ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

9 de março de 2023 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Energia — Regulamento (CE) n.o 714/2009 — Artigo 17.o — Pedido de isenção relativo a uma interligação elétrica — Decisão de recusa da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) — Regulamento (CE) n.o 713/2009 — Artigo 19.o — Câmara de Recurso da ACER — Intensidade da fiscalização»

No processo C‑46/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 27 de janeiro de 2021,

Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), representada por P. Martinet e E. Tremmel, na qualidade de agentes, assistidos por B. Creve, advokat,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Aquind Ltd, com sede em Wallsend (Reino Unido), representada por J. Bille, C. Davis, S. Goldberg e E. White, solicitors,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias, M. Ilešič (relator), I. Jarukaitis e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 18 de novembro de 2020, Aquind/ACER (T‑735/18, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2020:542), pelo qual este anulou a Decisão A‑001‑2018 da Câmara de Recurso da ACER (a seguir «Câmara de Recurso»), de 17 de outubro de 2018 (a seguir «decisão controvertida»), através da qual foi confirmada a Decisão n.o 05/2018 da ACER, de 19 de junho de 2018, que indefere um pedido de isenção relativo a uma interligação elétrica entre as redes de transporte de eletricidade britânica e francesa (a seguir «Decisão n.o 05/2018»).

2

Com o seu recurso subordinado, a Aquind Ltd pede a confirmação do acórdão recorrido.

Quadro jurídico

3

O considerando 19 do Regulamento (CE) n.o 713/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que institui a Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (JO 2009, L 211, p. 1), que esteve em vigor até 3 de julho de 2019, enunciava:

«Nos casos em que a [ACER] tenha poderes de decisão, os interessados deverão, por razões de economia processual, ter o direito de interpor recurso junto da Câmara de Recurso, que deverá fazer parte da [ACER], mas ser independente da sua estrutura administrativa e reguladora. Por uma questão de continuidade, a nomeação ou renovação dos membros da Câmara de Recurso deverá permitir a substituição parcial dos membros da Câmara de Recurso. As decisões da Câmara de Recurso podem ser recorríveis para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.»

4

O artigo 3.o do Regulamento n.o 713/2009, sob a epígrafe «Composição», dispunha:

«A [ACER] é composta por:

[…]

d) Uma Câmara de Recurso, com as funções definidas no artigo 19.o»

5

O artigo 18.o deste regulamento, sob a epígrafe «Câmara de Recurso», previa, no seu n.o 1:

«A Câmara de Recurso é composta por seis membros efetivos e seis suplentes selecionados de entre os atuais ou antigos quadros superiores das entidades reguladoras nacionais, autoridades da concorrência ou outras instituições nacionais ou comunitárias com experiência relevante no setor da energia. A Câmara de Recurso designa o seu presidente. As decisões da Câmara de Recurso são aprovadas por maioria qualificada de, pelo menos, quatro dos seis membros que a compõem. A Câmara de Recurso é convocada sempre que necessário.»

6

O artigo 19.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Recursos», previa:

«1.   Qualquer pessoa singular ou coletiva, incluindo as entidades reguladoras nacionais, pode recorrer das decisões a que se referem os artigos 7.o, 8.o ou 9.o de que seja destinatária, ou de uma decisão que, embora formalmente dirigida a outra pessoa, lhe diga direta e individualmente respeito.

2.   O recurso, juntamente com a respetiva fundamentação, deve ser apresentado por escrito na [ACER] no prazo de dois meses a contar do dia da notificação da decisão à pessoa em causa ou, na ausência de notificação, a contar do dia em que a [ACER] tiver publicado a sua decisão. A Câmara de Recurso aprova uma decisão sobre o recurso no prazo de dois meses a contar da apresentação do mesmo.

[…]

4.   Se o recurso for admissível, a Câmara de Recurso verifica se é fundamentado. A Câmara de Recurso convida as partes no processo de recurso, tantas vezes quantas forem necessárias, a apresentar, em prazos determinados, as suas observações sobre as notificações que lhes tiver enviado ou sobre as comunicações das outras partes no processo de recurso. As partes no processo de recurso podem prestar declarações oralmente.

5.   A Câmara de Recurso pode, nos termos do presente artigo, exercer todas as competências atribuídas à [ACER] ou remeter o processo para o órgão competente da [ACER]. Este órgão fica vinculado à decisão da Câmara de Recurso.

