ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

20 de abril de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 655/2014 — Procedimento de decisão europeia de arresto de contas — Condições de concessão dessa decisão — Artigo 4.o — Conceito de “decisão judicial” — Artigo 7.o — Conceito de “decisão judicial que exige que o devedor pague o crédito ao credor” — Decisão judicial que condena o devedor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por violação de uma ordem de cessação — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 55.o — Âmbito de aplicação»

No processo C‑291/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo juge des saisies du tribunal de première instance de Liège (Juízo de Execução do Tribunal de Primeira Instância de Liège, Bélgica), por Decisão de 6 de maio de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de maio de 2021, no processo instaurado por

Starkinvest SRL,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, M. L. Arastey Sahún, F. Biltgen (relator), N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: C. Di Bella, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 16 de junho de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Starkinvest SRL, por V. Lamberts e A. Palmisano, avocats,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs, C. Pochet e M. Van Regemorter, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por S. Noë e W. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de outubro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o e do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial (JO 2014, L 189, p. 59), e do artigo 55.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado pela Starkinvest SRL que se destina a dar execução, através de uma decisão europeia de arresto de contas bancárias (a seguir «decisão de arresto»), a uma decisão judicial que determina que seja paga uma sanção pecuniária compulsória no caso de vir a ser violada a ordem de cessação decretada contra a Soft Paris EURL e a Soft Paris Parties LTD.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1215/2012

3

Nos termos do artigo 39.o do Regulamento n.o 1215/2012:

«Uma decisão proferida num Estado‑Membro que aí tenha força executória pode ser executada noutro Estado‑Membro sem que seja necessária qualquer declaração de executoriedade.»

4

O artigo 55.o deste regulamento dispõe:

«Uma decisão proferida num Estado‑Membro que condene em sanção pecuniária compulsória só é executória no Estado‑Membro requerido se o montante do pagamento tiver sido definitivamente fixado pelo tribunal de origem.»

Regulamento n.o 655/2014

5

Os considerandos 12 e 14 do Regulamento n.o 655/2014 enunciam:

«(12)

A decisão de arresto deverá poder ser utilizada para efeito de garantir créditos já vencidos. Deverá também poder ser utilizada para créditos ainda não vencidos, desde que decorram de uma transação ou de um evento já ocorrido e que o seu montante possa ser determinado, incluindo as ações em matéria extracontratual e as ações cíveis de indemnização ou restituição fundadas em infração penal.

[…]

(14)

As condições de concessão da decisão de arresto deverão proporcionar um equilíbrio adequado entre o interesse do credor em obter uma decisão e o interesse do devedor em prevenir abusos da decisão.

Por conseguinte, quando o credor apresentar um pedido de decisão de arresto antes de obter uma decisão judicial, o tribunal ao qual é apresentado o pedido deverá certificar‑se, com base nos elementos de prova apresentados pelo credor, de que é provável que este obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor.

Além disso, o credor deverá ter a obrigação de, em todas as circunstâncias, mesmo quando já tiver obtido uma decisão judicial, demonstrar suficientemente ao tribunal que o seu crédito tem necessidade urgente de proteção judicial e que, sem a decisão, a execução da decisão judicial existente ou futura pode ser frustrada ou consideravelmente dificultada por existir um risco real de que, na altura em que o credor vir esta decisão executada, o devedor possa ter delapidado, ocultado ou destruído os bens ou tê‑los alienado abaixo do seu valor, com uma amplitude inabitual ou de modo pouco habitual.

[…]»

6

O artigo 4.o deste regulamento, sob a epígrafe «Definições», prevê, nos seus pontos 5, 8 e 11:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

5)

“Crédito”, um crédito relativo ao pagamento de um determinado montante já vencido ou um crédito relativo ao pagamento de um montante determinável resultante de uma transação ou de um evento já ocorrido, desde que esse crédito possa ser submetido a um tribunal;

[…]

8)

“Decisão judicial”, qualquer decisão proferida por um tribunal dos Estados‑Membros, independentemente da designação que lhe for dada, incluindo uma decisão relativa à determinação das custas do processo pelo secretário do tribunal;

[…]

11)

“Estado‑Membro de origem”, o Estado‑Membro onde a decisão de arresto foi proferida.»

