ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

28 de abril de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Legislação alimentar — Regulamento (CE) n.o 2073/2005 — Critérios microbiológicos aplicáveis aos géneros alimentícios — Artigo 1.o — Anexo I — Carne fresca de aves de capoeira — Controlo, pelas autoridades nacionais competentes, da presença das salmonelas enumeradas no ponto 1.28 do capítulo 1 deste anexo — Controlo da presença de outros microrganismos patogénicos — Regulamento (CE) n.o 178/2002 — Artigo 14.o, n.o 8 — Poder de apreciação das autoridades nacionais — Alcance»

No processo C‑89/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia), por Decisão de 10 de fevereiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de fevereiro de 2021, no processo

«Romega» UAB

contra

Valstybinė maisto ir veterinarijos tarnyba,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Jääskinen, presidente de secção, M. Safjan e N. Piçarra (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da «Romega» UAB, por M. Endzinas, advokatas, e R. Čiupkevičius,

em representação do Governo lituano, por K. Dieninis e R. Dzikovič, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Pavliš e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, inicialmente por M. Wolff, L. Teilgård e J. Nymann‑Lindegren, e em seguida por M. Wolff, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. Vignato, avvocato dello Stato,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por W. Farrell, I. Galindo Martín e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, bem como do anexo I, capítulo 1, ponto 1.28, do Regulamento (CE) n.o 2073/2005 da Comissão, de 15 de novembro de 2005, relativo a critérios microbiológicos aplicáveis aos géneros alimentícios (JO 2005, L 338, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1086/2011 da Comissão, de 27 de outubro de 2011 (JO 2011, L 281, p. 7) (a seguir «Regulamento n.o 2073/2005»), e do artigo 14.o, n.os 1, 2 e 8, do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «Romega» UAB, um grossista de carne de aves de capoeira, ao Valstybinė maisto ir veterinarijos tarnyba (Serviço Nacional de Géneros Alimentícios e em Matéria Veterinária, Lituânia) (a seguir «Autoridade lituana») a respeito da decisão desta Autoridade de aplicar uma coima e de ordenar à Romega a retirada do mercado de toda a carne de aves de capoeira em que foi detetada a presença de determinados serotipos de salmonela.

Quadro jurídico

Regulamento n.o 178/2002

3

O artigo 1.o, n.o 1, da Regulamento n.o 178/2002, sob a epígrafe «Objetivo e âmbito de aplicação», dispõe:

«O presente regulamento prevê os fundamentos para garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e dos interesses dos consumidores em relação aos géneros alimentícios, tendo nomeadamente em conta a diversidade da oferta de géneros alimentícios, incluindo produtos tradicionais, e assegurando, ao mesmo tempo, o funcionamento eficaz do mercado interno. […]»

4

O artigo 14.o deste regulamento, sob a epígrafe «Requisitos de segurança dos géneros alimentícios», enuncia:

«1.   Não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros.

2.   Os géneros alimentícios não serão considerados seguros se se entender que são:

a)

prejudiciais para a saúde;

b)

impróprios para consumo humano.

3.   Ao determinar se um género alimentício não é seguro, deve‑se ter em conta:

a)

as condições normais de utilização do género alimentício pelo consumidor e em todas as fases da produção, transformação e distribuição;

b)

as informações fornecidas ao consumidor, incluindo as constantes do rótulo, ou outras informações geralmente à disposição do consumidor destinadas a evitar efeitos prejudiciais para a saúde decorrentes de um género alimentício específico ou de uma categoria específica de géneros alimentícios.

4.   Ao determinar se um género alimentício é prejudicial para a saúde, deve‑se ter em conta:

a)

não só o provável efeito imediato e/ou a curto e/ou a longo prazo desse género alimentício sobre a saúde da pessoa que o consome, mas também sobre as gerações seguintes;

b)

os potenciais efeitos tóxicos cumulativos;

c)

as sensibilidades sanitárias específicas de uma determinada categoria de consumidores, quando o género alimentício lhe for destinado.

5.   Ao determinar se um género alimentício é impróprio para consumo humano, deve‑se ter em conta se é inaceitável para consumo humano de acordo com o uso a que se destina, quer por motivos de contaminação, de origem externa ou outra, quer por putrefação, deterioração ou decomposição.

