ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Tribunal Pleno)

16 de fevereiro de 2022 ( *1 )

Índice

 

I. Quadro jurídico

 

A. Regulamento (CE) n.o 1049/2001

 

B. Regulamento Interno do Conselho

 

C. Diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho

 

D. Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013

 

E. Regulamento Financeiro

 

II. Regulamento impugnado

 

III. Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

 

IV. Quanto ao pedido para não tomar em consideração determinados excertos da petição da República da Polónia

 

A. Argumentação das partes

 

B. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

V. Quanto ao recurso

 

A. Quanto ao primeiro, segundo, quinto, sexto e décimo primeiro fundamentos, relativos à incompetência da União para adotar o regulamento impugnado

 

1. Argumentação das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

a) Quanto à base jurídica do regulamento impugnado

 

b) Quanto à elusão do artigo 7.o TUE e do artigo 269.o TFUE

 

B. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do Protocolo n.o 2

 

1. Argumentação das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

C. Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE

 

1. Argumentação das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

D. Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do artigo 4.o, n.os 1 e 2, segundo período, e do artigo 5.o, n.o 2, TUE

 

1. Argumentação das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

E. Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados e ao não respeito pelas identidades nacionais, previstos no artigo 4.o, n.o 2, primeiro período, TUE

 

1. Argumentação das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

F. Quanto ao nono fundamento, relativo à violação do princípio da segurança jurídica

 

1. Argumentação das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

G. Quanto ao décimo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

 

1. Argumentação das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

VI. Quanto às despesas

«Recurso de anulação — Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 — Regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União Europeia — Proteção do orçamento da União em caso de violação dos princípios do Estado de Direito num Estado‑Membro — Base jurídica — Artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE — Artigo 311.o TFUE — Artigo 312.o TFUE — Alegada violação do artigo 7.o TUE e do artigo 269.o TFUE — Alegadas violações do artigo 4.o, n.o 1, do artigo 5.o, n.o 2, do artigo 13.o, n.o 2, TUE, do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, do Protocolo (n.o 2) relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, bem como dos princípios da atribuição, da segurança jurídica, da proporcionalidade e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados — Alegação de desvio de poder»

No processo C‑157/21,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 11 de março de 2021,

República da Polónia, representada por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

Hungria, representada por M. Z., Fehér e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Parlamento Europeu, representado por R. Crowe, F. Drexler, U. Rösslein, T. Lukácsi e A. Pospíšilová Padowska, na qualidade de agentes,

Conselho da União Europeia, representado por A. de Gregorio Merino, E. Rebasti, A. Tamás e A. Sikora‑Kalėda, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por:

Reino da Bélgica, representado por M. Jacobs, C. Pochet e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes,

Reino da Dinamarca, representado inicialmente por M. Søndahl Wolff e J. Nymann‑Lindegren, e em seguida por M. Søndahl Wolff e V. Pasternak Jørgensen, na qualidade de agentes,

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

Irlanda, representada por M. Browne e J. Quaney e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por D. Fennelly, BL,

Reino de Espanha, representado inicialmente por J. Rodríguez de la Rúa Puig e S. Centeno Huerta, e em seguida por J. Rodríguez de la Rúa Puig e A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères, A.‑C. Drouant e E. Leclerc, na qualidade de agentes,

Grão‑Ducado de Luxemburgo, representado inicialmente por A. Germeaux e T. Uri, e em seguida por A. Germaux, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por H. Leppo e S. Hartikainen, na qualidade de agentes,

Reino da Suécia, representado por O. Simonsson, J. Lundberg, C. Meyer‑Seitz, A. Runeskjöld, H. Shev, M. Salborn Hodgson, H. Eklinder e R. Shahsavan Eriksson, na qualidade de agentes,

Comissão Europeia, representada por D. Calleja Crespo, J.‑P. Keppenne, J. Baquero Cruz e K. Herrmann, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Tribunal Pleno),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev (relator), A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, S. Rodin, I. Jarukaitis, N. Jääskinen, I. Ziemele e J. Passer, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, M. Safjan, F. Biltgen, P. G. Xuereb, N. Piçarra, L. S. Rossi, A. Kumin, N. Wahl, D. Gratsias, M. L. Arastey Sahún, M. Gavalec e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretários: M. Aleksejev, chefe de unidade, e I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 e 12 de outubro de 2021,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de dezembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a República da Polónia pede ao Tribunal de Justiça que anule o Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2020, relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União (JO 2020, L 433I, p. 1, e retificação no JO 2021, L 373, p. 94; a seguir «regulamento impugnado»).

I. Quadro jurídico

A.   Regulamento (CE) n.o 1049/2001

2

O artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, 43), prevê, no n.o 1:

«Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.»

3

Nos termos do artigo 4.o deste regulamento:

«[...]

2.   As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

[...]

dos processos judiciais e consultas jurídicas;

[...]

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

3.   O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

O acesso a documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[...]

5.   Qualquer Estado‑Membro pode solicitar à instituição que esta não divulgue um documento emanado desse Estado‑Membro sem o seu prévio acordo.

6.   Quando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das exceções, as restantes partes do documento serão divulgadas.

7.   As exceções previstas nos n.os 1 a 3 só são aplicáveis durante o período em que a proteção se justifique com base no conteúdo do documento. [...]»

4

O artigo 5.o do referido regulamento dispõe:

«Sempre que um Estado‑Membro receba um pedido de acesso a um documento emanado de uma instituição que esteja na sua posse, a menos que seja claro se o documento deve ou não ser divulgado, consultará a instituição em causa, a fim de tomar uma decisão que não prejudique a realização dos objetivos do presente regulamento.

O Estado‑Membro pode, em alternativa, remeter o pedido para a instituição.»

B.   Regulamento Interno do Conselho

5

Em 1 de dezembro de 2009, o Conselho da União Europeia adotou a Decisão 2009/937/UE, que adota o seu regulamento interno (JO 2009, L 325, p. 35). O artigo 6.o deste regulamento interno (a seguir «Regulamento Interno do Conselho»), com a epígrafe «Sigilo profissional e apresentação de documentos em tribunal», prevê, no n.o 2:

«O Conselho ou o [Comité de Representantes Permanentes dos Governos dos Estados‑Membros (Coreper)] podem autorizar a apresentação em tribunal de cópias ou extratos de documentos do Conselho que não tenham sido ainda facultados ao público de acordo com as disposições em matéria de acesso do público aos documentos.»

6

Nos termos do artigo 10.o do referido regulamento interno, com a epígrafe «Acesso do público aos documentos do Conselho»:

«As disposições específicas relativas ao acesso do público a documentos do Conselho constam do anexo II.»

7

O anexo II do mesmo regulamento interno, com o título «Disposições específicas relativas ao acesso do público aos documentos do Conselho», contém o artigo 5.o, relativo aos «[p]edidos apresentados pelos Estados‑Membros», que enuncia:

«Quando um Estado‑Membro apresenta um pedido ao Conselho, este é tratado em conformidade com os artigos 7.° e 8.° do [Regulamento n.o 1049/2001] e com as disposições pertinentes do presente anexo. Em caso de recusa total ou parcial de acesso, o requerente é informado de que um eventual pedido confirmativo deve ser enviado diretamente ao Conselho.»

C.   Diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho

8

Através da nota 7695/18, de 10 de abril de 2018, o Conselho adotou diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho. Os pontos 1, 2, 20 e 21 destas diretrizes têm a seguinte redação:

«1.

O presente documento contém diretrizes aplicáveis ao tratamento de documentos não classificados do Conselho distribuídos apenas a nível interno, aos membros do Conselho, à Comissão, ao Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) e, consoante o assunto a que digam respeito, a certas outras instituições (p. ex: Parlamento Europeu, Tribunal de Justiça, Banco Central Europeu) e órgãos da União Europeia (p. ex: Comité das Regiões, Comité Económico e Social Europeu). A divulgação intempestiva deste tipo de documentos pode ter consequências nefastas para os processos decisórios do Conselho.

2.

As diretrizes têm impacto direto no funcionamento do Conselho, pelo que devem ser respeitadas pelos Estados‑Membros na sua qualidade de membros do Conselho, de acordo com o princípio de cooperação leal que rege as relações entre as instituições da [União] e os Estados‑Membros.

[...]

20.

Os documentos “LIMITE” não podem ser facultados ao público sem que tenha sido tomada uma decisão nesse sentido por funcionários devidamente autorizados do Conselho, pelas administrações nacionais dos Estados‑Membros (cf. ponto 21) ou, se necessário, pelo Conselho, nos termos do [Regulamento n.o 1049/2001] e do Regulamento Interno do Conselho.

21.

Não é permitido ao pessoal de nenhuma instituição ou órgão da [União], que não seja o Conselho, decidir autonomamente facultar documentos “LIMITE” ao público sem consultar previamente o Secretariado‑Geral do Conselho (SGC). O pessoal das administrações nacionais dos Estados‑Membros deverá consultar o SGC antes de tomar tal decisão, a menos que seja evidente que o documento em questão pode ser divulgado, nos termos do artigo 5.o do [Regulamento n.o 1049/2001].»

D.   Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013

9

O artigo 2.o, ponto 1, do Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (Euratom) n.o 1074/1999 do Conselho (JO 2013, L 248, p. 1), define, para efeitos deste regulamento, «[i]nteresses financeiros da União», como sendo «as receitas, as despesas e os ativos cobertos pelo orçamento da União Europeia, bem como aqueles cobertos pelos orçamentos das instituições, órgãos, organismos e agências e pelos orçamentos geridos e controlados pelos mesmos».

E.   Regulamento Financeiro

10

Nos termos do artigo 2.o do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1296/2013 (UE) n.o 1301/2013 (UE) n.o 1303/2013, UE n.o 1304/2013 (UE) n.o 1309/2013 (UE) n.o 1316/2013 (UE) n.o 223/2014 e (UE) n.o 283/2014, e a Decisão n.o 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1; a seguir «Regulamento Financeiro»), com a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[...]

7.

“Execução do orçamento”, a realização de atividades relacionadas com a gestão, o acompanhamento, o controlo e a auditoria das dotações orçamentais de acordo com os métodos previstos no artigo 62.o;

[...]

19.

“Controlo”, uma medida tomada para proporcionar uma garantia razoável quanto à eficácia, eficiência e economia das operações, à fiabilidade das informações financeiras, à preservação dos ativos e da informação, à prevenção, deteção e correção de fraudes e irregularidades e respetivo seguimento, e à gestão adequada do risco associado à legalidade e à regularidade das operações subjacentes, tendo em conta o caráter plurianual dos programas e a natureza dos pagamentos em causa. Os controlos podem implicar diversas verificações, e a aplicação das políticas e dos procedimentos necessários para a consecução dos objetivos referidos na primeira frase;

[...]

42.

“Organização do Estado‑Membro”, uma entidade estabelecida num Estado‑Membro como um organismo de direito público, ou como um organismo regido pelo direito privado ao qual tenha sido confiada uma missão de serviço público e que tenha sido dotado de garantias financeiras adequadas pelo Estado‑Membro;

[...]

59.

“Boa gestão financeira”, a execução do orçamento de acordo com os princípios de economia, de eficiência e de eficácia;

[...]»

11

O artigo 56.o deste regulamento, com a epígrafe «Execução do orçamento de acordo com o princípio da boa gestão financeira», prevê:

«1.   A Comissão executa as receitas e as despesas do orçamento em conformidade com o presente regulamento, sob a sua própria responsabilidade e no limite das dotações autorizadas.

2.   Os Estados‑Membros cooperam com a Comissão para que as dotações sejam utilizadas de acordo com o princípio da boa gestão financeira.»

12

O artigo 62.o do referido regulamento, com a epígrafe «Modos de execução orçamental», dispõe, no n.o 1, primeiro parágrafo:

«A Comissão executa o orçamento de um dos seguintes modos:

a)

Diretamente (“gestão direta”), tal como previsto nos artigos 125.° a 153.°, através dos seus serviços, incluindo o seu pessoal colocado nas delegações da União sob a responsabilidade do respetivo chefe de delegação, nos termos do artigo 60.o, n.o 2, ou através das agências de execução referidas no artigo 69.o;

b)

Em regime de gestão partilhada com os Estados‑Membros (“gestão partilhada”), tal como previsto nos artigos 63.° e 125.° a 129.°;

c)

Indiretamente (“gestão indireta”), tal como previsto nos artigos 125.° a 149.° e 154.° a 159.°, caso tal esteja previsto no ato de base ou nos casos referidos no artigo 58.o, n.o 2, alíneas a) a d), confiando tarefas de execução orçamental:

[...]»

13

O artigo 63.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Gestão partilhada com os Estados‑Membros», enuncia, nos n.os 2 e 8:

«No âmbito da realização das tarefas relacionadas com a execução do orçamento, os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias, incluindo medidas legislativas, regulamentares e administrativas, para proteger os interesses financeiros da União, a saber:

a)

Assegurar que as ações financiadas pelo orçamento sejam executadas de forma correta e eficaz nos termos das regras setoriais aplicáveis;

b)

Designar, nos termos do n.o 3, os organismos responsáveis pela gestão e pelo controlo dos fundos da União, e supervisionar esses organismos;

c)

Prevenir, detetar e corrigir irregularidades e fraudes;

d)

Cooperar, em conformidade com o presente regulamento e nos termos das regras setoriais, com a Comissão, com o [Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF)], com o Tribunal de Contas [Europeu] e, no caso dos Estados‑Membros participantes numa cooperação reforçada nos termos do Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho[, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia (JO 2017, L 283, p. 1)], com a Procuradoria Europeia.

A fim de proteger os interesses financeiros da União, os Estados‑Membros, respeitando simultaneamente o princípio da proporcionalidade e em conformidade com o presente artigo e com as regras setoriais relevantes, procedem a controlos ex ante e ex post, incluindo, se for caso disso, verificações no local de amostras de operações representativas e/ou baseadas no risco. Os Estados‑Membros recuperam igualmente os montantes indevidamente pagos e, se necessário, instauram ações judiciais para esse efeito.

Os Estados‑Membros aplicam sanções efetivas, dissuasivas e proporcionadas aos destinatários, quando tal estiver previsto nas regras setoriais ou em disposições específicas da legislação nacional.

No âmbito da sua avaliação dos riscos e em conformidade com as regras setoriais, a Comissão acompanha os sistemas de gestão e controlo estabelecidos nos Estados‑Membros. Nas suas atividades de auditoria, a Comissão respeita o princípio da proporcionalidade e tem em conta o nível de risco avaliado em conformidade com as regras setoriais.»

14

O artigo 135.o do referido regulamento, com a epígrafe «Proteção dos interesses financeiros da União através da deteção de riscos, da exclusão e da aplicação de sanções financeiras», dispõe:

«1.   A fim de proteger os interesses financeiros da União, a Comissão estabelece e gere um sistema de deteção precoce e de exclusão.

Este sistema destina‑se a facilitar:

a)

A deteção precoce de pessoas ou entidades a que se refere o n.o 2, que constituam um risco para os interesses financeiros da União;

[...]

3.   A decisão de registar informações relativas à deteção precoce dos riscos referidos no n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), do presente artigo, de excluir pessoas ou entidades a que se refere o n.o 2 e/ou de aplicar uma sanção financeira a um destinatário é tomada pelo gestor orçamental competente. As informações relacionadas com essas decisões são registadas na base de dados referida no artigo 142.o, n.o 1. Caso essas decisões sejam tomadas com base no artigo 136.o, n.o 4, as informações registadas na base de dados incluem as informações relativas às pessoas referidas nesse número.

4.   A decisão de excluir pessoas ou entidades a que se refere o n.o 2 do presente artigo, ou de aplicar sanções financeiras a um destinatário, baseia‑se numa decisão judicial transitada em julgado ou, nas situações de exclusão referidas no artigo 136.o, n.o 1, numa decisão administrativa definitiva, ou, nas situações referidas no artigo 136.o, n.o 2, numa qualificação jurídica preliminar da instância referida no artigo 143.o, a fim de assegurar uma apreciação centralizada dessas situações. Nos casos referidos no artigo 141.o, n.o 1, o gestor orçamental competente exclui um participante de um determinado procedimento concursal.

Sem prejuízo do artigo 136.o, n.o 5, o gestor orçamental competente só pode tomar a decisão de excluir um participante ou um destinatário e/ou de aplicar uma sanção financeira a um destinatário e a decisão de publicar as informações conexas, com base na qualificação preliminar a que se refere o artigo 136.o, n.o 2, após ter recebido uma recomendação da instância a que se refere o artigo 143.o»

II. Regulamento impugnado

15

Resulta dos vistos do regulamento impugnado que este foi adotado com fundamento no «Tratado [FUE], nomeadamente no seu artigo 322.o, n.o 1, alínea a),» e no «Tratado [CEEA], nomeadamente [no] seu artigo 106.o‑A».

16

Os considerandos 2, 3, 5 a 10, 12 a 19 e 26 do regulamento impugnado enunciam:

«(2)

Nas suas conclusões de 21 de julho de 2020, o Conselho Europeu declarou que os interesses financeiros da União devem ser protegidos de acordo com os princípios gerais consagrados nos Tratados, em especial os valores consagrados no artigo 2.o [TUE]. O Conselho Europeu também realçou a importância da proteção dos interesses financeiros da União e a importância do respeito pelo Estado de direito.

(3)

O Estado de direito exige que todos os poderes públicos atuem dentro dos limites fixados pela lei, em conformidade com os valores da democracia e do respeito pelos direitos fundamentais, tal como consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [(a seguir «Carta»)] e noutros instrumentos aplicáveis, e sob o controlo de tribunais independentes e imparciais. Em particular, exige que os princípios da legalidade ([Acórdão de 29 de Abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Frutta,C‑496/99 P, EU:C:2004:236, n.o 63]), que pressupõe a existência de um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista, de segurança jurídica ([Acórdão de 12 de novembro de 1981, Meridionale Industria Salumi e o., 212/80 a 217/80, EU:C:1981:270, n.o 10]), de proibição da arbitrariedade de poder executivo ([Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão,46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 19]), de uma tutela jurisdicional efetiva que inclui o acesso à justiça, por órgãos jurisdicionais independentes e imparciais ([Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses,C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 31, 40 e 41, e de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário),C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 63 a 67]), e de separação de poderes ([Acórdãos de 22 de dezembro de 2010, DEB,C‑279/09, EU:C:2010:811, n.o 58; de 10 de novembro de 2016, Poltorak,C‑452/16 PPU, EU:C:2016:858, n.o 35; e de 10 de novembro de 2016, Kovalkovas,C‑477/16 PPU, EU:C:2016:861, n.o 36]) que sejam respeitados ([Comunicação da Comissão intitulada “Um novo quadro da [União] para reforçar o Estado de direito” COM(2014) 158 final, anexo I]]).

[...]

(5)

Quando um país candidato se torna Estado‑Membro, adere a uma construção jurídica que assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns em que a União se funda, como precisado no artigo 2.o [TUE]. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento desses valores e, por conseguinte, no respeito do direito da União que os aplica ([Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 168]). As leis e as práticas dos Estados‑Membros deverão continuar a respeitar os valores comuns em que a União se funda.

(6)

Embora não exista uma hierarquia entre os valores da União, o respeito pelo Estado de direito é essencial para a proteção dos outros valores fundamentais em que a União se funda, como a liberdade, a democracia, a igualdade e o respeito pelos direitos humanos. O respeito pelo Estado de direito está intrinsecamente ligado ao respeito da democracia e dos direitos fundamentais. Não pode haver democracia e respeito dos direitos fundamentais sem respeito pelo Estado de direito, e vice‑versa.

(7)

Sempre que os Estados‑Membros executam o orçamento da União, incluindo os recursos afetados através do Instrumento de Recuperação da União Europeia criado nos termos do Regulamento (UE) 2020/2094 do Conselho[, de 14 de dezembro de 2020, que estabelece um instrumento de recuperação da União Europeia para apoiar a recuperação no rescaldo da crise da COVID‑19 (JO 2020, L 433I, p. 23),] e através de empréstimos e outros instrumentos garantidos pelo orçamento da União, e independentemente do método de execução que utilizarem, o respeito pelo Estado de direito é uma condição prévia essencial para a conformidade com os princípios da boa gestão financeira consagrados no artigo 317.o [TFUE].

(8)

Os Estados‑Membros só podem assegurar uma boa gestão financeira se as autoridades públicas agirem em conformidade com a lei, se os casos de fraude, incluindo a fraude fiscal, de evasão fiscal, de corrupção e de conflito de interesses, ou outras violações do direito, forem efetivamente objeto de investigação e repressão pelos serviços de investigação e do Ministério Público, e se as decisões arbitrárias ou ilegais das autoridades públicas, inclusive das autoridades de aplicação da lei, puderem ser sujeitas a uma fiscalização jurisdicional efetiva por tribunais independentes e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

(9)

A independência e imparcialidade do poder judicial deverá ser sempre garantida, e os serviços de investigação e do Ministério Público deverão estar aptos a exercer adequadamente as suas funções. O poder judicial e os serviços de investigação e do Ministério Público deverão dispor de recursos financeiros e humanos suficientes e de procedimentos que lhes permitam agir eficazmente e no pleno respeito do direito a um processo equitativo, incluindo o respeito dos direitos de defesa. As decisões judiciais definitivas deverão ser executadas de forma efetiva. Tais condições são necessárias como garantia mínima contra decisões ilegais e arbitrárias das autoridades públicas que sejam suscetíveis de lesar os interesses financeiros da União.

(10)

A independência do poder judicial pressupõe, nomeadamente, que a instância judicial em causa esteja em condições de exercer, tanto ao abrigo das regras aplicáveis como na prática, as suas funções jurisdicionais com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, e esteja, assim, protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. As garantias de independência e de imparcialidade postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto.

[...]

(12)

O artigo 19.o [TUE], que concretiza o valor do Estado de direito enunciado no artigo 2.o [TUE], impõe aos Estados‑Membros que prevejam uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, incluindo os relativos à execução do orçamento da União. A própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento do direito da União é inerente ao Estado de direito e requer tribunais independentes ([Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses,C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 32 a 36]). É fundamental que seja preservada a independência dos tribunais, como confirma o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta ([Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses,C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 40 e 41]). Isto aplica‑se, em especial, à fiscalização jurisdicional da regularidade de atos, contratos ou outros instrumentos geradores de despesa ou de dívida pública, designadamente no âmbito de processos de adjudicação de contratos públicos dos quais os tribunais podem igualmente ser chamados a conhecer.

(13)

Por conseguinte, existe uma relação clara entre o respeito pelo Estado de direito e a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira.

(14)

A União desenvolveu uma série de instrumentos e procedimentos que promovem o Estado de direito e a sua aplicação, nomeadamente o apoio financeiro às organizações da sociedade civil, o Mecanismo Europeu para o Estado de direito e o Painel de Avaliação da Justiça na [União], e que providenciam uma resposta eficaz das instituições da União a violações do Estado de direito, através de processos por infração e do procedimento previsto no artigo 7.o [TUE]. O mecanismo previsto no presente regulamento complementa estes instrumentos, protegendo o orçamento da União contra violações dos princípios do Estado de direito que afetem a sua boa gestão financeira ou a proteção dos interesses financeiros da União.

(15)

As violações dos princípios do Estado de direito, em particular as que afetam o correto funcionamento das autoridades públicas e a fiscalização jurisdicional efetiva, podem lesar gravemente os interesses financeiros da União. Tal pode acontecer em consequência de violações pontuais dos princípios do Estado de direito, e mais ainda em consequência de violações generalizadas ou decorrentes de práticas ou omissões recorrentes por parte das autoridades públicas ou de medidas gerais adotadas por essas autoridades.

(16)

A identificação de violações dos princípios do Estado de direito requer uma avaliação qualitativa aprofundada pela Comissão. Essa avaliação deverá ser objetiva, imparcial e equitativa e ter em conta as informações pertinentes provenientes das fontes disponíveis e de instituições reconhecidas, incluindo os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, os relatórios do Tribunal de Contas, o relatório sobre o Estado de direito e o painel de avaliação da justiça na [União] apresentados anualmente pela Comissão, os relatórios do [OLAF], as informações da Procuradoria Europeia, se for caso disso, e as conclusões e recomendações das organizações e redes internacionais pertinentes, incluindo os órgãos do Conselho da Europa, nomeadamente o Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) do Conselho da Europa e a [Comissão Europeia para a Democracia através do Direito (Comissão de Veneza)], em particular a sua lista de verificação em matéria de Estado de direito, bem como a Rede Europeia dos Supremos Tribunais e a Rede Europeia dos Conselhos de Justiça. A Comissão poderá consultar a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Comissão de Veneza se tal for necessário para a realização da avaliação qualitativa aprofundada.

(17)

As medidas previstas no presente regulamento são particularmente necessárias nos casos em que outros procedimentos previstos na legislação da União não permitam uma proteção mais eficaz do orçamento da União. A legislação financeira da União e as regras setoriais e financeiras aplicáveis preveem várias possibilidades para a proteção do orçamento da União, incluindo interrupções, suspensões ou correções financeiras em caso de irregularidades ou de deficiências graves nos sistemas de gestão e controlo. Haverá que estabelecer as medidas a adotar em caso de violações dos princípios do Estado de direito, bem como o procedimento a seguir com vista à adoção dessas medidas. Essas medidas deverão incluir a suspensão dos pagamentos e das autorizações, a suspensão do desembolso das parcelas ou o reembolso antecipado dos empréstimos, a redução do financiamento ao abrigo das autorizações existentes e a proibição de assumir novos compromissos com destinatários ou de celebrar novos acordos relativos a empréstimos ou outros instrumentos garantidos pelo orçamento da União.