7

O artigo 5.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Acesso», tem a seguinte redação:

«O credor tem acesso à decisão de arresto nas seguintes situações:

a)

Antes de iniciar num Estado‑Membro o processo relativo ao mérito da causa contra o devedor, ou em qualquer fase desse processo até ser pronunciada a decisão judicial ou homologada ou celebrada uma transação judicial;

b)

Depois de ter obtido num Estado‑Membro uma decisão judicial, uma transação judicial ou um instrumento autêntico que exija ao devedor o pagamento do crédito.»

8

O artigo 6.o, n.o 3, do mesmo regulamento dispõe:

«Caso o credor já tenha obtido uma decisão judicial ou uma transação judicial, são competentes para proferir uma decisão de arresto para o crédito especificado na decisão judicial ou na transação judicial os tribunais dos Estados‑Membros em que a decisão judicial foi proferida ou em que a transação judicial foi homologada ou celebrada.»

9

O artigo 7.o do Regulamento n.o 655/2014, sob a epígrafe «Condições de concessão de uma decisão de arresto», prevê:

«1.   O tribunal profere a decisão de arresto quando o credor tiver apresentado elementos de prova suficientes para o convencer de que há necessidade urgente de uma medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, porque existe um risco real de que, sem tal medida, a execução subsequente do crédito do credor contra o devedor seja frustrada ou consideravelmente dificultada.

2.   Caso não tenha ainda obtido num Estado‑Membro uma decisão judicial, uma transação judicial ou um instrumento autêntico que exija que o devedor lhe pague o crédito, o credor apresenta também elementos de prova suficientes para convencer o tribunal de que é provável que obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor.»

10

Nos termos do artigo 8.o, n.o 2, alínea g), ii), daquele regulamento:

«O pedido [de decisão de arresto] inclui as informações seguintes:

[…]

g)

O montante para o qual é requerida a decisão de arresto:

[…]

ii)

caso o credor já tenha obtido uma decisão judicial, uma transação judicial ou um instrumento autêntico, o montante do capital em dívida conforme especificado na decisão judicial, na transação judicial ou no instrumento autêntico ou de parte dele e de eventuais juros e despesas legais nos termos do artigo 15.o»

11

O artigo 17.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe:

«O tribunal ao qual tiver sido apresentado um pedido de decisão de arresto verifica se estão reunidos os requisitos e as condições estabelecidas no presente regulamento.»

12

Nos termos do artigo 48.o, alínea b), do mesmo regulamento, este último não prejudica o Regulamento n.o 1215/2012.

Direito belga

13

Através da loi du 31 janvier 1980 (Lei de 31 de janeiro de 1980) (Moniteur belge de 20 de fevereiro de 1980, p. 2181), o legislador belga aprovou a Convention Benelux portant loi uniforme relative à l’astreinte, et de l’Annexe (loi uniforme relative à l’astreinte) [Convenção Benelux respeitante à Lei Uniforme sobre as Sanções Pecuniárias Compulsórias, e ao Anexo (Lei Uniforme sobre as Sanções Pecuniárias Compulsórias)], assinados em Haia, em 26 de novembro de 1973. Desde então, a sanção pecuniária compulsória passou a estar regulada nos artigos 1385.o bis a 1385.o nonies do code judiciaire (a seguir «Código de Processo Civil»).

14

Nos termos do artigo 1385.o bis deste código:

«O tribunal pode, a pedido de uma parte, condenar a outra parte, no caso de a condenação principal não vir a ser cumprida […], no pagamento de uma quantia em dinheiro, denominada sanção pecuniária compulsória, o que não prejudica a concessão de uma indemnização, se for caso disso […].»

