ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
22 de setembro de 2022 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Direito a férias anuais remuneradas — Retribuição financeira pelas férias não gozadas após a cessação da relação de trabalho — Prazo de prescrição de três anos — Início da contagem — Informação adequada ao trabalhador»
No processo C‑120/21,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha), por Decisão de 29 de setembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de fevereiro de 2021, no processo
LB
contra
TO,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: I. Ziemele (relatora), presidente de secção, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,
advogado‑geral: J. Richard de la Tour,
secretário: D. Dittert, chefe de unidade,
vistos os autos e após a audiência de 24 de março de 2022,
vistas as observações apresentadas:
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em representação do Governo alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e D. Recchia, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de maio de 2022,
profere o presente
Acórdão
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1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9), e do artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). |
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2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe TO, trabalhadora, a LB, a sua entidade empregadora, a respeito de uma retribuição financeira correspondente aos dias de férias anuais remuneradas não gozados. |
Quadro jurídico
Direito da União
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3 |
Nos termos dos considerandos 4 e 5 da Diretiva 2003/88:
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O artigo 7.o desta diretiva, sob a epígrafe «Férias anuais», prevê: «1. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais. 2. O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.» |
Direito alemão
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5 |
As disposições gerais em matéria de prescrição de direitos entre particulares estão enunciadas no capítulo 5 do livro 1, intitulado «Parte geral», do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil, a seguir «BGB»). Esse capítulo 5 contém os §§ 194, 195 e 199 deste código. Estes definem, respetivamente, o objeto, a duração e o início da contagem do prazo ordinário de prescrição. |
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6 |
O § 194, n.o 1, do BGB dispõe: «O direito de exigir de outrem uma ação ou uma abstenção (direito de crédito) está sujeito a prescrição. […]» |
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7 |
O § 195 do BGB prevê: «O prazo ordinário de prescrição é de três anos. […]» |
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8 |
O § 199, n.o 1, do BGB tem a seguinte redação: «Salvo disposição em contrário, o prazo ordinário de prescrição começa a correr no termo do ano em que
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Nos termos do § 204 do BGB, a prescrição suspende‑se com a propositura de uma ação judicial. |
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O § 1, sob a epígrafe «Direito a férias», da Mindesturlaubsgesetz für Arbeitnehmer (Bundesurlaubsgesetz) [Lei Relativa ao Período Mínimo de Férias dos Trabalhadores (Lei Federal Relativa às Férias)], na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «BUrlG»), prevê: «Todos os trabalhadores têm direito, em cada ano civil, a gozar férias pagas. […]» |
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11 |
Nos termos do § 7, n.os 3 e 4, da BUrlG: «(3) As férias devem ser concedidas e gozadas durante o ano civil em curso. Só podem ser transferidas para o ano civil seguinte quando tal se justifique por motivos imperiosos de serviço ou por motivos pessoais do trabalhador. Em caso de transferência, as férias devem ser concedidas e gozadas durante os três primeiros meses do ano civil seguinte. Todavia, a pedido do trabalhador, as férias parcialmente adquiridas nos termos do § 5, n.o 1, alínea a), são transferidas para o ano civil seguinte. (4) Caso as férias não possam ser concedidas, no todo ou em parte, devido à cessação da relação de trabalho, o trabalhador tem direito a uma remuneração compensatória.» |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
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12 |
TO trabalhou para LB de 1 de novembro de 1996 a 31 de julho de 2017. |
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Na sequência da cessação da relação de trabalho, TO pediu a LB uma retribuição financeira a título dos 101 dias de férias anuais remuneradas acumulados entre 2013 e 2017 que não tinha gozado. |
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A ação intentada em 6 de fevereiro de 2018 por TO contra a recusa de LB em pagar‑lhe essa indemnização foi julgada parcialmente procedente em primeira instância. Assim, foi concedida a TO uma indemnização correspondente a três dias de férias anuais remuneradas não gozados em 2017. Em contrapartida, essa ação foi julgada improcedente no que respeita aos pedidos relativos aos dias de férias anuais remuneradas não gozados correspondentes aos anos de 2013 a 2016. |