(18)

Deverá aplicar‑se o princípio da proporcionalidade ao estabelecer as medidas a adotar, em especial tendo em conta a gravidade da situação, o tempo decorrido desde que teve início a conduta em causa, a duração e recorrência da conduta, a intenção, o grau de cooperação do Estado‑Membro em causa para pôr termo às violações dos princípios do Estado de direito, bem como os efeitos na boa gestão financeira do orçamento da União ou os interesses financeiros da União.

(19)

É essencial que os interesses legítimos dos destinatários finais e dos beneficiários sejam devidamente salvaguardados aquando da adoção de medidas em caso de violações dos princípios do Estado de direito. Ao ponderar a adoção de medidas, a Comissão deverá ter em conta o seu impacto potencial nos destinatários finais e nos beneficiários. Tendo em conta que, no âmbito do regime de gestão partilhada, os pagamentos da Comissão aos Estados‑Membros são juridicamente independentes dos pagamentos efetuados pelas autoridades nacionais aos beneficiários, não se deverá considerar que as medidas adequadas adotadas ao abrigo do presente regulamento afetam as disponibilidades de fundos para pagamentos aos beneficiários em conformidade com os prazos de pagamento estabelecidos nas regras setoriais e financeiras aplicáveis. As decisões adotadas ao abrigo do presente regulamento e as obrigações para com os destinatários finais ou os beneficiários estabelecidas no presente regulamento fazem parte do direito da União aplicável no que respeita à execução do financiamento em regime de gestão partilhada. Os Estados‑Membros abrangidos pelas medidas deverão informar regularmente a Comissão sobre o cumprimento das suas obrigações para com os destinatários finais ou os beneficiários. As informações prestadas sobre o cumprimento das obrigações de pagamento para com os beneficiários estabelecidas nas regras setoriais e financeiras aplicáveis deverão permitir à Comissão verificar que as decisões tomadas ao abrigo do presente regulamento não afetam de modo algum, direta ou indiretamente, os pagamentos a efetuar ao abrigo das regras setoriais e financeiras aplicáveis.

A fim de reforçar a proteção dos destinatários finais ou dos beneficiários, a Comissão deverá fornecer informações e orientações através de um sítio Web ou de um portal na Internet, juntamente com instrumentos adequados que permitam informá‑la de qualquer violação da obrigação legal das entidades públicas e dos Estados‑Membros de continuarem a efetuar pagamentos após a adoção de medidas nos termos do presente regulamento. A Comissão deverá dar seguimento a essas informações a fim de verificar se as regras aplicáveis foram respeitadas, nomeadamente o artigo 69.o, o artigo 74.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 104.o do Regulamento (UE) 2021/1060 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 24 de junho de 2021, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu Mais, aos Fundos de Coesão, ao Fundo para uma Transição Justa e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura e regras financeiras aplicáveis a esses fundos e ao Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, ao Fundo para a Segurança Interna e ao Instrumento de Apoio Financeiro à Gestão das Fronteiras e à Política de Vistos (JO 2021, L 231, p. 159)]. Sempre que necessário, a fim de assegurar que qualquer montante devido por entidades públicas ou Estados‑Membros seja efetivamente pago aos destinatários finais ou aos beneficiários, a Comissão deverá proceder à recuperação dos pagamentos efetuados ou, se for caso disso, efetuar uma correção financeira através da redução do apoio da União a um programa em conformidade com as regras setoriais e financeiras aplicáveis.

[...]

(26)

O procedimento para a adoção e o levantamento das medidas deverá respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade de tratamento dos Estados‑Membros e deverá ser conduzido em conformidade com uma abordagem imparcial e baseada em dados factuais. Se, a título excecional, o Estado‑Membro em causa considerar que existem violações graves dos princípios referidos, pode solicitar ao presidente do Conselho Europeu que submeta a questão à apreciação do Conselho Europeu seguinte. Em tais circunstâncias excecionais, não deverá ser tomada qualquer decisão sobre as medidas até que o Conselho Europeu tenha debatido a questão. Este processo não pode, em regra, demorar mais de três meses após a Comissão ter apresentado a sua proposta ao Conselho.»

17

O artigo 1.o do regulamento impugnado dispõe:

«O presente regulamento estabelece as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros.»

18

Nos termos do artigo 2.o deste regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento:

a)

“Estado de direito”, o valor da União consagrado no artigo 2.o do TUE. Inclui os princípios da legalidade, que pressupõem um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista, bem como os princípios da segurança jurídica, da proibição da arbitrariedade dos poderes executivos, da tutela jurisdicional efetiva, incluindo o acesso à justiça, por tribunais independentes e imparciais, inclusive no que diz respeito aos direitos fundamentais, da separação de poderes, e ainda da não discriminação e da igualdade perante a lei. O Estado de direito deve ser entendido à luz dos outros valores e princípios da União consagrados no artigo 2.o do TUE.

b)

“Entidade pública”, qualquer autoridade pública, a todos os níveis de governo, incluindo as autoridades nacionais, regionais e locais, bem como as organizações dos Estados‑Membros, na aceção do artigo 2.o, ponto 42, do Regulamento [Financeiro].»

19

O artigo 3.o do referido regulamento, com a epígrafe «Violações dos princípios do Estado de direito», prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, podem indiciar violações dos princípios do Estado de direito as seguintes situações:

a)

O facto de se pôr em risco a independência do poder judicial;

b)

O facto de não se prevenirem, corrigirem ou sancionarem decisões arbitrárias ou ilegais de autoridades públicas, incluindo autoridades de aplicação da lei; de se suspenderem recursos financeiros e humanos de uma forma que afete o correto funcionamento dessas autoridades; ou de não se assegurar a ausência de conflitos de interesses;

c)

O facto de se limitar a disponibilidade e eficácia dos mecanismos de recurso, nomeadamente através de regras processuais restritivas e de não se proceder à execução de decisões judiciais, ou de se limitar a efetiva investigação, repressão ou sanção das violações do direito.»

20

O artigo 4.o deste regulamento, com a epígrafe «Condições para a adoção das medidas», enuncia:

«1.   São adotadas medidas adequadas sempre que se determine, nos termos do artigo 6.o, que as violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos interesses financeiros da União.

2.   Para efeitos do presente regulamento, as violações dos princípios do Estado de direito dizem respeito a um ou mais dos seguintes aspetos:

a)

O correto funcionamento das autoridades que executam o orçamento da União, incluindo os empréstimos e outros instrumentos garantidos pelo orçamento da União, em especial no contexto dos procedimentos de contratação pública ou de concessão de subvenções;

b)

O correto funcionamento das autoridades responsáveis pelo controlo, fiscalização e auditoria financeiros, bem como o correto funcionamento de sistemas eficazes e transparentes de gestão e responsabilização financeira;

c)

O correto funcionamento dos serviços de investigação e do Ministério Público no que diz respeito à investigação e repressão da fraude, incluindo a fraude fiscal, da corrupção ou de outras violações do direito da União relativas à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União;

d)

A fiscalização jurisdicional efetiva, por tribunais independentes, das ações ou omissões das autoridades a que se referem as alíneas a), b) e c);

e)

A prevenção e sanção da fraude, incluindo a fraude fiscal, da corrupção ou de outras violações do direito da União relativas à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União, e a imposição, aos destinatários, de sanções efetivas e dissuasivas pelos tribunais ou autoridades administrativas nacionais;

f)

A recuperação de fundos pagos indevidamente;

g)

A cooperação eficaz e em tempo útil com o OLAF e, sob reserva da participação do Estado‑Membro em causa, com a Procuradoria Europeia nas investigações ou ações penais, ao abrigo dos atos pertinentes da União, que levam a cabo em conformidade com o princípio da cooperação leal;

h)

Outras situações ou condutas, por parte das autoridades que são pertinentes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União.»

21

O artigo 5.o do referido regulamento, com a epígrafe «Medidas para a proteção do orçamento da União», prevê, nos n.os 1 a 4:

«1.   Desde que estejam preenchidas as condições previstas no artigo 4.o do presente regulamento, podem ser adotadas uma ou mais das seguintes medidas adequadas de acordo com o procedimento previsto no artigo 6.o do presente regulamento:

a)

Quando a Comissão executa o orçamento da União em regime de gestão direta ou indireta nos termos do artigo 62.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento Financeiro, e quando o destinatário é uma entidade pública:

i)

suspensão dos pagamentos ou da execução do compromisso jurídico, ou cessação do compromisso jurídico nos termos do artigo 131.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro;

ii)

proibição de assumir novos compromissos jurídicos;

iii)

suspensão do desembolso das parcelas, no todo ou em parte, ou reembolso antecipado dos empréstimos garantidos pelo orçamento da União;

iv)

suspensão ou redução da vantagem económica decorrente de um instrumento garantido pelo orçamento da União;

v)

proibição de celebrar novos acordos relativos a empréstimos ou outros instrumentos garantidos pelo orçamento da União;

b)

Quando a Comissão executa o orçamento da União em regime de gestão partilhada com Estados‑Membros nos termos do artigo 62.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Financeiro:

i)

suspensão da aprovação de um ou mais programas ou alteração dessa suspensão;

ii)

suspensão das autorizações;

iii)

redução das autorizações, nomeadamente através de correções financeiras ou transferências para outros programas de despesas;

iv)

redução do pré‑financiamento;

v)

interrupção dos prazos de pagamento;

vi)

suspensão dos pagamentos.

2.   Salvo disposição em contrário da decisão que adota as medidas, a imposição de medidas adequadas não afeta a obrigação de as entidades públicas a que se refere o n.o 1, alínea a), ou os Estados‑Membros a que se refere o n.o 1, alínea b), executarem o programa ou fundo afetado pela medida, em particular as suas obrigações para com os destinatários finais ou os beneficiários, incluindo a obrigação de efetuarem pagamentos em conformidade com o presente regulamento e as regras setoriais ou financeiras aplicáveis. Ao executarem fundos da União em regime de gestão partilhada, os Estados‑Membros abrangidos pelas medidas adotadas ao abrigo do presente regulamento informam a Comissão, de três em três meses a partir da data de adoção dessas medidas, sobre o cumprimento das referidas obrigações.

A Comissão verifica se o direito aplicável foi cumprido e, se necessário, toma todas as medidas adequadas para proteger o orçamento da União, em conformidade com as regras setoriais e financeiras.

3.   As medidas tomadas são proporcionadas. São determinadas tendo em conta o impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos interesses financeiros da União. A natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito são devidamente tidos em conta. As medidas visam especificamente, na medida do possível, as ações da União afetadas pelas violações.

4.   A Comissão fornece, através de um sítio Web ou de um portal na Internet, informações e orientações à atenção dos destinatários finais ou dos beneficiários sobre as obrigações dos Estados‑Membros referidas no n.o 2. A Comissão fornece igualmente, no mesmo sítio Web ou portal da Internet, instrumentos adequados que permitam aos destinatários finais ou aos beneficiários informá‑la de qualquer violação dessas obrigações que, no entender dos destinatários finais ou dos beneficiários, os afete diretamente. O presente número é aplicado por forma a assegurar a proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União, em conformidade com os princípios estabelecidos na Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (JO 2019, L 305, p. 17)]. As informações prestadas pelos destinatários finais ou pelos beneficiários em conformidade com o presente número são acompanhadas de uma prova de que o destinatário final ou o beneficiário em causa apresentou uma queixa formal à autoridade competente do Estado‑Membro em causa.»

22

Nos termos do artigo 6.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Procedimento»:

«1.   Se constatar que existem motivos razoáveis para considerar que as condições previstas no artigo 4.o estão preenchidas, a Comissão — a menos que considere que existem outros procedimentos previstos na legislação da União que lhe permitiriam proteger mais eficazmente o orçamento da União — envia ao Estado‑Membro em causa uma notificação escrita que indique os elementos factuais e os motivos específicos em que as suas constatações se basearam. A Comissão informa sem demora o Parlamento Europeu e o Conselho da referida notificação e do seu conteúdo.

2.   À luz das informações recebidas nos termos do n.o 1, o Parlamento Europeu pode convidar a Comissão para um diálogo estruturado sobre as suas constatações.

3.   Ao avaliar se as condições previstas no artigo 4.o estão preenchidas, a Comissão tem em conta as informações pertinentes provenientes das fontes disponíveis, incluindo as decisões, conclusões e recomendações das instituições da União, de outras organizações internacionais pertinentes e de outras instituições reconhecidas.

4.   A Comissão pode solicitar quaisquer informações adicionais que considere necessárias para realizar a avaliação a que se refere o n.o 3, tanto antes como depois de ter enviado a notificação escrita nos termos do n.o 1.

5.   O Estado‑Membro em causa fornece as informações necessárias e pode formular observações sobre as constatações indicadas na notificação a que se refere o n.o 1 num prazo a ser fixado pela Comissão, o qual não pode ser inferior a um mês nem superior a três meses a contar da data de notificação das constatações. Nas suas observações, o Estado‑Membro pode propor a adoção de medidas corretivas para dar resposta às constatações indicadas na notificação da Comissão.

6.   Ao decidir se deve apresentar uma proposta de decisão de execução sobre as medidas adequadas, a Comissão tem em conta as informações recebidas do Estado‑Membro em causa e quaisquer observações por ele formuladas, bem como a adequação das eventuais medidas corretivas propostas. A Comissão efetua a sua avaliação no prazo indicativo de um mês a contar da data de receção de quaisquer informações do Estado‑Membro em causa ou das observações por ele formuladas, ou, quando não for recebida nenhuma informação ou observação, a contar do termo do prazo fixado em conformidade com o n.o 5, e em qualquer caso num prazo razoável.

7.   Caso tencione apresentar uma proposta nos termos do n.o 9, a Comissão dá previamente ao Estado‑Membro a oportunidade de apresentar as suas observações, em particular no que respeita à proporcionalidade das medidas previstas, no prazo de um mês.

8.   Ao avaliar a proporcionalidade das medidas a impor, a Comissão tem em conta as informações e orientações referidas no n.o 3.

9.   Se a Comissão considerar que as condições previstas no artigo 4.o estão preenchidas e que as medidas corretivas propostas pelo Estado‑Membro nos termos do n.o 5, caso existam, não dão uma resposta adequada às constatações indicadas na notificação por ela enviada, apresenta ao Conselho uma proposta com vista a uma decisão de execução sobre as medidas adequadas, no prazo de um mês a contar da receção das observações do Estado‑Membro ou, caso não sejam formuladas Se observações, sem demora injustificada e, em qualquer caso, no prazo de um mês a contar do termo do prazo fixado no n.o 7. A proposta indica os motivos específicos e os dados factuais em que as constatações da Comissão se basearam.

10.   O Conselho adota a decisão de execução a que se refere o n.o 9 do presente artigo no prazo de um mês a contar da receção da proposta da Comissão. Caso surjam circunstâncias excecionais, o prazo para a adoção dessa decisão de execução pode ser prorrogado por um período máximo de dois meses. A fim de assegurar uma decisão atempada, e sempre que o considere adequado, a Comissão faz uso dos seus direitos ao abrigo do artigo 237.o [TFUE].

11.   O Conselho adota a decisão de execução a que se refere o n.o 9 do presente artigo no prazo de um mês a contar da receção da proposta da Comissão.»

23

O artigo 7.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Levantamento das medidas», prevê, nos n.os 1 e 2:

«1.   O Estado‑Membro em causa pode, a qualquer momento, adotar novas medidas corretivas e apresentar à Comissão uma notificação escrita, na qual inclua dados factuais, a fim de demonstrar que as condições previstas no artigo 4.o deixaram de estar preenchidas.

2.   A pedido do Estado‑Membro em causa, ou por sua própria iniciativa e o mais tardar um ano após a adoção de medidas pelo Conselho, a Comissão reavalia a situação no Estado‑Membro em causa tendo em conta quaisquer dados factuais por ele apresentados, bem como a adequação de quaisquer novas medidas corretivas adotadas pelo Estado‑Membro em causa.

Se considerar que as condições previstas no artigo 4.o deixaram de estar preenchidas, a Comissão apresenta ao Conselho uma proposta de decisão de execução que levante as medidas adotadas

Se considerar que a situação que conduziu à adoção das medidas foi parcialmente remediada, a Comissão apresenta ao Conselho uma proposta de decisão de execução que adapte as medidas adotadas

Se considerar que a situação que conduziu à adoção das medidas não foi remediada, a Comissão envia ao Estado‑Membro em causa uma decisão fundamentada e informa do facto o Conselho.

Caso o Estado‑Membro em causa apresente uma notificação escrita nos termos do n.o 1, a Comissão apresenta a sua proposta ou adota a sua decisão no prazo de um mês a contar da receção dessa notificação. Este prazo pode ser prorrogado em circunstâncias devidamente justificadas; nesse caso, a Comissão informa sem demora o Estado‑Membro em causa dos motivos da prorrogação.

O procedimento estabelecido no artigo 6.o, n.os 3, 4, 5, 6, 9, 10 e 11, aplica‑se por analogia, conforme adequado.»

III. Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

24

A República da Polónia pede ao Tribunal de Justiça que se digne anular o regulamento impugnado e condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

25

O Parlamento e o Conselho pedem ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao recurso e condenar a República da Polónia nas despesas.

26

Por petição de 12 de maio de 2021, o Parlamento pediu que o presente processo fosse submetido a tramitação acelerada, prevista no artigo 133.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio desse pedido, o Parlamento alegou que a adoção do regulamento impugnado era uma condição política essencial para a aprovação do Regulamento (UE, Euratom) 2020/2093 do Conselho, de 17 de dezembro de 2020, que estabelece o quadro financeiro plurianual para o período de 2021 a 2027 (JO 2020, L 433I, p. 11) e que, dada a urgência económica, os fundos disponíveis para o plano de recuperação COVID‑19 com o título «Next Generation EU» deverão ser colocados à disposição dos Estados‑Membros em prazos extremamente curtos. A este propósito, esclareceu nomeadamente que, em conformidade com o artigo 3, n.o 4, do Regulamento 2020/2094, pelo menos 60 % dos compromissos jurídicos devem ser assumidos até31 de dezembro de 2022, o mais tardar. Por outro lado, o Parlamento sublinhou que, na sequência da entrada em vigor da Decisão (UE, Euratom) 2020/2053 do Conselho, de 14 de dezembro de 2020, relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia e que revoga a Decisão 2014/335/UE, Euratom (JO 2020, L 424, p. 1), a Comissão lançará a partir do verão de 2022 os seus pedidos de empréstimos nos mercados de capitais para financiar o referido plano de recuperação. Segundo o Parlamento, o empréstimo e a colocação à disposição de fundos extremamente importantes, em prazos muito curtos, implicará inevitavelmente riscos para o orçamento da União que o regulamento impugnado visa proteger. Tal proteção é importante, uma vez que uma incapacidade de proteger de maneira efetiva esse orçamento pode gerar repercussões nefastas, nomeadamente para a solidariedade dentro da União a longo prazo.

27

O artigo 133.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do demandante ou do demandado, o presidente do Tribunal pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos a outra parte, o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um processo a tramitação acelerada.

28

No caso em apreço, em 9 de junho de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidas as outras partes, o juiz‑relator e o advogado‑geral, deferir este pedido. Esta decisão foi motivada pela importância fundamental do presente processo para a ordem jurídica da União, nomeadamente na medida em que diz respeito às competências da União para defender o seu orçamento e os seus interesses financeiros contra prejuízos decorrentes de violações dos valores que constam do artigo 2.o TUE.

29

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de junho de 2021, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia, o Reino da Suécia e a Comissão foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho.

30

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça do mesmo dia, foi admitida a intervenção da Hungria em apoio dos pedidos da República da Polónia.

31

Por petição de 11 de maio de 2021, o Conselho pediu ao Tribunal de Justiça que não tomasse em consideração os excertos da petição da República da Polónia e dos seus anexos, especialmente do anexo A.3, que referem o parecer n.o 13593/18, de 25 de outubro de 2018, do seu Serviço Jurídico sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção do orçamento da União caso se verifiquem deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados‑Membros [(COM/2018) 324 final], na origem do regulamento impugnado (a seguir «parecer jurídico n.o 13593/18»), ou reproduzem o seu conteúdo ou raciocínio. Em 29 de junho de 2021, o Tribunal de Justiça decidiu reservar para final a decisão sobre este pedido.

32

Em 7 de setembro de 2021, considerando que o presente processo reveste uma importância excecional, o Tribunal de Justiça decidiu, ouvido o advogado‑geral, remeter o processo ao Tribunal Pleno, nos termos do artigo 16.o, último parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

IV. Quanto ao pedido para não tomar em consideração determinados excertos da petição da República da Polónia

A.   Argumentação das partes

33

Em apoio do seu pedido no sentido de não serem tidos em conta os pontos 53, 75, 126, 133 e 139 da petição da República da Polónia, na medida em que se referem ao parecer jurídico n.o 13593/18, reproduzem o seu conteúdo ou refletem a sua análise, o Conselho alega que este parecer jurídico constitui um documento interno não classificado com a marcação «LIMITE». Portanto, está abrangido pelo segredo profissional e a sua apresentação em juízo está subordinada às condições previstas, nomeadamente, no artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho e nos pontos 20 e 21 das diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho.

34

Nos termos do artigo 6.o, n.o 2, deste regulamento, só o Conselho ou o Coreper podem autorizar a apresentação em tribunal de uma cópia ou extrato de documentos do Conselho que não tenham sido ainda facultados ao público de acordo com as disposições em matéria de acesso do público aos documentos. Por outro lado, em conformidade com os pontos 20 e 21 destas diretrizes, um documento «LIMITE» não pode ser facultado ao público sem que tenha sido tomada uma decisão nesse sentido por um funcionário devidamente autorizado do Conselho, pela administração nacional de um Estado‑Membro, ouvido o SGC, ou, se necessário, pelo Conselho, nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 e do Regulamento Interno do Conselho.

35

Ora, no caso em apreço, até à data, o Conselho só tornou públicos, nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, os primeiros oito pontos do parecer jurídico n.o 13593/18 e também não autorizou a República da Polónia a apresentá‑lo no âmbito do presente processo judicial.

36

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, é contrário ao interesse público, que exige que as instituições possam beneficiar dos pareceres do respetivo Serviço Jurídico, elaborados com toda a independência, admitir que a apresentação desses documentos internos possa ocorrer no âmbito de um litígio no Tribunal de Justiça sem que a referida apresentação tenha sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada por esse órgão jurisdicional.

37

O Conselho observa que, embora só tenha dado acesso parcial ao parecer jurídico n.o 13593/18 na sequência de pedidos baseados no Regulamento n.o 1049/2001, foi em razão, em especial, do risco de, no âmbito de um litígio relativo à validade do regulamento impugnado, um recorrente o poder confrontar com os argumentos expostos pelo seu próprio Serviço Jurídico no referido parecer, em violação dos requisitos de um processo equitativo e da igualdade de armas entre as partes num processo judicial. De resto, esses riscos materializaram‑se na interposição do presente recurso.

38

Aliás, segundo o Conselho, a República da Polónia votou sempre, com base nestes argumentos, a favor das decisões que recusaram o acesso do público ao parecer jurídico n.o 13593/18. Se esse Estado‑Membro tivesse pretendido que esse parecer fosse tornado público, deveria ter apresentado um pedido nesse sentido nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 ou ter solicitado uma autorização em conformidade com o Regulamento Interno do Conselho e as diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho.

39

O Conselho alega que se a República da Polónia fosse autorizada a utilizar o parecer jurídico n.o 13593/18 no presente processo, apesar de não ter seguido o procedimento previsto para esse efeito e de a questão não ter sido sujeita a uma fiscalização jurisdicional efetiva, os procedimentos previstos no Regulamento n.o 1049/2001 e no Regulamento Interno do Conselho seriam eludidos. A este respeito, recorda a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que dá provimento aos pedidos das instituições destinados a obter o desentranhamento dos seus documentos internos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe quando não autorizaram a apresentação em juízo e considera que daí decorre que o parecer jurídico n.o 13593/18 não pode ser utilizado no presente processo.

40

Além disso, o Conselho alega que, se a apresentação do parecer jurídico n.o 13593/18 no presente processo fosse admitida, ver‑se‑ia obrigado a fazer apreciações perante o juiz da União sobre um parecer destinado a uso interno e emitido pelo seu próprio Serviço Jurídico na elaboração do regulamento impugnado, o que violaria os requisitos de um processo equitativo e afetaria a possibilidade de o Conselho receber pareceres francos, objetivos e completos.

41

Por último, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o facto de o parecer jurídico n.o 13593/18 ter sido divulgado sem autorização do Conselho no sítio Internet de um órgão de imprensa e de o seu conteúdo ter sido assim revelado ao público não é relevante para estas considerações. Acresce que, o prejuízo causado ao Conselho e às instituições da União resultante da utilização não autorizada desse parecer jurídico no âmbito do presente processo excede amplamente o prejuízo causado pela publicação do referido anúncio na imprensa. Com efeito, o facto de permitir que a República da Polónia se baseie no mesmo parecer jurídico ameaça o interesse público que consiste em que as instituições possam beneficiar dos pareceres do seu Serviço Jurídico com total independência e inviabiliza a eficácia dos procedimentos que visam a proteção desse interesse.

42

A República da Polónia contesta a argumentação do Conselho.

B.   Apreciação do Tribunal de Justiça

43

Com a sua argumentação, o Conselho alega, em substância, que, ao reproduzir, nos n.os 53, 126, 133 e 139 da petição, excertos do parecer jurídico n.o 13593/18 e ao reformular, no n.o 75 dessa petição, o conteúdo desse parecer, a República da Polónia, primeiro, violou o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho, segundo, ignorou o interesse público que consiste em que o Conselho possa beneficiar dos pareceres do seu Serviço Jurídico proferidos com total independência, terceiro, pôs o Conselho numa situação que o pode levar a pronunciar‑se no processo principal sobre a análise do seu próprio Serviço Jurídico, violando assim o princípio da igualdade de armas, quarto, infringiu os pontos 20 e 21 das diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho e, quinto, ignorou o Regulamento n.o 1049/2001.

