ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

16 de junho de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Rede transeuropeia de transportes — Regulamento (UE) n.o 1315/2013 — Artigo 15.o, n.o 1 — Infraestruturas de transporte por vias navegáveis — Portos das vias navegáveis interiores — Obrigação de um Estado‑Membro de ligar os portos das vias navegáveis interiores às infraestruturas de transporte rodoviário ou de transporte ferroviário — Supressão da ligação a um desses dois tipos de infraestruturas de transporte — Requisitos»

No processo C‑229/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica), por Decisão de 23 de março de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de abril de 2021, no processo

Port de Bruxelles SA,

Région de Bruxelles‑Capitale

contra

Infrabel SA,

sendo intervenientes:

FIF‑FSI (Fonds d’Infrastructure Ferroviaire) SA,

État belge,

Région de Bruxelles‑Capitale,

Port de Bruxelles SA,

Lineas SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, I. Jarukaitis, M. Ilešič, D. Gratsias (relator) e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: C. Di Bella, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 19 de janeiro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Port de Bruxelas SA, por B. De Beys e L. Depré, avocats,

em representação da Région de Bruxelles‑Capitale, por B. Cambier e T. Cambier, avocats,

em representação da Infrabel SA, por M. Baetens‑Spetschinsky e P.‑M. Louis, avocats,

em representação do Governo belga, por S. Baeyens, P. Cottin e C. Pochet, na qualidade de agentes, assistidos por T. Eyskens, P. J. Geysens e A. Vandeburie, avocats,

em representação da Comissão Europeia, por S. L. Kalėda, C. Vrignon e G. Wilms, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 31 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1315/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo às orientações da União para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes e que revoga a Decisão n.o 661/2010/UE (JO 2013, L 348, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de dois litígios que opõem, o primeiro, a Port de Bruxelles SA à Infrabel SA, gestor da infraestrutura ferroviária na Bélgica, e, o segundo, a Région de Bruxelles‑Capitale (Região de Bruxelas Capital, Bélgica) à Infrabel, a respeito de um pedido apresentado pela Port de Bruxelles SA no sentido de ordenar à Infrabel que mantenha em perfeito estado de funcionamento a única via de acesso ferroviário do porto de Bruxelas (Bélgica) à rede ferroviária belga.

Quadro jurídico

3

Os considerandos 7, 8 e 31 do Regulamento n.o 1315/2013 enunciam:

«(7)

A rede transeuropeia de transportes é composta, em grande medida, pela infraestrutura existente. Para atingir plenamente os objetivos da nova política para as redes transeuropeias de transportes, é necessário estabelecer num regulamento requisitos uniformes para a infraestrutura, que deverão ser cumpridos por todas as infraestruturas da rede transeuropeia de transportes.

(8)

A rede transeuropeia de transportes deverá ser desenvolvida através da construção de novas infraestruturas de transporte, da reabilitação e modernização das infraestruturas existentes e da adoção de medidas que promovam a sua utilização eficiente em termos de recursos. Em casos específicos, devido à falta de manutenção periódica no passado, é necessário reabilitar a infraestrutura ferroviária. A reabilitação é um processo que leva à reposição dos parâmetros de construção originais da infraestrutura ferroviária existente, combinada com a melhoria da sua qualidade a longo prazo comparada com o seu estado atual, de acordo com a aplicação dos requisitos e disposições do presente regulamento.

[…]

(31)

Graças à sua grande dimensão, a rede transeuropeia de transportes deverá servir de base para a implantação em larga escala das novas tecnologias e da inovação, as quais podem, nomeadamente, ajudar a aumentar a eficiência global do setor europeu de transportes e reduzir a sua pegada de carbono. Tal contribuirá para atingir os objetivos da Estratégia Europa 2020 e a meta do Livro Branco [da Comissão Europeia, de 1 de julho de 2011, intitulado “Roteiro do espaço único europeu dos transportes — Rumo a um sistema de transportes competitivo e económico em recursos” (COM(2011) 144 final/2)] de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 60 % até 2050 (com base nos níveis de 1990) e, simultaneamente, para alcançar o objetivo de aumentar a segurança dos combustíveis na União. […]»

4

O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Objeto», prevê, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   O presente regulamento estabelece orientações para o desenvolvimento de uma rede transeuropeia de transportes estruturada em dois níveis: a rede global e, com base nesta, a rede principal.

2.   O presente regulamento identifica projetos de interesse comum e especifica os requisitos a cumprir na gestão da infraestrutura da rede transeuropeia de transportes.

3.   O presente regulamento estabelece as prioridades para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes.»

5

O artigo 2.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.   O presente regulamento é aplicável às redes transeuropeias de transportes ilustrada nos mapas contidos no anexo I. […]

2.   A infraestrutura da rede transeuropeia de transportes é composta pelas infraestruturas de transporte ferroviário, de transporte das vias navegáveis interiores, de transporte rodoviário, de transporte marítimo, de transporte aéreo e de transporte multimodal, tal como determinado nas secções relevantes do capítulo II.»

