do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE.

142

Segundo a recorrente, o raciocínio do Tribunal Geral deixa entender que o contexto factual que conduziu à adoção da decisão controvertida, ou seja, a ocorrência da pandemia de COVID‑19 e o impacto que esta situação pode ter tido na qualidade de redação das decisões da Comissão, poderia desculpar a falta de certos elementos cruciais na fundamentação da decisão controvertida, apesar de estes serem necessários à recorrente para conhecer o raciocínio concreto subjacente às conclusões da Comissão. Tal interpretação laxista do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça, privaria o dever de fundamentação de qualquer sentido.

143

A Comissão e a República Francesa sustentam que o sexto fundamento do recurso deve ser julgado improcedente. O Reino da Dinamarca considera que este fundamento é inadmissível.

Apreciação do Tribunal de Justiça

144

Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato para permitir aos interessados conhecer as justificações da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 198 e jurisprudência referida).

145

Quando respeita, mais especificamente, como no caso em apreço, a uma decisão, em aplicação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, de não levantar objeções a uma medida de auxílio, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar que esta decisão, que é tomada em prazos curtos, deve apenas conter, como o Tribunal Geral também salientou corretamente no n.o 94 do acórdão recorrido, as razões pelas quais a Comissão considera não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno e que mesmo uma fundamentação sucinta desta decisão deve ser considerada suficiente face à exigência de fundamentação prevista no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, desde que revele de forma clara e inequívoca as razões pelas quais a Comissão considerou não estar em presença de tais dificuldades, sendo a questão do mérito desta fundamentação estranha a esta exigência (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 199 e jurisprudência referida).

146

É à luz destas exigências, recordadas com razão nos n.os 92 e 94 do acórdão recorrido, que há que examinar se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada.

147

A este respeito, uma vez que a Ryanair, por um lado, acusa o Tribunal Geral, em substância, de ter flexibilizado as exigências relativas ao dever de fundamentação à luz do contexto da pandemia de COVID‑19 em que a decisão controvertida tinha sido adotada, há que constatar que nada indica que, ao referir‑se, nos n.os 89 a 101 do acórdão recorrido, à crise ligada a esta pandemia, o Tribunal Geral tenha pretendido justificar com esta circunstância uma falta de fundamentação desta decisão.

148

Visto que a Ryanair refere, por outro lado, um certo número de elementos específicos sobre os quais a Comissão, em violação do dever de fundamentação que lhe incumbe, não se pronunciou ou não apreciou na decisão controvertida, tais como a conformidade da medida em causa com o princípio da igualdade de tratamento, com a liberdade de estabelecimento e com a livre prestação de serviços, a vantagem concorrencial concedida à SAS, o método de cálculo do dano e do montante do auxílio, as razões precisas pelas quais a SAS foi tratada na Dinamarca de forma diferente das outras companhias aéreas que operavam neste Estado‑Membro e que sofreram danos, há que observar que, nos n.os 95 a 100 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, ao examinar cada um destes elementos, considerou que estes não eram pertinentes para efeitos da decisão controvertida ou que, nesta decisão, era suficientemente feita referência a estes elementos para que o raciocínio da Comissão fosse entendido a este respeito.

149

Ora, não se afigura que, com estas apreciações, o Tribunal Geral ignorou as exigências de fundamentação de uma decisão da Comissão, em aplicação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, de não levantar objeções, conforme decorrem da jurisprudência recordada nos n.os 144 e 145 do presente acórdão, uma vez que esta fundamentação permite, no caso em apreço, à Ryanair conhecer as justificações desta decisão e ao juiz da União exercer a sua fiscalização a este respeito, como resulta, aliás, do acórdão recorrido.

150

Além disso, na medida em que a argumentação apresentada no âmbito do sexto fundamento visa, na realidade, demonstrar que a decisão controvertida foi adotada com base numa apreciação insuficiente ou juridicamente errada da Comissão, esta argumentação, relativa ao mérito desta decisão e não à exigência de fundamentação enquanto formalidade essencial, deve ser julgada improcedente à luz da jurisprudência recordada no n.o 145 do presente acórdão.

151

Resulta do que precede que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar, no n.o 101 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada.

152

Por último, há que constatar que a Ryanair não apresentou nenhum argumento suscetível de demonstrar que o Tribunal Geral desvirtuou elementos de facto, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 58 do presente acórdão, ao examinar o quinto fundamento do recurso em primeira instância.

153

Por conseguinte, o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

154

Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pela recorrente foi julgado procedente, há que negar provimento ao recurso na íntegra.

Quanto às despesas

155

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

156

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do seu 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e tendo a Comissão e a SAS pedido a sua condenação nas despesas, há que condená‑la a suportar a totalidade das despesas relativas ao presente recurso.

157

Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República Francesa e o Reino da Dinamarca, intervenientes no âmbito do recurso em primeira instância e que participaram no processo no Tribunal de Justiça, suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Ryanair DAC suporta, além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão Europeia e a SAS AB.

 

3)

A República Francesa e o Reino da Dinamarca suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.