44

Quanto à alegação de violação do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho, importa recordar que, nos termos desta disposição, «[o] Conselho ou o Coreper podem autorizar a apresentação em tribunal de cópias ou extratos de documentos do Conselho que não tenham sido ainda facultados ao público».

45

A este respeito, importa constatar, antes de mais, que a petição faz referência a pontos do parecer jurídico n.o 13593/18 diferentes dos oito pontos que o Conselho tornou públicos nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, em seguida, que a República da Polónia não pediu autorização ao Conselho para apresentar em juízo uma cópia ou extratos desse parecer jurídico e, por último, que este Estado‑Membro não juntou à sua petição uma cópia do referido parecer jurídico.

46

Portanto, há que determinar se, ao reproduzir ou reformular na sua petição, citando‑os, excertos do parecer jurídico n.o 13593/18, se deve considerar que a República da Polónia apresentou em juízo extratos deste, na aceção do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho.

47

A este respeito, importa salientar que os n.os 53, 126 e 133 da petição incluem citações desse parecer, ao passo que os n.os 75, 139 e 126 desta petição, contêm a própria argumentação da República da Polónia, que este Estado‑Membro alega refletir a análise efetuada no referido parecer jurídico. Ora, tais argumentações acompanhadas de meras alegações de concordância com o parecer jurídico n.o 13593/18, cuja exatidão, aliás, o Conselho contesta, não podem ser vistas como extratos desse parecer jurídico.

48

Nestas condições, há que considerar que só os n.os 53, 126 e 133 da petição podem ser considerados como contendo «extratos» do parecer jurídico n.o 13593/18, na aceção do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho. Por outro lado, a apresentação desses extratos numa peça processual constitui uma «apresentação em tribunal», na aceção desta disposição.

49

Consequentemente, a República da Polónia estava, em princípio, obrigada a obter a autorização do Conselho, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho, para apresentar no Tribunal de Justiça os extratos do parecer jurídico n.o 13593/18, que constam dos n.os 53, 126 e 133 da petição.

50

A este respeito, como salienta o Conselho, resulta efetivamente de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que seria contrário ao interesse público que pretende que as instituições possam beneficiar dos pareceres dos seus serviços jurídicos, redigidos com absoluta independência, admitir que a apresentação de tais documentos internos possa ocorrer no âmbito de um litígio no Tribunal de Justiça sem que a referida apresentação tenha sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada por este Tribunal (Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 8 e jurisprudência referida, e Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia,C‑457/18, EU:C:2020:65, n.o 66).

51

Com efeito, com a apresentação não autorizada desse parecer jurídico, o recorrente confronta a instituição em causa, no processo relativo à validade de um ato impugnado, com um parecer emitido pelo seu próprio Serviço Jurídico aquando da elaboração desse ato. Ora, em princípio, o facto de admitir que esse recorrente possa verter para os autos um parecer jurídico de uma instituição cuja divulgação não autorizou viola os requisitos de um processo equitativo e equivale a eludir o procedimento do pedido de acesso a esse documento, instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001 (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado EU:C:2019:438, n.o14 e jurisprudência referida, e Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia,C‑457/18, EU:C:2020:65, n.o 68).

52

Todavia, há que ter em conta o princípio da transparência, inscrito no artigo 1.o, segundo parágrafo, e no artigo 10.o, n.o 3, TUE, bem como no artigo 15.o, n.o 1, e no artigo 298.o, n.o 1, TFUE, que permite, nomeadamente, garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da administração perante os cidadãos num sistema democrático (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 13 e jurisprudência referida). Ao permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, a transparência contribui, além disso, para aumentar a confiança desses cidadãos (Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão,C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 75 e jurisprudência referida).

53

É verdade que só a título excecional é que o princípio da transparência pode justificar uma divulgação no âmbito de um processo judicial de um documento de uma instituição que não foi tornado acessível ao público e que comporta um parecer jurídico. É a razão pela qual o Tribunal de Justiça declarou que a manutenção, nos autos, de um documento que contém um parecer jurídico de uma instituição não é justificada por nenhum interesse público superior quando, por um lado, esse parecer jurídico não é relativo a um processo legislativo para o qual se impõe uma transparência acrescida e, por outro, o interesse dessa manutenção consiste apenas, para o Estado‑Membro em causa, em poder invocar o referido parecer jurídico no âmbito de um litígio. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, a apresentação desse parecer jurídico parece ser guiada pelos próprios interesses do recorrente em fundamentar a sua argumentação e não por um qualquer interesse público superior, como o tornar público o processo que conduziu ao ato impugnado (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 14 e jurisprudência referida, n.o 18, e Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia,C‑457/18, EU:C:2020:65, n.o 71).

54

No caso em apreço, há que constatar que, ao contrário dos processos que deram origem à jurisprudência referida no número precedente, o parecer jurídico n.o 13593/18 reporta‑se a um processo legislativo.

55

A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que a divulgação de documentos que contêm um parecer do Serviço Jurídico de uma instituição sobre questões jurídicas suscitadas no debate sobre iniciativas legislativas pode aumentar a transparência e a abertura do processo legislativo e reforçar o direito dos cidadãos europeus de controlar as informações que constituíram o fundamento de um ato legislativo. Daqui deduziu que não existe uma necessidade geral de confidencialidade no que se refere aos pareceres do Serviço Jurídico do Conselho relativos a um processo legislativo e que o Regulamento n.o 1049/2001 impõe, em princípio, um dever de os divulgar (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.os 67 e 68).

56

Com efeito, é precisamente a transparência neste domínio que, ao permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, contribui para reduzir as dúvidas dos cidadãos europeus não só quanto à legalidade de um ato legislativo isolado, mas também quanto à legitimidade de todo o processo legislativo (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 59), e contribui para o reforço dos princípios da democracia e do respeito dos direitos fundamentais consagrados no artigo 6.o TUE e na Carta, com recorda o considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001.

57

Esta transparência não impede, porém, que a divulgação de um parecer jurídico específico, emitido no contexto de um processo legislativo, mas com um caráter particularmente sensível ou um alcance particularmente amplo que ultrapasse o quadro desse processo legislativo, possa ser recusada ao abrigo da proteção dos pareceres jurídicos, caso em que incumbe à instituição em causa fundamentar a recusa de modo circunstanciado (v. Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 69).

58

Ora, no caso em apreço, como salientou o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona nos n.os 70 a 72 das suas Conclusões no processo Hungria/Parlamento e Conselho (C‑156/21, EU:C:2021:974), o Conselho não demonstrou que o parecer jurídico n.o 13593/18 tem um caráter particularmente sensível ou um alcance particularmente amplo que ultrapasse o quadro do processo legislativo correspondente.

59

Portanto, nem o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho nem a jurisprudência recordada no n.o 50 do presente acórdão impedem que a República da Polónia divulgue esse parecer jurídico, no todo ou em parte, na sua petição.

60

Esta conclusão não é infirmada pelo facto de a República da Polónia ter um interesse próprio em que os excertos controvertidos da sua petição sejam tidos em conta pelo Tribunal de Justiça. Com efeito, uma vez que essa tomada em conta também é suscetível de contribuir para reduzir as dúvidas dos cidadãos não só quanto à legalidade de um ato legislativo isolado mas também quanto à legitimidade de todo o processo legislativo, serve, em todo o caso, o interesse público superior recordado nos n.os 55 e 56 do presente acórdão.

61

Consequentemente, e sem que seja necessário pronunciar‑se em separado sobre os fundamentos relativos à violação dos n.os 20 e 21 das diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho, do Regulamento n.o 1049/2001 e do princípio de igualdade de armas, estes fundamentos não podem, em todo o caso, proceder, tendo em conta as apreciações efetuadas nos n.os 52 a 60 do presente acórdão, pelo que o pedido do Conselho de que não sejam tomados em conta os excertos da petição da República da Polónia, na medida em que fazem referência ao parecer jurídico n.o 13593/18, reproduzindo o seu conteúdo ou refletindo a sua análise, deve ser julgado improcedente.

V. Quanto ao recurso

62

Em apoio do seu recurso a República da Polónia invoca onze fundamentos. Importa examinar, em primeiro lugar e em conjunto, o primeiro, segundo, quinto, sexto e décimo primeiro fundamentos, relativos, em substância, à incompetência da União para adotar o regulamento impugnado.

A.   Quanto ao primeiro, segundo, quinto, sexto e décimo primeiro fundamentos, relativos à incompetência da União para adotar o regulamento impugnado

1. Argumentação das partes

63

Com o primeiro fundamento, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que a natureza e o alcance das competências atribuídas à União pelos Tratados não permitem ao Conselho instituir um mecanismo como o previsto no regulamento impugnado, que confere às instituições da União o controlo do respeito dos Estados‑Membros pelos princípios do Estado de direito e a ele subordina o pagamento dos fundos provenientes do orçamento da União.

64

É certo que o legislador da União pode legalmente instituir, com base no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, um mecanismo que subordina os pagamentos provenientes do orçamento da União à observância, pelos Estados‑Membros, do princípio da boa gestão financeira. Todavia, decorre deste princípio, conforme definido no artigo 2.o, ponto 59, do Regulamento Financeiro, e dos esclarecimentos que constam do artigo 56.o, n.o 2, desse regulamento que as obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força do referido princípio devem ser concretas e resultar de disposições jurídicas específicas que demonstrem a relação direta entre os requisitos instituídos e o princípio da boa gestão financeira dos fundos da União, bem como da proteção dos seus interesses financeiros.

65

Ora, com o regulamento impugnado, o legislador da União criou, como resulta do seu artigo 1.o, um mecanismo que subordina os pagamentos provenientes do orçamento da União não ao respeito dos Estados‑Membros por obrigações concretas previstas no direito da União, relacionadas com o respeito pelo princípio da boa gestão financeira, mas ao respeito pelos princípios do Estado de direito.

66

A República da Polónia considera que a instituição desse mecanismo não está abrangida pelos poderes conferidos ao legislador da União no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, mesmo que o artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado preveja que a violação dos princípios do Estado de direito que é constatada deve prejudicar ou apresentar um risco sério de prejudicar a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros, de forma suficientemente direta.

67

Em primeiro lugar, o legislador da União não pode, num regulamento adotado nos termos do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, definir o conceito de «Estado de direito» nem determinar os elementos que permitem constatar uma violação dos princípios constitutivos deste conceito.

68

Antes de mais, os princípios do Estado de direito resultam das tradições constitucionais e políticas dos Estados‑Membros, de modo que o seu conteúdo é esclarecido na jurisprudência dos órgãos jurisdicionais constitucionais. Embora seja verdade que as organizações internacionais, nomeadamente o Conselho da Europa, elaboraram determinados critérios de apreciação quanto ao respeito desses princípios, a concretização dos referidos princípios limitou‑se, no direito da União, à referência aos objetivos que prosseguem. Ora, tendo em conta as diferenças existentes entre os Estados‑Membros quanto às suas identidades nacionais, aos seus sistemas constitucionais e jurídicos, bem como às suas tradições jurídicas, o legislador da União não pode esclarecer, para todos os princípios do Estado de direito, através de que fundamentos podem ser alcançados os objetivos que prosseguem. Portanto, a obrigação de os Estados‑Membros respeitarem esses princípios limita‑se à necessidade de garantir o seu conteúdo essencial.

69

Em seguida, embora a União se baseie nos valores contidos no artigo 2.o TUE, os Tratados não esclarecem o seu conteúdo e não conferem nenhuma competência ao legislador da União para definir o seu alcance em atos de direito derivado, nem sequer nos termos do artigo 19.o TUE. Com efeito, esta última disposição não impõe nenhuma obrigação concreta quanto à organização da justiça nos Estados‑Membros, a qual é da competência exclusiva destes últimos.

70

Por último, excedendo as competências que lhe foram conferidas pelo artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, o legislador da União definiu, no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado, o conceito de «Estado de direito», alargando o seu alcance a outros valores que constam do artigo 2.o TUE. Do mesmo modo, para além do facto de o artigo 3.o deste regulamento enunciar critérios que podem «indiciar violações dos princípios do Estado de direito», o artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento apresenta uma lista das situações exigidas para que haja violação dos princípios do Estado de direito para efeitos do referido regulamento, sem que, todavia, o legislador da União estabeleça a relação entre essas disposições e sem que essa lista seja exaustiva, tendo em conta a sua alínea h).

71

Ao fazê‑lo, o legislador da União também conferiu à Comissão e ao Conselho o poder de clarificar melhor, na aplicação do regulamento impugnado, os requisitos relacionados com o respeito pelo Estado de direito. Além disso, tal poder exerce‑se ex post, através da avaliação de uma situação existente num Estado‑Membro, permitindo‑lhes assim ajustar os referidos requisitos à violação imputada ao Estado‑Membro em causa e aplicá‑las com efeito retroativo à situação examinada.

72

Em segundo lugar, a República da Polónia considera que o legislador da União não podia, com base no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, estabelecer um procedimento alternativo aos previstos, respetivamente, no artigo 7.o TUE e no artigo 258.o TFUE, confiando à Comissão e ao Conselho o poder de declarar violações dos princípios do Estado de direito pelos Estados‑Membros.

73

Com efeito, tal violação só pode ser declarada pelo Conselho Europeu, nos termos do artigo 7.o TUE. Este poder exclusivo do Conselho Europeu só pode ser derrogado nos termos do artigo 19.o, n.o 1, TUE, e da obrigação prevista de assegurar, nos domínios abrangidos pelo direito da União, uma proteção jurisdicional efetiva, uma vez que a violação desta obrigação pode ser declarada pelo Tribunal de Justiça num processo instaurado nos termos do artigo 258.o TFUE.

74

O poder exclusivo do Conselho Europeu de verificar, nos termos do artigo 7.o TUE, violações dos princípios do Estado de direito justifica‑se pelo facto de o controlo do respeito deste valor ter um caráter discricionário e poder depender de considerações políticas. Assim, segundo os Tratados, incumbe aos representantes dos governos dos Estados‑Membros efetuar essas constatações e subtraí‑las a qualquer fiscalização jurisdicional quanto ao mérito. Com efeito, na falta de requisitos claros, o Tribunal de Justiça não pode apreciar a conformidade das constatações do Conselho Europeu com os requisitos decorrentes desse valor. Por esta razão, o artigo 269.o TFUE limita a fiscalização jurisdicional efetuada pelo Tribunal de Justiça apenas quanto ao respeito das «disposições processuais» definidas no artigo 7.o TUE, não podendo essa fiscalização incidir sobre a constatação pelo Conselho Europeu de «uma violação grave e persistente» do referido valor por parte de um Estado‑Membro.

75

Coloca‑se, assim, a questão de saber se uma decisão de execução do Conselho que declara, em conformidade com o regulamento impugnado, a violação dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro, pode ser objeto de um fiscalização jurisdicional quanto ao mérito, sem que seja violada a competência exclusiva do Conselho Europeu, resultante do artigo 7.o TUE e do artigo 269.o TFUE, para apreciar o respeito dos Estados‑Membros pelos valores contidos no artigo 2.o TUE.

76

Em terceiro lugar, a República da Polónia considera que, ao instituir um mecanismo que permite aplicar sanções financeiras aos Estados‑Membros, o legislador da União ultrapassou as competências que lhe são conferidas pelo artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

77

A este respeito, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, recorda que, no sistema jurídico da União, um mecanismo horizontal e setorial de condicionalidade relativo ao pagamento de fundos provenientes do orçamento da União deve preencher três condições. Antes de mais, deve definir com precisão as condições de obtenção dos fundos da União e os elementos de apreciação do respeito dessas condições. Depois, as condições de obtenção dos pagamentos fixados no âmbito do mecanismo devem apresentar uma «relação suficientemente direta» com o objetivo do mecanismo, pelo que a inobservância da condição ameaça diretamente o objetivo do financiamento, a boa gestão financeira ou os interesses financeiros da União. Por último, a existência de uma relação efetiva entre o desrespeito da condição e a perda do financiamento deve ser provada, em especial para efeitos da apreciação da proporcionalidade da medida de proteção do orçamento da União.

78

Resulta destes requisitos que um mecanismo de condicionalidade não pode servir para punir infrações ao direito da União, sem impacto direto na realização do objetivo do financiamento ou na boa utilização dos fundos.

79

Ora, o primeiro requisito não está preenchido. Com efeito, os princípios do Estado de direito não podem estar abrangidos por esse mecanismo de condicionalidade, uma vez que nem os Tratados nem o direito derivado esclarecem esses princípios ou as obrigações concretas que os Estados‑Membros devem respeitar a esse título.

80

De resto, a União não dispõe de qualquer competência em relação a vários aspetos do Estado de direito tal como é definido no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado, entre os quais, nomeadamente, a existência de um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista. Além disso, uma vez que o artigo 3.o e o artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento estão formulados em termos muito gerais, a constatação da violação dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro também não necessita de demonstrar a violação de obrigações concretas e enquadra‑se numa apreciação discricionária. Portanto, não se pode excluir que essa apreciação seja impactada por considerações políticas, quer seja arbitrária, quer seja efetuada em violação do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados.

81

O segundo requisito também não está preenchido. Com efeito, os casos de violação dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro, tal como enunciados no artigo 3.o e no artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, estão formulados em termos gerais, figuram numa lista que não tem caráter exaustivo e não estabelecem nenhuma obrigação jurídica precisa. Estas diferentes características tornam sem objeto a obrigação de demonstrar «a existência de uma relação suficientemente direta» entre a violação constatada e o risco para a boa gestão financeira dos fundos da União. Assim, segundo a República da Polónia, este requisito que é, consoante a hipótese escolhida, automaticamente preenchido ou impossível de demonstrar, será necessariamente objeto de uma apreciação política e proporcionará toda a latitude à Comissão e ao Conselho para restringir o acesso dos Estados‑Membros aos financiamentos da União.

82

O terceiro requisito de um mecanismo de condicionalidade também não é abordado, uma vez que é impossível demonstrar, no contexto de uma apreciação exclusivamente política, a existência de uma relação efetiva entre o desrespeito pela condição de obtenção do financiamento, ou seja, a violação dos princípios do Estado de direito, e a perda do financiamento proveniente do orçamento da União. Dado que a limitação do financiamento e o seu alcance só podem resultar de uma apreciação política, a decisão do Conselho não pode ser proporcionada, como exigem o artigo 5.o, n.o 3, e o considerando 18 do regulamento impugnado.

83

A título subsidiário, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que o legislador tinha competência para adotar o regulamento impugnado, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, considera, com o segundo fundamento, que este regulamento devia ter sido baseado no artigo 311.o, terceiro parágrafo, TFUE, relativo ao sistema de recursos próprios da União, ou no artigo 312.o, n.o 2, TFUE, relativo ao quadro financeiro plurianual.

84

A este respeito, esse Estado‑Membro salienta que o referido regulamento é aplicável, nomeadamente segundo o seu considerando 7, não só a todos os compromissos orçamentais adotados ao abrigo do quadro financeiro plurianual 2021/2027, mas também aos recursos afetados pelo Regulamento 2020/2094 e pelos empréstimos e outros instrumentos garantidos pelo orçamento da União. Portanto, este regulamento está estreitamente relacionado com a Decisão 2020/2053 e com o quadro financeiro plurianual 2021/2027 e não com os diversos orçamentos anuais da União.

85

Uma vez que o regulamento impugnado é aplicável aos orçamentos anuais posteriores da União, só o artigo 311.o, terceiro parágrafo, TFUE ou o artigo 312.o, n.o 2, TFUE, que constitui a base jurídica dos quadros financeiros plurianuais, podem constituir uma base jurídica adequada deste regulamento.

86

Portanto, a adoção do regulamento impugnado com base no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE através do processo legislativo ordinário teria permitido eludir os requisitos processuais decorrentes dos artigos 311.° e 312.° TFUE, uma vez que estas últimas disposições preveem, com efeito, processos legislativos especiais.

87

Com o quinto fundamento, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que o regulamento impugnado institui um novo mecanismo de controlo do respeito pelos princípios do Estado de direito por parte dos Estados‑Membros, não previsto nos Tratados e que elude o processo previsto no artigo 7.o TUE.

88

Com efeito, esse mecanismo, que não é um mecanismo de condicionalidade, tem um objeto análogo ao do procedimento previsto no artigo 7.o TUE, uma vez que este e o procedimento previsto no regulamento impugnado visam ambos controlar o respeito pelos princípios do Estado de direito por parte dos Estados‑Membros e aplicar sanções em caso de incumprimento desses princípios. Estes dois procedimentos também são independentes um do outro, uma vez que o mecanismo instituído por este regulamento não está subordinado à abertura de um processo nos termos do artigo 7.o TUE.

89

Assim, antes de mais, enquanto o Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, é competente para declarar a existência de uma violação dos princípios do Estado de direito nos termos do artigo 7.o, n.o 2, TUE, o regulamento impugnado prevê que cabe, antes de mais, à Comissão verificar a existência dessa violação, sendo a decisão do Conselho que impõe as medidas adotada por maioria qualificada e refletindo a apreciação da Comissão.

90

Em seguida, embora o artigo 7.o TUE exija a verificação de uma violação «grave e persistente» dos princípios do Estado de direito, o regulamento impugnado limita‑se à existência de uma violação simples e isolada, como resulta do seu artigo 4.o, n.o 1, conjugado com seu considerando 15.

91

Por último, o procedimento do artigo 7.o TUE contém duas decisões, a primeira, do Conselho Europeu, relativa à verificação de uma violação e, a segunda, do Conselho, relativa à adoção de sanções, pelo que a verificação de uma violação não conduz necessariamente à aplicação de uma sanção. Pelo contrário, o regulamento impugnado prevê a adoção de uma única decisão, pelo Conselho, relativa tanto à existência de uma violação como às medidas de proteção do orçamento da União a adotar.

92

Ora, ao fixar assim requisitos processuais menos rigorosos do que os do artigo 7.o TUE, ao mesmo tempo que permite alcançar o mesmo objetivo, o regulamento impugnado priva aquela disposição de qualquer efeito útil.

93

A República da Polónia esclarece, neste contexto, que o processo atualmente instaurado contra si nos termos do artigo 7.o TUE ainda não deu origem à verificação, pelo Conselho Europeu, de uma «violação grave e persistente [...] dos valores referidos no artigo 2.o [TUE]», com base no n.o 2 deste artigo, pelo que o Conselho não pode, na fase atual, adotar uma sanção nos termos do n.o 3 do referido artigo. Assim, a criação do mecanismo previsto no regulamento impugnado tem por finalidade eludir o procedimento previsto no artigo 7.o TUE.

94

Na falta de uma revisão dos Tratados nos termos do artigo 48.o TUE, a introdução de um mecanismo de fiscalização do respeito pelos compromissos internacionais, que não tem fundamento nos Tratados, constitui um abuso flagrante do direito e uma violação dos princípios fundamentais do direito internacional, nomeadamente dos princípios da igualdade soberana dos Estados e da não ingerência nos seus assuntos internos, codificados na Carta das Nações Unidas e na Resolução 2625 (XXV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 24 de outubro de 1970, intitulada «Declaração relativa aos princípios do direito internacional respeitantes às relações amigáveis e à cooperação entre os Estados de harmonia com a Carta das Nações Unidas». Nos termos destes princípios, os procedimentos que permitem acionar a responsabilidade dos Estados por violações dos seus compromissos internacionais só podem resultar de normas do direito internacional livremente aceites por estes.

95

Com o sexto fundamento, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que, em violação do artigo 7.o TUE e do artigo 269.o TFUE, o Tribunal de Justiça podia ser chamado a apreciar, quanto ao mérito, violações dos princípios do Estado de direito alegadas pela Comissão, aquando do fiscalização jurisdicional das decisões do Conselho adotadas nos termos do regulamento impugnado. Com efeito, para poder proceder a essa fiscalização, o Tribunal de Justiça seria levado a elaborar critérios relativos ao valor do Estado de direito, com base numa definição desse valor que resulta de um ato de direito derivado, critérios que devem ser seguidamente aplicados no âmbito de um processo instaurado nos termos do artigo 7.o TUE, apesar de o Tribunal de Justiça não ser competente para apreciar o mérito das acusações formuladas contra um Estado‑Membro no âmbito desse processo.

96

Ora, o artigo 7.o TUE desempenha um papel muito específico no sistema das vias de recurso previsto pelos Tratados, uma vez que autoriza excecionalmente as instituições da União a fiscalizar o respeito pelos valores fundamentais da União pelos Estados‑Membros em domínios que são da competência exclusiva destes.

97

Com o décimo primeiro fundamento, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que o regulamento impugnado enferma de desvio de poder. Decorre da jurisprudência que um ato da União enferma de desvio de poder ou de procedimento quando se verifique, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que foi adotado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos que enuncia ou de eludir um processo especialmente previsto no Tratado.

98

É certo que, no caso em apreço, o objetivo declarado do regulamento impugnado é, segundo o seu título, a proteção do orçamento da União e, para atingir esse objetivo, o seu considerando 7 enuncia que é necessário respeitar o princípio da boa gestão financeira, o que pressupõe que sejam respeitados os valores do Estado de direito. Do mesmo modo, segundo o seu artigo 1.o, o referido regulamento estabelece as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros.