6

O artigo 3.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

“Projeto de interesse comum”, um projeto realizado de acordo com os requisitos e nos termos das disposições do presente regulamento;

[…]

n)

“Transporte multimodal”, o transporte de passageiros e/ou de mercadorias que utiliza dois ou mais modos de transporte;

[…]

p)

“Nó urbano”, uma área urbana em que a infraestrutura de transportes da rede transeuropeia de transportes, nomeadamente portos, incluindo terminais de passageiros, aeroportos, estações de caminhos de ferro, plataformas logísticas e terminais de mercadorias localizados numa área urbana ou perto dela, está interligada com outras partes dessa infraestrutura e com as infraestruturas do tráfego regional e local;

[…]

s)

“Terminal de mercadorias”, uma estrutura equipada para o transbordo entre pelo menos dois modos de transporte, ou entre dois sistemas ferroviários diferentes, e para o armazenamento temporário de mercadorias. Inclui, nomeadamente, os portos marítimos e das vias navegáveis interiores, os aeroportos e os terminais rodoferroviários;

[…]»

7

O artigo 4.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Objetivos da rede transeuropeia de transportes», prevê:

«A rede transeuropeia de transportes deve reforçar a coesão social, económica e territorial da União e contribuir para a criação de um espaço único europeu dos transportes eficiente e sustentável, que proporcione mais benefícios aos seus utilizadores e que apoie o crescimento inclusivo. A rede transeuropeia de transportes deve demonstrar possuir valor acrescentado europeu através da sua contribuição para os objetivos previstos nas seguintes quatro categorias:

[…]

b) Eficiência, mediante:

[…]

iii)

a integração e interligação otimizadas de todos os modos de transporte;

[…]

v)

a utilização eficiente das infraestruturas novas e existentes;

[…]

c) Sustentabilidade, mediante:

[…]

ii)

a contribuição para os objetivos consistentes em assegurar transportes com baixas emissões de gases com efeito de estufa, baixo teor de carbono e não poluentes, a segurança dos combustíveis, a redução dos custos externos e a proteção ambiental;

iii)

a promoção dos transportes com baixo teor de carbono, a fim de alcançar até 2050 uma redução significativa das emissões de CO2, de acordo com as metas relevantes da União em matéria de redução de CO2;

[…]»

8

O artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Rede eficiente em termos de recursos», dispõe, no seu n.o 1:

«A rede transeuropeia de transportes deve ser planeada, desenvolvida e explorada de um modo eficiente em termos de recursos, mediante:

a)

O desenvolvimento, a melhoria e a manutenção das infraestruturas de transporte existentes;

b)

A otimização da integração e interligação das infraestruturas;

[…]»

9

O artigo 6.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Estrutura dupla da rede transeuropeia de transportes», tem a seguinte redação:

«1.   O desenvolvimento gradual da rede transeuropeia de transportes deve ser alcançado, em especial, através da implantação de uma rede de estrutura dupla, com uma abordagem metodológica coerente e transparente, composta por uma rede global e uma rede principal.

2.   A rede global é composta por todas as infraestruturas de transporte existentes e planeadas da rede transeuropeia de transportes, bem como por medidas destinadas a promover uma utilização eficiente e sustentável, do ponto de vista social e ambiental, dessa mesma infraestrutura. A rede global deve ser identificada e desenvolvida em conformidade com o capítulo II.

3.   A rede principal é composta pelas partes da rede global estrategicamente mais importantes para atingir os objetivos de desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes. A rede principal deve ser identificada e desenvolvida em conformidade com o capítulo III.»

10

O capítulo II do Regulamento n.o 1315/2013, intitulado «Rede global», inclui os artigos 9.o a 37.o O artigo 9.o deste regulamento, sob a epígrafe «Disposições gerais», enuncia, no seu n.o 1:

«A rede global deve:

[…]

c)

Cumprir os requisitos aplicáveis às infraestruturas de transportes estabelecidos no presente capítulo;

[…]»

11

O artigo 10.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Prioridades gerais», prevê, no seu n.o 1:

«No desenvolvimento da rede global, deve ser dada prioridade geral às medidas necessárias para:

[…]

b)

Assegurar uma integração otimizada dos modos de transporte e a interoperabilidade entre eles;

[…]»

12

O artigo 12.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Requisitos aplicáveis à infraestrutura de transporte», dispõe, no seu n.o 1:

«Os terminais de mercadorias devem estar ligados à infraestrutura rodoviária ou, se possível, à infraestrutura de transporte por vias navegáveis interiores da rede global.»