[…]

7.   São considerados seguros os géneros alimentícios que estejam em conformidade com as disposições comunitárias específicas que regem a sua segurança, no que diz respeito aos aspetos cobertos por essas disposições.

8.   A conformidade de um género alimentício com as disposições específicas que lhe são aplicáveis não impedirá as autoridades competentes de tomar as medidas adequadas para impor restrições à sua colocação no mercado ou para exigir a sua retirada do mercado sempre que existam motivos para se suspeitar que, apesar dessa conformidade, o género alimentício não é seguro.

[…]»

Regulamento n.o 2073/2005

5

Nos termos dos considerandos 1 e 3 do Regulamento n.o 2073/2005:

«(1)

Assegurar um elevado nível de proteção da saúde pública é um dos objetivos fundamentais da legislação alimentar, conforme definido no Regulamento [n.o 178/2002]. Os perigos que os géneros alimentícios apresentam a nível microbiológico constituem uma importante fonte de doenças de origem alimentar para o ser humano.

[…]

(3)

[…] A fim de contribuir para a proteção da saúde pública e evitar interpretações divergentes, é necessário estabelecer critérios de segurança harmonizados em matéria de aceitabilidade dos alimentos, designadamente no que se refere à presença de certos microrganismos patogénicos.»

6

O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», prevê:

«O presente regulamento estabelece os critérios microbiológicos para certos microrganismos e as regras de execução a cumprir pelos operadores das empresas do setor alimentar quando aplicarem as medidas de higiene gerais e específicas […] A autoridade competente deve verificar o cumprimento das regras e critérios estabelecidos no presente regulamento […], sem prejuízo do seu direito de realizar outras amostragens e análises a fim de detetar e quantificar outros microrganismos, suas toxinas ou metabolitos, quer no quadro da verificação dos processos, quer em relação a géneros alimentícios suspeitos de serem perigosos, quer ainda no contexto de uma análise de riscos.

[…]»

7

O artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento, sob a epígrafe «Requisitos gerais», exige que os operadores das empresas do setor alimentar assegurem que os géneros alimentícios cumprem os critérios microbiológicos pertinentes estabelecidos no anexo I. Este anexo contém um capítulo 1, intitulado «Critérios de segurança dos géneros alimentícios», que, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2019/229 da Comissão, de 7 de fevereiro de 2019 (JO 2019, L 37, p. 106), prevê, no seu ponto 1.28:

«Categoria de alimentos

Microrganismos/respetivas toxinas e metabolitos

Plano de amostragem (1)

Limites (2)

Método de análise de referência (3)

Fase em que o critério se aplica

N

c

m

M

1.28 Carne fresca de aves de capoeira (20)

Salmonella Typhimurium (21)

Salmonella Enteritidis

5

0

Não detetado em 25 g

EN ISO 6579‑1 (para deteção), sistema White‑Kauffmann‑Le Minor (para serotipagem)

Produtos colocados no mercado durante o seu período de vida útil

[…]

(20) Este critério aplica‑se a carne fresca de bandos de reprodução de Gallus gallus, galinhas poedeiras, frangos e bandos de reprodução e de engorda de perus.»

Regulamento n.o 1086/2011

8

Os considerandos 9 e 10 do Regulamento n.o 1086/2011 têm a seguinte redação:

«(9)

De acordo com o relatório de síntese comunitário sobre tendências e origens das zoonoses, dos agentes zoonóticos e de surtos de origem alimentar na União Europeia em 2008 [The EFSA Journal (2010); 8(1):1496], da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, cerca de 80 % dos casos de salmonelose em seres humanos são causados por Salmonella enteritidis e Salmonella typhimurium, à semelhança dos anos anteriores. A carne de aves de capoeira permanece uma fonte importante de salmonelose humana.