99

Todavia, este objetivo declarado não corresponde à finalidade real do regulamento impugnado. A República da Polónia salienta, a este respeito, que a proposta que conduziu à adoção do regulamento impugnado sublinhava que «vários acontecimentos recentes» tinham evidenciado «fragilidades generalizadas no equilíbrio dos poderes de alguns Estados‑Membros», tinham «mostrado de que modo o desprezo do Estado de direito [podia] tornar‑se um tema comum de viva preocupação na União Europeia» e tinham incitado as «instituições como o Parlamento Europeu e os cidadãos [a manifestar‑se] claramente em favor de uma intervenção da [União Europeia] para que proteja o [Estado de direito]»

100

Além disso, esse Estado‑Membro alega, à semelhança do que já alegou no âmbito do seu primeiro fundamento, que o mecanismo instituído pelo regulamento impugnado não é um mecanismo de condicionalidade que visa proteger o orçamento da União, mas um mecanismo punitivo destinado a sancionar as violações dos princípios do Estado de direito. Esta constatação é corroborada tanto pelo Biuro Analiz Sejmowych Kancelarii Sejmu RP (Gabinete de Reanálise Parlamentar da Chancelaria da Assembleia da República da Polónia) como pelos relatórios anuais do Tribunal de Contas, segundo os quais a execução do orçamento da União e a gestão das finanças da União estão em vias de melhoria. Com efeito, a percentagem de erros, que era de 4,4 % durante o ano de 2014, diminuiu para atingir 3,8 % e, depois, 3,1 % durante os anos de 2015 e 2016. Assim, a necessidade de proteger o orçamento da União não justificou a adoção do regulamento impugnado.

101

Portanto, a República da Polónia subscreve a opinião do Serviço Jurídico do Conselho expressa no seu parecer jurídico n.o 13593/18 segundo a qual o mecanismo previsto na proposta que conduziu à adoção do regulamento impugnado «não demonstra de que modo o respeito pelo Estado de direito [...] está ligado a uma boa execução do orçamento da União e à proteção dos interesses financeiros da União». Embora alguns dos considerandos deste regulamento refiram a existência desse nexo, não é, todavia, explicado e muito menos demonstrado.

102

A República da Polónia deduz daí que o objetivo real desta proposta não é tanto proteger o orçamento da União quanto proteger o Estado de direito através de medidas relativas ao orçamento da União. De resto, semelhante opinião foi expressa pelos Parlamentos nacionais e pelo Comité Económico e Social Europeu, tendo este indicado que considerava «a proposta examinada mais como um instrumento possível para proteger todos os valores referidos no artigo 2.o TUE através de desvios ao orçamento da União». Além disso, esta opinião é corroborada pelo considerando 14 do regulamento impugnado, que inclui o mecanismo previsto neste regulamento entre os instrumentos de proteção do Estado de direito.

103

Por conseguinte, o objetivo deste mecanismo deve ser considerado idêntico ao do «procedimento de controlo político» previsto no artigo 7.o TUE. A este respeito, nem o artigo 7.o, n.o 3, TUE nem nenhuma outra disposição dos Tratados contêm limites materiais quanto aos direitos de um Estado‑Membro que possam ser suspensos em caso de violação grave e persistente dos valores contidos no artigo 2.o TUE, uma vez que as medidas de proteção do orçamento da União suscetíveis de serem impostas a um Estado‑Membro nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do regulamento impugnado também podem corresponder às que o Conselho pode adotar nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE quando decide suspender «alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados».

104

Uma vez que podiam ser adotadas medidas da natureza das previstas no artigo 5.o, n.o 1, do regulamento impugnado antes mesmo da sua entrada em vigor, ao abrigo do procedimento do artigo 7.o TUE, o considerando 14 do referido regulamento afirma erradamente que o mecanismo que institui complementa os instrumentos jurídicos existentes destinados a lutar contra as violações do princípio do Estado de direito.

105

Por outro lado, o artigo 7.o, n.o 4, TUE e o artigo 7.o, n.o 2, segundo parágrafo, do regulamento impugnado, relativos à alteração e à derrogação das medidas adotadas, indicam que o objetivo desses mecanismos é incitar o Estado‑Membro em causa ao respeito pelo valor do Estado de direito. Ora, ao não exigir uma decisão unânime do Conselho Europeu, o referido regulamento estabelece um procedimento de adoção de sanções muito menos vinculativo que o previsto no artigo 7.o TUE, privando assim este último procedimento do seu efeito útil.

106

Num parecer de 27 de maio de 2014, o Serviço Jurídico do Conselho referiu, por um lado, que o artigo 7.o TUE define um quadro de controlo preciso, estruturado em diferentes fases, um limiar teórico elevado para a abertura dos procedimentos, uma maioria reforçada no Conselho e no Conselho Europeu, e um conjunto de garantias processuais para o Estado‑Membro em causa, incluindo a possibilidade de um fiscalização jurisdicional limitado pelo Tribunal de Justiça e, por outro, que este artigo não prevê uma base jurídica que permita desenvolver ou alterar esse procedimento. Esta posição foi expressamente reiterada no parecer jurídico n.o 13593/18, que refere, além disso, que o direito derivado não pode alterar ou completar este procedimento, nem ter por consequência privá‑lo do seu efeito útil.

107

Portanto, devido à identidade do objetivo, dos princípios e das medidas aplicáveis, o mecanismo instituído pelo regulamento impugnado constitui uma elusão manifesta e deliberada ao procedimento previsto no artigo 7.o TUE.

108

A República da Polónia alega que o presente processo apresenta analogias com o processo que deu origem ao Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.os 57 a 60). Recorda que, nesse Acórdão, o Tribunal de Justiça, baseando‑se no considerando 10 da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24), declarou que as falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial no Estado‑Membro de emissão, por mais graves que sejam, não justificam uma suspensão de facto da execução do mecanismo do mandato detenção europeu relativamente a esse Estado‑Membro, desde que o Concelho Europeu e o Conselho não adotem as decisões consideradas no artigo 7.o TUE.

109

Ora, este considerando 10 mais não faz do que refletir as consequências jurídicas decorrentes do artigo 7.o TUE. Por conseguinte, resulta do acórdão referido no número anterior que os direitos decorrentes dos Tratados só podem ser suspensos relativamente a um Estado‑Membro, por violação por este último dos valores que constam do artigo 2.o TUE, pelo Conselho, em aplicação do artigo 7.o, n.o 3, TUE.

110

O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam o mérito desta argumentação.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

111

Com o seu primeiro, segundo, quinto, sexto e décimo primeiro fundamentos a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega, em substância, por um lado, que nem o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE nem nenhuma outra disposição do Tratado FUE pode constituir uma base jurídica adequada para a adoção do regulamento impugnado, em especial os seus artigos 2.° a 4.° Esclarece, a título subsidiário, que se o Tribunal de Justiça tivesse de considerar que o legislador da União era competente para adotar o regulamento impugnado, este devia ter sido adotado com fundamento no artigo 311.o, terceiro parágrafo, TFUE ou no artigo 312.o, n.o 2, TFUE. Por outro lado, acrescenta que o procedimento instituído pelo referido regulamento elude o previsto no artigo 7.o TUE, o qual reveste, porém, caráter exclusivo para a proteção dos valores contidos no artigo 2.o TUE, e viola a limitação de competências do Tribunal de Justiça prevista no artigo 269.o TFUE.

a) Quanto à base jurídica do regulamento impugnado

112

A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, e após consulta ao Tribunal de Contas, adotam, por meio de regulamentos «[as] regras financeiras que definem, nomeadamente, as modalidades relativas à elaboração e execução do orçamento e à prestação e fiscalização das contas».

113

Ora, essas regras destinam‑se a regular todos os aspetos relacionados com a execução do orçamento da União abrangidos pelo título II, «Disposições financeiras», da parte VI do Tratado FUE, relativa às «[d]isposições institucionais e financeiras» e, portanto, essa execução em sentido amplo.

114

Com efeito, além do facto do artigo 322.o TFUE constar do capítulo 5, com o título «Disposições comuns», deste título II, há que salientar que referem esta disposição o artigo 310.o, n.os 2 e 3, TFUE, que consta da parte introdutória deste título II, o artigo 315.o, primeiro e segundo parágrafos, e o artigo 316.o, primeiro e segundo parágrafos, TFUE, que constam do capítulo 3 do referido título «O orçamento anual da União», bem como o artigo 317.o TFUE, que consta do seu capítulo 4 com o título «A execução do orçamento e a quitação».

115

Ora, os artigos 310.° e 315.° a 317.° TFUE estão todos relacionados com a execução do orçamento da União.

116

Com efeito, o artigo 310.o TFUE enuncia, no seu n.o 1, que todas as receitas e despesas da União devem ser objeto de previsões para cada exercício orçamental e ser inscritas no orçamento, e prevê, no seu n.o 3, que a execução de despesas inscritas no orçamento requer a adoção prévia de um ato juridicamente vinculativo da União que confira fundamento jurídico à sua ação e à execução da despesa correspondente, em conformidade com o regulamento referido no artigo 322.o, salvo exceções que este preveja. Por último, este mesmo artigo 310.o exige, no seu n.o 5, que o referido orçamento seja executado de acordo com o princípio da boa gestão financeira. Os Estados‑Membros cooperam com a União a fim de assegurar que as dotações inscritas no orçamento sejam utilizadas de acordo com esse princípio.

117

Quanto ao artigo 315.o TFUE, este prevê, no seu primeiro parágrafo, que, se no início de um exercício orçamental, o orçamento ainda não tiver sido definitivamente adotado, as despesas podem ser efetuadas mensalmente, por capítulo, em conformidade com a regulamentação adotada por força do artigo 322.o, e até ao limite de um duodécimo das dotações inscritas no capítulo em questão do orçamento do exercício anterior, não podendo ultrapassar o duodécimo das dotações previstas no mesmo capítulo no projeto de orçamento. Por seu turno, o artigo 316.o TFUE diz respeito ao trânsito para o ano financeiro seguinte de dotações que não tenham sido utilizadas até ao final do ano financeiro.

118

Quanto ao artigo 317.o TFUE, este enuncia, nomeadamente, que a Comissão executa o orçamento em cooperação com os Estados‑Membros nos termos da regulamentação adotada em execução do artigo 322.o, sob sua própria responsabilidade e até ao limite das dotações aprovadas, de acordo com os princípios da boa gestão financeira. Exige também que os Estados‑Membros cooperem com a Comissão a fim de assegurar que as dotações sejam utilizadas de acordo com esse princípio e esclarece que um regulamento adotado em execução do artigo 322.o prevê as obrigações de controlo e de auditoria dos Estados‑Membros na execução do orçamento, bem como as responsabilidades que delas decorrem.

119

Daqui resulta que as regras financeiras que fixam, «nomeadamente, as modalidades relativas à» execução do orçamento e à prestação e fiscalização das contas, na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, conjugado com as disposições referidas no n.o 101 do presente acórdão, abrangem não só as regras que definem a maneira como são executadas, enquanto tais, as despesas inscritas nesse orçamento, mas também, nomeadamente, as regras que definem as obrigações de controlo e de auditoria que incumbem aos Estados‑Membros quando a Comissão executa o orçamento em cooperação com estes, bem como as responsabilidades que daí resultam. Em especial, afigura‑se claramente que essas regras financeiras se destinam, nomeadamente, a assegurar o respeito, durante a execução do orçamento da União, pelo princípio da boa gestão financeira, inclusive pelos Estados‑Membros.

120

É à luz das considerações anteriores que importa examinar, no caso em apreço, se o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE podia constituir a base jurídica adequada para a adoção do regulamento impugnado.

121

A este respeito, constitui jurisprudência constante que a escolha da base jurídica de um ato da União deve assentar em elementos objetivos suscetíveis de ser objeto de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo desse ato (Acórdãos de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho, C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.o 31; de 8 de dezembro de 2020, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑620/18, EU:C:2020:1001, n.o 38; e de 8 de dezembro de 2020, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑626/18, EU:C:2020:1000, n.o 43).

122

Além disso, para determinar a base jurídica adequada, pode ser tomado em conta o contexto jurídico em que se inscreve uma nova regulamentação, nomeadamente na medida em que esse contexto seja suscetível de fornecer esclarecimentos sobre o objetivo prosseguido por essa regulamentação (Acórdãos de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho, C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.o 32; de 8 de dezembro de 2020, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑620/18, EU:C:2020:1001, n.o 39; e de 8 de dezembro de 2020, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑626/18, EU:C:2020:1000, n.o 44).

123

No caso em apreço, em primeiro lugar, relativamente à questão de saber se o regulamento impugnado se pode enquadrar, tendo em conta a sua finalidade, na base jurídica do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega, no essencial, que o objetivo final deste regulamento consiste em permitir a aplicação de sanções através do orçamento da União no caso de verificação de violações dos princípios do Estado de direito, objetivo que resulta, em especial, do artigo 7.o, n.o 2, segundo parágrafo, do referido regulamento, do seu considerando 14, mas também da falta de demonstração de uma relação entre o respeito do Estado de direito e a boa gestão financeira do orçamento da União, da exposição de motivos que acompanha a proposta que conduziu à adoção do regulamento impugnado e das estatísticas, das quais decorre que, aquando da adoção desse regulamento, não havia nenhuma necessidade de proteger o orçamento da União.

124

A este respeito, primeiro, o artigo 1.o do regulamento impugnado enuncia que estabelece «as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros». Assim, resulta da redação desta disposição que o referido regulamento se destina a proteger o orçamento da União contra prejuízos que possam decorrer de violações de princípios do Estado de direito num Estado‑Membro.

125

Segundo, resulta de uma análise conjunta do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 6.o, n.o 1, do regulamento impugnado que o procedimento previsto para efeitos da adoção de «medidas adequadas» de proteção do orçamento da União só pode ser iniciado pela Comissão quando esta instituição verificar que existem motivos razoáveis para considerar não só que há violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro, mas sobretudo que essas violações afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

126

Acresce que, resulta do artigo 5.o, n.os 1 e 3, deste regulamento que essas medidas adequadas consistem, no essencial, na suspensão de pagamentos, da execução de compromissos jurídicos, do desembolso de parcelas, de uma vantagem económica decorrente de um instrumento garantido, da aprovação de programas ou de compromissos, em cessações de compromissos jurídicos, na proibição de assumir novos compromissos jurídicos ou de celebrar novos acordos, em reembolsos antecipados de empréstimos garantidos, em reduções de uma vantagem económica decorrente de um instrumento garantido, de compromissos ou de pré‑financiamentos, e em interrupções de prazos de pagamento, e que devem ser proporcionadas, isto é, limitadas ao estritamente necessário tendo em conta o impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de direito na gestão financeira do orçamento da União ou nos seus interesses financeiros.

127

Além disso, de acordo com o artigo 7.o, n.o 2, segundo parágrafo, do regulamento impugnado, a Comissão propõe ao Conselho o levantamento das medidas adotadas quando as condições previstas no artigo 4.o deste regulamento deixarem de estar preenchidas e, portanto, nomeadamente quando já não exista um prejuízo ou um risco sério de prejuízo para a boa gestão do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros, de modo que, como salientou o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no n.o 185 das suas Conclusões no processo Hungria/Parlamento e Conselho (C‑156/21, EU:C:2021:974), essas medidas devem ser levantadas quando cesse o impacto na execução orçamental, mesmo que a violação dos princípios do Estado de direito que foi constatada se possa manter.

128

Ora, os tipos de medidas que podem ser adotadas, os critérios relativos à escolha e o seu alcance, bem como as condições de adoção e de levantamento das referidas medidas, visto que estão todas associadas a um prejuízo ou a um risco sério de prejuízo para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União, corroboram a conclusão de que o regulamento impugnado tem por finalidade proteger o orçamento da União na sua execução.

129

Por outro lado, resulta da redação do artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado, conjugado com o seu n.o 4 e com o considerando 19 deste regulamento, que esta disposição não se destina, como alega a República da Polónia, apoiada pela Hungria, a sancionar um Estado‑Membro pela violação de um princípio do Estado de direito, mas a preservar os legítimos interesses dos destinatários finais e dos beneficiários quando são adotadas medidas adequadas ao abrigo do referido regulamento relativamente a um Estado‑Membro. Esta disposição estabelece, assim, as consequências de tais medidas em relação a terceiros. Por conseguinte, a referida disposição não é suscetível de justificar a alegação de que o regulamento impugnado visa, mais do que proteger o orçamento da União, sancionar, enquanto tais, violações do Estado de direito num Estado‑Membro.

130

Terceiro, como salientou o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no n.o 130 das suas Conclusões no processo Hungria/Parlamento e Conselho (C‑156/21, EU:C:2021:974), os considerandos do regulamento impugnado corroboram a finalidade prosseguida por este regulamento, conforme resulta do seu artigo 1.o, que consiste em proteger o orçamento da União. Com efeito, os considerandos 2 e 7 a 9 do referido regulamento enunciam, em especial, que o Conselho Europeu declarou que os interesses financeiros da União devem ser protegidos de acordo com os valores que constam do artigo 2.o TUE, que, sempre que os Estados‑Membros executem o orçamento da União, o respeito pelo Estado de direito é uma condição essencial para a conformidade com os princípios da boa gestão financeira consagrados no artigo 317.o TFUE, que os Estados‑Membros só podem assegurar uma boa gestão financeira se as autoridades públicas agirem em conformidade com a lei, se as violações do direito forem efetivamente objeto de investigação e repressão e se as decisões arbitrárias ou ilegais das autoridades públicas puderem ser sujeitas a uma fiscalização jurisdicional efetiva, e que a independência e a imparcialidade do poder judicial, bem como a dos serviços de investigação e do Ministério Público, são necessárias como garantia mínima contra decisões ilegais e arbitrárias das autoridades públicas que sejam suscetíveis de lesar os interesses financeiros da União. O considerando 13 deste mesmo regulamento expõe que, neste contexto, existe, portanto, «uma relação clara entre o respeito pelo Estado de direito e a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira», esclarecendo o seu considerando 15, por seu turno, que «[a]s violações dos princípios do Estado de direito, em particular as que afetam o correto funcionamento das autoridades públicas e a fiscalização jurisdicional efetiva, podem lesar gravemente os interesses financeiros da União».

131

Quanto ao considerando 14 do regulamento impugnado, embora enuncie que o mecanismo nele previsto «complementa» os instrumentos que promovem o Estado de direito e a sua aplicação, também esclarece que esse mecanismo contribui para essa promoção «protegendo o orçamento da União contra violações dos princípios do Estado de direito que afetem a sua boa gestão financeira ou a proteção dos interesses financeiros da União».

132

Quarto, na medida em que a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que os considerandos 7 a 9, 13 e 15 do regulamento impugnado se referem à existência de uma relação entre o respeito do Estado de direito e a boa gestão financeira do orçamento da União sem, no entanto, o demonstrar, importa salientar que o legislador da União pôde deduzir as verificações feitas aos referidos considerandos de peritos de que dispôs durante o processo legislativo, entre os quais consta o Parecer n.o 1/2018 do Tribunal de Contas sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de Maio de 2018, relativo à proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados‑Membros (JO 2018 C 291, p. 1), o que levou ao regulamento impugnado. Com efeito, resulta dos n.os 10 e 11 desse parecer que esta instituição aprovou «o ponto de vista da Comissão relativo ao facto de as decisões arbitrárias e ilegais de autoridades públicas responsáveis pela gestão dos fundos poderem lesar os interesses financeiros da União» e reconheceu que «a independência e a imparcialidade do poder judicial são indispensáveis para garantir a boa gestão financeira e a proteção do orçamento da União [...], nomeadamente no que respeita ao exercício dos direitos em justiça, à luta contra a fraude e a outros interesses legítimos da União».

133

Do mesmo modo, nos n.os 1.3 e 1.4 do seu parecer de 18 de outubro de 2018 sobre essa proposta de regulamento (JO 2019, C 62, p. 173), o Comité Económico e Social Europeu esclareceu que «o respeito efetivo pelo Estado de direito é um pré‑requisito para a confiança dos cidadãos em que as despesas da UE nos Estados‑Membros são suficientemente protegidas», que «a proposta [que conduziu à adoção deste regulamento] reforçará […] a proteção dos interesses financeiros da União» e que «uma ameaça grave, persistente e sistémica ao Estado de direito, […] pela sua própria natureza, pode representar um risco direto para os interesses financeiros da União».

134

Quinto, na exposição de motivos que acompanhava a sua proposta que levou à adoção do regulamento impugnado, a Comissão referiu efetivamente que tinham sido expressas posições a favor de uma intervenção da União para proteger o Estado de direito e, portanto, adotar medidas destinadas a garantir o seu respeito. Todavia, nessa mesma exposição de motivos, a Comissão justificou a sua proposta pela necessidade de «proteger os interesses financeiros da União contra o risco de perda financeira causado por deficiências generalizadas do Estado de direito num Estado‑Membro».

135

Sexto, no que diz respeito às estatísticas que demonstram que não havia, aquando da adoção do regulamento impugnado, nenhuma necessidade objetiva de proteger o orçamento da União, há que salientar que essas estatísticas incidem, segundo a própria República da Polónia, sobre a percentagem de erros verificados durante os anos de 2014 a 2016. Ora, este regulamento não procura colmatar os erros que podem ser cometidos durante a execução do orçamento da União, mas as ofensas e os riscos sérios de ofensas a esse orçamento ou à proteção dos interesses financeiros da União que podem resultar de violações dos princípios do Estado de direito.

136

Em todo o caso, a argumentação da República da Polónia que procura pôr em causa a própria oportunidade do regulamento impugnado, por este não responder a uma necessidade objetiva, não basta para demonstrar que o legislador da União ultrapassou os limites das suas competências.

137

Tendo em conta as considerações anteriores, há que concluir que, contrariamente ao que a República da Polónia alega, apoiada pela Hungria, a finalidade do regulamento impugnado consiste em proteger o orçamento da União contra prejuízos que decorrem de forma suficientemente direta de violações dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro, e não em sancionar, por si só, essas violações.

138

Ora, esta finalidade é coerente com o requisito de que o orçamento da União deve ser executado em conformidade com o princípio da boa gestão financeira, imposta em especial no artigo 310.o, n.o 5, TFUE, sendo este requisito aplicável a todas as disposições do título II, da parte VI, do Tratado FUE relativas à execução do orçamento da União e, assim, nomeadamente, ao artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

139

Em segundo lugar, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega, em substância, que o regulamento impugnado não pode legitimamente, tendo em conta o seu conteúdo, enquadrar‑se na base jurídica do artigo 322.o, n.o 1, TFUE, especificamente no que se refere aos seus artigos 2.° a 4.° Com efeito, o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE não permite esclarecer nem os valores que constam do artigo 2.o TUE, nem, portanto, definir o conceito de «Estado de direito», alargar esse conceito a outros valores que constam do artigo 2.o, TUE, ou ainda verificar violações do Estado de direito, qualquer que seja a sua relação com o orçamento da União. Além disso, não foi atribuída nenhuma competência à União para regulamentar determinados aspetos do conceito de «Estado de direito» como as características do processo legislativo. A República da Polónia sublinha que o mecanismo instituído pelo regulamento impugnado subordina os pagamentos provenientes do orçamento da União ao respeito dos Estados‑Membros não por obrigações concretas, em relação ao princípio da boa gestão financeira, mas por princípios do Estado de direito. Ora, um mecanismo de condicionalidade deve definir com precisão as condições de obtenção dos fundos, que devem apresentar uma relação suficientemente direta com os objetivos do financiamento. A relação entre a violação de uma dessas condições e a perda do financiamento deve ser provada e só pode ser aplicada uma sanção quando esteja provado que a violação em causa tem impacto na realização dos objetivos ou na boa utilização dos fundos. O artigo 3.o e o artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento estão, no entanto, formulados em termos muito gerais, não fornecendo critérios concretos de apreciação do respeito pelo Estado de direito. Em especial, o seu artigo 4.o, n.o 2, alínea h), permite abranger situações e condutas ainda não identificadas, abrindo assim caminho à elaboração ex post de critérios destinados a apreciar violações dos princípios do Estado de direito e, portanto, a conferir ao mecanismo instituído pelo regulamento impugnado o caráter de um mecanismo de sanção.

140

A este respeito, primeiro, as partes no processo estão de acordo em considerar que um «mecanismo de condicionalidade», que subordina o benefício de financiamentos provenientes do orçamento da União ao cumprimento de determinadas condições, pode ser enquadrado no conceito de «regras financeiras», na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

141

Todavia, enquanto a República da Polónia, apoiada pela Hungria, considera que essa condição deve estar estreitamente ligada quer a um dos objetivos de um programa ou de uma ação específica da União quer à boa gestão financeira do orçamento da União, o Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, consideram que esse mecanismo também pode revestir o caráter de uma «condicionalidade horizontal», no sentido de que a condição em causa pode estar ligada ao valor do Estado de direito que consta do artigo 2.o TUE, que deve ser respeitado em todos os domínios de ação da União.

142

A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 2.o TUE, a União assenta em valores, entre os quais o Estado de direito, que são comuns aos Estados‑Membros e que, em conformidade com o artigo 49.o TUE, o respeito desses valores constitui uma condição prévia da adesão à União de qualquer Estado europeu que peça para se tornar membro da União (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.os 160 e 161 e jurisprudência referida).

143

Com efeito, como é salientado no considerando 5 do regulamento impugnado, quando um Estado candidato se torna Estado‑Membro, adere a uma construção jurídica que assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns em que a União se funda, contidos no artigo 2.o TUE. Esta premissa enquadra‑se nas características específicas e essenciais do direito da União, relativas à sua própria natureza, que resultam da autonomia de que goza o referido direito relativamente aos direitos dos Estados‑Membros e ao direito internacional. Implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento desses valores e, por conseguinte, no respeito do direito da União que aplicam [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.os 166 a 168; Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses,C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 30, e de 20 de abril de 2021, Repubblika,C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 62]. Este considerando também esclarece que as leis e as práticas dos Estados‑Membros deverão continuar a respeitar os valores comuns em que a União se funda.

