ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

4 de maio de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Processo de execução coerciva de um contrato de mútuo com valor de título executivo — Oposição à execução — Fiscalização das cláusulas abusivas — Princípio da efetividade — Regulamentação nacional que não permite ao juiz da execução fiscalizar o caráter eventualmente abusivo de uma cláusula depois do prazo fixado ao consumidor para deduzir oposição — Existência de uma ação de direito comum imprescritível que permite ao juiz que conhece do mérito exercer essa fiscalização e ordenar a suspensão da execução coerciva — Condições que não tornam impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União — Exigência de uma caução por parte do consumidor para suspender o processo de execução»

No processo C‑200/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia), por Decisão de 25 de fevereiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de março de 2021, no processo

TU,

SU

contra

BRD Groupe Société Générale SA,

Next Capital Solutions Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, S. Rodin (relator) e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da BRD Groupe Société Générale SA, por M. Avram, avocată,

em representação do Governo espanhol, por M. J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Greco, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por M. Carpus Carcea e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar as causas sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe TU e SU à BRD Groupe Société Générale SA (a seguir «BRD») e à Next Capital Solutions Ltd (a seguir «NCS») a respeito de uma oposição à execução coerciva da obrigação de reembolso relativa a um contrato de mútuo celebrado entre TU e SU, por um lado, e a BRD, por outro, tendo o crédito desta última sido em seguida cedido à NCS.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O vigésimo quarto considerando da Diretiva 93/13 enuncia que «as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores».

4

O artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

5

O artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

Direito romeno

6

O artigo 638.o, n.o 1, ponto 4, da Legea nr. 134/2010 privind Codul de procedură civilă (Lei n.o 134/2010 relativa ao Código de Processo Civil), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Código de Processo Civil»), dispõe:

«São igualmente títulos executivos e podem ser objeto de execução:

[…]

4. os títulos de crédito ou outros documentos aos quais a lei confira força executiva.»

7

Nos termos do artigo 638.o, n.o 2, do Código de Processo Civil:

«A suspensão da execução dos títulos previstos no n.o 1, pontos 2 e 4, também pode ser requerida no âmbito de um recurso quanto ao mérito que tenha por objeto a sua anulação. As disposições do artigo 719.o são aplicáveis por analogia.»

8

O artigo 713.o, n.o 2, do Código de Processo Civil prevê:

«Quando a execução coerciva tiver por base um título executivo diferente de uma decisão judicial, na oposição à execução só poderão ser invocadas as razões de facto ou de direito respeitantes ao fundamento jurídico referido no título executivo se a lei não previr […] nenhum meio processual específico de anulação daquele título […]»

9

O artigo 715.o, n.o 1, ponto 3, do Código de Processo Civil dispõe:

«Salvo quando a lei dispuser de outro modo, a própria oposição à execução coerciva pode ser deduzida num prazo de quinze dias, a partir da data em que:

[…]

3.

O devedor que contesta a própria execução recebeu a decisão que autoriza a execução ou a injunção, ou a partir da data em que tomou conhecimento do primeiro ato de execução, quando não recebeu nem a decisão que autoriza a execução nem a injunção, ou quando a execução é feita sem injunção.

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

10

Em outubro de 2007, TU e SU celebraram um contrato de mútuo com a BRD (a seguir «contrato de mútuo em causa»). Em junho de 2009, esta última cedeu o crédito resultante desse contrato à IFN Next Capital Finance SA, que, em agosto do mesmo ano, o cedeu à NCS.

11

A NCS, em 23 de fevereiro de 2015, recorreu a um agente de execução para efeitos de cobrança coerciva do referido crédito a TU, com base no contrato de mútuo em causa, com valor de título executivo no direito romeno. Este agente de execução emitiu, neste contexto, uma injunção de pagamento a TU, instando‑o a pagar os restantes montantes em dívida por força do contrato de mútuo em causa e as despesas da execução coerciva. No mesmo dia, o agente de execução ordenou a penhora dos ativos financeiros em contas detidas por TU em diversas instituições bancárias. Estes diferentes atos de execução coerciva foram comunicados ao interessado em 2 de março de 2015.

12

Por ato de 6 de março de 2015, o agente de execução procedeu à penhora do salário junto do empregador de TU. Esta medida foi também notificada a este último em 13 de março de 2015.