6.   A Câmara de Recurso aprova e publica o seu regulamento interno.

[…]»

7

O artigo 20.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Recursos para o Tribunal de Primeira Instância e para o Tribunal de Justiça», dispunha:

«1.   Pode ser interposto recurso para o Tribunal de Primeira Instância ou para o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 230.o [CE], de decisões da Câmara de Recurso ou, nos casos em que a Câmara de Recurso não tenha competência para se pronunciar, da [ACER].

2.   Na falta de decisão da [ACER], pode ser interposto recurso por omissão para o Tribunal de Primeira Instância ou o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 232.o [CE].

3.   A [ACER] toma as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Primeira Instância ou do Tribunal de Justiça.»

8

O Regulamento n.o 713/2009 foi revogado pelo Regulamento (UE) 2019/942 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, que institui a Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (JO 2019, L 158, p. 22). O artigo 28.o, n.o 2, deste último regulamento prevê que a Câmara de Recurso aprova uma decisão sobre o recurso no prazo de quatro meses a contar da apresentação do mesmo.

Antecedentes do litígio

9

Os antecedentes do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 1 a 13 do acórdão recorrido e, para efeitos do presente processo, podem ser resumidos do seguinte modo.

10

Em 17 de maio de 2017, a Aquind, promotor de um projeto de interligação elétrica que liga as redes de transporte de eletricidade britânica e francesa, apresentou um pedido, nos termos do artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 714/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1228/2003 (JO 2009, L 211, p. 15), destinado a obter uma isenção para esse projeto de interligação.

11

Este pedido foi submetido às autoridades reguladoras francesa e do Reino Unido, a saber, respetivamente, a Commission de régulation de l’énergie (CRE) e o Office of Gas and Electricity Markets Authority (OFGEM), que, não tendo chegado a acordo sobre o referido pedido, o transmitiram à ACER, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 5, do Regulamento n.o 714/2009, para que esta última tomasse ela própria uma decisão.

12

Através da Decisão n.o 05/2018, a ACER indeferiu o pedido da Aquind, com o fundamento de que não estava preenchida uma das condições necessárias para a obtenção de tal isenção, no caso em apreço a enunciada no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), desse regulamento, segundo a qual o nível de risco associado ao investimento deve ser tal, que o investimento não se realizaria se não fosse concedida uma isenção.

13

Em 17 de agosto de 2018, a Aquind interpôs recurso da referida decisão na Câmara de Recurso que, através da decisão controvertida, a confirmou.

Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

14

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de dezembro de 2018, a Aquind interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida com fundamento, nomeadamente, em que a Câmara de Recurso tinha considerado erradamente que podia limitar a sua fiscalização aos erros manifestos de apreciação e que a Aquind devia começar por pedir e obter uma decisão de imputação dos custos transfronteiriços, em conformidade com o artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2013, relativo às orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias e que revoga a Decisão n.o 1364/2006/CE e altera os Regulamentos (CE) n.o 713/2009 (CE) n.o 714/2009 e (CE) n.o 715/2009 (JO 2013, L 115, p. 39), antes de poder ser tomada uma decisão nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009.

15

Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral anulou a decisão da Câmara de Recurso após ter julgado procedente o nono fundamento do recurso da Aquind, relativo a um exame insuficiente da Decisão n.o 05/2018 pela Câmara de Recurso e, a título exaustivo, o quarto fundamento desse recurso, relativo a uma interpretação errada da relação existente entre o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 e o artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013, que também acolheu. Consequentemente, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

16

Em apoio do seu nono fundamento, a Aquind acusava, em substância, a Câmara de Recurso de, ao examinar o seu recurso, ter limitado a sua fiscalização à do erro manifesto de apreciação cometido pela ACER ao adotar a Decisão n.o 05/2018. Considerava que tal fiscalização era, com efeito, contrária ao artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009.

17

Baseando‑se numa fundamentação em quatro partes distintas, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 50 a 71 do acórdão recorrido, que, como sustentava a Aquind com o seu nono fundamento, a limitação, pela Câmara de Recurso, da intensidade do seu controlo sobre a decisão da ACER relativa a um pedido de isenção nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 era juridicamente errada.