144

Daqui resulta que o respeito, por um Estado‑Membro, pelos valores que constam do artigo 2.o TUE constitui uma condição para o gozo de todos os direitos que decorrem da aplicação dos Tratados a esse Estado‑Membro (Acórdãos de 20 de abril de 2021, Repubblika,C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 63; de 18 de maio de 2021, AsociaţiaForumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 162; e de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.o 162). Com efeito, o respeito destes valores não pode ser reduzido a uma obrigação à qual um Estado candidato está obrigado para aderir à União e da qual pode escusar‑se após a sua adesão.

145

Os valores que constam do artigo 2.o TUE foram identificados e são partilhados pelos Estados‑Membros. Definem a própria identidade da União enquanto ordem jurídica comum. Assim, a União deve poder, dentro dos limites das suas atribuições previstas nos Tratados, defender os referidos valores.

146

Daqui decorre que, em conformidade com o princípio da atribuição de competências consagrado no artigo 5.o, n.o 2, TUE, bem como com o princípio da coerência das políticas da União previsto no artigo 7.o TFUE, o valor comum à União e aos Estados‑Membros que constitui o Estado de direito, que faz parte dos próprios fundamentos da União e da sua ordem jurídica, é suscetível de servir de base a um mecanismo de condicionalidade abrangido pelo conceito de «regras financeiras» na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

147

A este propósito, importa salientar, por um lado, que o orçamento da União é um dos principais instrumentos que permite concretizar, nas políticas e nas ações da União, o princípio de solidariedade referido no artigo 2.o TUE, que constitui ele próprio um dos princípios fundamentais da União (v., por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2021, Alemanha/Polónia, C‑848/19 P, EU:C:2021:598, n.o 38), e, por outro, que a aplicação deste princípio, através do orçamento, assenta na confiança mútua entre os Estados‑Membros na utilização responsável de recursos comuns inscritos no referido orçamento. Ora, esta mesma confiança mútua assenta, como se recordou no n.o 143 do presente acórdão, no compromisso de cada um dos Estados‑Membros cumprir as obrigações que lhe incumbem nos termos do direito da União e de respeitar de forma contínua, como aliás refere o considerando 5 do regulamento impugnado, os valores contidos no artigo 2.o TUE, entre os quais consta o valor do Estado de direito.

148

Além disso, como salientado no considerando 13 do regulamento impugnado, existe uma relação clara entre o respeito pelo valor do Estado de direito, por um lado, e a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira e a proteção dos interesses financeiros da União, por outro.

149

Com efeito, essa boa gestão financeira e esses interesses financeiros podem ser gravemente comprometidos por violações dos princípios do Estado de direito cometidas num Estado‑Membro, uma vez que essas violações podem ter como consequência, nomeadamente, a falta de garantia de que as despesas cobertas pelo orçamento da União preenchem todas as condições de financiamento previstas no direito da União e, portanto, cumprem os objetivos prosseguidos pela União quando financia essas despesas.

150

Em especial, o respeito destas condições e desses objetivos, enquanto elementos do direito da União, não pode ser plenamente garantido na falta de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o respeito do direito da União, esclarecendo‑se que a existência dessa fiscalização, tanto nos Estados‑Membros como ao nível da União, por órgãos jurisdicionais independentes, é inerente a um Estado de direito (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.os 219 e 222).

151

Resulta do que precede que, contrariamente ao que alega a República da Polónia, apoiada pela Hungria, um mecanismo de condicionalidade também pode ser abrangido pelo conceito de «regras financeiras» previsto no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, quando institui, para beneficiar de financiamentos provenientes do orçamento da União, uma condicionalidade horizontal relacionada com o respeito, por parte de um Estado‑Membro, do valor do Estado de direito, constante do artigo 2.o TUE, e que se refere à execução do orçamento da União.

152

Ora, o artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado institui esse mecanismo de condicionalidade horizontal, dado que prevê que sejam adotadas medidas adequadas sempre que se determine que as violações dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos interesses financeiros da União.

153

Com efeito, resulta do artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento que esta disposição prevê de forma exaustiva as «medidas adequadas» que podem ser adotadas, que são resumidas no n.o 126 do presente acórdão e que estão efetivamente todas relacionadas com a execução do orçamento da União.

154

Quanto à condição prevista no artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado, relativa à existência de «violações dos princípios do Estado de direito», o seu artigo 2.o, alínea a), enuncia que o conceito de «Estado de direito» é entendido, na aceção deste regulamento, como o «valor da União consagrado no artigo 2.o [TUE]» e esclarece que este conceito inclui os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proibição da arbitrariedade do poder executivo, da tutela jurisdicional efetiva, da separação de poderes, da não discriminação e da igualdade perante a lei. No entanto, a mesma disposição sublinha que o conceito de «Estado de direito», tal como definido para efeitos da aplicação do referido regulamento, «deve ser entendido à luz de outros valores e princípios da União consagrados no artigo 2.o TUE». Daqui resulta que o respeito desses valores e desses princípios, na medida em que participam na própria definição do valor do «Estado de direito» constante do artigo 2.o TUE ou, como resulta do segundo período deste artigo, estão estreitamente relacionados com uma sociedade cumpridora do Estado de direito, pode ser exigido no âmbito de um mecanismo de condicionalidade horizontal, como o instituído pelo regulamento impugnado.

155

Além disso, o artigo 3.o do regulamento impugnado, que refere casos que podem ser indicativos de violações destes princípios, de entre os quais consta o facto de não se assegurar a inexistência de conflitos de interesses, visa, como salientou o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona nos n.os 152 e 280 das suas Conclusões no processo Hungria/Parlamento e Conselho (C‑156/21, EU:C:2021:974), facilitar a aplicação deste regulamento.

156

Quanto ao artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, decorre deste que, para poderem ser abrangidas pelo mecanismo de condicionalidade horizontal instituído no n.o 1 deste artigo, as violações dos princípios do Estado de direito devem dizer respeito às situações ou às condutas das autoridades enumeradas nas alíneas a) a h) deste n.o 2, na medida em que sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União.

157

Resulta do que precede que o artigo 2.o, alínea a), o artigo 3.o, o artigo 4.o, n.o 2, e o artigo 5.o, n.o 1, do regulamento impugnado são elementos constitutivos do mecanismo de condicionalidade horizontal instituído no artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento, ao enunciar as definições necessárias à sua aplicação, ao esclarecer o seu âmbito de aplicação e ao prever as medidas que pode alcançar. Assim, estas disposições fazem, parte integrante desse mecanismo e enquadram‑se, por conseguinte, no conceito de «regras financeiras», na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

158

Segundo, esta constatação não é infirmada pela argumentação da República da Polónia, apoiada pela Hungria, segundo a qual não foi atribuída à União competência para adotar uma regulamentação sobre aspetos específicos do conceito de «Estado de direito», como um processo legislativo responsável, democrático e transparente.

159

Com efeito, como se salientou no n.o 125 do presente acórdão, resulta de uma leitura conjunta do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 6.o, n.o 1, do regulamento impugnado que o procedimento previsto para efeitos da adoção de «medidas adequadas» de proteção do orçamento da União só pode ser iniciado pela Comissão quando esta instituição verificar que existem motivos razoáveis para considerar não só que há violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro mas sobretudo que essas violações afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

160

Acresce que, como foi declarado no n.o 156 do presente acórdão, decorre do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado que, para poder ser abrangido pelo mecanismo de condicionalidade horizontal instituído pelo n.o 1 deste artigo, as violações dos princípios do Estado de direito devem dizer respeito às situações ou às condutas das autoridades enumeradas nas alíneas a) a h) deste n.o 2, na medida em que sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União.

161

Ora, essa relevância pode ser presumida no que diz respeito à atividade das autoridades que executam o orçamento da União e são responsáveis pelo controlo, pela fiscalização e pela auditoria financeira, visados nas alíneas a) e b), do referido n.o 2. Quanto aos serviços de investigação e do Ministério Público o seu correto funcionamento não é referido na sua alínea c), senão quando diga respeito às violações do direito da União em relação à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União. O mesmo se diga da prevenção e sanção, pelos tribunais ou autoridades administrativas nacionais, das violações do direito da União mencionadas na alínea e). Quanto à fiscalização jurisdicional enunciada na alínea d), só é referida na medida em que diga respeito à conduta das autoridades mencionada nas referidas alíneas a) a c). A recuperação de fundos pagos indevidamente, prevista na alínea f), visa apenas fundos provenientes do orçamento da União, o que também é o caso da cooperação com o OLAF e com a Procuradoria Europeia, mencionada na alínea g). Por último, a alínea h) visa expressamente quaisquer outras situações ou condutas, por parte das autoridades, pertinentes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros

162

Daqui resulta, contrariamente ao que alega a República da Polónia, apoiada pela Hungria, que, por um lado, o regulamento impugnado só permite às instituições da União proceder a um exame de situações nos Estados‑Membros na medida em que estas sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros e, por outro, só podem ser adotadas medidas adequadas ao abrigo deste regulamento quando for demonstrado que essas situações afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, essa boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

163

Ora, tais situações, que são relevantes para a execução do orçamento da União, não só estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União, mas também podem, como foi declarado no n.o 151 do presente acórdão, estar abrangidas por uma regra financeira, na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, sob a forma de um mecanismo de condicionalidade horizontal relacionado com o respeito, por parte de um Estado‑Membro, do valor do Estado de direito.

164

Terceiro, contrariamente ao que alega a República da Polónia, apoiada pela Hungria, o facto de um mecanismo de condicionalidade horizontal que cumpre os critérios identificados no n.o 151 do presente acórdão, relativos ao respeito, por parte de um Estado‑Membro, do valor do Estado de direito que consta do artigo 2.o TUE e que se reportam à execução do orçamento da União, se poder enquadrar no conceito de «regras financeiras que definem, nomeadamente, as modalidades relativas [...] à execução do orçamento», na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, não alarga o alcance desse conceito além do que é necessário para a boa execução do orçamento da União.

165

Com efeito, o artigo 4.o do regulamento impugnado limita, no seu n.o 2, o âmbito de aplicação do mecanismo de condicionalidade instituído pelo referido regulamento às situações e às condutas de autoridades que apresentem uma relação com a execução do orçamento da União e exige, no seu n.o 1, que a adoção de medidas adequadas esteja subordinada à existência de violações dos princípios do Estado de direito que afetem ou sejam seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros. Assim, esta última condição exige que seja estabelecida uma relação efetiva entre essas violações e essa afetação ou esse risco sério de afetação.

166

Importa sublinhar que a aplicação do artigo 4.o, n.os 1 e 2, do regulamento impugnado está sujeita aos requisitos processuais especificados do artigo 6.o, n.os 1 a 9, deste regulamento, que implicam, como salienta o considerando 26 do referido regulamento, a obrigação da Comissão de se fundamentar em elementos concretos e de respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, quando analisa se a adoção de medidas adequadas se justifica.

167

No que respeita mais especificamente à identificação e à avaliação de violações dos princípios do Estado de direito, o considerando 16 do regulamento impugnado precisa que essa avaliação deve ser objetiva, imparcial e equitativa. Além disso, o cumprimento de todas estas obrigações está sujeito a uma fiscalização jurisdicional integral pelo Tribunal de Justiça.

168

Quarto, no que respeita às objeções de que o mecanismo de condicionalidade instituído pelo regulamento impugnado não subordina os pagamentos provenientes do orçamento da União ao cumprimento por parte dos Estados‑Membros de obrigações concretas definidas com precisão, de que o artigo 3.o e o artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento utilizam termos genéricos que não estabelecem critérios concretos de apreciação do respeito do Estado de direito e de que o artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do referido regulamento permite apreender situações e condutas ainda não identificadas, importa salientar, antes de mais, que resulta do artigo 4.o, n.o 1, do mesmo regulamento que a condição relativa ao Estado de direito visa o respeito pelos princípios enunciados no artigo 2.o, alínea a), do mesmo regulamento.

169

Ora, o respeito pelos princípios do Estado de direito constitui uma obrigação de resultado para os Estados‑Membros, que decorre diretamente, como se recordou nos n.os 142 a 145 do presente acórdão, da sua pertença à União. O considerando 3 do regulamento impugnado sublinha que estes princípios foram objeto de jurisprudência abundante do Tribunal de Justiça, enquanto os considerandos 8 a 10 e 12 deste regulamento recordam os principais requisitos que daí decorrem. Os referidos princípios são ainda esclarecidos no artigo 3.o do referido regulamento, pela exposição de casos que podem ser indicativos da sua violação, e no artigo 4.o, n.o 2, do mesmo regulamento, pela identificação de situações e de condutas das autoridades suscetíveis de dar lugar à adoção de medidas adequadas, quando estejam cumpridas as condições enunciadas no n.o 1 deste artigo 4.o

170

Em seguida, o caráter genérico dos termos utilizados no artigo 3.o e no artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado não é suscetível de pôr em causa a escolha do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE enquanto base jurídica do regulamento impugnado.

171

Por um lado, no que respeita ao artigo 3.o deste regulamento, sem prejuízo da questão de saber se os elementos de apreciação do respeito pelos princípios do Estado de direito estabelecidos nesse artigo cumprem os requisitos do princípio da segurança jurídica, o que é objeto do nono fundamento, não se pode exigir ao legislador da União que esclareça, no âmbito desse mecanismo de condicionalidade, todas as hipóteses de violação dos princípios constitutivos do Estado de direito, uma vez que essa violação se caracteriza pelo incumprimento de requisitos conhecidos de forma suficientemente concreta e precisa pelos Estados‑Membros. Assim, como se salientou no n.o 155 do presente acórdão, o referido artigo 3.o limita‑se a citar casos que podem ser indicativos de violações dos princípios constitutivos do Estado de direito, para facilitar a aplicação deste mecanismo, uma vez que ele próprio se relaciona, como se salientou no n.o 157 do presente acórdão, de forma indissociável com o referido mecanismo e não é, assim, suscetível de pôr em causa a escolha do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, enquanto base jurídica do regulamento impugnado.

172

Por outro lado, no que respeita ao artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, como se recordou no n.o 156 do presente acórdão, esta disposição esclarece que, para poder ser abrangido pelo mecanismo de condicionalidade horizontal instituído no n.o 1 deste artigo, as violações dos princípios do Estado de direito devem dizer respeito a situações ou condutas das autoridades aí referidas, na medida em que sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros.

173

Ora, contrariamente ao que alega a República da Polónia, apoiada pela Hungria, esta disposição, em especial a sua alínea h), não é suscetível de tornar não exaustivos os casos concretos apreendidos pelo mecanismo de condicionalidade instituído pelo regulamento impugnado nem é insuficientemente preciso para fazer parte do mesmo.

174

Com efeito, decorre de uma leitura conjugada do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado que são tomadas medidas adequadas quando se estabelece que foi cometida uma violação de um dos princípios referidos no artigo 2.o, alínea a), deste regulamento e que respeita a uma situação imputável a uma autoridade de um Estado‑Membro ou a uma conduta dessa autoridade, desde que essa situação ou essa conduta seja relevante para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros.

175

Por outro lado, o artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, na medida em que visa, nas suas alíneas a) a g), certas autoridades, entre as quais as «autoridades que executam o orçamento da União», as «autoridades responsáveis pelo controlo, fiscalização e auditoria financeiros» ou ainda as «autoridades administrativas», fornece indicações sobre as autoridades a que se refere a alínea h).

176

Além disso, pode‑se deduzir da definição do conceito de «entidade pública» constante do artigo 2.o, alínea b), do regulamento impugnado que são visadas as autoridades públicas a todos os níveis de governo, incluindo as autoridades nacionais, regionais e locais, bem como as organizações de direito público, ou mesmo as entidades de direito privado investidas de uma missão de serviço público e dotadas de garantias financeiras suficientes pelo Estado‑Membro. Esta conclusão é corroborada pelos considerandos 3, 8, 9, 15 e 19 deste regulamento e pelo seu artigo 3.o, alínea b), que visam exclusivamente as «autoridades públicas», as «autoridades de aplicação da lei» e as «autoridades nacionais».

177

Assim, uma vez que resulta inequivocamente dos termos do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado que são visadas exclusivamente situações ou condutas imputáveis a uma autoridade de um Estado‑Membro, desde que essas situações ou essas condutas sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros, a argumentação da República da Polónia relativa ao facto de não poder identificar, com fundamento nesses critérios, de forma suficientemente concreta e precisa, as situações e as condutas visadas e que, portanto, esta disposição não pode ser um elemento constitutivo do mecanismo de condicionalidade instituído pelo regulamento impugnado com fundamento no artigo 322.o, n.o 1, TFUE deve ser julgada improcedente.

178

Quinto, relativamente às críticas dirigidas contra a alegada desnecessidade de demonstrar a existência de uma relação suficientemente direta entre a violação de um princípio do Estado de direito e a proteção do orçamento ou dos interesses financeiros da União, importa recordar que o artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado subordina a adoção de medidas adequadas, nos termos do n.o 1 deste artigo, à existência de uma violação dos princípios do Estado de direito que diga respeito a situações ou condutas das autoridades que são relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros. Além disso, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento, só as violações desses princípios que afetem «de forma suficientemente direta» essa boa gestão financeira ou esses interesses financeiros ou que representem um risco sério de os afetar podem justificar a adoção de medidas nos termos do referido regulamento.

179

Portanto, o artigo 4.o, n.os 1 e 2, do regulamento impugnado impõe que seja sistematicamente estabelecida uma relação suficientemente direta entre essa violação e uma afetação ou um risco sério de afetação dessa boa gestão ou desses interesses financeiros, devendo essa relação, como se salientou no n.o 165 do presente acórdão, apresentar um caráter real. Por outro lado, resulta dos n.os 168 a 170 do presente acórdão que essa relação se prende com o incumprimento por parte de um Estado‑Membro de uma das obrigações de resultado que se enquadram no valor do Estado de direito contido no artigo 2.o TUE e que se obrigou a assumir plenamente com a sua adesão à União.

180

Por conseguinte, e tendo também em conta o exposto no n.o 166 do presente acórdão, é sem razão que a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que essa relação pode ser automaticamente verificada.

181

Sexto, no que respeita à alegação de que o poder de apreciação conferido pelo regulamento impugnado à Comissão e ao Conselho permite que estas instituições utilizem o mecanismo de condicionalidade instituído por esse regulamento como um mecanismo sancionatório de violações dos princípios do Estado de direito, baseando‑se em apreciações de natureza política, também não pode ser acolhida.

182

Com efeito, tendo em conta os requisitos recordados nos n.os 166 e 167 do presente acórdão, não se pode presumir, como faz a República da Polónia, que o poder de apreciação conferido à Comissão e ao Conselho permite que estas instituições apliquem o mecanismo de condicionalidade instituído pelo regulamento impugnado como um mecanismo sancionatório de violações dos princípios do Estado de direito.

183

Sétimo, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega erradamente que o regulamento impugnado devia ter sido baseado no artigo 311.o, terceiro parágrafo, TFUE, relativo ao sistema de recursos próprios, ou no artigo 312.o, n.o 2, TFUE, relativo ao quadro financeiro plurianual.

184

Com efeito, por um lado, nos termos do artigo 311.o, terceiro parágrafo, TFUE, o Conselho «adota uma decisão que estabelece as disposições aplicáveis ao sistema de recursos próprios da União», esclarecendo‑se que lhe «é possível criar novas categorias de recursos próprios ou revogar uma categoria existente».

185

Ora, como o Conselho alegou com razão, o regulamento impugnado não estabelece uma nova categoria de recursos próprios da União nem revoga nenhuma. Além disso, não regula a interação entre os diferentes tipos de recursos próprios e não estabelece modalidades de aplicação relativas à cobrança dos referidos recursos próprios.

186

Embora este regulamento possa, é certo, ter por objeto violações dos princípios do Estado de direito que tenham impacto na cobrança dos recursos próprios da União, não é menos verdade que não tem por objeto modular ou adaptar essa cobrança em função das violações constatadas, mas adotar medidas adequadas relativas a despesas a efetuar a partir do orçamento da União quando as referidas violações afetem ou apresentem um risco sério de afetar a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros. Daqui resulta que não tem por objeto a cobrança dos recursos próprios da União, mas antes a execução do seu orçamento.

187

Por outro lado, o artigo 312.o, n.o 2, TFUE dispõe que o Conselho «adota um regulamento que estabelece o quadro financeiro plurianual».

188

Ora, o regulamento impugnado não tem de forma alguma por objeto, como o Conselho salientou com razão, planear as despesas da União em relação a um dado período, fixando os montantes máximos anuais das dotações de autorização e das dotações de pagamento. Além disso, este regulamento é concebido como um mecanismo permanente de condicionalidade que é aplicável para além dos limites de um determinado quadro financeiro plurianual.

189

Tendo em conta todas as considerações anteriores, as alegações da República da Polónia, apoiada pela Hungria, relativas à falta de base jurídica do regulamento impugnado, na medida em que este não estabelece regras financeiras na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, devem ser julgadas improcedentes.

190

Assim sendo, importa ainda verificar se, como alega, em substância, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, as regras financeiras como as previstas no regulamento impugnado não podem ser adotadas pelo legislador da União pelo facto de eludirem o artigo 7.o TUE e o artigo 269.o TFUE.

b) Quanto à elusão do artigo 7.o TUE e do artigo 269.o TFUE

191

Em primeiro lugar, relativamente ao caráter exclusivo do procedimento previsto no artigo 7.o TUE para a proteção dos valores que constam do artigo 2.o TFUE, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega, em substância, que uma violação dos princípios do Estado de direito apenas pode ser declarada pelo Conselho Europeu, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, TUE. Só esta instituição pode, devido à sua composição, assegurar o controlo do respeito pelo valor do Estado de direito que apresenta um caráter discricionário e pode ser impactado por considerações políticas. A única exceção a esse poder exclusivo do Conselho Europeu resulta da obrigação dos Estados‑Membros, que decorre do artigo 19.o, n.o 1, TUE, de assegurarem um fiscalização jurisdicional efetiva. Este poder exclusivo foi confirmado pelo Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.os 57 a 60), com o qual o Tribunal de Justiça declarou que, quando as falhas sistémicas são constatadas no que respeita à independência do poder judicial de um Estado‑Membro, o mecanismo do mandato europeu de detenção só pode ser suspenso pelo Conselho, nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE.

192

A este respeito, primeiro, importa recordar que os valores fundadores da União e comuns aos Estados‑Membros, que constam do artigo 2.o TUE, incluem os do respeito pela dignidade humana, da liberdade, pela democracia, pela igualdade, pelo Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, numa sociedade caracterizada, nomeadamente, pela não discriminação, pela justiça, pela solidariedade e pela igualdade entre homens e mulheres.

193

O preâmbulo da Carta recorda, nomeadamente, que a União assenta nos princípios da democracia e do Estado de direito e reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na referida Carta. Os seus artigos 6.°, 10.° a 13.°, 15.°, 16.°, 20.°, 21.° e 23.° esclarecem o alcance dos valores da dignidade humana, da liberdade, da igualdade, do respeito pelos direitos humanos, da não discriminação e da igualdade entre homens e mulheres, que constam do artigo 2.o TUE. O artigo 47.o da Carta e o artigo 19.o TUE garantem, nomeadamente, o direito à ação e o direito a um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei, no que respeita à proteção dos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União.

194

Por outro lado, os artigos 8.° e 10.°, 19.°, n.o 1, 153.°, n.o 1, alínea i), e 157.°, n.o 1, TFUE esclarecem o alcance dos valores da igualdade, da não discriminação e da igualdade entre homens e mulheres, e permitem ao legislador da União adotar normas de direito derivado destinadas a implementar esses valores.

195

Resulta dos dois números anteriores do presente acórdão que, contrariamente ao que alega a República da Polónia, apoiada pela Hungria, além do procedimento previsto no artigo 7.o TUE, diversas disposições dos Tratados, frequentemente concretizadas por diversos atos de direito derivado, conferem às instituições da União competência para examinar, declarar e, sendo caso disso, sancionar violações de valores que constam do artigo 2.o TUE, cometidas num Estado‑Membro.

196

No que respeita, em especial, ao valor do Estado de direito, alguns dos seus aspetos são protegidos pelo artigo 19.o TUE, como, de resto, reconhece a República da Polónia. O mesmo se aplica aos artigos 47.° a 50.° da Carta, que constam do seu título VI, com a epígrafe «Justiça», e que garantem, respetivamente, o direito à ação e a um tribunal imparcial, a presunção de inocência e os direitos de defesa, os princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas e o direito a não ser julgado ou punido duas vezes pela mesma infração.

197

Mais especificamente, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 19.o TUE, que concretiza o valor do Estado de direito que consta do artigo 2.o TUE, exige que os Estados‑Membros, em conformidade com o n.o 1, segundo parágrafo, do referido artigo 19.o, prevejam um sistema de vias de recurso e de processos que assegurem aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.os 108 e 109 e jurisprudência referida]. Ora, o cumprimento desta condição pode ser controlado pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente numa ação por incumprimento intentada pela Comissão, nos termos do artigo 258.o TFUE [v., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal),C‑619/18, EU:C:2019:531, n.os 58 e 59, e de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos órgãos jurisdicionais de direito comum),C‑192/18, EU:C:2019:924, n.os 106 e 107].

198

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, interpretado tendo em conta o artigo 47.o da Carta, impõe aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado clara e precisa e que não está sujeita a nenhuma condição no que respeita à independência que deve caracterizar os órgãos jurisdicionais chamados a interpretar e a aplicar o direito da União, pelo que cabe a um órgão jurisdicional nacional afastar qualquer disposição de direito nacional que viole o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, se for caso disso após ter obtido do Tribunal de Justiça uma interpretação prejudicial desta última disposição [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153 , n.os 142 a 146].