13

O artigo 13.o do Regulamento n.o 1315/2013, sob a epígrafe «Prioridades para o desenvolvimento das infraestruturas ferroviárias», tem a seguinte redação:

«Na promoção de projetos de interesse comum relacionados com a infraestrutura ferroviária, para além das prioridades gerais estabelecidas no artigo 10.o, deve ser dada prioridade aos seguintes aspetos:

[…]

f)

Se adequado, interligação da infraestrutura de transporte ferroviário com a infraestrutura dos portos das vias navegáveis interiores.»

14

O artigo 14.o deste regulamento, sob a epígrafe «Componentes de infraestruturas», prevê, no seu n.o 1:

«A infraestrutura das vias navegáveis interiores compreende, nomeadamente:

[…]

e)

Os portos das vias navegáveis interiores, incluindo a infraestrutura necessária para as operações de transporte no interior da zona portuária;

[…]»

15

O artigo 15.o, n.o 1, desse regulamento, sob a epígrafe «Requisitos aplicáveis à infraestrutura de transporte», dispõe:

«Os Estados‑Membros devem garantir que os portos das vias navegáveis interiores estejam ligados à infraestrutura rodoviária ou ferroviária.»

16

O artigo 16.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Prioridades para o desenvolvimento da infraestrutura de transportes por vias navegáveis interiores», tem a seguinte redação:

«Na promoção de projetos de interesse comum relacionados com as infraestruturas de transportes por vias navegáveis interiores, para além das prioridades gerais estabelecidas no artigo 10.o, deve ser dada prioridade aos seguintes aspetos:

[…]

d)

A interligação das infraestruturas portuárias de navegação interior às infraestruturas de transporte ferroviário de mercadorias e de transporte rodoviário;

[…]»

17

Nos termos do artigo 19.o do Regulamento n.o 1315/2013, sob a epígrafe «Prioridades para o desenvolvimento da infraestrutura rodoviária»:

«Na promoção de projetos de interesse comum relacionados com a infraestrutura rodoviária, para além das prioridades gerais estabelecidas no artigo 10.o, deve ser dada prioridade aos seguintes aspetos:

[…]

e) Atenuação do congestionamento da rede rodoviária existente.»

18

O artigo 28.o desse regulamento, sob a epígrafe «Requisitos aplicáveis à infraestrutura de transportes», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem garantir, de forma justa e não discriminatória, que:

a)

Os modos de transporte estejam interligados num dos seguintes locais: terminais de mercadorias, estações de passageiros, portos das vias navegáveis interiores, aeroportos e portos marítimos, de modo a permitir o transporte multimodal de passageiros e de mercadorias;

[…]»

19

O artigo 30.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Nós urbanos», prevê:

«No desenvolvimento da rede global a nível dos nós urbanos, os Estados‑Membros devem procurar assegurar, sempre que exequível:

a)

No caso do transporte de passageiros: a interligação entre as infraestruturas ferroviária, rodoviária, aérea e, conforme adequado, a infraestrutura das vias navegáveis interiores e a infraestrutura marítima da rede global;

b)

No caso do transporte de mercadorias: a interligação entre as infraestruturas ferroviária, rodoviária, e, conforme adequado, as infraestruturas das vias navegáveis interiores e as infraestruturas aérea e marítima da rede global;

[…]»

20

O artigo 38.o do Regulamento n.o 1315/2013, sob a epígrafe «Identificação da rede principal», enuncia, no seu n.o 1:

«A rede principal, ilustrada nos mapas contidos no anexo I, é constituída pelas partes da rede global que têm maior importância estratégica para a consecução dos objetivos da política de desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes, e deve refletir a evolução da procura de tráfego e as necessidades de transporte multimodal. […]»

21

Resulta dos anexos I e II deste regulamento que as infraestruturas portuárias do porto de Bruxelas se integram na rede principal, na aceção do artigo 6.o, n.os 1 e 3, deste regulamento.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

22

A Port de Bruxelles SA está encarregada da gestão, da exploração e do desenvolvimento do canal, do porto de Bruxelas (Bélgica), do anteporto, das instalações portuárias e das dependências destas na Région de Bruxelles‑Capitale (Região de Bruxelas Capital, Bélgica).

23

A Infrabel explora a rede ferroviária belga e é a proprietária das linhas férreas secundárias e dos ativos necessários ou úteis a essa exploração.

24

A FIF‑FSI (Fonds d’Infrastructure Ferroviaire) SA (a seguir «FIF») está encarregada da gestão e da valorização dos terrenos e de outras atividades comerciais no domínio do desenvolvimento, da compra e da venda, da gestão e do financiamento do imobiliário. A totalidade do seu capital é indiretamente detida pelo Estado belga.