(10)

O estabelecimento de um critério aplicável a Salmonella enteritidis e Salmonella typhimurium proporcionaria o melhor equilíbrio entre a redução da salmonelose humana atribuída ao consumo de carne de aves de capoeira e as consequências económicas da aplicação deste critério. Ao mesmo tempo, encorajaria os operadores das empresas do setor alimentar a tomar medidas em fases anteriores da produção de aves capoeira que poderiam contribuir para a redução de todos os serotipos de Salmonella significativos em termos de saúde pública. Focar a atenção nesses dois serotipos também seria coerente com os objetivos da União estabelecidos para a produção primária de aves de capoeira.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

9

Em 19 de outubro de 2018, na sequência de uma notificação de alerta rápido que indicava que tinham sido detetados microrganismos patogénicos da espécie Salmonella Kentucky em carne fresca de aves de capoeira proveniente da Polónia, a Autoridade lituana procedeu a um controlo junto da Romega. Durante este controlo, foi detetada a presença deste serotipo de salmonela em carne fresca de aves de capoeira que a Romega tinha colocado no mercado. Por Despacho de 4 de abril de 2019, esta Autoridade aplicou‑lhe uma coima no montante de 540 euros por violação, nomeadamente, do artigo 14.o, n.o 1, e n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 178/2002.

10

Por Decisão de 12 de abril de 2019, a Autoridade lituana, depois de ter verificado a presença de Salmonella Infantis em carne fresca de aves de capoeira colocada no mercado pela Romega, proibiu esta última de continuar a colocar essa carne no mercado e ordenou‑lhe que retirasse e destruísse a já colocada no mercado.

11

A Romega interpôs no Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia) um recurso de anulação do Despacho de 4 de abril de 2019 e da Decisão de 12 de abril de 2019. Foi negado provimento a este recurso por Sentença de 2 de julho de 2019, da qual a Romega interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio. Alega, em substância, que o anexo I, capítulo 1, ponto 1.28, do Regulamento n.o 2073/2005 proíbe apenas a presença, na carne fresca de aves de capoeira, da Salmonella Enteritidis e da Salmonella Typhimurium. Segundo a Romega, a presença de outras salmonelas, como a Salmonella Kentucky ou a Salmonella Infantis, nessa carne não permite que esta seja considerada um género alimentício não seguro, na aceção do artigo 14.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 178/2002.

12

A Autoridade lituana, por seu turno, considera que, uma vez que o seu poder de assegurar o cumprimento das regras e critérios enunciados no Regulamento n.o 2073/2005, em conformidade com o artigo 1.o deste regulamento, não prejudica o seu direito de realizar outras amostragens e análises, tem competência para verificar, na carne fresca de aves de capoeira, a presença não apenas dos serotipos de salmonela enumerados no anexo I, capítulo 1, ponto 1.28, do referido regulamento mas também dos serotipos de salmonela que dele não constam. A ausência, nesta carne, dos serotipos de salmonela enumerados neste ponto 1.28 não permite que seja automaticamente considerada segura para consumo humano.

13

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, para estar em conformidade com o anexo I, capítulo 1, ponto 1.28, do Regulamento n.o 2073/2005, a carne fresca de aves de capoeira não deve conter nenhum dos dois serotipos de salmonela aí referidos, a saber, a Salmonella Typhimurium e a Salmonella Enteritidis. No entanto, uma vez que este critério foi introduzido pelo Regulamento n.o 1086/2011, esse órgão jurisdicional interroga‑se, tendo em conta nomeadamente o objetivo, enunciado no considerando 10 deste último regulamento, de reduzir os casos de salmonelose humana causados pelo consumo de carne fresca de aves de capoeira, sobre o alcance do poder de apreciação de que as autoridades competentes dispõem para controlar a presença, nesta carne, de serotipos de salmonela diferentes dos enumerados nesse ponto 1.28 do Regulamento n.o 2073/2005 ou de outros microrganismos patogénicos.

14

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa, por um lado, que, embora os critérios previstos neste anexo só se apliquem aos dois serotipos de salmonela, o artigo 1.o do Regulamento n.o 2073/2005 indica claramente que a autoridade competente pode realizar outras amostragens e análises a fim de detetar e quantificar outros microrganismos, suas toxinas ou metabolitos, quer no quadro da verificação dos processos, quer em relação a géneros alimentícios suspeitos de serem perigosos, quer ainda de uma análise de riscos. Por outro lado, esse órgão jurisdicional salienta que o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 178/2002 proíbe a colocação no mercado de géneros alimentícios que não sejam seguros, atribuindo o n.o 8 deste artigo um importante poder de apreciação às autoridades competentes para este efeito.