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TO interpôs recurso desta decisão no Landesarbeitsgericht Düsseldorf (Tribunal Superior do Trabalho de Dusseldórfia, Alemanha), o qual decidiu que esta tinha direito à indemnização de 76 dias suplementares a título das férias anuais remuneradas não gozadas no período entre 2013 e 2016. Este órgão jurisdicional considerou que LB não tinha contribuído para que TO pudesse gozar as suas férias nesses anos em tempo útil, pelo que o seu direito não tinha expirado e também não estava abrangido pelo prazo ordinário de prescrição previsto nos §§ 194 e seguintes do BGB. |
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16 |
LB interpôs recurso de «Revision» desta decisão para o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha). O órgão jurisdicional de reenvio considera que o direito de TO correspondente aos anos de 2013 a 2016 não expirou por força do § 7, n.o 3, da BUrlG, uma vez que LB não deu a TO a oportunidade de gozar efetivamente as suas férias anuais remuneradas em tempo útil. Por conseguinte, em aplicação do Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften (C‑684/16, EU:C:2018:874), segundo o qual a entidade empregadora deve incentivar o trabalhador a gozar as suas férias e informá‑lo da possível extinção do seu direito, o pedido de indemnização de TO deve, em princípio, ser julgado procedente. |
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17 |
Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio refere que LB arguiu uma exceção de prescrição com base no § 194 do BGB. Com efeito, por força dos §§ 195 e 199 do BGB, o direito do credor prescreve no prazo de três anos após o termo do ano em que se constituiu o seu direito. |
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18 |
Se esse órgão jurisdicional aplicasse esta regra de prescrição geral, o resultado seria que a entidade empregadora em incumprimento, na medida em que não deu ao trabalhador a oportunidade de gozar efetivamente as suas férias remuneradas, ficaria exonerada das suas obrigações e beneficiaria financeiramente dessa situação. |
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19 |
Segundo o referido órgão jurisdicional, resulta do Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578) que o direito da União não se opõe à aplicação de prazos de prescrição, desde que não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União. |
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20 |
Na medida em que uma legislação nacional que permite uma limitação da transferência dos direitos a férias anuais remuneradas adquiridos pelo trabalhador ou a sua extinção, por um lado, validaria um comportamento conducente a um enriquecimento ilegítimo da entidade empregadora e, por outro, seria contrária ao objetivo de proteção da saúde do trabalhador, o órgão jurisdicional de reenvio duvida da compatibilidade da aplicação da regra de prescrição prevista nos §§ 194 e seguintes do BGB com o direito consagrado no artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e no artigo 31.o, n.o 2, da Carta. |
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Nestas circunstâncias, o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «O artigo 7.o da Diretiva 2003/88 […] e o artigo 31.o, n.o 2, da [Carta] opõem‑se à aplicação de uma disposição nacional como o § 194, n.o 1, em conjugação com o § 195 do BGB, nos termos do qual o direito a férias anuais remuneradas está sujeito a um prazo normal de prescrição de três anos, cuja duração, nas condições previstas no § 199, n.o 1, do BGB, começa no final do ano em que as férias se vencem, se a entidade [empregadora] não tiver dado efetivamente ao trabalhador [a oportunidade de] exercer o seu direito a férias, convidando‑o a fazê‑lo e fornecendo‑lhe as informações pertinentes?» |
Quanto à questão prejudicial
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Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional ao abrigo da qual o direito a férias anuais remuneradas adquirido por um trabalhador em relação a um período de referência prescreve no termo de um prazo de três anos que começa a correr no final do ano em que esse direito se constituiu, quando a entidade empregadora não tenha efetivamente dado ao trabalhador a oportunidade de exercer esse direito. |
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23 |
Segundo o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais. Ao abrigo do n.o 2 deste artigo, o período mínimo de férias anuais não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho. |
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24 |
Por conseguinte, como resulta dos próprios termos do artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, cabe aos Estados‑Membros definir, na sua legislação interna, as condições de exercício e de execução do direito a férias anuais remuneradas, precisando em que circunstâncias concretas os trabalhadores podem fazer uso desse direito (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Kreuziger, C‑619/16, EU:C:2018:872, n.o 41 e jurisprudência referida). |