25

Dois Decretos Reais de 14 de junho de 2004 (Moniteur belge de 14 de junho de 2004, p. 51971) e de 30 de dezembro de 2004 (Moniteur belge de 30 de dezembro de 2004, p. 87338) impõem à Infrabel que proceda, até 31 de dezembro de 2020, o mais tardar, ao desmantelamento das instalações ferroviárias situadas no local dito «Schaerbeek‑Formation» em Bruxelas e à sua recuperação, a fim de entregar esse local inteiramente desocupado à FIF. Esta última tinha direito a reclamar uma compensação financeira em caso de não realização desses trabalhos por parte da Infrabel nos prazos previstos. Entre as instalações a desmantelar figuram as que constituem a única ligação ferroviária das instalações portuárias do porto de Bruxelas à rede ferroviária belga (a seguir «ligação ferroviária em causa»).

26

Em 12 de outubro de 2018, a Port de Bruxelles SA intentou uma ação contra a Infrabel no tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), a fim de proibir esta última «de qualquer ato contrário às disposições do Regulamento n.o 1315/2013 […], incluindo proceder ao desmantelamento das construções e instalações a que se refere [esse regulamento] e, em particular, a ligação ferroviária [em causa]».

27

Em 30 de outubro de 2018, a Infrabel procedeu ao chamamento da FIF por intervenção provocada. O Estado belga interveio voluntariamente no processo em 13 de novembro de 2018, para que a decisão que vier a ser proferida lhe seja oponível. Posteriormente, a Région de Bruxelles‑Capitale (Região de Bruxelas Capital, Bélgica) e a Lineas SA também intervieram no processo em apoio da Port de Bruxelles SA.

28

Em 14 de março de 2019, a Port de Bruxelles SA pediu ao tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas), a título de medida provisória, que proibisse a Infrabel, enquanto se aguarda uma sentença definitiva sobre o mérito do litígio, de proceder, nomeadamente, à desativação e ao desmantelamento da ligação ferroviária em causa, e que a intimasse a mantê‑lo em perfeito estado de funcionamento. Por sua vez, a Infrabel pediu ao tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas), na hipótese de este deferir o pedido de medidas provisórias e de a Infrabel ser impedida de executar os trabalhos previstos pelo Decreto Real de 30 de dezembro de 2004, de proibir a FIF de lhe reclamar uma indemnização, até ser proferida decisão de mérito.

29

Em 5 de novembro de 2019, no decurso do processo, a FIF e a Infrabel celebraram um acordo mediante o qual, designadamente, adiaram para 30 de junho de 2021 a data em que o desmantelamento da ligação ferroviária em causa devia ter sido concluído.

30

Por Decisão de 20 de dezembro de 2019, o tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas) julgou a ação da Port de Bruxelles SA inadmissível, exceto na parte em que esta última invoca, em apoio dessa ação, a existência de uma servidão. Por outro lado, indeferiu o pedido de medidas provisórias da Port de Bruxelles SA, com o fundamento de que o compromisso assumido pela Infrabel no acordo celebrado com a FIF em 5 de novembro de 2019 bastava para regular provisoriamente a situação das partes.

31

A Port de Bruxelles SA e a Région de Bruxelles‑Capitale (Região de Bruxelas Capital, Bélgica) interpuseram, cada uma, recurso dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica), a qual, após ter declarado que nem a Port de Bruxelles SA nem a Région de Bruxelles‑Capitale (Região de Bruxelas Capital, Bélgica) tinham demandado o Estado belga e a FIF em recurso no cumprimento das regras processuais nacionais, declarou que estas duas últimas partes deviam ser excluídas do processo. Resulta, além disso, do dispositivo do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio apensou os dois processos nele pendentes.

32

Este órgão jurisdicional interroga‑se sobre o direito de a Port de Bruxelles SA invocar, perante os órgãos jurisdicionais belgas, um direito subjetivo que resulte do artigo 15.o do Regulamento n.o 1315/2013. Expõe que, segundo a interpretação dessa disposição preconizada pela Port de Bruxelles SA, esta impõe aos Estados‑Membros, por um lado, uma obrigação positiva, relativa à instituição de um sistema em que as infraestruturas de transporte estão interligadas e no âmbito da qual os Estados‑Membros dispõem de um poder de apreciação, bem como, por outro, uma obrigação negativa, impedindo‑os de agir de maneira contrária aos objetivos deste regulamento, em especial pondo em causa a integridade das infraestruturas de transporte existentes.

33

A Infrabel sustenta que este artigo 15.o não pode ser interpretado no sentido preconizado pela Port de Bruxelles SA. Com efeito, segundo os termos da referida disposição, designadamente na sua versão em língua francesa, os portos das vias navegáveis interiores devem estar ligados quer a infraestruturas rodoviárias quer a infraestruturas ferroviárias, uma vez que essa versão linguística utiliza a conjunção «ou».

34

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a versão em língua neerlandesa do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013 não utiliza a conjunção «ou» mas sim «e». Daí infere que a interpretação literal desta disposição não é suficiente para determinar o seu sentido exato.