199

Decorre, assim, das considerações que constam dos n.os 195 a 198 do presente acórdão que a argumentação da Hungria de que o valor do Estado de direito só pode ser protegido pela União no âmbito do procedimento previsto no artigo 7.o TUE deve ser julgada improcedente.

200

Segundo, mesmo pressupondo que o controlo do respeito pelo valor do Estado de direito, por parte dos representantes dos Estados‑Membros no Conselho Europeu e no Conselho, no âmbito de um procedimento nos termos do artigo 7.o TUE possa ser fundamentado em considerações políticas, mesmo assim não decorre daí que qualquer apreciação do respeito por esse valor nos termos de uma outra disposição do direito da União seria necessariamente da mesma natureza, o que, aliás, a República a Polónia reconhece quando se refere ao artigo 19.o TUE.

201

Ora, no que respeita ao regulamento impugnado, como se salientou nos n.os 168, 169 e 179 do presente acórdão, a obrigação de respeitar os princípios enunciados no seu artigo 2.o, alínea a), constitui uma obrigação de resultado para os Estados‑Membros, que decorre diretamente, como se recordou nos n.os 142 a 145 do presente acórdão, do facto de pertencerem à União, por força do artigo 2.o TUE. Por outro lado, o considerando 3 do regulamento impugnado recorda que estes princípios foram objeto de jurisprudência abundante do Tribunal de Justiça, enquanto os considerandos 8 a 10 e 12 deste regulamento enunciam os principais requisitos que decorrem daí e que os referidos princípios são ainda esclarecidos tanto no artigo 3.o do referido regulamento, pela exposição de casos que podem ser indicativos das suas violações, como no artigo 4.o, n.o 2, do mesmo regulamento, pela identificação de situações e de condutas das autoridades suscetíveis de dar lugar à adoção de medidas adequadas, desde que as condições enunciadas no n.o 1 deste artigo 4.o sejam satisfeitas.

202

Além disso, foi salientado nos n.os 166 e 167 do presente acórdão que as apreciações da Comissão e do Conselho estão sujeitas aos requisitos processuais especificados no artigo 6.o, n.os 1 a 9, do regulamento impugnado.

203

Ora, nestas condições, é indevidamente que a República da Polónia alega que os princípios referidos no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado são de natureza meramente política e que o controlo do seu respeito não pode ser objeto de uma apreciação estritamente jurídica.

204

Terceiro, ao contrário do que sustenta a República da Polónia, o Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033), não consagrou de forma alguma o caráter exclusivo do artigo 7.o TUE, mas limitou‑se a determinar os casos em que falhas sistémicas e generalizadas relativas à independência do poder judiciário no Estado‑Membro de emissão de um mandado de detenção europeu podem justificar que esse mandado não seja executado.

205

Em segundo lugar, no que respeita à alegada elusão, pelo regulamento impugnado, tanto do procedimento previsto no artigo 7.o TUE como da limitação das competências do Tribunal de Justiça prevista no artigo 269.o TFUE, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega, em substância, que o mecanismo de condicionalidade instituído por este regulamento e o procedimento previsto no artigo 7.o TUE coincidem em termos de objetivos, de princípios e de medidas que a sua aplicação é suscetível de alcançar. Ora, o referido regulamento fixa regras processuais mais flexíveis do que as previstas no artigo 7.o TUE e o mecanismo de condicionalidade tem um alcance mais amplo e pode ser implementado mais rapidamente do que o procedimento previsto neste artigo, de modo que privaria de qualquer efeito útil esse procedimento, conduzindo a uma elusão manifesta do mesmo. Com efeito, só o artigo 7.o TUE autoriza o Conselho Europeu e o Conselho a fiscalizar o respeito do Estado de direito em domínios da competência exclusiva dos Estados‑Membros. Consequentemente, o Tribunal de Justiça não dispõe de modelos de controlo suficientes que lhe permitam apreciar, aquando da fiscalização jurisdicional de uma decisão do Conselho adotada ao abrigo do regulamento impugnado, a conformidade da ação de um Estado‑Membro com as obrigações que lhe incumbem nos termos do direito da União. A definição do Estado de direito que consta do artigo 2.o, alínea a), deste regulamento torna‑se, assim, de forma geral, vinculativa, tanto no âmbito de um procedimento instaurado nos termos do artigo 7.o TUE, que tem por objeto uma afetação desse valor ou um risco sério de o afetar, como no de uma fiscalização jurisdicional efetuada pelo Tribunal de Justiça sobre uma decisão que institui medidas adequadas nos termos do referido regulamento, em violação do artigo 269.o TFUE.

206

A este respeito, primeiro, há que salientar que o legislador da União não pode instaurar, sem violar o artigo 7.o TUE, um procedimento paralelo ao previsto por esta disposição, que tem, em substância, o mesmo objeto, prossegue o mesmo objetivo e permite a adoção de medidas idênticas, muito embora preveja a intervenção de outras instituições ou requisitos materiais e processuais diferentes dos previstos na referida disposição.

207

Todavia, é admissível o legislador da União, quando dispõe de uma base jurídica para o efeito, instituir, por ato de direito derivado, outros procedimentos que têm por objeto os valores que constam do artigo 2.o TUE, de entre os quais consta o Estado de direito, desde que esses procedimentos se distingam tanto pela sua finalidade como pelo seu objeto do procedimento previsto no artigo 7.o TUE (v., por analogia, Acórdão de 7 de fevereiro de 1979, França/Comissão,15/76 e 16/76, EU:C:1979:29, n.o 26; Despacho de 11 de julho de 1996, An Taisce e WWF UK/Comissão, C‑325/94 P, EU:C:1996:293, n.o 25; e Acórdão de 11 de janeiro de 2001, Grécia/Comissão,C‑247/98, EU:C:2001:4, n.o 13).

208

No caso em apreço, no que respeita às respetivas finalidades do procedimento previsto no artigo 7.o TUE e do previsto no regulamento impugnado, resulta do artigo 7.o, n.os 2 a 4, TUE que o procedimento previsto neste artigo permite nomeadamente ao Conselho, quando o Conselho Europeu constate violações graves e persistentes por parte de um Estado‑Membro dos valores que constam do artigo 2.o TUE, suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados a esse Estado‑Membro, incluindo os direitos de voto do representante do Governo desse Estado‑Membro no Conselho, e que o Conselho pode posteriormente decidir alterar as medidas que adotou ou pôr‑lhes fim para responder a alterações da situação que levou à aplicação dessas medidas.

209

O procedimento previsto no artigo 7.o TUE tem, assim, por finalidade permitir ao Conselho sancionar violações graves e persistentes dos valores que constam do artigo 2.o TUE, com vista, nomeadamente, a exigir do Estado‑Membro em causa que ponha termo a essas violações.

210

Em contrapartida, como decorre dos n.os 124 a 137 do presente acórdão, resulta da natureza das medidas que podem ser adotadas nos termos do regulamento impugnado e das condições de adoção e de levantamento dessas medidas que o procedimento que este regulamento institui tem por finalidade assegurar, em conformidade com o princípio da boa gestão financeira enunciado no artigo 310.o, n.o 5, e no artigo 317.o, primeiro parágrafo, TFUE, a proteção do orçamento da União em caso de violação dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro e não sancionar, através do orçamento da União, violações de princípios do Estado de direito.

211

Daqui resulta que o procedimento previsto no regulamento impugnado prossegue uma finalidade diferente da do artigo 7.o TUE.

212

No que respeita ao objeto de cada um destes dois procedimentos, há que salientar que o âmbito de aplicação do procedimento previsto no artigo 7.o TUE incide sobre todos os valores que constam do artigo 2.o TUE, ao passo que o do procedimento instituído pelo regulamento impugnado apenas incide sobre um destes valores, a saber, o Estado de direito.

213

Além disso, o artigo 7.o TUE permite abarcar qualquer violação grave e persistente de um valor que conste do artigo 2.o TUE, ao passo que o regulamento impugnado só autoriza o exame das violações dos princípios do Estado de direito mencionados no seu artigo 2.o, alínea a), se existirem motivos razoáveis para considerar que têm impacto orçamental.

214

Quanto às condições de instauração dos dois processos, importa salientar que o procedimento previsto no artigo 7.o TUE pode ser iniciado, nos termos do seu n.o 1, quando exista um risco manifesto de uma violação grave por parte de um Estado‑Membro dos valores que constam do artigo 2.o TUE, pertencendo o direito de iniciativa a um terço dos Estados‑Membros, ao Parlamento ou à Comissão, sendo o limiar inicialmente exigido o de um risco manifesto de uma violação grave dos valores que constam do artigo 2.o TUE e em seguida, relativamente à suspensão, nos termos do artigo 7.o, n.os 2 e 3, TUE, de determinados direitos que decorrem da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em causa, de uma sua violação grave e persistente desses valores. Em contrapartida, o procedimento instituído pelo regulamento impugnado só pode ser iniciado apenas pela Comissão, quando existam motivos razoáveis para considerar não só que ocorreram violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro, mas também e sobretudo que essas violações afetam ou apresentem um risco sério de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

215

Por outro lado, a única condição material exigida para a adoção de medidas nos termos do artigo 7.o TUE reside na constatação, pelo Conselho Europeu, da existência de uma violação grave e persistente por parte de um Estado‑Membro dos valores que constam do artigo 2.o TUE. Em contrapartida, como se salientou no n.o 165 do presente acórdão, segundo o artigo 4.o, n.os 1 e 2, do regulamento impugnado, só podem ser tomadas medidas ao abrigo deste regulamento quando estiverem preenchidas duas condições. Por um lado, deve ser demonstrado que uma violação dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro diz respeito, pelo menos, a uma das situações ou a uma das condutas das autoridades a que se refere esse n.o 2, na medida em que sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros. Por outro lado, também se deve demonstrar que essas violações afetam ou apresentam um risco sério de afetar, de forma suficientemente direta, essa boa gestão financeira ou esses interesses financeiros, implicando, assim, esta condição uma relação efetiva entre essas violações e essa afetação ou esse risco sério de afetação.

216

Quanto à natureza das medidas que podem ser adotadas com base no artigo 7.o, n.o 3, TUE, estas consistem na suspensão de «alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em causa, incluindo o direito de voto do representante do Governo desse Estado‑Membro no Conselho», e podem, portanto, incidir sobre qualquer direito decorrente da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em questão. Em contrapartida, as medidas que podem ser adotadas nos termos do regulamento impugnado estão, por seu turno, limitadas às enumeradas no seu artigo 5.o, n.o 1, e resumidas no n.o 126 do presente acórdão, que são todas de natureza orçamental.

217

Por último, o artigo 7.o TUE só prevê a alteração e o levantamento das medidas adotadas para responder a alterações da situação que levou à sua adoção. Em contrapartida, o artigo 7.o, n.o 2, segundo e terceiro parágrafos, do regulamento impugnado subordina o levantamento e a alteração das medidas adotadas às condições de adoção das medidas referidas no artigo 4.o deste regulamento. Portanto, estas medidas podem ser levantadas ou alteradas não só no caso de ter sido posto termo, pelo menos em parte, às violações dos princípios do Estado de direito no Estado‑Membro em causa, mas sobretudo no caso de essas violações, ainda que persistindo, deixarem de ter impacto no orçamento da União. Tal pode acontecer, nomeadamente, quando já não digam respeito, pelo menos, a uma das situações ou a uma das condutas das autoridades a que se refere o n.o 2 desse artigo, quando essas situações ou essas condutas deixarem de ter relevância para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros, quando a violação já não afete ou já não apresente um risco sério de afetar essa boa gestão ou interesses financeiros, ou quando a relação entre a violação de um princípio do Estado de direito e essa afetação deixe de ter caráter suficientemente direto.

218

Tendo em conta as considerações que precedem, há que concluir que o procedimento previsto no artigo 7.o TUE e o procedimento instituído pelo regulamento impugnado prosseguem finalidades diferentes e têm, cada um deles, um objeto claramente distinto.

219

Daqui resulta que, contrariamente ao que alega a República da Polónia, apoiada pela Hungria, não se pode considerar que o procedimento instituído pelo regulamento impugnado constitua um procedimento paralelo que elude o artigo 7.o TUE.

220

Segundo, quanto à argumentação de que só o artigo 7.o TUE autoriza as instituições da União a controlar o respeito do Estado de direito nos domínios que se enquadram na competência exclusiva dos Estados‑Membros, declarou‑se nos n.os 162 e 163 do presente acórdão, por um lado, que o regulamento impugnado apenas permite às instituições da União proceder a um exame de situações nos Estados‑Membros se estas forem relevantes para a execução do orçamento da União, em conformidade com o princípio da boa gestão financeira, ou da proteção dos interesses financeiros da União, e, por outro, que só podem ser adotadas medidas adequadas nos termos deste regulamento quando se demonstre que essas situações comportam uma violação de um dos princípios do Estado de direito que afeta ou apresenta um risco sério de afetar, de forma suficientemente direta, essa boa gestão financeira ou a proteção desses interesses financeiros.

221

Ora, uma vez que tais situações dizem respeito à execução do orçamento da União e estão, assim, abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, não pode alegar que só o artigo 7.o TUE permite o seu exame pelas instituições da União.

222

Terceiro, relativamente à argumentação de que não existem modelos de controlo suficientes que permitam ao Tribunal de Justiça apreciar, no âmbito de um fiscalização jurisdicional que tem por objeto uma decisão do Conselho, a conformidade da ação de um Estado‑Membro com as obrigações que lhe incumbem nos termos do direito da União, esta argumentação deve ser afastada pelos fundamentos expostos nos n.os 201 e 203 do presente acórdão.

223

Quarto, na medida em que a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que o conceito de Estado de direito, tal como definido no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado, se torna, de forma geral, vinculativo, tanto no âmbito um procedimento instaurado nos termos do artigo 7.o TUE como durante o fiscalização jurisdicional efetuada pelo Tribunal de Justiça sobre uma decisão que institui medidas adequadas nos termos desse regulamento, em violação do artigo 269.o TFUE, decorre, antes de mais, dos n.os 144 e 154 do presente acórdão que, sem prejuízo da questão de saber se essa definição cumpre os requisitos do princípio da segurança jurídica, que é o objeto do nono fundamento, o conceito de «Estado de direito» a que se refere o artigo 2.o, alínea a), deve ser entendido como sendo o valor que consta no artigo 2.o TUE, que os princípios que aí são identificados contribuem para a própria definição desse valor ou estão intimamente ligados a uma sociedade respeitadora do Estado de direito e que, com a sua adesão à União, os Estados‑Membros comprometeram‑se a respeitar e a promover os valores que constam do artigo 2.o do TUE, cujo respeito constitui uma condição para o gozo de todos os direitos decorrentes da aplicação dos Tratados aos Estados‑Membros.

224

Daqui decorre que o respeito pelos princípios do Estado de direito mencionados no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado já se impõe aos Estados‑Membros, independentemente do referido regulamento.

225

Em seguida, importa salientar que o artigo 269.o TFUE visa apenas, segundo a sua redação, a fiscalização da legalidade de um ato adotado pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho nos termos do artigo 7.o TUE.

226

Nestas condições, e tendo em conta as declarações feitas nos n.os 218 e 219 do presente acórdão, a fiscalização da legalidade que o Tribunal de Justiça pode ser chamado a realizar, em especial no âmbito de um recurso de anulação interposto com base no artigo 263.o TFUE, sobre decisões do Conselho adotadas nos termos do artigo 6.o, n.o 10, do regulamento impugnado não está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 269.o TFUE, e, por conseguinte, não está sujeita às regras específicas previstas neste último.

227

Daqui resulta que o regulamento impugnado não atribui nenhuma nova competência ao Tribunal de Justiça.

228

Por último, os acórdãos do Tribunal de Justiça que decidem sobre recursos interpostos de decisões do Conselho adotadas nos termos do artigo 6.o, n.o 10, deste regulamento podem ser tidos em conta no âmbito de um procedimento intentado nos termos do artigo 7.o TUE, sem que, todavia, tal tomada em consideração constitua uma qualquer elusão ao artigo 269.o TFUE.

229

Tendo em conta todas as considerações anteriores, as alegações da República da Polónia, apoiada pela Hungria, relativas a uma elusão ao artigo 7.o TUE e ao artigo 269.o TFUE, devem ser julgadas improcedentes, pelo que o primeiro, segundo, quinto, sexto e décimo primeiro fundamentos devem ser julgados improcedentes.

B.   Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do Protocolo n.o 2

1. Argumentação das partes

230

A título subsidiário em relação ao primeiro fundamento, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que o regulamento impugnado foi adotado em violação da obrigação de consulta decorrente do Protocolo n.o 2 relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade (a seguir «Protocolo n.o 2»).

231

O princípio da subsidiariedade, que se aplica nos domínios que não são da competência exclusiva da União, exige que a União intervenha apenas se, e na medida em que, os objetivos prosseguidos não possam ser suficientemente alcançados por uma ação dos Estados‑Membros. Segundo o Protocolo n.o 2, os Parlamentos nacionais asseguram o respeito pelo princípio da subsidiariedade em conformidade com o procedimento previsto no referido protocolo.

232

Todavia, a proteção do orçamento da União não é da competência exclusiva da União, mas das suas competências partilhadas com os Estados‑Membros. Por um lado, esta proteção não é mencionada no artigo 3.o, n.o 1, TFUE e, por outro, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE enuncia uma obrigação comum que impende sobre a União e os Estados‑Membros de combaterem as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União.

233

Assim, a Comissão considerou erradamente, na sua proposta que conduziu ao regulamento impugnado, que a proteção do orçamento da União faz parte dos domínios da sua competência exclusiva, pelo que esta instituição não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Protocolo n.o 2. Especialmente, a referida instituição não transmitiu aos Parlamentos nacionais esta proposta, em todas as línguas oficiais da União, contrariamente às prescrições do artigo 6.o, primeiro parágrafo, deste protocolo. Assim sendo, a Comissão também violou o artigo 7.o, primeiro parágrafo, do referido protocolo, nos termos do qual esta instituição tem em conta os pareceres fundamentados dirigidos pelos Parlamentos nacionais.

234

A República da Polónia, apoiada pela Hungria, considera que essas violações devem ser tratadas de forma análoga às dos direitos do Parlamento nos processos legislativos. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que a participação do Parlamento no processo legislativo é o reflexo do princípio democrático fundamental segundo o qual os povos participam no exercício do poder por intermédio de uma assembleia representativa, pelo que a consulta regular do Parlamento nos casos previstos no Tratado FUE constitui uma formalidade substancial, cuja inobservância acarreta a nulidade do ato em causa. Uma vez que o Protocolo n.o 2 visa, segundo o seu preâmbulo, assegurar que as decisões sejam tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos, a violação da obrigação de consulta dos Parlamentos nacionais nele prevista devia, portanto, no caso em apreço, dar lugar à anulação do regulamento impugnado.

235

Esta anulação também se justifica pela circunstância de a Comissão não ter cumprido plenamente a sua obrigação enunciada no artigo 4.o, primeiro parágrafo, do Protocolo n.o 2, segundo a qual esta deve enviar os seus projetos de atos legislativos e os seus projetos alterados aos Parlamentos nacionais. É certo que transmitiu a sua proposta inicial a esses parlamentos, mas esta foi reformulada de forma significativa nas fases posteriores do processo legislativo, sem que os referidos parlamentos tenham podido proceder a um novo exame. Ora, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que é necessária uma nova consulta do Parlamento sempre que o texto finalmente adotado, considerado no seu conjunto, se afaste na sua substância daquele sobre o qual o Parlamento já foi consultado, constituindo esta nova consulta uma formalidade essencial prescrita sob pena de nulidade.

236

O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

237

Resulta do artigo 5.o, n.o 3, TUE que as disposições do Protocolo n.o 2 relativas ao princípio da subsidiariedade só são aplicáveis nos «domínios que não sejam da [...] competência exclusiva» da União.

238

Ora, em primeiro lugar, contrariamente ao que pretende a República da Polónia, apoiada pela Hungria, o artigo 325.o, n.o 1, TFUE não é relevante para se determinar se o regulamento impugnado é abrangido por esse domínio.

239

Com efeito, decorre dos n.os 112 a 189 do presente acórdão que o regulamento impugnado se baseia, corretamente, noutra base jurídica, a saber, o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, uma vez que o referido regulamento visa proteger o orçamento da União contra situações ou condutas imputáveis às autoridades dos Estados‑Membros que resultam de violações dos princípios do Estado de direito e que afetam ou apresentam um risco sério de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

240

Em segundo lugar, foi com razão que a proposta de regulamento que conduziu à adoção do regulamento impugnado esclarece, sob o título «Subsidiariedade (em caso de competência não exclusiva)», que as «disposições financeiras que regem o orçamento da União referidas no artigo 322.o [TFUE] não podem ser adotadas ao nível dos Estados‑Membros».

241

A este respeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 40 e 45 das suas conclusões, um regulamento como o regulamento impugnado, que comporta regras financeiras que fixam as modalidades relativas à elaboração e à execução do orçamento da União, na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, enquadra‑se no exercício de uma competência da União relativa ao seu funcionamento, que, pela sua natureza, só pode ser exercida pela própria União. Por conseguinte, o princípio da subsidiariedade não é aplicável.

242

Consequentemente, a argumentação da República da Polónia relativa ao incumprimento pela Comissão das obrigações processuais que lhe incumbem nos termos das disposições do Protocolo n.o 2 não é fundada, pelo que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

C.   Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE

1. Argumentação das partes

243

A República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que a fundamentação do regulamento impugnado, tal como consta da proposta que conduziu a esse regulamento, não respeita os requisitos do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, que impõe que todos os atos da União contenham uma exposição dos fundamentos que conduziram à sua adoção.

244

Com efeito, as razões pelas quais foi necessário adotar o regulamento impugnado não resultam dos motivos que constam dessa proposta.

245

Além disso, embora a exposição de motivos da referida proposta tenha visado o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE como base jurídica do regulamento impugnado, essa opção não foi «explicada nem justificada», ao contrário aos requisitos previstos no ponto 25, primeiro parágrafo, do Acordo interinstitucional entre o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia sobre «Legislar melhor» (JO 2016, L 123, p. 1). Portanto, não é possível verificar se este regulamento foi adotado ao abrigo de uma competência exclusiva da União ou das suas competências partilhadas com os Estados‑Membros, o que constitui uma violação das formalidades essenciais que justifica a anulação do referido regulamento.

246

O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

247

A República da Polónia confirmou, na audiência, que o quarto fundamento visa a fundamentação da proposta que conduziu à adoção do regulamento impugnado e não a deste último, conforme refletida nos seus considerandos.

248

Ora, uma vez que o presente recurso não visa a anulação dessa proposta mas do regulamento impugnado, a argumentação avançada em apoio deste fundamento é irrelevante, como sublinharam legitimamente o Parlamento e o Conselho e salientou o advogado‑geral no n.o 58 das suas conclusões.

249

Com efeito, a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, segundo a qual a fundamentação de um ato da União, exigida pelo artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do autor do ato em causa, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização (Acórdão de 11 de dezembro de 2018, Weiss e o., C‑493/17, EU:C:2018:1000, n.o 31 e jurisprudência referida), visa a fundamentação do ato cuja validade é examinada.

250

Embora o respeito pelo dever de fundamentação deva, por outro lado, ser apreciado não só à luz do teor do ato mas também do seu contexto e do conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdão de 11 de dezembro de 2018, Weiss e o., C‑493/17, EU:C:2018:1000, n.o 33 e jurisprudência referida), este contexto, do qual faz parte, nomeadamente, a proposta do ato em causa, não pode justificar, por si só e sem ter em conta a fundamentação que figura nesse ato, a anulação deste último.

251

Em todo o caso, mesmo admitindo que se refiram à fundamentação que consta do regulamento impugnado, as alegações da República da Polónia, conforme resumidas nos n.os 244 e 245 do presente acórdão, devem ser rejeitadas, tendo em conta as considerações expostas, nomeadamente, nos n.os 124, 130, 131, 134, 149, 159, 162, 163 e 165 deste mesmo acórdão.

252

Daqui resulta que o quarto fundamento deve ser julgado inoperante.

D.   Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do artigo 4.o, n.os 1 e 2, segundo período, e do artigo 5.o, n.o 2, TUE

1. Argumentação das partes

253

A República da Polónia, apoiada pela Hungria, considera que nenhuma disposição dos Tratados confere ao legislador da União competência para adotar o regulamento impugnado, pelo que, ao adotá‑lo, este violou o princípio da atribuição enunciado no artigo 4.o, n.o 1, e no artigo 5.o, n.o 2, TUE. Ao fazê‑lo, também violou a obrigação, prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo período, TUE, de respeitar as funções essenciais dos Estados‑Membros.

254

Os elementos com base nos quais há que apreciar se os Estados‑Membros violaram os princípios do Estado de direito referidos no artigo 3.o e no artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado dizem respeito a domínios que são da competência exclusiva dos Estados‑Membros e que são fundamentais para o exercício das suas funções essenciais, nomeadamente as que têm por objetivo salvaguardar a integridade territorial, manter a ordem pública e garantir a segurança nacional. Com efeito, é visado não apenas o funcionamento de órgãos estatais, como os órgãos jurisdicionais nacionais, as autoridades encarregadas da adjudicação dos contratos públicos e de controlo financeiro, bem como os serviços de investigação e do Ministério Público, mas também a sua organização, entre os quais o fornecimento de recursos financeiros e humanos necessários ao bom funcionamento dessas autoridades, e as regras processuais que lhes são aplicáveis.

255

Contrariamente ao que sugere o considerando 7 do regulamento impugnado, nenhuma competência do legislador da União a este respeito pode ser deduzida da importância dos princípios do Estado de direito para a ordem jurídica da União, em especial do seu princípio da boa gestão financeira, consagrado no artigo 317.o TFUE.