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25 |
A este respeito, o Tribunal de Justiça indicou que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que fixa as modalidades de exercício do direito a férias anuais remuneradas expressamente conferido por essa diretiva, incluindo mesmo a perda do direito no final de um período de referência ou de um período de reporte, desde que o trabalhador que perdeu o direito a férias anuais remuneradas tenha tido efetivamente a possibilidade de exercer o direito que a diretiva lhe confere (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Kreuziger, C‑619/16, EU:C:2018:872, n.o 42 e jurisprudência referida). |
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26 |
Tendo em conta o contexto e os objetivos prosseguidos pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88, foi assim declarado que, em caso de incapacidade para o trabalho do trabalhador durante vários períodos de referência consecutivos, o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 não se opõe a disposições ou práticas nacionais que limitam, através de um período de reporte de 15 meses, no termo do qual o direito a férias anuais se extingue, a cumulação dos direitos a essas férias (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2011, KHS, C‑214/10, EU:C:2011:761, n.o 44). |
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Esta solução foi justificada com fundamento não só na proteção do trabalhador, mas também na proteção da entidade empregadora, confrontado com o risco de cumulação significativa de períodos de ausência e as dificuldades que tais períodos de ausência poderiam implicar para a organização do trabalho (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2011, KHS, C‑214/10, EU:C:2011:761, n.os 38 e 39). |
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Por conseguinte, só perante «circunstâncias específicas» é que o direito a férias anuais remuneradas consagrado no artigo 7.o da Diretiva 2003/88 pode ser limitado (v., neste sentido, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 56 e jurisprudência referida). |
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29 |
No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que pode ser invocada contra a recorrida no processo principal a prescrição do seu direito a férias anuais remuneradas, em aplicação da regra geral de prescrição prevista no § 195 do BGB. |
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Daqui resulta que a legislação nacional em causa no processo principal institui uma limitação ao exercício do direito a férias anuais remuneradas que a recorrida no processo principal retira do artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e que decorre da aplicação da prescrição prevista pela legislação nacional. |
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Ora, nenhuma disposição desta diretiva visa regular a prescrição desse direito. |
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Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça a interpretação não só do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 mas também, conjuntamente, a do artigo 31.o, n.o 2, da Carta, há que recordar, por um lado, que o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 reflete e precisa o direito fundamental a um período anual de férias remuneradas, consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta. Com efeito, enquanto esta última disposição garante o direito de qualquer trabalhador a um período anual de férias remuneradas, a primeira disposição aplica esse princípio ao fixar a duração do referido período (Acórdão hoje proferido, Fraport, C‑518/20 e C‑727/20, n.o 26 e jurisprudência referida). |
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Por outro lado, o direito a férias anuais remuneradas reveste particular importância enquanto princípio do direito social da União, e está também expressamente consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta, à qual o artigo 6.o, n.o 1, TUE reconhece o mesmo valor jurídico que os Tratados (Acórdão hoje proferido, Fraport, C‑518/20 e C‑727/20, n.o 25 e jurisprudência referida). |
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Ora, como resulta do n.o 30 do presente acórdão, a prescrição ordinária prevista no § 195 do BGB tem por efeito limitar o exercício do direito a férias anuais remuneradas que a recorrida no processo principal retira do artigo 7.o da Diretiva 2003/88. |
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35 |
Por conseguinte, a aplicação da regra de prescrição ordinária aos pedidos da recorrida no processo principal constitui igualmente uma limitação ao direito que lhe é reconhecido pelo artigo 31.o, n.o 2, da Carta. |
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É facto assente que só podem ser introduzidas restrições aos direitos fundamentais consagrados pela Carta caso estas respeitem os requisitos estritos previstos no artigo 52.o, n.o 1, da mesma, a saber, que essas restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desse direito e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União Europeia (Acórdão hoje proferido, Fraport, C‑518/20 e C‑727/20, n.o 33). |