35

Segundo este órgão jurisdicional, a referida disposição é suscetível de duas interpretações opostas. Com efeito, pode inferir‑se do artigo 3.o, alínea n), e do artigo 28.o, n.o 1, desse regulamento que a ligação de uma infraestrutura de transporte por vias navegáveis, como um porto das vias navegáveis interiores, a um único outro tipo de infraestrutura de transporte é suficiente para que a obrigação seja cumprida, e que, no caso em apreço, a Port de Bruxelles SA deveria contentar‑se com a ligação das suas infraestruturas portuárias às infraestruturas de transporte rodoviário.

36

Todavia, uma interpretação diferente do artigo 15.o do referido regulamento poderia ser sustentada. Com efeito, resulta dos compromissos da Comissão contidos no seu Livro Branco, referido designadamente no considerando 31 do mesmo regulamento, bem como do próprio Regulamento n.o 1315/2013, que os objetivos deste último são de duas ordens, a saber, reforçar a competitividade dos transportes e reduzir em pelo menos 60 %, até ao ano de 2050, as emissões de gases com efeito de estufa gerados pelos transportes em relação aos níveis do ano de 1990. Além disso, uma interpretação do artigo 15.o desse regulamento, no sentido de que proíbe o desmantelamento de uma ligação ferroviária em circunstâncias como as do caso em apreço, poderia basear‑se, nomeadamente, nos artigos 5.o, 10.o e 16.o do referido regulamento, bem como nas orientações expostas nos seus considerandos 7 e 8.

37

Foi nestas condições que a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Quando um porto [das vias navegáveis interiores] — que faz parte da rede principal — já está ligado à via rodoviária e à rede ferroviária, o artigo 15.o do Regulamento [n.o 1315/2013], impõe, por si só ou conjugado com outras disposições deste regulamento, a obrigação de preservar e de manter estas duas ligações ou de se abster de eliminar uma delas, ainda que seja por falta de manutenção?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

38

O órgão jurisdicional de reenvio pediu, com base no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que o presente processo fosse submetido a tramitação acelerada. Em apoio desse pedido, alega que, para garantir a efetividade do presente acórdão, proibiu a Infrabel de desmantelar a ligação ferroviária em causa até que fosse proferida nova decisão sobre o processo, após receção da resposta do Tribunal de Justiça à questão submetida. Ora, esta mesma sociedade está, em princípio, obrigada, a partir de 1 de julho de 2021, ao pagamento de indemnizações à FIF a título, precisamente, do atraso no desmantelamento dessa ligação.

39

O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada.

40

Importa recordar que tal tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária [Acórdão de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny e o. (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑508/19, EU:C:2022:201, n.o 37].

41

No caso em apreço, em 4 de maio de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, que não havia que deferir o pedido referido no n.o 38 do presente acórdão.

42

Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, meros interesses económicos, por mais importantes e legítimos que sejam, não são de molde a justificar, em si mesmos, o recurso a uma tramitação acelerada (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Energieversorgungscenter Dresden‑Wilschdorf, C‑938/19, EU:C:2021:908, n.o 45 e jurisprudência referida).

43

Por outro lado, mesmo na hipótese de o presente processo ser submetido a tramitação acelerada, a resposta do Tribunal de Justiça à questão submetida não poderia, de qualquer modo, ser dada antes de 30 de junho de 2021.

44

Por decisão do mesmo dia, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, contudo, que as informações transmitidas pelo órgão jurisdicional de reenvio justificavam um tratamento prioritário do processo, ao abrigo do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

45

Nas suas observações escritas, a Infrabel sustenta, em substância, que a Port de Bruxelles SA não pode, de qualquer modo, invocar em seu proveito, no âmbito do litígio no processo principal, o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013, uma vez que esta disposição reconhece aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para a sua aplicação. Com efeito, a existência dessa margem de apreciação obsta a que, na falta de medidas de aplicação adotadas pelo Estado‑Membro em causa, um particular possa invocar diretamente direitos decorrentes da referida disposição.

46

Na medida em que este argumento deve ser entendido no sentido de que, através do mesmo, a Infrabel põe em causa a pertinência da questão prejudicial para efeitos da resolução do litígio no processo principal e, portanto, a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, tal argumento não pode ser acolhido.

47

Com efeito, por um lado, importa recordar que, por força do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE, o regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em qualquer Estado‑Membro. Assim, em razão da sua própria natureza e da sua função no sistema das fontes do direito da União, as disposições dos regulamentos têm, regra geral, efeitos imediatos nos ordenamentos jurídicos nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação (Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Ursa Major Services, C‑814/18, EU:C:2020:27, n.o 33).