13

Em 17 de março de 2015, TU contestou, junto do agente de execução, os montantes que lhe tinham sido exigidos e, em 5 de agosto de 2015, solicitou a concessão de um plano de pagamento escalonado em seis meses. Posteriormente, em 25 de maio de 2016, o agente de execução ordenou novamente a penhora de uma parte do salário de TU.

14

Em 6 de dezembro de 2018, o agente de execução emitiu uma nova injunção de pagamento dos restantes montantes restantes devidos à NCS, acrescidos das despesas de execução, sob pena da penhora da quota‑parte da propriedade de TU num imóvel sito em Bucareste (Roménia).

15

Em 28 de dezembro de 2018, TU deduziu oposição a esta execução coerciva no Judecătoria sectorului 1 București (Tribunal de Primeira Instância do Setor 1 de Bucareste, Roménia), invocando a prescrição do direito de proceder à execução coerciva. Por decisão transitada em julgado, proferida em 18 de abril de 2019, este órgão jurisdicional reconheceu a intempestividade da oposição à execução.

16

Em 17 de fevereiro de 2020, TU e SU deduziram no referido órgão jurisdicional uma nova oposição à execução coerciva invocando o caráter abusivo de duas cláusulas do contrato de mútuo em causa, relativas à cobrança, respetivamente, de uma comissão de abertura de processo de mútuo e de uma comissão mensal de tratamento e de gestão do crédito. Com o seu pedido, TU e SU requeriam também a anulação dos atos de execução coerciva e a restituição dos montantes indevidamente cobrados pela NCS devido ao caráter abusivo dessas cláusulas.

17

Em apoio desta nova oposição, TU e SU invocaram o Despacho de 6 de novembro de 2019, BNP Paribas Personal Finance SA Paris Sucursala Bucureşti e Secapital (C‑75/19, não publicado, EU:C:2019:950), nos termos do qual o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma norma de direito nacional, como o artigo 713.o, n.o 2, do Código de Processo Civil, por força da qual um consumidor que é objeto de um processo de execução coerciva está impedido, depois do prazo de 15 dias a contar da notificação dos primeiros atos desse processo, de invocar a existência de cláusulas abusivas contidas no contrato em execução coerciva, mesmo que o consumidor disponha, em aplicação do direito nacional, de uma ação judicial destinada à declaração da existência de cláusulas abusivas, cujo exercício não está sujeito a nenhum prazo, mas cujo desfecho não afeta o resultado do processo de execução coerciva, que pode ser imposto ao consumidor antes do termo da ação de declaração da existência de cláusulas abusivas.

18

Por Decisão de 3 de julho de 2020, o Judecătoria sectorului 1 București (Tribunal de Primeira Instância do Setor 1 de Bucareste) considerou procedente a exceção suscitada pela BRD e pela NCS, relativa ao caráter intempestivo dessa oposição. Segundo este órgão jurisdicional, embora, no Despacho de 6 de novembro de 2019, BNP Paribas Personal Finance SA Paris Sucursala Bucureşti e Secapital (C‑75/19, não publicado, EU:C:2019:950), o Tribunal de Justiça tenha declarado que o consumidor devia ter a possibilidade de invocar o caráter abusivo das cláusulas contratuais no âmbito de uma oposição à execução coerciva do contrato em causa, não é menos verdade que esse direito não pode ser utilmente exercido em qualquer momento, sem se sujeitar aos prazos legalmente fixados para o efeito.

19

TU e SU recorreram dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia), para que este reformasse a decisão de primeira instância que acolheu a exceção relativa ao caráter intempestivo da referida oposição, sendo a fundamentação adotada pelo Judecătoria sectorului 1 București (Tribunal de Primeira Instância do Setor 1 de Bucareste) pretensamente errada em termos jurídicos.

20

O órgão jurisdicional de reenvio indica que o processo que lhe foi submetido e o processo que deu lugar ao Despacho de 6 de novembro de 2019, BNP Paribas Personal Finance SA Paris Sucursala Bucureşti e Secapital (C‑75/19, não publicado, EU:C:2019:950), são semelhantes. Todavia, interroga‑se sobre se a circunstância de o órgão jurisdicional junto de quem o consumidor eventualmente interpõe uma ação de direito comum dispor da faculdade de suspender a execução coerciva do contrato até que a ação seja decidida, como resulta do artigo 638.o, n.o 2, do Código de Processo Civil, é suscetível de influenciar a conclusão que se retira desse despacho.