15

O artigo 1385.o‑B do referido código dispõe:

«O tribunal pode fixar um valor único a título da sanção pecuniária compulsória ou um valor determinado por unidade de tempo ou por contravenção. Nestes dois últimos casos, o tribunal pode também fixar um montante para além do qual a sanção pecuniária compulsória deixa de produzir efeitos.»

16

O artigo 1385.o‑C do mesmo código prevê:

«Uma vez decretada, a sanção pecuniária compulsória é devida integralmente à parte que a requereu. Esta parte pode requerer judicialmente a sua cobrança nos termos da própria decisão que a prevê.»

17

O artigo 1498.o do Código de Processo Civil prevê:

«Em caso de dificuldade de execução, as partes interessadas podem recorrer ao juízo de execução, sem que, no entanto, o exercício dessa ação tenha efeito suspensivo. O juiz de execução decreta, se for caso disso, o levantamento do arresto.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

Por Sentença do tribunal de commerce de Liège (Tribunal de Comércio de Liège, Bélgica) de 3 de setembro de 2013, confirmada por Acórdão da cour d’appel de Liège (Tribunal de Recurso de Liège, Bélgica) de 6 de janeiro de 2015, a Soft Paris e a Soft Paris Parties foram condenadas, sob pena do pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 2500 euros por cada infração, nomeadamente, a cessar a comercialização no território do Benelux dos seus produtos e serviços que ostentem a marca nominativa SOFT PARIS.

19

Em 27 de abril de 2021, a Starkinvest requereu que fosse emitida uma ordem de pagamento no valor de 86694,22 euros, dos quais 85000 euros correspondiam a uma sanção pecuniária compulsória respeitante ao período entre 24 de março e 27 de abril de 2021.

20

Por requerimento apresentado em 3 de maio de 2021 na Secretaria do tribunal de première instance de Liège (Tribunal de Primeira Instância de Liège, Bélgica), a Starkinvest pediu que fosse realizado um arresto cautelar europeu de conta bancária, no montante de 85000 euros, sobre todas as quantias que potencialmente se encontrassem nas contas bancárias francesas da Soft Paris Parties, sociedade que tem sede social na Irlanda.

21

No âmbito da análise das condições de concessão de uma decisão de arresto dessas contas bancárias, o juge des saisies du tribunal de première instance de Liège (Juízo de Execução do Tribunal de Primeira Instância de Liège, Bélgica), que é o órgão jurisdicional de reenvio, considerou que o artigo 7.o do Regulamento n.o 655/2014 estabelece um regime que procede a uma distinção entre duas hipóteses, sendo que na primeira hipótese o credor já dispõe de um título executivo e está assim dispensado de justificar o mérito do seu crédito e na segunda hipótese o credor não dispõe de semelhante título, pelo que tem de apresentar elementos de prova que demonstrem que é provável que obterá ganho de causa no processo principal contra o devedor.

22

Daqui resulta, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, que o exame que este último tem de realizar no caso concreto depende da questão de saber se a Starkinvest pode invocar o Acórdão da cour d’appel de Liège (Tribunal de Recurso de Liège) de 6 de janeiro de 2015 como título executivo, ou seja, se este acórdão é uma decisão judicial «que exi[ge] que o devedor [pague] o crédito», na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 655/2014.

23

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que aquele acórdão, que condena a Starkinvest no pagamento de sanções pecuniárias compulsórias em caso de incumprimento da ordem de cessação, não indica o montante exato das sanções pecuniárias compulsórias, dado que o mesmo, por definição, não é conhecido no dia em que essa decisão é proferida. Todavia, o direito belga não exige que o montante das sanções pecuniárias compulsórias seja liquidado antes do arresto porque a decisão que determina o pagamento de sanções pecuniárias compulsórias é executória e é notificada. O juiz competente só se pronuncia sobre esta questão no âmbito de um processo de oposição ao arresto.