48

Por outro lado, a questão de saber se o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013 se opõe, em princípio, à supressão da ligação ferroviária de um porto das vias navegáveis interiores em circunstâncias como as do processo principal, ou se reconhece aos Estados‑Membros uma margem de apreciação na matéria constitui, precisamente, o objeto da questão prejudicial, pelo que o caráter admissível do pedido de decisão prejudicial não pode ser posto em causa pelo motivo invocado pela Infrabel.

Quanto à questão prejudicial

49

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013 deve ser interpretado no sentido de que, quando um porto das vias navegáveis interiores que pertence à rede principal, na aceção do artigo 6.o, n.os 1 e 3, e do artigo 38.o deste regulamento, dispõe de ligações tanto a infraestruturas de transporte rodoviário como a infraestruturas de transporte ferroviário, se opõe à supressão de um destes dois tipos de ligações.

50

A este respeito, há que observar, a título preliminar, que, embora o artigo 15.o, n.o 1, do referido regulamento preveja que os Estados‑Membros devem garantir que os portos das vias navegáveis interiores estejam ligados à infraestrutura rodoviária ou ferroviária e diga, portanto, respeito aos portos das vias navegáveis interiores, a questão prejudicial tem por objeto a interpretação desta disposição em circunstâncias em que esse porto, como o porto de Bruxelas, faz parte da rede principal, na aceção do mesmo regulamento.

51

Ora, este artigo 15.o figura no capítulo II do Regulamento n.o 1315/2013, relativo, segundo o seu título, à rede global, que é referida no artigo 6.o, n.o 2, deste regulamento. Como resulta do artigo 6.o, n.o 3, e do artigo 38.o, n.o 1, do referido regulamento, a rede principal é composta pelas partes da rede global estrategicamente mais importantes para atingir os objetivos de desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes.

52

Embora resulte incontestavelmente destas últimas disposições que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2003 é aplicável no caso de um porto das vias navegáveis interiores que pertence à rede principal, não é menos verdade que é mais geralmente aplicável a qualquer porto das vias navegáveis interiores da rede global, quer pertença ou não à rede principal.

53

Por conseguinte, há que examinar a questão submetida na medida em que diz respeito a um porto das vias navegáveis interiores que faz parte da rede global, na aceção do artigo 6.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1315/2013, e que já dispõe de ligações tanto a infraestruturas de transporte rodoviário como a infraestruturas de transporte ferroviário.

54

Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, importa, na interpretação de uma disposição do direito da União, ter em conta não só os termos dessa disposição mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que a mesma faz parte [Acórdão de 28 de janeiro de 2020, Comissão/Itália (Diretiva da luta contra os atrasos de pagamento), C‑122/18, EU:C:2020:41, n.o 39 e jurisprudência referida].

55

No que respeita, em primeiro lugar, aos termos do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013, há que observar que, como sublinharam, com razão, respetivamente, o órgão jurisdicional de reenvio e o Governo belga, as versões em língua neerlandesa e búlgara desta disposição utilizam, entre os termos «infraestruturas rodoviárias» e o termo «ferroviário», a conjunção «e», o que permite pensar que os Estados‑Membros são obrigados a zelar por que os portos conservem as ligações existentes que as ligam a infraestruturas de transporte rodoviário e ferroviário. Em contrapartida, nomeadamente nas línguas alemã, grega, inglesa, francesa, irlandesa, italiana, lituana, húngara e eslovena, é a conjunção «ou» que é utilizada.

56

Neste contexto, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as diversas versões linguísticas de uma disposição do direito da União fazem igualmente fé e uma delas não pode ter caráter prioritário em relação às outras, uma vez que as disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.os 42 e 43 e jurisprudência referida).

57

Assim, em caso de disparidade entre as diferentes versões linguísticas de um ato da União, a disposição em causa deve ser interpretada em função do contexto e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2022, Yieh United Steel/Comissão, C‑79/20 P, EU:C:2022:305, n.o 99 e jurisprudência referida).

58

Ora, no caso em apreço, há que observar que apenas a redação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013 não permite determinar se, no caso de um porto das vias navegáveis interiores que pertence à rede global que já dispõe de ligações tanto a infraestruturas de transporte rodoviário como a infraestruturas de transporte ferroviário, é permitido ao Estado‑Membro em causa suprimir uma dessas duas ligações para preservar apenas a outra, podendo mesmo a obrigação prevista nesta disposição de o Estado‑Membro em causa velar por que o porto das vias navegáveis interiores em questão esteja ligado «às infraestruturas rodoviárias ou ferroviárias» ser compreendida no sentido de que esse Estado‑Membro deve prestar especial atenção a uma ou a outra dessas duas ligações, em função das suas necessidades, designadamente em matéria de manutenção.

59

No que respeita, em segundo lugar, ao contexto em que se insere o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013, há que salientar que, como prevê o seu artigo 1.o, n.o 1, este regulamento tem por objeto estabelecer «orientações para o desenvolvimento de uma rede transeuropeia de transportes estruturada em dois níveis: a rede global e, com base nesta, a rede principal».