256

O legislador da União adotou assim o regulamento impugnado em conformidade com a lógica de um efeito multiplicador («spillover effect»), a saber, um processo no termo do qual uma ação que prossegue um objetivo preciso conduz a uma situação em que o objetivo inicial só pode ser alcançado através de novas ações. No caso em apreço, este efeito multiplicador implica deduzir do objetivo legítimo de proteção do orçamento da União a necessidade de reconhecer a competência desta em matéria de avaliação tanto dos processos como das necessidades financeiras e de recursos humanos dos serviços de investigação e do Ministério Público dos Estados‑Membros, embora essa competência não tenha fundamento nos Tratados.

257

Ora, a competência dos Estados‑Membros para organizarem os seus serviços de investigação e do Ministério Público está indissociavelmente ligada às funções essenciais do Estado, como a manutenção da ordem pública, que a União deve respeitar, e à segurança nacional, a qual, segundo o artigo 4.o, n.o 2, TUE, é da responsabilidade exclusiva de cada um dos Estados‑Membros.

258

Por outro lado, o Serviço Jurídico do Conselho adotou uma posição semelhante, ao referir no parecer jurídico n.o 13593/18, antes de mais, que o artigo 2.o TUE não confere competência material à União, mas enumera os valores que as instituições da União e os seus Estados‑Membros devem respeitar quando atuam dentro dos limites das atribuições conferidas à União pelos Tratados; depois, que uma violação dos valores da União, incluindo do Estado de direito, só pode ser invocada contra um Estado‑Membro, quando este atua dentro de um domínio para o qual a União tem competência; e, por último, que o respeito pelo Estado de direito por parte dos Estados‑Membros não pode, segundo os Tratados, ser objeto de uma ação ou de um controlo por parte das instituições da União, independentemente da existência de uma competência material específica na qual se inscreve a ação, apenas com a reserva do procedimento descrito no artigo 7.o TUE.

259

O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

260

Com o sétimo fundamento, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que o legislador da União, ao adotar o regulamento impugnado e ao instituir assim, com fundamento no princípio da boa gestão financeira estabelecido no artigo 317.o TFUE, um controlo do respeito pelos princípios do Estado de direito por parte dos Estados‑Membros, nos domínios da ação de soberania desses Estados‑Membros que são da sua exclusiva competência e fundamentais para lhes permitir o desempenho das suas funções essenciais, privou de efeito útil tanto o princípio de atribuição enunciado no artigo 4.o, n.o 1, e no artigo 5.o, n.o 2, TUE, como a obrigação, prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo período, TUE, de respeitar as funções essenciais dos Estados‑Membros.

261

A este respeito, primeiro, como se declarou nos n.os 112 a 189 do presente acórdão, o legislador da União pôde validamente basear o regulamento impugnado no artigo 322.o, n.o 1, TFUE, pelo que a argumentação da República da Polónia segundo a qual, ao adotar o referido regulamento, o legislador da União deduziu erradamente a sua competência do princípio da boa gestão financeira consagrado no artigo 317.o TFUE não pode ser acolhida.

262

Segundo, como se esclareceu nos n.os 124 a 138, 152 a 157 e 208 a 219 do presente acórdão, resulta da finalidade e do conteúdo do regulamento impugnado que, contrariamente ao que sustenta a República da Polónia, este autoriza o Conselho não a adotar sanções mas apenas medidas de proteção do orçamento da União e dos seus interesses financeiros.

263

Terceiro, como se salientou nos n.os 142 a 145, 168, 169 e 179 do presente acórdão, o dever de respeitar os princípios mencionados no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado constitui uma obrigação de resultado para os Estados‑Membros que decorre diretamente dos compromissos assumidos por estes para com os outros e para com a União e que este regulamento se limita a implementar no que se refere à ação das autoridades nacionais relativa a despesas cobertas pelo orçamento da União.

264

A este respeito, importa recordar que o artigo 2.o TUE não constitui uma simples enunciação de orientações ou intenções de natureza política, mas contém valores que são abrangidos, como se salientou no n.o 145 do presente acórdão, pela própria identidade da União enquanto ordem jurídica comum, valores que são concretizados em princípios que comportam obrigações juridicamente vinculativas para os Estados‑Membros.

265

Ora, ainda que, como resulta do artigo 4.o, n.o 2, TUE, a União respeite a identidade nacional dos Estados‑Membros, inerente às suas estruturas políticas e constitucionais fundamentais, de modo que esses Estados dispõem de uma certa margem de apreciação para assegurar a aplicação dos princípios do Estado de direito, daí não decorre de forma alguma que essa obrigação de resultado possa variar de um Estado‑Membro para outro.

266

Com efeito, embora disponha de identidades nacionais distintas, inerentes às suas estruturas fundamentais políticas e constitucionais, que a União respeita, os Estados‑Membros aderem a um conceito de «Estado de direito» que partilham, enquanto valor comum às suas tradições constitucionais próprias, e que se comprometeram a respeitar de modo contínuo.

267

Quarto, a argumentação da República da Polónia, apoiada pela Hungria, de que a apreciação da violação dos princípios do Estado de direito por parte dos Estados‑Membros diz respeito a domínios da competência exclusiva dos Estados‑Membros, já foi afastada nos n.os 162, 163, 220 e 221 do presente acórdão, com o fundamento de que este regulamento só permite apreciar situações e condutas de autoridades relacionadas com a execução do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

268

É certo que não se excluí que tais situações ou condutas sejam imputáveis a uma autoridade cujo Estado‑Membro considera que participa na sua ação de soberania em domínios fundamentais para o exercício das suas funções essenciais. Não deixa, porém, de ser verdade que, quando essa situação ou essa conduta afeta ou apresenta um risco sério de afetar a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros, não se pode censurar a União por aplicar, para a defesa da sua identidade, a que pertencem os valores que constam do artigo 2.o TUE, os meios necessários para a proteção dessa boa gestão financeira ou desses interesses financeiros através da adoção de medidas adequadas que, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, do regulamento impugnado, dizem respeito exclusivamente à execução do orçamento da União.

269

A este propósito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, embora os Estados‑Membros possam exercer as suas competências em todos os domínios que lhes estão reservados, não é menos verdade que são obrigados a exercê‑las no respeito pelo direito da União, uma vez que não se podem libertar das obrigações que lhes incumbem por força desse direito [v., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle,C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 69 e jurisprudência referida; de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula), C‑552/15, EU:C:2017:698, n.os 71 e 86; de 20 de abril de 2021, Repubblika,C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 48 e jurisprudência referida; e de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 56 e jurisprudência referida].

270

Além disso, ao exigir que os Estados‑Membros respeitem estas obrigações que para eles decorrem do direito da União, a União não pretende de modo algum exercer ela própria essas competências nem, portanto, arrogar‑se da mesma [v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 52].

271

Tendo em conta estas considerações, não se pode deixar de observar que são desprovidas de fundamento as alegações da República da Polónia relativas a uma violação do princípio da atribuição e da obrigação de respeitar as funções essenciais dos Estados‑Membros.

272

Por conseguinte, o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

E.   Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados e ao não respeito pelas identidades nacionais, previstos no artigo 4.o, n.o 2, primeiro período, TUE

1. Argumentação das partes

273

A República da Polónia, apoiada pela Hungria, considera que a aplicação do regulamento impugnado está na origem de violações do artigo 4.o, n.o 2, primeiro período, TUE, segundo o qual a União respeita a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, bem como a respetiva identidade nacional, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais.

274

Em primeiro lugar, nos termos do considerando 16 do regulamento impugnado, a identificação de violações dos princípios do Estado de direito requer uma avaliação qualitativa aprofundada pela Comissão, apoiando‑se em informações pertinentes provenientes das fontes disponíveis e de instituições reconhecidas, entre as quais constam as conclusões e recomendações da Comissão de Veneza. Ora, esta última tinha referido no seu relatório sobre as nomeações judiciais, adotado na sua 70.a sessão plenária, que havia que distinguir os Estados que fazem parte de «antigas democracias» dos que constituem «novas democracias», podendo esta distinção gerar um risco sério de que a Comissão trate de maneira diferenciada os Estados‑Membros ao abrigo deste regulamento.

275

A República da Polónia, apoiada pela Hungria, sublinha, aliás, que o Tribunal de Contas, no seu parecer n.o 1/2018 sobre a proposta de regulamento que conduziu ao regulamento impugnado, criticou o facto de esta proposta não fixar nenhum critério preciso no que se refere, nomeadamente, às condições de abertura do procedimento, bem como à escolha e ao alcance das medidas a adotar, o que não permite assegurar uma aplicação coerente das disposições pertinentes deste regulamento e, portanto, garantir a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados.

276

Em segundo lugar, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que a instauração de um mecanismo sancionatório pelo regulamento impugnado obrigou o legislador da União a escolher um processo de adoção de medidas de proteção do orçamento da União que infringe diretamente o princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados. Com efeito, resulta do artigo 6.o, n.os 10 e 11, deste regulamento que as decisões relativas a essas medidas são adotadas pelo Conselho por maioria qualificada definida no artigo 16.o, n.o 4, TUE, a qual implica a participação do Estado‑Membro em causa.

277

Ora, a adoção de tais medidas punitivas por maioria qualificada, com a participação do Estado‑Membro em causa, conduz a uma discriminação direta dos pequenos e médios Estados‑Membros, uma vez que esta maioria exige o voto de pelo menos quinze Estados‑Membros que representem pelo menos 65 % da população da União. Os grandes Estados‑Membros, representando uma percentagem maior da população da União, são, assim, favorecidos nos votos relativos à adoção de medidas de proteção do orçamento da União, nomeadamente das que lhes dizem diretamente respeito, em comparação com os pequenos e médios Estados‑Membros, que representam uma percentagem de população mais baixa. Embora essa correlação não possa ser contestada no que respeita à adoção de atos normativos que produzem efeitos em todos os Estados‑Membros, a situação é diferente quando se trata de medidas sancionatórias destinadas a produzir efeitos em relação a um único Estado‑Membro, à semelhança das que podem ser tomadas nos termos do regulamento impugnado.

278

Por outro lado, as disposições dos Tratados que autorizam as instituições da União a imporem sanções aos Estados‑Membros excluiriam sistematicamente da votação os Estados‑Membros visados pela proposta de ato que impõe sanções. Em especial, é esse o caso do artigo 126.o TFUE, relativo ao défice público excessivo, bem como do artigo 7.o TUE e do artigo 354.o TFUE, no que respeita ao procedimento previsto no referido artigo 7.o

279

O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

280

Com o oitavo fundamento, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que o regulamento impugnado origina violações do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados e das respetivas identidades nacionais, que a União está obrigada a respeitar por força do artigo 4.o, n.o 2, primeiro período, TUE. Estas violações resultam, antes de mais, da tomada em consideração, pela Comissão, de pareceres e de estudos provenientes da Comissão de Veneza; em seguida, da falta de precisão dos critérios relativos, nomeadamente, às condições de abertura do procedimento previsto neste regulamento, bem como à escolha e ao alcance das medidas a adotar; e, por último, da regra de voto prevista no artigo 6.o, n.o 11, deste regulamento, no que respeita às decisões a tomar pelo Conselho nos termos do n.o 10 deste artigo.

281

A este respeito, em primeiro lugar, relativamente à tomada em consideração, pela Comissão, das informações pertinentes provenientes da Comissão de Veneza, há que recordar desde logo que o valor do Estado de direito que está no cerne do mecanismo de condicionalidade horizontal instituído pelo artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado visa o respeito pelos princípios mencionados no artigo 2.o, alínea a), deste regulamento.

282

Como se recordou em último lugar no n.o 263 do presente acórdão, esta obrigação de respeitar esses princípios constitui uma obrigação de resultado para os Estados‑Membros, que decorre diretamente do facto de pertencerem à União, por força do artigo 2.o TUE, que nenhum Estado‑Membro pode ignorar e que o regulamento impugnado se limita a implementar, no que se refere à ação das autoridades nacionais relativa a despesas cobertas pelo orçamento da União.

283

Ora, decorre do exposto nos n.os 265 e 266 do presente acórdão que, embora a Comissão e o Conselho devam efetuar as suas apreciações tendo devidamente em conta as circunstâncias e os contextos específicos de cada procedimento conduzido ao abrigo do regulamento impugnado e, em particular, tomando em consideração as particularidades do sistema jurídico do Estado‑Membro em causa e a margem de apreciação de que este Estado‑Membro dispõe para assegurar a aplicação dos princípios do Estado de direito, este requisito não é de modo algum incompatível com a aplicação de critérios de apreciação uniformes.

284

Em especial, uma vez que a União respeita a identidade nacional dos Estados‑Membros, refletida nas suas estruturas políticas e constitucionais fundamentais, incumbe às suas instituições ter em conta as características dos sistemas constitucionais e jurídicos desses Estados‑Membros quando verificam se estes cumprem as obrigações de resultado que decorrem diretamente do facto de pertencerem à União, nos termos do artigo 2.o TUE.

285

A este respeito, a Comissão deve zelar pela pertinência das informações que utiliza e fiabilidade das suas fontes, sob a fiscalização do juiz da União. Em especial, o artigo 6.o, n.o 3, do regulamento impugnado não confere valor probatório específico ou absoluto e não atribui efeitos jurídicos determinados às fontes de informação nele mencionadas nem às que são indicadas no considerando 16 deste regulamento, pelo que esta disposição não dispensa a Comissão da sua obrigação de proceder a uma apreciação diligente dos factos.

286

Além disso, como se recordou no n.o 202 do presente acórdão, as apreciações da Comissão e do Conselho estão sujeitas aos requisitos processuais especificados no artigo 6.o, n.os 1 a 9, do regulamento impugnado. Estes requisitos implicam, em especial, como salienta o considerando 26 deste regulamento, que a Comissão se deve basear em elementos concretos e respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados quando conduz procedimentos ao abrigo desta disposição. No que respeita à identificação e avaliação das violações dos princípios do Estado de direito, os referidos requisitos devem ser entendidos tendo em conta o considerando 16 do referido regulamento, segundo o qual essa avaliação deverá ser objetiva, imparcial e equitativa, estando o cumprimento de todas essas obrigações sujeito a uma fiscalização jurisdicional plena pelo Tribunal de Justiça.

287

Assim, a Comissão continua responsável pelas informações que utiliza e pela fiabilidade das suas fontes. Por outro lado, o Estado‑Membro em causa dispõe da faculdade, durante o procedimento previsto no artigo 6.o, n.os 1 a 9, do regulamento impugnado, de apresentar observações sobre as informações que a Comissão pretende utilizar para propor a adoção de medidas adequadas. Portanto, pode contestar o valor probatório de cada um dos elementos considerados, o mérito das apreciações da Comissão que podem, em todo o caso, estar sujeitas à fiscalização do juiz da União no âmbito de um recurso interposto de uma decisão do Conselho adotada nos termos deste regulamento.

288

Em segundo lugar, quanto à alegada falta de precisão dos critérios aplicáveis às condições de abertura do procedimento, bem como à escolha e ao alcance das medidas a adotar, resulta de uma leitura de conjunto do artigo 4.o e do artigo 6.o, n.o 1, do regulamento impugnado que, como se salientou no n.o 125 do presente acórdão, a Comissão só pode dar início a esse procedimento quando verifique que existem motivos razoáveis para considerar que um ou mais dos princípios do Estado de direito referidos no artigo 2.o, alínea a), desse regulamento foi violado num Estado‑Membro, que essa violação diz respeito a uma ou mais situações imputáveis a uma autoridade de um Estado‑Membro, a uma ou mais condutas dessas autoridades visadas no artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento, na medida em que essas situações ou essas condutas sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros, e que essa violação afeta ou apresenta um risco sério de afetar essa boa gestão ou os seus interesses financeiros, de forma suficientemente direta, através de uma relação efetiva entre essas violações e essa afetação ou esse risco de afetação.

289

Relativamente a estes princípios, decorre das constatações efetuadas no n.o 169 do presente acórdão que a República da Polónia não pode alegar que não tem um conhecimento concreto e preciso das obrigações de resultado a que está obrigada devido à sua adesão à União, no que respeita ao respeito pelo valor do Estado de direito.

290

A este propósito, embora seja verdade que o artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado não detalha os princípios do Estado de direito que menciona, não é menos verdade que o considerando 3 deste regulamento recorda que os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proibição da arbitrariedade do poder executivo, da tutela jurisdicional efetiva e da separação de poderes, referidos nesta disposição, foram objeto de jurisprudência abundante do Tribunal de Justiça. O mesmo se diga dos princípios da igualdade perante a lei e da não discriminação que aí também figuram, como resulta nomeadamente dos n.os 94 e 98 do Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento (C‑650/18, EU:C:2021:426), e n.os 57 e 58 do Acórdão de 2 de setembro de 2021, État belge (Direito de residência em caso de violência doméstica) (C‑930/19, EU:C:2021:657).

291

Estes princípios do Estado de direito, conforme desenvolvidos com fundamento nos Tratados da União na jurisprudência do Tribunal de Justiça, são assim reconhecidos e esclarecidos na ordem jurídica da União e têm a sua origem em valores comuns também reconhecidos e aplicados pelos Estados‑Membros nas suas próprias ordens jurídicas.

292

Além disso, os considerandos 8 a 10 e 12 do regulamento impugnado mencionam os principais requisitos decorrentes destes princípios. Assim, estes considerandos fornecem esclarecimentos sobre os casos que podem ser indicativos de violações dos princípios do Estado de direito, que constam do artigo 3.o deste regulamento, e sobre as situações e as condutas que essas violações devem visar, descritas no artigo 4.o, n.o 2, do referido impugnado, para poderem justificar a adoção de medidas adequadas, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento.

293

Por último, as apreciações da Comissão e do Conselho estão sujeitas aos requisitos processuais recordados no n.o 286 do presente acórdão.

294

Quanto às situações e condutas das autoridades referidas no artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado e à sua pertinência para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para os seus interesses financeiros, foi salientado, nos n.os 171 a 177 do presente acórdão, que são suficientemente precisas para que a República da Polónia possa identificar de forma suficientemente concreta e previsível as situações e condutas visadas nesta disposição.

295

Quanto aos conceitos de «boa gestão financeira» e de «proteção dos interesses financeiros da União», o primeiro é igualmente referido, nomeadamente, no artigo 310.o, n.o 5, TFUE e no artigo 317.o, primeiro parágrafo, TFUE e é definido no artigo 2.o, ponto 59, do Regulamento Financeiro como sendo a execução do orçamento de acordo com os princípios de economia, de eficiência e de eficácia, ao passo que o segundo também é abrangido pelo artigo 325.o TFUE e visa, segundo o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro, todas as medidas necessárias, incluindo medidas legislativas, regulamentares e administrativas, destinadas, nomeadamente, a prevenir, detetar e corrigir irregularidades e fraudes na execução do orçamento.

296

A este propósito, o artigo 2.o, ponto 1, do Regulamento n.o 833/2013 define os «interesses financeiros da União» como sendo «as receitas, as despesas e os ativos cobertos pelo orçamento da União Europeia, bem como aqueles cobertos pelos orçamentos das instituições, órgãos, organismos e agências e pelos orçamentos geridos e controlados pelos mesmos». Por seu turno, o artigo 135.o, n.os 1, 3 e 4, do Regulamento Financeiro prevê que, a fim de proteger os interesses financeiros da União, a Comissão estabelece e gere um sistema de deteção precoce e de exclusão.

297

Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «interesses financeiros da União», na aceção do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, engloba não só as receitas mas também as despesas abrangidas por esse orçamento (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.o 183). Por conseguinte, este conceito é relevante não só no contexto das medidas de luta contra as irregularidades e a fraude visadas nesta disposição mas também para a boa gestão financeira desse orçamento, uma vez que a proteção desses interesses financeiros também contribui para essa boa gestão.

298

A prevenção de prejuízos como os referidos no artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado é, por conseguinte, um complemento à correção desses prejuízos, que é inerente quer ao conceito de «boa gestão financeira» quer ao de «proteção dos interesses financeiros da União» e deve, portanto, ser considerada um requisito constante e horizontal da regulamentação financeira da União.

299

Acresce que, esta disposição exige que as violações dos princípios do Estado de direito que são constatadas afetem ou sejam seriamente suscetíveis de afetar a boa gestão financeira do orçamento ou os seus interesses financeiros e exige, consequentemente, que se demonstre que a concretização desse risco apresenta uma elevada probabilidade, em relação às situações ou às condutas das autoridades referidas no artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, só podendo, de resto, ser adotadas medidas adequadas se se estabelecer um nexo suficientemente direto, a saber, um nexo efetivo entre uma violação de um dos princípios do Estado de direito e esse risco sério. Além disso, na adoção destas medidas, importa também respeitar os requisitos processuais recordados em último lugar no n.o 286 do presente acórdão.

300

Quanto ao nexo suficientemente direto entre uma violação constatada de um princípio do Estado de direito e a proteção do orçamento ou dos interesses financeiros da União, basta remeter para os n.os 178 a 180 do presente acórdão.

301

Por último, a escolha e o alcance das medidas que podem ser adotadas nos termos do regulamento impugnado são limitados, na medida em que, como se salientou no n.o 153 do presente acórdão, o artigo 5.o, n.o 1, do regulamento impugnado enumera de forma exaustiva as diferentes medidas de proteção que podem ser adotadas.

302

Em conformidade com o artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento, essas medidas devem ser proporcionadas e determinadas em função do impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos seus interesses financeiros. A natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito devem ser tidas devidamente em conta e visar, na medida do possível, as ações da União que essas violações afetem. Daqui resulta que as medidas adotadas devem ser estritamente proporcionadas ao impacto das violações constatadas dos princípios do Estado de direito no orçamento da União ou nos seus interesses financeiros.

303

Tendo em conta as considerações anteriores e os requisitos processuais recordados em último lugar no n.o 286 do presente acórdão, a argumentação da República da Polónia, apoiada pela Hungria, relativa à falta de precisão dos critérios relativos, nomeadamente, às condições de abertura do procedimento, bem como à escolha e ao alcance das medidas a adotar, não tem fundamento.

304

Em terceiro lugar, no que respeita à alegação relativa à pretensa incompatibilidade com o princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados da regra de votação prevista no artigo 6.o, n.o 11, do regulamento impugnado para a adoção das decisões pelo Conselho nos termos do n.o 10 deste artigo, importa salientar, por um lado, que esta alegação assenta, em parte, na argumentação de que as medidas que podem ser adotadas ao abrigo deste artigo 6.o, n.o 10, têm a natureza de sanções, para cuja adoção os Tratados excluem da votação o Estado‑Membro em causa.

305

Ora, como foi esclarecido nos n.os 112 a 229 do presente acórdão, as medidas que podem ser adotadas em aplicação do regulamento impugnado não se destinam a sancionar um Estado‑Membro devido a violações dos princípios do Estado de direito, mas exclusivamente proteger a boa gestão financeira do orçamento da União ou os seus interesses financeiros.

306

De resto, um Estado‑Membro só pode ser excluído do processo de votação por maioria qualificada nos casos em que os Tratados o prevejam expressamente e em que, portanto, a maioria qualificada é fixada em conformidade com o artigo 238.o, n.o 3, TFUE.

307

Por outro lado, embora seja verdade que o legislador da União pode adotar disposições de execução de regulamentos de base, segundo um procedimento diferente do adotado para o regulamento de base (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 1996, Parlamento/Conselho, C‑303/94, EU:C:1996:238, EU:C:1996:238, n.o 23 e jurisprudência referida), não é menos verdade que, como salientou o advogado‑geral no n.o 96 das suas conclusões, a regra de votação prevista no artigo 6.o, n.o 11, do regulamento impugnado, a saber, a regra da maioria qualificada com participação de todos os Estados‑Membros, é aquela cuja aplicação o artigo 16.o, n.o 3, TUE prevê supletivamente nas deliberações do Conselho, salvo nos casos em que os Tratados disponham de outra forma.

308

Há que acrescentar que esta regra de votação está não só prevista nos próprios Tratados, mas também não viola o princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados.

309

Em especial, o facto de os interesses dos Estados‑Membros poderem divergir e de, consoante todos os Estados‑Membros ou apenas alguns deles participarem na votação no Conselho, ser mais ou menos fácil alcançar uma minoria de bloqueio no termo da referida votação, na aceção do artigo 16.o, n.o 4, TUE, não é de modo algum específico do procedimento instituído pelo regulamento impugnado e é plenamente compatível com as escolhas feitas pelos autores dos Tratados. Com efeito, em conformidade com o valor de democracia que consta do artigo 2.o TUE, esta disposição visa assegurar que as decisões do Conselho se baseiem numa representatividade suficiente tanto dos Estados‑Membros como da população da União.

310

Tendo em conta as considerações anteriores, o oitavo fundamento deve ser julgado improcedente.

F.   Quanto ao nono fundamento, relativo à violação do princípio da segurança jurídica

1. Argumentação das partes

311

A República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que as disposições do regulamento impugnado não cumprem os requisitos de clareza e de precisão que decorrem do princípio da segurança jurídica, uma vez que este regulamento não esclarece claramente os requisitos que devem ser cumpridos pelos Estados‑Membros para poderem manter o financiamento proveniente do orçamento da União que lhes foi concedido e confere à Comissão e ao Conselho um poder de apreciação demasiado amplo.

312

Levanta dificuldades a este título, primeiro, a definição do conceito de «Estado de direito», definido do artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado. Este conceito não pode, por princípio, ser objeto de definição universal, uma vez que comporta um número não exaustivo de princípios cujo sentido pode diferir de um Estado para outro, de acordo com as suas características constitucionais ou as suas próprias tradições jurídicas. Além disso, esta definição alarga indevidamente o alcance do referido conceito enquanto valor da União, que é apenas um dos valores que constam do artigo 2.o TUE, aos outros valores que constam desta disposição.