24

Ora, uma vez que o artigo 4.o do Regulamento n.o 655/2014 define «crédito» como «um crédito relativo ao pagamento de um determinado montante já vencido ou um crédito relativo ao pagamento de um montante determinável resultante de uma transação ou de um evento já ocorrido, desde que esse crédito possa ser submetido a um tribunal», o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a questão de saber se se pode considerar que a sanção pecuniária compulsória, cuja causa e cujo montante de base estão definidos numa decisão judicial, embora o montante exigível varie em função de eventuais incumprimentos futuros do devedor, constitui um crédito, na aceção desta disposição.

25

O órgão jurisdicional de reenvio indica, em substância, que, em caso de resposta positiva, a decisão que decreta uma sanção pecuniária compulsória pode ser considerada uma decisão «que exi[ge] que o devedor [pague] o crédito», na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 655/2014, o que privará totalmente o tribunal do Estado‑Membro de origem, ao qual foi submetido um pedido de concessão de uma decisão de arresto, de poderes para controlar a aparência do crédito invocado. No entanto, semelhante controlo permitirá que o referido tribunal verifique se é efetivamente devida a sanção pecuniária compulsória a respeito da qual se pede a concessão de uma decisão de arresto, se não são aplicáveis regras de prescrição e se foram efetivamente respeitadas todas as regras processuais, incluindo as relativas ao caráter informativo da notificação da sanção pecuniária compulsória decretada.

26

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se há que tomar em consideração o artigo 55.o do Regulamento n.o 1215/2012 na interpretação que deverá efetuar, uma vez que este artigo dispõe que uma decisão que condene em sanção pecuniária compulsória proferida num Estado‑Membro só é executória no Estado‑Membro requerido se o montante do pagamento tiver sido definitivamente fixado pelo tribunal de origem.

27

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a questão de saber se, admitindo que uma decisão judicial que decreta uma sanção pecuniária compulsória deve ser qualificada de decisão «que exi[ge] que o devedor [pague] o crédito», na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 655/2014, e que a existência deste título executivo priva o juiz competente para autorizar ou não o arresto cautelar europeu do seu poder de apreciar a aparência de um crédito, o montante da sanção pecuniária compulsória deve ser liquidado previamente.

28

Foi nestas condições que o juge des saisies du tribunal de première instance de Liège (Juízo de Execução do Tribunal de Primeira Instância de Liège) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Uma decisão judicial notificada, que condena uma parte no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória em caso de violação de uma ordem de cessação, constitui uma decisão que exige ao devedor o pagamento do crédito detido pelo credor, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do [Regulamento n.o 655/2014]?

2)

Deve uma decisão judicial que condena uma parte no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, embora executória no país de origem, ser abrangida pelo conceito de “[d]ecisão judicial” na aceção do artigo 4.o do [Regulamento n.o 655/2014], apesar de não ter sido objeto de liquidação em conformidade com o artigo 55.o do [Regulamento n.o 1215/2012]?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

29

O órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que submetesse o presente processo a tramitação acelerada em aplicação do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

30

Em apoio do seu pedido, invocou a natureza do pedido de concessão de uma decisão de arresto que lhe foi submetido e o facto de o processo principal estar suspenso enquanto se aguarda pela interpretação a fornecer pelo Tribunal de Justiça.

31

Resulta do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação das disposições do referido Regulamento de Processo.

32

No caso em apreço, em 14 de junho de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferir o pedido de tramitação acelerada uma vez que os fundamentos invocados pelo juiz de reenvio não eram suscetíveis de comprovar que os requisitos definidos no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo estavam preenchidos no âmbito do presente processo.

33

Com efeito, a tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia, C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 37 e jurisprudência referida). O mero interesse dos particulares, certamente legítimo, em determinar o mais rapidamente possível o alcance dos direitos que lhes são conferidos pelo direito da União ou de meros interesses económicos, por mais importantes e legítimos que sejam, não são em si mesmos suficientes para justificar o recurso à tramitação acelerada (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Energieversorgungscenter Dresden‑Wilschdorf, C‑938/19, EU:C:2021:908, n.os 43 e 45 e jurisprudência referida).