18

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 51 do acórdão recorrido, que a criação da Câmara de Recurso da ACER respondia à vontade do legislador da União de prever um mecanismo de recurso nas agências da União quando lhes foi confiado um poder de decisão importante, sobre questões complexas no plano técnico ou científico, que afeta diretamente a situação jurídica das partes em causa. O sistema do órgão de recurso representava um meio adequado para proteger o seu direito num contexto em que a fiscalização do juiz da União se devia limitar a examinar se o exercício do amplo poder de apreciação dos elementos factuais de ordem científica, técnica e económica complexos de que as agências dispõem não está viciado por erro manifesto ou desvio de poder.

19

Em segundo lugar, nos n.os 52 a 58 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou as disposições relativas à organização e aos poderes da Câmara de Recurso para constatar, após essa análise, que este órgão de recurso não foi criado para se limitar a um controlo restrito das apreciações de ordem técnica e económica complexas.

20

Primeiro, o Tribunal Geral sublinhou, no n.o 53 do acórdão recorrido, relativamente à composição da Câmara de Recurso, que o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009 dispõe que a Câmara de Recurso é composta por seis membros efetivos e seis suplentes selecionados de entre os atuais ou antigos quadros superiores das entidades reguladoras nacionais, autoridades da concorrência ou outras instituições nacionais ou da União «com experiência relevante no setor da energia». O legislador da União pretendeu assim dotar a Câmara de Recurso dos conhecimentos necessários para lhe permitir proceder ela própria a apreciações relativas a elementos factuais de ordem técnica e económica complexos ligados à energia. O Tribunal Geral salientou que foi igualmente esse o objetivo prosseguido quando da criação de outras agências da União, como a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA) ou ainda a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), cujas Câmaras de Recurso são compostas por peritos dotados de uma qualificação que reflete a especificidade dos domínios em causa.

21

Segundo, no que respeita aos poderes conferidos à Câmara de Recurso, o Tribunal Geral declarou, no n.o 54 do acórdão recorrido, que estes poderes, descritos no artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009, militavam também a favor de uma fiscalização de elementos factuais e económicos de ordem complexa, uma vez que, por força desta disposição, a Câmara de Recurso pode exercer os mesmos poderes que os atribuídos à ACER ou remeter o processo ao órgão competente desta agência, ficando então este último vinculado pela decisão da Câmara de Recurso. Esta disposição confere, portanto, à Câmara de Recurso um poder discricionário no âmbito de cujo exercício deve examinar se os elementos de que dispõe na sequência do exame do recurso lhe permitem adotar a sua própria decisão.

22

No n.o 55 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral deduziu daí que a Câmara de Recurso não só dispõe do conjunto dos poderes conferidos à própria ACER mas, se optar por remeter o processo à agência, pode orientar as decisões tomadas pela referida agência, uma vez que esta última está vinculada pela fundamentação da Câmara de Recurso.

23

Além disso, segundo o Tribunal Geral, decorre do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009 que, contrariamente ao juiz da União, a Câmara de Recurso é competente, a título de fiscalização da oportunidade, para anular ou substituir decisões da ACER, unicamente com base em considerações técnicas e económicas.

24

Terceiro, o Tribunal Geral constatou, nos n.os 57 e 58 do acórdão recorrido, que, no que respeita aos pedidos de isenção nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009, só as decisões da Câmara de Recurso adotadas ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009 e do artigo 17.o, n.o 5, do Regulamento n.o 714/2009 podem ser objeto de recurso para o Tribunal Geral. Se a Câmara de Recurso só pudesse proceder a uma fiscalização restrita das apreciações de ordem técnica e económica complexas contidas na decisão da ACER, isso significaria que o Tribunal exerceria uma fiscalização limitada sobre uma decisão que seria, ela própria, o resultado de uma fiscalização restrita.

25

Ora, tal sistema não oferece as garantias de uma proteção jurisdicional efetiva de que devem poder beneficiar as empresas a quem foi indeferida tal isenção.

26

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 59 e 60 do acórdão recorrido, que as regras de organização e de processo adotadas pela ACER, ao abrigo do artigo 19.o, n.o 6, do Regulamento n.o 713/2009, atribuíam à Câmara de Recurso a missão de exercer um controlo da decisão da Agência com uma intensidade que não se podia limitar à fiscalização restrita.