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37 |
No caso em apreço, em primeiro lugar, a limitação ao exercício do direito fundamental previsto no artigo 31.o, n.o 2, da Carta, que implica a aplicação do prazo de prescrição em causa no processo principal, está prevista na lei, mais especificamente no § 195 do BGB. |
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38 |
Em segundo lugar, coloca‑se a questão de saber se a aplicação desta regra de prescrição tem por efeito violar a própria substância do direito a férias anuais remuneradas. |
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39 |
A este respeito, nos termos do § 195 do BGB, só no termo de um período de três anos é que pode ser invocada contra o trabalhador a prescrição dos direitos que adquiriu a título do seu direito a férias anuais remuneradas relativamente a um determinado período. Além disso, por força do § 199 do BGB, este prazo de prescrição só começa a correr no termo do ano em que esse direito se constitui e em que o trabalhador teve conhecimento das circunstâncias que o fundamentam e da identidade da sua entidade empregadora, ou deveria ter tido conhecimento das mesmas, salvo negligência grave da sua parte. |
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40 |
Daqui resulta que a aplicação, a pedido da entidade empregadora, da regra de prescrição ordinária prevista pela legislação nacional, na medida em que se limita a subordinar a uma limitação temporal de três anos a possibilidade de o trabalhador invocar o seu direito a férias anuais remuneradas, desde que tenha tido conhecimento das circunstâncias que fundamentam o seu direito e da identidade da entidade empregadora, não viola a própria substância desse direito. |
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41 |
Em terceiro lugar, no que respeita à questão de saber se as limitações ao exercício do direito a férias anuais remuneradas, consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta, que resultam da aplicação da prescrição prevista no § 195 do BGB não vão além do necessário para alcançar o objetivo que visa, o Governo alemão precisou, nas suas observações escritas, que esta disposição do BGB, enquanto regime de prescrição ordinária, prossegue um objetivo legítimo, a saber, o de garantir a segurança jurídica. |
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42 |
Especialmente, este governo alegou que a entidade empregadora não deveria ser confrontada com um pedido de férias ou de retribuições financeiras a título de férias anuais remuneradas não gozadas com fundamento num direito adquirido mais de três anos antes da apresentação desse pedido. Além disso, esta disposição incentiva o trabalhador a exercer o seu direito a férias anuais remuneradas, o mais tardar, três anos após a constituição desse direito, contribuindo assim para a realização do objetivo de descanso subjacente ao disposto no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88. |
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43 |
No que respeita ao processo principal, importa recordar, em primeiro lugar, que, como resulta do pedido de decisão prejudicial, não foi efetivamente dada a TO, pela sua entidade empregadora, a oportunidade de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas. |
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44 |
A este respeito, uma vez que o trabalhador deve ser considerado a parte fraca na relação de trabalho, o ónus de assegurar o exercício efetivo do direito a férias anuais remuneradas não deve recair inteiramente sobre o trabalhador, ao passo que à entidade empregadora seria dada, assim, uma possibilidade de se eximir do cumprimento das suas próprias obrigações, sob o pretexto de que o trabalhador não apresentou um pedido de férias anuais remuneradas (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.os 41 e 43). |
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45 |
Daqui resulta que, como foi salientado no n.o 25 do presente acórdão, a perda do direito a férias anuais remuneradas no final de um período de referência ou de um período de reporte só pode ocorrer na condição de o trabalhador em causa ter tido efetivamente a possibilidade para exercer esse direito em tempo útil. |
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46 |
Em segundo lugar, há que sublinhar, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a exceção de prescrição não é suscitada oficiosamente, mas, em conformidade com o § 214, n.o 1, do BGB, pelo devedor da obrigação que o credor invoca. |
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47 |
No contexto do processo principal, é portanto LB, na qualidade de entidade empregadora de TO, que contesta a prescrição do direito que esta invoca. |
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48 |
Ora, não se pode admitir, sob pretexto de garantir a segurança jurídica, que a entidade empregadora possa invocar o seu próprio incumprimento, a saber, não ter dado ao trabalhador a oportunidade de exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas, para beneficiar do mesmo no âmbito da ação desse trabalhador ao abrigo desse mesmo direito, invocando a prescrição deste último. |