Quanto às questões prejudiciais

34

Através das suas duas questões prejudiciais, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 655/2014 deve ser interpretado no sentido de que uma decisão judicial que condena um devedor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória em caso de violação futura de uma ordem de cessação e que por conseguinte não fixa definitivamente o montante dessa sanção pecuniária compulsória constitui uma decisão judicial que exige que o referido devedor pague o crédito ao credor, na aceção desta disposição, pelo que o credor que pede a concessão de uma decisão de arresto está dispensado da obrigação de apresentar os elementos de prova suficientes para convencer esse tribunal de que é provável que obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor.

35

A este respeito, importa recordar que em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 655/2014, o tribunal ao qual tiver sido apresentado um pedido de decisão de arresto verifica se estão reunidos os requisitos e as condições estabelecidos neste regulamento.

36

As condições de concessão de uma decisão de arresto estão enunciadas no artigo 7.o do Regulamento n.o 655/2014. O n.o 1 deste artigo, lido à luz do seu n.o 2, prevê, em substância, que o tribunal ao qual tiver sido apresentado um pedido profere uma decisão de arresto se o credor, que obteve uma decisão judicial, uma transação judicial ou um instrumento autêntico que exija que o devedor lhe pague o seu crédito, apresentar elementos de prova suficientes para demonstrar a necessidade urgente de uma medida cautelar. Se o credor ainda não tiver obtido semelhante decisão judicial, transação ou instrumento, deve, em conformidade com o n.o 2 do referido artigo, apresentar elementos de prova suficientes não apenas a respeito da urgência da medida requerida, mas também da probabilidade de vir a obter ganho de causa no processo principal contra o devedor.

37

Além disso, importa salientar que os termos «decisão judicial» e «crédito», utilizados no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 655/2014, estão respetivamente definidos nos pontos 5 e 8 do artigo 4.o deste regulamento.

38

O artigo 4.o, ponto 5, do Regulamento n.o 655/2014 define o termo «crédito» como «um crédito relativo ao pagamento de um determinado montante já vencido ou um crédito relativo ao pagamento de um montante determinável resultante de uma transação ou de um evento já ocorrido, desde que esse crédito possa ser submetido a um tribunal».

39

Assim, embora seja possível recorrer a uma decisão de arresto para garantir o cumprimento de créditos já vencidos, isto também deve suceder relativamente a créditos ainda não vencidos, desde que estes resultem de uma transação ou de um evento já ocorrido e que o respetivo montante possa ser determinado no momento em que são submetidos a um tribunal para efeitos de concessão da referida decisão.

40

A título dos créditos ainda não vencidos, referidos no artigo 4.o, ponto 5, do Regulamento n.o 655/2014, figuram, conforme exposto no considerando 12 deste regulamento, aqueles que dizem respeito a ações em matéria extracontratual e a ações cíveis de indemnização ou restituição fundadas em infração penal, hipóteses nas quais, no entanto, o crédito em relação ao qual foi adotada a decisão judicial que decreta uma sanção pecuniária compulsória em causa no processo principal não se enquadra.

41

Com efeito, como o advogado‑geral salientou nos n.os 65 e 66 das suas conclusões, a transação ou o evento que esteja na origem do crédito ainda não vencido, referido no artigo 4.o, ponto 5, do Regulamento n.o 655/2014, deve anteceder a adoção da decisão judicial que exige que o devedor pague o crédito ao credor, mencionada no artigo 7.o, n.o 2, deste regulamento, o que manifestamente não é o que sucede no presente caso, uma vez que o incumprimento da ordem de cessação que é suscetível de dar lugar ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória só pode ocorrer depois de ser adotada a decisão judicial que decreta a referida sanção.