15

Foi nestas condições que o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 1.o do Regulamento [n.o 2073/2005] e o artigo 14.o, n.o 8, do Regulamento [n.o 178/2002] ser interpretados no sentido de que conferem às autoridades de supervisão competentes de um Estado‑Membro um poder discricionário para declarar que carne fresca de aves de capoeira que preenche os requisitos estabelecidos na entrada 1.28 do capítulo 1 do anexo I do Regulamento n.o 2073/2005 não cumpre os critérios do artigo 14.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 178/2002, no caso de géneros alimentícios pertencentes a essa categoria alimentar estarem contaminados por serotipos de Salmonella diferentes dos enumerados na entrada 1.28 do capítulo 1 do anexo I do Regulamento n.o 2073/2005, como foi apurado no presente caso?»

Quanto à questão prejudicial

16

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o do Regulamento n.o 2073/2005, lido em conjugação com o artigo 14.o, n.o 8, do Regulamento n.o 178/2002, deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente de um Estado‑Membro pode tratar como não segura, na aceção do artigo 14.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 178/2002, a categoria de géneros alimentícios que consiste em carne fresca de aves de capoeira na qual foram detetados microrganismos patogénicos diferentes dos serotipos de salmonela previstos no anexo I, capítulo 1, ponto 1.28, do Regulamento n.o 2073/2005.

17

Importa começar por recordar que o Regulamento n.o 2073/2005 estabelece, em conformidade com o seu artigo 1.o, «os critérios microbiológicos para certos microrganismos» aplicáveis no setor alimentar e habilita a autoridade competente não apenas a verificar o cumprimento desses critérios mas também a «realizar outras amostragens e análises a fim de detetar e quantificar outros microrganismos, suas toxinas ou metabolitos, quer no quadro da verificação dos processos, quer em relação a géneros alimentícios suspeitos de serem perigosos, quer ainda no contexto de uma análise de riscos».

18

Decorre assim desta disposição, lida à luz do considerando 3 do Regulamento n.o 2073/2005, que, embora os critérios microbiológicos que este regulamento estabelece se apliquem apenas aos microrganismos patogénicos enumerados no anexo I deste regulamento, a autoridade competente não é obrigada a limitar‑se, quando das análises dos géneros alimentícios que efetua, apenas ao controlo da presença desses microrganismos.

19

Além disso, embora o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2073/2005 imponha aos operadores das empresas do setor alimentar a obrigação de assegurar que os géneros alimentícios cumprem os critérios microbiológicos estabelecidos no anexo I deste regulamento, esta obrigação não pode impedir as autoridades competentes de procurarem microrganismos patogénicos diferentes daqueles que são visados neste anexo, em conformidade com o objetivo de alcançar um elevado nível de proteção da saúde pública, enunciado no considerando 1 do referido regulamento. Como a Comissão Europeia sublinhou nas suas observações escritas, para tomar em conta os critérios de segurança dos géneros alimentícios, estabelecidos no capítulo 1 do referido anexo, os operadores das empresas do setor alimentar devem incluir, nos procedimentos que aplicam, controlos sistemáticos da contaminação por determinados microrganismos, sem que essa obrigação signifique que só os microrganismos patogénicos visados pelos referidos critérios são considerados não seguros para a saúde pública.

20

Esta análise é confirmada pelo Regulamento n.o 178/2002, que estabelece, em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 1, as disposições de base da legislação alimentar da União. O artigo 14.o, n.o 8, deste regulamento prevê expressamente que «[a] conformidade de um género alimentício com as disposições específicas que lhe são aplicáveis não impedirá as autoridades competentes de tomar as medidas adequadas para impor restrições à sua colocação no mercado ou para exigir a sua retirada do mercado sempre que existam motivos para se suspeitar que, apesar dessa conformidade, o género alimentício não é seguro».

21

No que se refere ao artigo 14.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 178/2002, deles resulta que a colocação no mercado de um género alimentício não seguro, isto é, que é prejudicial para a saúde ou impróprio para consumo humano, deve ser proibida (Acórdão de 19 de janeiro de 2017, Queisser Pharma, C‑282/15, EU:C:2017:26, n.o 44).

22

Neste contexto, o artigo 14.o, n.o 7, deste regulamento precisa que a qualificação de um género alimentício como seguro em aplicação de disposições específicas do direito da União que regem a segurança dos géneros alimentícios, como as do Regulamento n.o 2073/2005, só é válida «no que diz respeito aos aspetos cobertos por essas disposições».