21

Por outro lado, na hipótese de não ser esse o caso, e de não ser possível interpretar as normas do direito nacional relativas à execução coerciva de modo conforme com o direito da União, ao permitir ao consumidor deduzir uma oposição à execução coerciva do contrato depois do prazo de 15 dias invocando o caráter abusivo de cláusulas do contrato em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre as consequências que daí deve retirar.

22

Nestas condições, o Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A Diretiva 93/13 opõe‑se a um regime de direito nacional como o que resulta do artigo 712.o e seguintes do capítulo VI do Código de Processo Civil, que estabelece um prazo de 15 dias durante o qual o devedor pode invocar, em sede de oposição à execução coerciva, o caráter abusivo de uma cláusula contratual do título executivo, no caso de a ação destinada a obter a declaração da existência de cláusulas abusivas no título executivo não estar sujeita a nenhum prazo e de, no âmbito desta última, estar prevista a possibilidade de o devedor requerer a suspensão da execução coerciva do título, em conformidade com o artigo 638.o, n.o 2, do Código de Processo Civil?»

Quanto à questão prejudicial

23

Com a sua questão o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que não permite ao juiz da execução, a quem é submetida, fora do prazo de 15 dias fixado por esta disposição, uma oposição à execução coerciva de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, com valor executório, apreciar, oficiosamente ou a pedido do consumidor, o caráter abusivo das cláusulas desse contrato, quando este consumidor dispõe, além disso, de uma ação quanto ao mérito que lhe permite pedir ao juiz que conheça dessa ação que proceda a tal fiscalização e que ordene a suspensão da execução coerciva até ao termo da referida ação, em conformidade com outra disposição desse direito nacional.

24

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação (v., nomeadamente, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 40 e jurisprudência referida).

25

Atendendo a essa situação de inferioridade, o artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva prevê que as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor. Trata‑se de uma disposição imperativa que se destina a substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos cocontratantes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre eles (v., nomeadamente, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.os 53 e 55, e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 41).

26

Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente que o juiz nacional deve fiscalizar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 e, deste modo, sanar o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para esse efeito (Acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz, C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 46 e jurisprudência referida; de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 58; e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 43).

27

Além disso, a Diretiva 93/13 impõe aos Estados‑Membros, como resulta do seu artigo 7.o, n.o 1, lido em conjugação com o seu vigésimo quarto considerando, que prevejam os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (Acórdão de 26 de junho de 2019, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2019:537, n.o 44 e jurisprudência referida).

28

Embora o Tribunal de Justiça já tenha enquadrado, em diversas ocasiões e tendo em conta as exigências do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, a maneira como o juiz nacional deve assegurar a proteção dos direitos que decorrem para os consumidores dessa diretiva, não deixa de ser verdade que, em princípio, o direito da União não harmoniza os procedimentos aplicáveis ao exame do caráter pretensamente abusivo de uma cláusula contratual e que, consequentemente, estes são abrangidos pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que os que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2019, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2019:537, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida).

29

Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que a obrigação de os Estados‑Membros garantirem a efetividade dos direitos que os particulares retiram do direito da União implica, nomeadamente, no que respeita aos direitos decorrentes da Diretiva 93/13, uma exigência de tutela jurisdicional efetiva, reafirmada no artigo 7.o, n.o 1, dessa diretiva, e consagrada no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que se aplica, entre outras, à definição das regras processuais relativas às ações judiciais baseadas nesses direitos (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 29 e jurisprudência referida).

30

A este propósito o Tribunal de Justiça já considerou que, na hipótese de o processo de execução coerciva se concluir antes de ser proferida a decisão do juiz que conhece do mérito que declara o caráter abusivo da cláusula contratual na origem dessa execução coerciva e, consequentemente, a nulidade desse processo, tal decisão só permitiria assegurar ao referido consumidor uma proteção indemnizatória a posteriori, que se revelaria incompleta e insuficiente e não constituiria um meio adequado ou eficaz para fazer cessar a utilização dessa mesma cláusula, contrariamente ao previsto no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 (Despacho de 6 de novembro de 2019, BNP Paribas Personal Finance SA Paris Sucursala București e Secapital, C‑75/19, não publicado, EU:C:2019:950, n.o 32 e jurisprudência referida).