60

Decorre do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento, que faz parte do capítulo II relativo à rede global, que, no desenvolvimento da rede global, deve ser dada prioridade geral às medidas necessárias para, designadamente, assegurar uma integração otimizada dos modos de transporte e a interoperabilidade entre eles.

61

As disposições do capítulo II do Regulamento n.o 1315/2013, com exceção dos seus artigos 9.o e 10.o, estão agrupadas em sete secções, entre as quais a secção 1, relativa à infraestrutura de transporte ferroviário, a secção 2, relativa às infraestrutura de transporte por vias navegáveis interiores, que inclui o artigo 15.o, objeto da questão prejudicial, a secção 3, relativa à infraestrutura de transporte rodoviário, a secção 6, relativa à infraestrutura de transporte multimodal e, por último, a secção 7, que reúne disposições comuns.

62

Quanto à infraestrutura de transporte ferroviário, o artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013 prevê que os terminais de mercadorias devem estar ligados à infraestrutura rodoviária ou, se possível, à infraestrutura de transporte por vias navegáveis interiores da rede global.

63

Além disso, resulta do artigo 13.o, alínea f), desse regulamento que, no âmbito da promoção de projetos de interesse comum relacionados com a infraestrutura ferroviária, deve ser dada prioridade, se adequado, à ligação da infraestrutura de transporte ferroviário com a infraestrutura dos portos das vias navegáveis interiores.

64

Do mesmo modo, no que respeita à infraestrutura de transportes por vias navegáveis interiores, o artigo 16.o, alínea d), do referido regulamento prevê que, no âmbito da promoção de projetos de interesse comum relacionados com as infraestruturas de transportes por vias navegáveis interiores, deve ser dada prioridade, designadamente, à interligação das infraestruturas portuárias de navegação interior às infraestruturas de transporte ferroviário de mercadorias e de transporte rodoviário.

65

No que respeita à infraestrutura de transporte rodoviário, o artigo 19.o, alínea e), do mesmo regulamento dispõe que, na promoção de projetos de interesse comum relacionados com essa infraestrutura, deve ser dada prioridade, nomeadamente, à atenuação do congestionamento da rede rodoviária existente.

66

Quanto às infraestruturas de transporte multimodal, na aceção do artigo 3.o, alínea n), do Regulamento n.o 1315/2013, o seu artigo 28.o, n.o 1, alínea a), prevê que os Estados‑Membros devem garantir, de forma justa e não discriminatória, que os modos de transporte estejam interligados num dos seguintes locais: terminais de mercadorias, estações de passageiros, portos das vias navegáveis interiores, aeroportos e portos marítimos, de modo a permitir o transporte multimodal de passageiros e de mercadorias.

67

Deve igualmente ser mencionado, a título das disposições comuns, o artigo 30.o do Regulamento n.o 1315/2013, relativo aos nós urbanos, definidos no artigo 3.o, alínea p), do mesmo regulamento.

68

Resulta do referido artigo 30.o, alíneas a) e b), que, no âmbito do desenvolvimento da rede global a nível dos nós urbanos, os Estados‑Membros devem procurar assegurar, sempre que exequível, a interligação entre, nomeadamente, as infraestruturas ferroviária, rodoviária e, conforme adequado, a infraestrutura das vias navegáveis interiores, tanto no caso do transporte de passageiros como no caso do transporte de mercadorias.

69

Assim, pode deduzir‑se das disposições mencionadas nos n.os 59 a 68 do presente acórdão que, embora o Regulamento n.o 1315/2013 não imponha aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado destinada a garantir, em todos os casos, a ligação dos portos das vias navegáveis interiores pertencentes à rede global tanto às infraestruturas de transporte rodoviário como às infraestruturas de transporte ferroviário, preconizando este regulamento o estabelecimento, na medida do possível, de várias ligações desses portos com outros tipos de infraestruturas de transporte.

70

Além disso, deve observar‑se que tanto os considerandos 7 e 8 do referido regulamento como o artigo 4.o, alínea b), v), o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 6.o, n.o 2, do mesmo regulamento estabelecem uma distinção entre infraestruturas «existentes» e infraestruturas «novas» ou «planeadas». Esta distinção milita a favor de um reflexo desta na definição do alcance das obrigações dos Estados‑Membros.

71

A análise do contexto em que se insere o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013 leva, portanto, a considerar que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que, em princípio, se opõe à supressão, no que respeita a um porto das vias navegáveis interiores que já dispõe de ligações tanto a infraestruturas de transporte rodoviário como a infraestruturas de transporte ferroviário, da sua ligação a um destes dois tipos de infraestruturas.

72

Em terceiro lugar, há que observar que a tomada em consideração dos objetivos da rede europeia de transportes, conforme resultam do artigo 4.o do Regulamento n.o 1315/2013, corrobora essa interpretação do artigo 15.o, n.o 1, desse regulamento.