42

O termo «decisão judicial», que está definido no artigo 4.o, ponto 8, do Regulamento n.o 655/2014 como «qualquer decisão proferida por um tribunal dos Estados‑Membros, independentemente da designação que lhe for dada», deve ser interpretado no sentido de que esta decisão deve ter caráter executório [v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, K.H.K. (Arresto de contas), C‑555/18, EU:C:2019:937, n.o 44].

43

Tendo em conta o que precede, a expressão «decisão judicial […] que exija que o devedor [pague] o crédito», utilizada no artigo 7.o do Regulamento n.o 655/2014, deve ser entendida como uma decisão executória que condena o devedor no pagamento de um montante determinado ou determinável no momento em que essa decisão é adotada.

44

Ora, como o advogado‑geral destacou, em substância, nos n.os 62, 63 e 73 das suas conclusões, embora uma decisão judicial que fixa um montante de base para a sanção pecuniária compulsória em caso de violação de uma ordem de cessação, admitindo que esta decisão é executória, comporte, efetivamente, uma condenação num montante teoricamente determinável, dessa decisão não pode, todavia, constar o montante exato do crédito a cobrar porque este montante depende de eventos futuros e que por conseguinte não são conhecidos na data da adoção da decisão judicial que decreta essa sanção pecuniária compulsória.

45

Com efeito, a expressão «decisão judicial […] que exija que o devedor [pague] o crédito», utilizada no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 655/2014, deve ser lida no seu contexto, e tomando em consideração as disposições que precedem este artigo 7.o, n.o 2, bem como as que lhe seguem.

46

Assim, o artigo 6.o do Regulamento n.o 655/2014 prevê expressamente, no seu n.o 3, que quando o credor já tiver obtido uma decisão judicial, os tribunais do Estado‑Membro no qual a decisão judicial foi proferida são competentes «para proferir uma decisão de arresto para o crédito especificado na decisão judicial».

47

Do mesmo modo, em conformidade com o disposto no artigo 8.o, n.o 2, alínea g), ii), do Regulamento n.o 655/2014, o credor pode requerer que seja emitida uma decisão de arresto para «o montante do capital em dívida conforme especificado na decisão judicial […] ou [em relação a] parte dele».

48

Consequentemente, uma vez que uma decisão judicial que condena uma parte no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória em caso de violação futura de uma ordem de cessação não contém o montante exato do crédito a cobrar, essa decisão judicial não pode constituir uma «decisão judicial […] que exija que o devedor [pague] o crédito», na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 655/2014, que dispensa o credor de apresentar os elementos de prova suficientes para convencer o tribunal ao qual foi submetido um pedido de concessão dessa decisão de que é provável que obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor.

49

Esta interpretação é corroborada pelos objetivos do Regulamento n.o 655/2014, que tem por objetivo instituir um procedimento na União Europeia, em alternativa às medidas de arresto previstas no direito nacional, que permita, juntamente com disposições vinculativas e diretamente aplicáveis, proceder ao arresto de forma eficiente e rápida dos fundos detidos em contas bancárias [v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, K.H.K. (Arresto de contas), C‑555/18, EU:C:2019:937, n.os 31 e 32].

50

Com efeito, o artigo 7.o do Regulamento n.o 655/2014, lido em conjugação com o seu considerando 14, visa estabelecer um equilíbrio adequado entre os interesses do credor e os do devedor, na medida em que prevê condições diferentes para a concessão da decisão de arresto consoante o credor já tenha ou não obtido, num Estado‑Membro, um título que exija ao devedor o pagamento do crédito. Em especial, no primeiro caso, o credor só tem de demonstrar o caráter urgente da medida devido à existência de um perigo iminente, ao passo que, no segundo caso, deve igualmente convencer o órgão jurisdicional do fumus boni iuris [v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, K.H.K. (Arresto de contas), C‑555/18, EU:C:2019:937, n.o 40].