313

Segundo, os elementos de apreciação do respeito pelos princípios do Estado de direito, fixados nos artigos 3.° e 4.° do regulamento impugnado, não cumprem os requisitos de clareza e de precisão, uma vez que a aplicação destes princípios pressupõe que sejam previamente concretizados. Ora, na falta de definição universal dos referidos princípios e tendo em conta as competências muito limitadas da União para os concretizar, estes últimos não têm conteúdo material concreto no direito da União. Embora seja verdade que o Tribunal de Justiça e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem clarificaram certos aspetos do valor do Estado de direito, não esclareceram ainda o conteúdo dos outros valores que constam do artigo 2.o TUE nem a sua relação com o princípio do respeito pela identidade nacional dos Estados‑Membros que consta do artigo 4.o, n.o 2, TUE.

314

É certo que, no seu Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 32), o Tribunal de Justiça fez referência ao valor do Estado de direito que consta no artigo 2.o TUE, mas esclareceu que esse valor estava concretizado no artigo 19.o TUE. Portanto, para se tornarem aplicáveis, os valores contidos no artigo 2.o TUE devem estar concretizados noutras disposições dos Tratados. Todavia, uma vez que os valores diferentes do Estado de direito, indevidamente incorporados neste último conceito pelo regulamento impugnado, não estão claramente definidos, o Tribunal de Justiça é chamado a esclarecer, nomeadamente, os conceitos de «pluralismo», de «não discriminação», de«tolerância», de «justiça» e de «solidariedade». A interpretação vinculativa destes conceitos pelo Tribunal de Justiça, no âmbito da fiscalização jurisdicional de decisões adotadas ao abrigo do regulamento impugnado, excede assim as competências atribuídas à União.

315

A falta de precisão do artigo 3.o e do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, que utilizam expressões como «o bom funcionamento» das «autoridades» ou dos «serviços» e «o bom funcionamento de sistemas eficazes e transparentes de gestão e responsabilidade financeira», bem como o caráter não exaustivo das enumerações que figuram nessas disposições, vão assim permitir à Comissão e ao Conselho esclarecê‑las na aplicação deste regulamento, o que terá por efeito, em substância, tornar possível a aplicação retroativa das normas assim especificadas.

316

Terceiro, de entre as fontes de informação que a Comissão tem de utilizar nos termos do artigo 6.o, n.o 3, do regulamento impugnado, na constatação de uma violação dos princípios do Estado de direito, constam as «conclusões e recomendações» das instituições da União, de outras organizações internacionais pertinentes e de outras instituições reconhecidas, ao passo que, por força do direito da União, essas fontes não vinculam os Estados‑Membros. Portanto, este regulamento impugnado não pode conferir‑lhes caráter vinculativo. Mesmo a lista indicativa que consta do considerando 16 do referido regulamento não esclarece suficientemente as «decisões, conclusões e recomendações» aí referidas.

317

O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

318

Com o nono fundamento, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que o regulamento impugnado viola o princípio da segurança jurídica e concede uma margem de apreciação demasiado ampla à Comissão e ao Conselho devido à falta de precisão, antes de mais, do conceito de «Estado de direito», conforme definido no artigo 2.o, alínea a), deste regulamento; em seguida, dos critérios enunciados no artigo 3.o e no artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento; e, por último, das fontes de informação sobre as quais a Comissão é chamada a fundamentar as suas apreciações nos termos do artigo 6.o, n.o 3, do mesmo regulamento.

319

De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da segurança jurídica exige, por um lado, que as regras jurídicas sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os particulares, em especial quando possam ter consequências desfavoráveis. O referido princípio exige, em particular, que uma regulamentação permita aos interessados conhecer com exatidão o alcance das obrigações que lhes impõe e que estes possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (Acórdão de 29 de abril de 2021, Banco de Portugal e o., C‑504/19, EU:C:2021:335, n.o 51 e jurisprudência referida).

320

No entanto, estes requisitos não podem ser entendidos no sentido de que se opõem a que o legislador da União, no âmbito de uma norma que adote, utilize um conceito jurídico abstrato, nem no sentido de que impõe que essa norma abstrata mencione as diferentes hipóteses concretas em que é suscetível de ser aplicada, na medida em que todas estas hipóteses não podem ser determinadas antecipadamente pelo legislador (v., por analogia, Acórdão de 20 de julho de 2017, Marco Tronchetti Provera e o., C‑206/16, EU:C:2017:572, n.os 39 e 40).

321

Consequentemente, o facto de um ato legislativo conferir um poder de apreciação às autoridades responsáveis pela sua implementação não viola, em si mesmo, a exigência de previsibilidade, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder se encontrem definidas com clareza suficiente, tendo em conta o fim legítimo em jogo, para fornecer uma proteção adequada contra o arbitrário (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão,C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 94, e de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.o 57).

322

É tendo em conta estas considerações que importa apreciar, em primeiro lugar, a argumentação relativa ao caráter impreciso e demasiado amplo do conceito de «Estado de direito», definido no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado.

323

A este respeito, primeiro, esta disposição não pretende definir este conceito de forma exaustiva, limitando‑se a especificar, apenas para efeitos desse regulamento, vários princípios que este abrange e que são, segundo o legislador da União, os mais relevantes à luz do objeto do referido regulamento, que consiste em assegurar a proteção do orçamento da União.

324

Segundo, ao contrário do que alega a República da Polónia, apoiada pela Hungria, os princípios mencionados no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado não excedem os limites do conceito de «Estado de direito». Em especial, a referência à proteção dos direitos fundamentais só é feita a título ilustrativo dos requisitos do princípio da tutela jurisdicional efetiva, igualmente garantido no artigo 19.o TUE e a qual a própria República da Polónia reconhece que faz parte deste conceito. O mesmo se diga das referências aos princípios da não discriminação e da igualdade. Com efeito, embora o artigo 2.o TUE mencione de forma distinta o Estado de direito como valor comum aos Estados‑Membros e os princípios da igualdade e da não discriminação, não se pode deixar de observar que não se pode considerar que um Estado‑Membro cuja sociedade é caracterizada pela discriminação assegure o respeito pelo Estado de direito, na aceção desse valor comum.

325

Esta conclusão é corroborada pelo facto de, no seu estudo n.o 711/2013, de 18 de março de 2016, que estabelece uma «lista dos critérios do Estado de direito», a que se refere o considerando 16 do regulamento impugnado, a Comissão de Veneza ter indicado, nomeadamente, que o conceito de «Estado de direito» assenta num direito seguro e previsível, no qual todas as pessoas têm o direito de ser tratadas pelos decisores de forma digna, igual e racional, no respeito pelo direito existente, e de dispor de vias de recurso para contestar as decisões judiciais perante tribunais independentes e imparciais, segundo um processo equitativo. Ora, estas características estão especificamente refletidas no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado.

326

Terceiro, tendo em conta o exposto nos n.os 289 a 293 do presente acórdão, a argumentação da República da Polónia, apoiada pela Hungria, de que os princípios do Estado de direito referidos no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado não têm conteúdo material concreto no direito da União deve ser julgada totalmente improcedente.

327

Quarto, no que se refere à relação desses próprios princípios do Estado de direito com o do respeito pela identidade nacional dos Estados‑Membros que consta no artigo 4.o, n.o 2, TUE, basta remeter para os n.os 282 a 286 do presente acórdão.

328

Quinto, no que se refere à argumentação de que, para se tornarem aplicáveis, os valores que constam do artigo 2.o TUE devem estar concretizados noutras disposições dos Tratados, por um lado, salientou‑se nos n.os 192 a 199 do presente acórdão que os Tratados contêm inúmeras disposições, frequentemente concretizadas por diversos atos de direito derivado, que conferem às instituições da União competência para examinar, constatar e, sendo caso disso, sancionar violações de valores que constam do artigo 2.o TUE cometidas num Estado‑Membro. Por outro lado, declarou‑se nos n.os 112 a 189 do presente acórdão que o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE constitui uma base jurídica que permite ao legislador da União adotar disposições relativas à constatação de violações do valor do Estado de direito e às consequências jurídicas dessas violações, com vista a proteger o orçamento da União e os seus interesses financeiros, quando essas violações afetam ou apresentam um risco sério de afetar esse orçamento e esses interesses.

329

Sexto, admitindo que o Tribunal de Justiça seja chamado a interpretar, no âmbito de um recurso de anulação de uma decisão adotada nos termos do regulamento impugnado, os conceitos de «pluralismo», de «não discriminação», de «tolerância», de «justiça» ou de «solidariedade», que constam do artigo 2.o TUE, só exerce, ao fazê‑lo, contrariamente ao que alega a República da Polónia, apoiada pela Hungria, as competências que lhe foram atribuídas pelos Tratados, em especial pelo artigo 263.o TFUE.

330

Em segundo lugar, quanto à alegada falta de precisão dos critérios utilizados nos artigos 3.° e 4.°, n.o 2, do regulamento impugnado, decorre, primeiro, do n.o 155 do presente acórdão que este artigo 3.o não estabelece obrigações para os Estados‑Membros, limitando‑se a citar casos que podem ser indicativos de violação dos princípios do Estado de direito, destinando‑se, assim, a facilitar a aplicação deste regulamento, ao esclarecer os requisitos inerentes a esses princípios.

331

Segundo, no que respeita aos conceitos alegadamente imprecisos que constam do artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento, há que recordar, antes de mais, que o conceito de «autoridade» foi analisado nos n.os 175 e 176 do presente acórdão e que o de «serviços» abrange apenas os «serviços de investigação e do Ministério Público».

332

Em seguida, quanto ao «correto funcionamento» das autoridades públicas, incluindo de aplicação da lei, que executam o orçamento da União e são responsáveis pelo controlo, fiscalização e auditoria financeiros e dos serviços de investigação e do Ministério Público referidos no artigo 3.o, alínea b), e no artigo 4.o, n.o 2, alíneas a) a c), do regulamento impugnado, decorre dos considerandos 8 e 9 deste regulamento que essa expressão visa a capacidade dessas autoridades de exercerem corretamente e de forma efetiva e eficaz as suas funções relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

333

Por último, a expressão «sistemas eficazes e transparentes de gestão e responsabilização financeira», empregue no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do regulamento impugnado, remete para o conceito de «gestão financeira», que se insere no conceito de «boa gestão financeira», que consta dos próprios Tratados, em especial do artigo 310.o, n.o 5, e do artigo 317.o, primeiro parágrafo, TFUE, e definido no artigo 2.o, ponto 59, do Regulamento Financeiro como sendo a execução do orçamento de acordo com os princípios de economia, de eficiência e de eficácia. A expressão «responsabilização financeira» reflete, por seu lado, nomeadamente, as obrigações de controlo, fiscalização e auditoria financeiros referidos no referido artigo 4.o, n.o 2, alínea b), enquanto a expressão «sistemas eficazes e transparentes» implica a implementação de um conjunto ordenado de regras que asseguram de forma eficaz e transparente as referidas gestão e responsabilização financeiras.

334

Terceiro, a argumentação baseada no caráter não exaustivo da enumeração das situações ou condutas que constam do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado foi afastada nos n.os 171 a 177 do presente acórdão e, no que respeita aos casos que podem ser indicativos de violações, citados no artigo 3.o deste regulamento, foi salientado, no n.o 171 do presente acórdão, que uma definição específica do conceito de «violação» não se impõe de modo algum para as necessidades de um mecanismo de condicionalidade horizontal como o instituído pelo referido regulamento.

335

Quarto, quanto à margem de apreciação concedida por estas disposições à Comissão e ao Conselho, resulta das considerações precedentes que as expressões criticadas pela República da Polónia, apoiada pela Hungria, cumprem, enquanto tais, os requisitos do princípio da segurança jurídica recordados nos n.os 319 a 321 do presente acórdão. Além disso, para justificar a adoção de medidas adequadas nos termos do regulamento impugnado, estas instituições devem estabelecer de forma concreta todas as condições indicadas em último lugar nos n.os 286 e 288 do presente acórdão.

336

Em terceiro lugar, no que respeita à argumentação de que o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado não define de forma suficientemente precisa as fontes de informação em que a Comissão se pode fundamentar, algumas das quais não têm relação com os Estados‑Membros e às quais este regulamento não pode conferir caráter vinculativo, importa recordar que, nos termos da referida disposição, quando a Comissão verifica se as condições enunciadas no artigo 4.o deste regulamento estão preenchidas e avalia a proporcionalidade das medidas a impor, tem em conta as informações pertinentes provenientes de fontes disponíveis, incluindo as decisões, conclusões e recomendações das instituições da União, de outras organizações internacionais pertinentes e de outras instituições reconhecidas.

337

A este respeito, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento, incumbe à Comissão demonstrar que as condições enunciadas no artigo 4.o deste regulamento estão preenchidas.

338

Além disso, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento, a Comissão deve expor, numa notificação escrita que envia ao Estado‑Membro em causa, os elementos factuais e os motivos específicos em que assentam as suas conclusões de que existem motivos razoáveis para considerar que essas condições estão preenchidas.

339

Daqui resulta que a Comissão é obrigada a proceder a uma apreciação diligente dos factos, tendo em conta as condições estabelecidas no artigo 4.o do regulamento impugnado. O mesmo se aplica, em conformidade com o artigo 6.o, n.os 7 a 9, deste regulamento, no que respeita ao requisito de proporcionalidade das medidas, enunciado no artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento.

340

Os considerandos 16 e 26 do referido regulamento enunciam, aliás, que a Comissão deve proceder a uma avaliação qualitativa aprofundada, que deve ser objetiva, imparcial e equitativa, que deve respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados e que deve ser conduzida em conformidade com uma abordagem imparcial e baseada em dados factuais.

341

Daqui decorre que a Comissão deve certificar‑se, sob fiscalização do juiz da União, da relevância das informações que utiliza e da fiabilidade das suas fontes. Concretamente, essas disposições não conferem valor probatório específico ou absoluto e não atribuem efeitos jurídicos determinados às fontes de informação que mencionam, nem às que são indicadas no considerando 16 deste regulamento, pelo que não dispensam a Comissão da sua obrigação de proceder a uma apreciação diligente dos factos que satisfaça plenamente os requisitos recordados no número precedente.

342

A este respeito, o considerando 16 do regulamento impugnado explicita o facto de as informações pertinentes provenientes de fontes disponíveis e de instituições reconhecidas compreenderem, nomeadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça, os relatórios do Tribunal de Contas, o relatório anual da Comissão sobre o Estado de direito e o Painel de Avaliação da Justiça na União, os relatórios do OLAF, da Procuradoria Europeia e da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como as conclusões e recomendações das organizações e redes internacionais pertinentes, incluindo os órgãos do Conselho da Europa, nomeadamente o GRECO e a Comissão de Veneza, em particular a sua lista de verificação em matéria de Estado de direito, a Rede Europeia de presidentes dos Supremos Tribunais e a Rede Europeia dos Conselhos de Justiça.

343

Assim, a Comissão continua responsável pelas informações que utiliza e pela fiabilidade das suas fontes. Por outro lado, o Estado‑Membro em causa dispõe da faculdade, durante o procedimento previsto no artigo 6.o, n.os 1 a 9, do regulamento impugnado, de apresentar observações sobre as informações que a Comissão pretende utilizar para propor a adoção de medidas adequadas. Portanto, pode contestar o valor probatório de cada um dos elementos considerados, podendo, em todo o caso, o mérito das apreciações da Comissão estar sujeito à fiscalização do juiz da União no âmbito de um recurso interposto de uma decisão do Conselho adotada nos termos do regulamento impugnado.

344

Especificamente, a Comissão deve comunicar, de forma precisa, ao Estado‑Membro em causa, desde o início do procedimento nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do regulamento impugnado e, periodicamente, durante a tramitação do processo, as informações relevantes provenientes de fontes disponíveis sobre as quais pretende fundamentar a sua proposta de decisão de execução adotando as medidas adequadas que apresentará ao Conselho. De resto, ao contrário do que a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega, não é conferido caráter vinculativo às recomendações que podem ser tidas em conta pela Comissão em conformidade com o artigo 6.o, n.os 3 e 8, deste regulamento.

345

Tendo em conta todas as considerações anteriores, o nono fundamento deve ser julgado improcedente.

G.   Quanto ao décimo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

1. Argumentação das partes

346

A República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que, ao instituir, através do regulamento impugnado, o mecanismo de condicionalidade, o legislador da União violou o princípio da proporcionalidade, uma vez que existem outras disposições do direito da União destinadas a proteger o orçamento da União. Salienta que, por força do artigo 6.o, n.o 1, deste regulamento, a Comissão aplica este mecanismo, a menos que considere que outros procedimentos previstos na legislação da União lhe permitem proteger o orçamento da União de uma forma mais eficaz. Acrescenta que o considerando 17 do referido regulamento esclarece que a legislação financeira da União já prevê diversos meios para proteger o orçamento da União. Ora, o legislador da União não expôs as razões pelas quais considerava esses fundamentos ineficazes nem a maneira como o mesmo regulamento resolveria as alegadas insuficiências.

347

Em especial, a razão pela qual a proteção do orçamento da União foi subordinada à verificação de violações dos princípios do Estado de direito e não foi diretamente relacionada com o respeito pelo princípio da boa gestão financeira, que já estava definido no seu artigo 2.o, ponto 59, do Regulamento Financeiro, esclarecido no capítulo 7 deste regulamento e erigido, no artigo 56.o, n.o 2, a obrigação para os Estados‑Membros. Assim, o legislador da União podia ter esclarecido no Regulamento Financeiro as obrigações dos Estados‑Membros no que respeita ao princípio da boa gestão financeira dos fundos da União.

348

A razão subjacente à abordagem seguida no regulamento impugnado afigura‑se, portanto, ser a vontade do Parlamento, do Conselho e da Comissão de eludir as restrições que constam dos Tratados relativas à sua competência para examinar o respeito dos Estados‑Membros pelos princípios do Estado de direito. Com a adoção deste regulamento, o legislador da União conferiu ao Conselho e à Comissão um direito ilimitado de apreciar, sob a perspetiva política, o respeito pelos princípios do Estado de direito e de associar qualquer violação constatada desses princípios, de maneira geral, ao princípio da boa gestão financeira dos fundos da União.

349

Ao não demonstrar o valor acrescentado do mecanismo instituído pelo regulamento impugnado e da sua relação com as outras disposições destinadas a proteger o orçamento da União, o legislador da União violou o princípio da proporcionalidade.

350

Por outro lado, a verificação de violações dos princípios do Estado de direito com base em elementos políticos e faltando disposições específicas impede o respeito pelo requisito da proporcionalidade das medidas tomadas ao abrigo do regulamento impugnado, previsto no seu artigo 5.o, n.o 3. O mesmo se diga da análise da natureza, da duração, da gravidade e do alcance dessas violações. Assim, é impossível respeitar o princípio da proporcionalidade, o que é tanto mais grave quanto as violações dos princípios do Estado de direito a considerar nos termos dos artigos 3.° e 4.°, n.o 2, deste regulamento são sistemáticas na sua natureza. Com efeito, é difícil admitir, na prática, que o «correto funcionamento das autoridades» só é relevante para as despesas a título de um fundo ou de um programa específico. Ora, o caráter sistemático das violações constatadas e a inexistência de critérios que orientem a escolha e o alcance das medidas a adotar permitem à Comissão e ao Conselho justificar facilmente a adoção de medidas alargadas às graves consequências financeiras.

351

O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

352

Com o décimo fundamento, a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que o regulamento impugnado viola o princípio da proporcionalidade, devido, antes de mais, ao facto de o legislador da União não ter demonstrado a necessidade da sua adoção, tendo em conta os meios de proteção preexistentes do orçamento da União; em seguida, ao facto de essa adoção demonstrar a intenção do legislador de eludir os limites fixados pelos Tratados à competência das instituições da União para examinar o respeito dos Estados‑Membros pelos princípios do Estado de direito; e, por último, à imprecisão dos critérios que constam, entre outros, do artigo 3.o, do artigo 4.o, n.o 2, e do artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento.

353

A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União sejam aptos a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do necessário à realização desses objetivos, sendo que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, há que recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desmedidos face às finalidades prosseguidas (Acórdão de 6 de Setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 206 e jurisprudência referida).

354

Em primeiro lugar, no que respeita à oportunidade de adotar o regulamento impugnado, o Tribunal de Justiça reconheceu ao legislador da União um amplo poder de apreciação que não se aplica exclusivamente à natureza e ao alcance das disposições a adotar nos domínios em que a sua ação implica opções de natureza tanto política como económica ou social, e em que é chamado a efetuar apreciações e avaliações complexas, mas também, em certa medida, à constatação dos dados de base, de forma que não se trata de saber se uma medida adotada em tal domínio era a única ou a melhor possível, e só o caráter manifestamente inadequado desta, em relação ao objetivo que as instituições competentes pretendem prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (Acórdãos de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho, C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.os 77 e 78, e de 8 de dezembro de 2020, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑626/18, EU:C:2020:1000, n.os 95 e 97).

355

No caso em apreço, como salientou a própria República da Polónia na sua argumentação relativa ao quarto e décimo primeiro fundamentos, a exposição de motivos que acompanhava a proposta que conduziu ao regulamento impugnado salientava que «diversos acontecimentos recentes evidenciaram debilidades generalizadas a nível dos controlos e equilíbrios nacionais e demonstraram de que forma o desrespeito do primado do direito pode tornar‑se um grave motivo comum de preocupação no seio da União», nomeadamente para «instituições como o Parlamento».

356

Além disso, resulta nomeadamente dos considerandos 7, 8 e 17 do regulamento impugnado que o legislador da União considerou que podia haver situações resultantes de violações dos princípios do Estado de direito referidas no artigo 2.o, alínea a), deste regulamento, que a legislação existente destinada a proteger a boa gestão financeira do orçamento da União ou dos seus interesses financeiros não podia considerar de forma adequada.

357

Ora, a República da Polónia não invocou nenhum elemento suscetível de demonstrar que o legislador da União ultrapassou o amplo poder de apreciação de que dispõe a este respeito, quando considerou então necessário suprir, através do regulamento impugnado, afetações ou riscos sérios de afetação dessa boa gestão ou da proteção desses interesses financeiros que podiam resultar de violações dos princípios do Estado de direito.

358

Em segundo lugar, no que respeita à pretensa elusão das competências das instituições da União para examinar o respeito dos Estados‑Membros pelos princípios do Estado de direito, há que constatar que o legislador da União não conferiu, de forma alguma, ao Conselho e à Comissão um direito ilimitado de apreciar, tendo em conta considerações políticas, o respeito pelos princípios do Estado de direito ou de associar qualquer violação constatada desses princípios, de maneira geral, ao princípio da boa gestão financeira dos fundos da União. Com efeito, submeteu a abertura do procedimento ao conjunto dos critérios expostos no n.o 288 do presente acórdão, os quais asseguram, como se salientou nos n.os 112 a 189 e 200 a 203 do presente acórdão, que as apreciações destas instituições se enquadram no âmbito de aplicação do direito da União e são de natureza jurídica e não política.

359

Em terceiro lugar, no que respeita à alegada falta de precisão dos critérios que determinam a escolha e o alcance das medidas a adotar, previstos nomeadamente no artigo 5.o, n.o 3, do regulamento impugnado, foi salientado, nos n.os 301 a 303 do presente acórdão, que esses critérios são suficientemente precisos e, especialmente, que resulta do primeiro a terceiro períodos desse número que as medidas tomadas devem ser estritamente proporcionais ao impacto das violações verificadas dos princípios do Estado de direito no orçamento da União ou nos seus interesses financeiros.

360

Com efeito, esta disposição esclarece, no seu primeiro período, que as medidas tomadas são «proporcionadas»; no seu segundo, que são «determinadas tendo em conta o impacto real ou potencial» das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos seus interesses financeiros; e, no terceiro, que a natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito são «devidamente tidos em conta».

361

Como salientou o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona, nos n.os 177 e 178 das suas Conclusões no processo Hungria/Parlamento e Conselho (C‑156/21, EU:C:2021:974), decorre da ordem destes períodos e dos termos utilizados que a proporcionalidade das medidas a adotar é assegurada, de forma determinante, pelo critério do «impacto» das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos interesses financeiros desta. Quanto aos critérios da natureza, da duração, da gravidade e do alcance dessas violações, só podem ser «devidamente tidos em conta» para determinar o referido impacto, que pode variar em função das características das violações verificadas que são evidenciadas pela aplicação desses critérios.

362

Por último, na medida em que a República da Polónia, apoiada pela Hungria, alega que as violações constatadas dos princípios do Estado de direito são suscetíveis de se revelar sistemáticas na sua natureza, pelo que também afetam domínios diferentes dos que são relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros, foi salientado, nos n.os 267 a 270 do presente acórdão, que, quando essa violação também é suscetível de afetar ou apresentar um risco sério de afetar a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros, a União não pode ser censurada por implementar os meios necessários à proteção dessa boa gestão e desses interesses financeiros.

363

Tendo em conta as considerações anteriores, há que julgar improcedente o décimo fundamento e, portanto, negar provimento ao recurso no seu todo.

VI. Quanto às despesas

364

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

365

Tendo o Parlamento e o Conselho pedido a condenação da República da Polónia nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la no pagamento das despesas.

366

Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, deste regulamento, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia, o Reino da Suécia e a Comissão suportarão as suas próprias despesas enquanto intervenientes no litígio.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Tribunal Pleno) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A República da Polónia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia.

 

3)

O Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a Hungria, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia, o Reino da Suécia e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.