31

Assim, no n.o 34 do Despacho de 6 de novembro de 2019, BNP Paribas Personal Finance SA Paris Sucursala Bucureşti e Secapital (C‑75/19, não publicado, EU:C:2019:950), que o órgão jurisdicional de reenvio refere, o Tribunal de Justiça decidiu que a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma norma de direito nacional ao abrigo da qual um consumidor que tenha subscrito um contrato de mútuo junto de uma instituição de crédito e contra o qual o profissional instaurou um processo de execução coerciva está impedido, depois do prazo de 15 dias a contar da notificação dos primeiros atos do processo, de invocar a existência de cláusulas abusivas para se opor ao referido processo, mesmo que esse consumidor disponha, em aplicação do direito nacional, de uma ação judicial para efeitos de declaração da existência das cláusulas abusivas, cujo exercício não está sujeito a nenhum prazo, mas cujo desfecho não afete o que resultar do processo de execução coerciva, que pode ser imposto ao consumidor antes do termo da ação para declaração da existência de cláusulas abusivas.

32

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, todavia, se esta interpretação é também válida na hipótese de o juiz a quem foi submetido o recurso quanto ao mérito ser competente para suspender a execução coerciva.

33

A este respeito, importa constatar que a possibilidade, para o consumidor, de intentar perante o juiz que conhece do mérito uma ação de direito comum destinada a fiscalizar o caráter potencialmente abusivo das cláusulas do contrato em execução coerciva no âmbito da qual pode obter desse juiz a suspensão da execução, permite, em princípio, fazer face ao risco de o processo de execução coerciva ser concluído antes do termo da ação para declaração da existência de cláusula abusivas.

34

Todavia, há que salientar que, posteriormente à apresentação do presente pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão de 17 de maio de 2022, Impuls Leasing România (C‑725/19, EU:C:2022:396). No n.o 60 desse acórdão, declarou que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que não permite que o juiz de execução que conhece de uma oposição a uma execução coerciva fiscalize, oficiosamente ou a pedido do consumidor, o caráter abusivo das cláusulas de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional e que constitui título executivo, se o juiz que conhece do mérito e que pode ser chamado a conhecer de uma ação distinta de direito comum, destinada a fiscalizar o caráter eventualmente abusivo das cláusulas desse contrato, só puder suspender o processo de execução até que seja proferida decisão quanto ao mérito se for paga uma caução cujo montante seja de um nível suscetível de desencorajar o consumidor de intentar e prosseguir tal ação.

35

Interrogada sobre a manutenção do presente pedido de decisão prejudicial tendo em conta este acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que este continha a resposta a uma questão semelhante, relativa a um problema jurídico idêntico.

36

Na verdade, no litígio no processo principal que deu lugar ao Acórdão de 17 de maio de 2022, Impuls Leasing România (C‑725/19, EU:C:2022:396), o juiz que conheceu da oposição à execução coerciva não tinha a faculdade de fiscalizar o caráter potencialmente abusivo das cláusulas do contrato na base dessa execução, enquanto nas circunstâncias do processo que deu lugar ao presente reenvio prejudicial esse juiz tem essa possibilidade, desde que lhe tenha sido submetido no prazo de 15 dias, após o qual o consumidor perde esse direito. No entanto, nas duas hipóteses, a questão essencial é a de saber se a possibilidade, para o consumidor, de interpor um recurso quanto ao mérito no quadro do qual pode pedir a suspensão da execução coerciva é, atendendo às modalidades dessa suspensão, suscetível de assegurar o caráter efetivo da proteção pretendida pela Diretiva 93/13.

37

Resulta da decisão de reenvio que essa suspensão está sujeita às disposições do artigo 719.o do Código de Processo Civil. O contexto processual parece, a este respeito, idêntico ao referido no n.o 57 do Acórdão de 17 de maio de 2022, Impuls Leasing România (C‑725/19, EU:C:2022:396), em que o Tribunal de Justiça salientou que, em caso de ação distinta perante o juiz que conhece do mérito, o consumidor que pede a suspensão do processo de execução coerciva é obrigado a prestar uma caução calculada com base no valor do objeto da ação. O teor do artigo 719.o do Código de Processo Civil, conforme reproduzido nas observações apresentadas pela Comissão Europeia no âmbito do presente reenvio prejudicial, é suscetível de confirmar essa constatação.