51

Conforme o sublinhou nos n.os 75 e seguintes das suas conclusões, uma interpretação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 655/2014, segundo a qual uma condenação no pagamento de um montante teoricamente determinável, mas cuja quantia exata permanece incerta, que constitua uma «decisão judicial […] que exija que o devedor [pague] o crédito», na aceção da referida disposição, é suscetível de prejudicar o equilíbrio referido no n.o 50 do presente acórdão, que consiste em ponderar, como resulta do considerando 14 deste regulamento, o interesse do credor, que pretende que seja emitida a seu favor uma decisão de arresto, e o interesse do devedor, que pretende evitar utilizações abusivas dessa decisão.

52

Por conseguinte, a exigência de que o montante exato do crédito a cobrar já esteja determinado e, por conseguinte, que a sanção pecuniária compulsória tenha sido liquidada antes de a decisão de arresto ser notificada justifica‑se pelo respeito do justo equilíbrio a preservar entre os interesses do credor e os interesses do devedor.

53

A este respeito, há que recordar que o direito belga, que aplica, em matéria de sanções pecuniárias compulsórias, disposições adotadas na sequência da aprovação da Convenção Benelux respeitante à Lei Uniforme sobre as Sanções Pecuniárias Compulsórias, assinada em Haia, em 26 de novembro de 1973, é diferente das regras que vigoram nos restantes Estados‑Membros.

54

Para resolver as dificuldades que poderiam ter resultado das divergências entre as legislações dos Estados‑Membros sobre esta questão, foi inserida uma disposição especial no artigo 43.o da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), segundo a qual as «decisões estrangeiras que condenem em adstrições serão executórias no Estado[‑Membro] requerido se o respetivo montante tiver sido definitivamente fixado pelos tribunais do Estado[‑Membro] de origem». Esta regra foi retomada nos mesmos termos no artigo 49.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), e, em substância, encontra‑se atualmente no artigo 55.o do Regulamento n.o 1215/2012 (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Bohez, C‑4/14, EU:C:2015:563, n.o 56).

55

Embora o Regulamento n.o 655/2014 não contenha uma regra equivalente a respeito da sanção pecuniária compulsória, daqui não se pode deduzir que a intenção do legislador da União tenha sido a de excluir a sanção pecuniária compulsória do âmbito de aplicação deste regulamento. Com efeito, o artigo 48.o, alínea b), do referido regulamento prevê que este não prejudica o Regulamento n.o 1215/2012. Além disso, a exigência de que o montante exato do crédito a cobrar esteja especificado e que a sanção pecuniária compulsória seja previamente liquidada enquadra‑se não apenas no objetivo de eficácia prosseguido pelo Regulamento n.o 655/2014, conciliando‑se também com a ponderação dos interesses efetuada por este último (v., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Bohez, C‑4/14, EU:C:2015:563, n.os 46 e 57).

56

Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 655/2014 deve ser interpretado no sentido de que uma decisão judicial que condena um devedor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória em caso de violação futura de uma ordem de cessação e que por conseguinte não fixa definitivamente o montante dessa sanção pecuniária compulsória não constitui uma decisão judicial que exige que o devedor pague o crédito ao credor, na aceção desta disposição, pelo que o credor que pede a concessão de uma decisão de arresto não está dispensado da obrigação de apresentar os elementos de prova suficientes para convencer o tribunal ao qual foi submetido um pedido de concessão dessa decisão de que é provável que obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor.

Quanto às despesas

57

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

uma decisão judicial que condena um devedor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória em caso de violação futura de uma ordem de cessação e que por conseguinte não fixa definitivamente o montante dessa sanção pecuniária compulsória não constitui uma decisão judicial que exige que o devedor pague o crédito ao credor, na aceção desta disposição, pelo que o credor que pede a concessão de uma decisão europeia de arresto contas bancárias não está dispensado da obrigação de apresentar os elementos de prova suficientes para convencer o tribunal ao qual foi submetido um pedido de concessão dessa decisão de que é provável que obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.