23

O artigo 14.o, n.os 1, 2, 7 e 8, do Regulamento n.o 178/2002 permite assim que as autoridades nacionais competentes tomem as medidas adequadas para impor restrições à colocação no mercado ou para exigir a retirada do mercado dos géneros alimentícios que, não obstante a sua conformidade com as disposições específicas do direito da União que lhes são aplicáveis, deem a estas autoridades razões objetivas para suspeitar que esses géneros não são seguros. Esta disposição, atendendo à sua importância para alcançar um elevado nível de proteção da saúde das pessoas e dos interesses dos consumidores, em conformidade com o disposto no artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento, deve ser objeto de uma interpretação ampla.

24

Daqui resulta que o Regulamento n.o 2073/2005 não pode ser interpretado no sentido de que impede a autoridade competente, quando esteja na presença de uma categoria de géneros alimentícios, como carne fresca de aves de capoeira, que se encontra nas condições descritas no número anterior do presente acórdão, de adotar as medidas adequadas previstas no artigo 14.o, n.o 8, do Regulamento n.o 178/2002.

25

A este respeito, há que acrescentar que resulta do considerando 9 do Regulamento n.o 1086/2011 que cerca de 80 % dos casos de salmonelose observados em seres humanos em 2008, à semelhança dos anos anteriores, foram causados pela Salmonella Enteritidis e pela Salmonella Typhimurium, e a carne de aves de capoeira permanece uma fonte importante de salmonelose humana. O considerando 10 deste regulamento precisa, no entanto, que focar a atenção nestes dois serotipos devia, paralelamente, encorajar os operadores das empresas do setor alimentar a tomar medidas, em fases anteriores da produção de aves capoeira, que poderiam contribuir para a redução de todos os serotipos de Salmonella significativos em termos de saúde pública.

26

Ora, como sublinham, em substância, os Governos lituano, checo e italiano, bem como a Comissão, ainda que os serotipos detetados, no caso em apreço, pela Autoridade lituana em carne fresca de aves de capoeira, a saber, a Salmonella Kentucky e/ou a Salmonella Infantis, pareçam menos comuns do que a Salmonella Typhimurium e a Salmonella Enteritidis, o efeito nocivo para a saúde dos dois primeiros serotipos não pode, no entanto, ser excluído.

27

Cabe ao órgão jurisdicional nacional competente verificar, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 8, do Regulamento n.o 178/2002, conforme interpretado no n.o 23 do presente acórdão, se a presença desses serotipos, que não estão mencionados no anexo I, capítulo 1, ponto 1.28, do Regulamento n.o 2073/2005, permite suspeitar que a carne fresca de aves de capoeira em causa não é segura, na aceção do artigo 14.o, n.os 2 a 5, do Regulamento n.o 178/2002, e justificar as medidas adotadas por essa Autoridade enquanto «medidas adequadas» tomadas ao abrigo da primeira disposição.

28

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 1.o do Regulamento n.o 2073/2005, lido em conjugação com o artigo 14.o, n.o 8, do Regulamento n.o 178/2002, deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente de um Estado‑Membro pode tratar como não segura, na aceção do artigo 14.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 178/2002, a categoria de géneros alimentícios que consiste em carne fresca de aves de capoeira na qual foram detetados microrganismos patogénicos diferentes dos serotipos de salmonela previstos no anexo I, capítulo 1, ponto 1.28, do Regulamento n.o 2073/2005.

Quanto às despesas

29

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 2073/2005 da Comissão, de 15 de novembro de 2005, relativo a critérios microbiológicos aplicáveis aos géneros alimentícios, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1086/2011 da Comissão, de 27 de outubro de 2011, lido em conjugação com o artigo 14.o, n.o 8, do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios, deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente de um Estado‑Membro pode tratar como não segura, na aceção do artigo 14.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 178/2002, a categoria de géneros alimentícios que consiste em carne fresca de aves de capoeira na qual foram detetados microrganismos patogénicos diferentes dos serotipos de salmonela previstos no anexo I, capítulo 1, ponto 1.28, do Regulamento n.o 2073/2005, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1086/2011.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: lituano.