38

Importa, portanto, salientar que, no n.o 58 do Acórdão de 17 de maio de 2022, Impuls Leasing România (C‑725/19, EU:C:2022:396), o Tribunal de Justiça lembrou a jurisprudência segundo a qual os custos que uma ação judicial implica relativamente ao montante da dívida impugnada não devem ser suscetíveis de desencorajar o consumidor a recorrer aos tribunais para efeitos da fiscalização da natureza potencialmente abusiva das cláusulas contratuais. No n.o 59 desse acórdão, declarou que é provável que um devedor que esteja em situação de incumprimento não disponha dos recursos financeiros necessários para constituir a garantia exigida.

39

Por conseguinte, há que considerar que a possibilidade de que o consumidor dispõe de intentar, sem ser obrigado a respeitar um prazo, uma ação quanto ao mérito no âmbito da qual pode pedir a suspensão do processo de execução coerciva através da constituição de uma garantia não é suscetível de assegurar o caráter efetivo da proteção pretendida pela Diretiva 93/13 se o nível do montante exigido para a constituição dessa garantia puder desencorajar esse consumidor de intentar e manter tal ação, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

40

Quanto ao restante, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que a parte do seu pedido de decisão prejudicial referida nos n.os 23 e 24 da mesma, relativa à atitude a adotar pelo juiz nacional em caso de impossibilidade de fornecer uma interpretação do direito nacional conforme com o direito da União, mantinha o seu interesse.

41

A este respeito, importa recordar que, quando não se possa proceder a uma interpretação e a uma aplicação da legislação nacional conformes com as exigências da Diretiva 93/13, os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação de examinar oficiosamente se as cláusulas contratuais acordadas entre as partes revestem caráter abusivo, não aplicando, se necessário, todas as disposições ou jurisprudência nacionais que se oponham a tal exame (Acórdão de 7 de novembro de 2019, Profi Credit Polska, C‑419/18 e C‑483/18, EU:C:2019:930, n.o 76 e jurisprudência referida).

42

De onde decorre que há que responder à questão submetida que a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que não permite ao juiz da execução, a quem é submetida, fora do prazo de 15 dias fixado por esta disposição, uma oposição à execução coerciva de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, com valor executório, apreciar, oficiosamente ou a pedido do consumidor, o caráter abusivo das cláusulas desse contrato, quando este consumidor dispõe, além disso, de uma ação quanto ao mérito que lhe permite pedir ao juiz dessa ação que proceda a tal fiscalização e que ordene a suspensão da execução coerciva até ao termo da referida ação, em conformidade com outra disposição desse direito nacional, se essa suspensão só for possível através da prestação de uma garantia cujo montante pode dissuadir o consumidor de intentar e manter tal ação, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Quando não se possa proceder a uma interpretação e a uma aplicação da legislação nacional conformes com as exigências da Diretiva 93/13, o juiz nacional que conhece da oposição à execução coerciva desse contrato tem a obrigação de examinar oficiosamente se as suas cláusulas revestem caráter abusivo, não aplicando, se necessário, todas as disposições nacionais que se oponham a tal exame.

Quanto às despesas

43

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,

 

deve ser interpretada no sentido de que:

 

se opõe a uma disposição de direito nacional que não permite ao juiz da execução, a quem é submetida, fora do prazo de 15 dias fixado por esta disposição, uma oposição à execução coerciva de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, com valor executório, apreciar, oficiosamente ou a pedido do consumidor, o caráter abusivo das cláusulas desse contrato, quando este consumidor dispõe, além disso, de uma ação quanto ao mérito que lhe permite pedir ao juiz dessa ação que proceda a tal fiscalização e que ordene a suspensão da execução coerciva até ao termo da referida ação, em conformidade com outra disposição desse direito nacional, se essa suspensão só for possível através da prestação de uma garantia cujo montante pode dissuadir o consumidor de intentar e manter tal ação, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Quando não se possa proceder a uma interpretação e a uma aplicação da legislação nacional conformes com as exigências da Diretiva 93/13, o juiz nacional que conhece da oposição à execução coerciva desse contrato tem a obrigação de examinar oficiosamente se as suas cláusulas revestem caráter abusivo, não aplicando, se necessário, todas as disposições nacionais que se oponham a tal exame.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.