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49 |
Com efeito, por um lado, nessa hipótese, a entidade empregadora poderia eximir‑se das obrigações de incentivo e de informação que lhe incumbem. |
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50 |
Tal exoneração aparenta ser ainda menos aceitável pois significaria que a entidade empregadora, que poderia assim validamente invocar a prescrição do direito a férias anuais do trabalhador, se teria abstido de dar ao trabalhador a oportunidade de exercer efetivamente esse direito durante três anos consecutivos. |
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51 |
Por outro lado, quando haja a prescrição do direito do trabalhador a férias anuais remuneradas, a entidade empregadora beneficia dessa circunstância. |
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52 |
Nestas circunstâncias, admitir que a entidade empregadora possa invocar a prescrição dos direitos do trabalhador, sem lhe ter dado efetivamente a oportunidade de os exercer, equivaleria a validar um comportamento conducente a um enriquecimento ilegítimo da entidade empregadora em detrimento do próprio objetivo de respeito da saúde do trabalhador previsto pelo artigo 31.o, n.o 2 da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 64). |
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53 |
Embora seja verdade que a entidade empregadora tem um interesse legítimo em não ter de ser confrontada com pedidos de férias ou de retribuições financeiras a título de períodos de férias anuais remuneradas não gozadas, correspondentes a direitos adquiridos mais de três anos antes de o pedido ser feito, a legitimidade desse interesse desaparece quando a entidade empregadora, abstendo‑se de dar ao trabalhador a oportunidade de exercer efetivamente o direito a férias anuais remuneradas, se coloca ela própria numa situação em que é confrontada com esses pedidos e de que é suscetível de beneficiar em detrimento do trabalhador, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar no processo principal. |
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54 |
Com efeito, essa situação não é comparável com aquela em que o Tribunal de Justiça reconheceu um interesse legítimo à entidade empregadora em não ter que ser confrontada com um risco de cumulação significativo de períodos de ausência e as dificuldades que tais períodos de ausência poderiam implicar para a organização do trabalho, quando a ausência prolongada do trabalhador se deve a uma incapacidade por motivo de doença (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2011, KHS, C‑214/10, EU:C:2011:761, n.os 38 e 39). |
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55 |
Em circunstâncias como as do processo principal, cabe à entidade empregadora precaver‑se de pedidos tardios relativos a períodos de férias anuais remuneradas não gozados, cumprindo as obrigações de informação e de incentivo que lhe incumbem em relação ao trabalhador, o que terá por efeito garantir a segurança jurídica, sem que, no entanto, haja uma restrição ao direito fundamental consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta. |
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56 |
Tendo em conta estes elementos, há que concluir que, quando uma entidade empregadora não tenha efetivamente dado ao trabalhador a oportunidade de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas adquirido relativamente a um período de referência, a aplicação da prescrição ordinária prevista no § 195 do BGB ao exercício desse direito consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta vai além do que é necessário para alcançar o objetivo de segurança jurídica. |
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57 |
Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder à questão submetida que o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional ao abrigo da qual o direito a férias anuais remuneradas adquirido por um trabalhador em relação a um período de referência prescreve no termo de um prazo de três anos que começa a correr no final do ano em que esse direito se constituiu, quando a entidade empregadora não tenha efetivamente dado ao trabalhador a oportunidade de exercer esse direito. |
Quanto às despesas
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58 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara: |
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O artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia |
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devem ser interpretados no sentido de que: |
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se opõem a uma legislação nacional ao abrigo da qual o direito a férias anuais remuneradas adquirido por um trabalhador em relação a um período de referência prescreve no termo de um prazo de três anos que começa a correr no final do ano em que esse direito se constituiu, quando a entidade empregadora não tenha efetivamente dado ao trabalhador a oportunidade de exercer esse direito. |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: alemão.