73

Com efeito, em primeiro lugar, o artigo 4.o, alínea b), iii), do referido regulamento prevê que a rede transeuropeia de transportes contribui para o objetivo de eficiência mediante a integração e interligação otimizadas de todos os modos de transporte.

74

No mesmo sentido, o artigo 5.o, n.o 1, do mesmo regulamento dispõe, respetivamente, nas alíneas a) e b) desse número, que a rede transeuropeia deve ser planeada, desenvolvida e explorada de um modo eficiente em termos de recursos, mediante, por um lado, o desenvolvimento, a melhoria e a manutenção das infraestruturas de transporte existentes e, por outro, a otimização da integração e interligação das infraestruturas.

75

Em segundo lugar, no que respeita, em especial, à ligação de um porto das vias navegáveis interiores às infraestruturas de transporte ferroviário, há que ter em conta o objetivo de sustentabilidade, enunciado no artigo 4.o, alínea c), do Regulamento n.o 1315/2013, lido à luz do considerando 31 desse regulamento. Daqui resulta que a rede transeuropeia de transportes visa contribuir para a realização deste objetivo, nomeadamente, através da baixa de emissões de gases com efeito de estufa, dando preferência a sistemas de transporte com baixo teor de carbono.

76

Ora, como observou o advogado‑geral nos n.os 63 e 64 das suas conclusões, o transporte ferroviário faz parte desses sistemas de transporte, razão pela qual o Livro Branco da Comissão, referido no considerando 31 do referido regulamento, incentiva a sua utilização.

77

Em terceiro lugar, a manutenção da ligação às infraestruturas de transporte ferroviário de que beneficia um porto das vias navegáveis interiores, ao favorecer o recurso ao transporte ferroviário em vez de rodoviário, contribui igualmente para o objetivo de atenuação do congestionamento da rede rodoviária, que constitui uma das prioridades do desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes, como resulta do artigo 19.o, alínea e), do Regulamento n.o 1315/2013.

78

No entanto, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1315/2013, designadamente em matéria ambiental, de segurança do tráfego e de ordenamento do território, circunstâncias excecionais são a priori suscetíveis de justificar a supressão da ligação de um porto das vias navegáveis interiores às infraestruturas de transporte quer rodoviário quer ferroviário, sem que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013 a tal se oponha.

79

A este respeito, deve precisar‑se que a substituição dessa ligação existente por uma nova ligação ao mesmo tipo de infraestrutura, posta em serviço ao mesmo tempo que é suprimida a ligação que aquela substitui, não pode ser considerada uma supressão da ligação do porto das vias navegáveis interiores em causa à referida infraestrutura.

80

Quanto aos motivos suscetíveis de justificar, a título excecional, a supressão, sem substituição, da ligação de um porto das vias navegáveis interiores às infraestruturas de transporte rodoviário ou ferroviário, basta, no caso em apreço, salientar, tendo em conta os argumentos expostos nas observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, que não pode constituir tal motivo o risco que essa ligação apresenta para a segurança dos transportes quando esse risco resulte de falta de manutenção das infraestruturas de transporte em causa pelas autoridades responsáveis do Estado‑Membro em questão.

81

Paralelamente, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 71 das suas conclusões, motivos relativos ao valor dos terrenos ocupados por uma ligação de um porto das vias navegáveis interiores às infraestruturas de transporte rodoviário ou ferroviário e à possível utilização desses terrenos de um modo economicamente mais vantajoso não podem justificar a supressão dessa ligação.

82

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1315/2013 deve ser interpretado no sentido de que, quando um porto das vias navegáveis interiores que pertence à rede global, na aceção do artigo 6.o, n.os 1 e 2, desse regulamento, dispõe de ligações tanto a infraestruturas de transporte rodoviário como a infraestruturas de transporte ferroviário, se opõe, salvo circunstâncias excecionais, à supressão de um destes dois tipos de ligações. A falta de manutenção da ligação em causa, resultante da violação desta disposição, ou a valorização económica dos terrenos ocupados por essas infraestruturas não constituem tais circunstâncias.

Quanto às despesas

83

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1315/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo às orientações da União para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes e que revoga a Decisão n.o 661/2010/UE, deve ser interpretado no sentido de que, quando um porto das vias navegáveis interiores que pertence à rede global, na aceção do artigo 6.o, n.os 1 e 2, desse regulamento, dispõe de ligações tanto a infraestruturas de transporte rodoviário como a infraestruturas de transporte ferroviário, se opõe, salvo circunstâncias excecionais, à supressão de um destes dois tipos de ligações. A falta de manutenção da ligação em causa, resultante da violação desta disposição, ou a valorização económica dos terrenos ocupados por essas infraestruturas não constituem tais circunstâncias.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.