27

Assim, no n.o 60 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral sublinhou que a Decisão n.o 1‑2011 da Câmara de Recurso, de 1 de dezembro de 2011, que estabelece as regras de organização e de processo da Câmara de Recurso, tinha sido objeto de uma alteração introduzida em 5 de outubro de 2019, pela qual a Câmara de Recurso restringiu o seu poder. Na redação em vigor no momento em que a decisão controvertida foi adotada, resultava expressamente do artigo 20.o desta decisão, sob a epígrafe «Competência», que a Câmara de Recurso podia exercer qualquer poder que fosse da competência da ACER. O Tribunal Geral considerou que, ao adotar esta disposição, a Câmara de Recurso tinha assim traduzido, nas suas próprias regras de organização e de processo internas, o poder de controlo que lhe tinha sido atribuído pelo artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009, e que a alteração desta disposição, pela qual a Câmara de Recurso restringiu o seu poder, ainda não era aplicável no momento em que a decisão controvertida foi adotada.

28

Em quarto lugar, o Tribunal Geral considerou, em substância, nos n.os 61 a 68 do acórdão recorrido, que o princípio da fiscalização restrita do juiz da União à luz das apreciações de ordem técnica, científica e económica complexas não é aplicável à fiscalização efetuada pelos órgãos de recurso das agências da União. Assim, já tinha sido declarado, a propósito da Câmara de Recurso da ECHA, que o controlo efetuado por essa Câmara sobre apreciações de ordem científica constantes de uma decisão da ECHA não estava limitado à verificação da existência de erros manifestos, mas que, pelo contrário, devido às competências jurídicas e científicas dos seus membros, a referida Câmara devia verificar se os argumentos invocados pelo recorrente eram suscetíveis de demonstrar que as considerações em que a referida decisão da ECHA se baseara padeciam de erros.

29

O Tribunal Geral declarou, nos n.os 62 a 68 do acórdão recorrido, que esta jurisprudência era plenamente transponível para a Câmara de Recurso. Com efeito, a composição e os poderes da Câmara de Recurso da ECHA eram comparáveis aos da Câmara de Recurso da ACER.

30

Com base em todos estes fundamentos, o Tribunal Geral decidiu, nos n.os 69 a 71 do acórdão recorrido, que a fiscalização efetuada pela Câmara de Recurso das apreciações de ordem técnica e económica complexas que figuram numa decisão da ACER relativa a um pedido de isenção nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 não se pode limitar à fiscalização restrita do erro manifesto de apreciação. A Câmara de Recurso tinha, portanto, cometido um erro de direito ao considerar, no n.o 52 da decisão controvertida, que, no que respeita às apreciações de caráter técnico ou complexo, podia exercer uma fiscalização restrita e, assim, limitar‑se a determinar se a ACER tinha cometido um erro manifesto de apreciação das condições previstas por essa disposição.

31

Após ter examinado e rejeitado, nos n.os 72 a 89 do acórdão recorrido, os diferentes argumentos aduzidos pela ACER em apoio da tese contrária, o Tribunal Geral, no n.o 90 desse acórdão, julgou procedente o nono fundamento invocado pela Aquind em apoio do seu recurso de anulação.

32

Por último, nos n.os 92 a 113 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou e julgou procedente o quarto fundamento desse recurso, relativo a uma interpretação errada da relação existente entre o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 e o artigo 12.o do Regulamento n.o 347/2013 e, consequentemente, à possibilidade de o projeto de interligação poder beneficiar de um procedimento de imputação dos custos transfronteiriços e à não tomada em consideração dos riscos associados a esse procedimento.

33

Contudo, no n.o 91 desse acórdão, o Tribunal Geral precisou que esse exame era motivado apenas por razões ligadas a uma boa administração da justiça.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes no recurso

34

Com o seu recurso, a ACER pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular, total ou parcialmente, o acórdão recorrido;

no caso de o Tribunal de Justiça considerar que o estado do litígio o permite, negar provimento ao recurso em primeira instância;

a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para que decida em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça; e

condenar a Aquind nas despesas do presente recurso e do processo no Tribunal Geral.

35

A Aquind pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso;

no caso de o Tribunal de Justiça considerar procedente um dos argumentos da ACER, negar provimento ao recurso pelos outros fundamentos invocados pela Aquind, incluindo, sendo caso disso, os que foram apresentados no âmbito dos fundamentos de direito julgados improcedentes pelo Tribunal Geral;

no caso de o Tribunal de Justiça não poder confirmar o acórdão recorrido, anular a própria decisão controvertida pelos outros fundamentos invocados pela Aquind no Tribunal Geral; e

condenar a ACER nas despesas.

36

Com o seu recurso subordinado, a Aquind pede ao Tribunal de Justiça que se digne, no caso de dar provimento ao recurso principal:

anular a declaração de inadmissibilidade dos terceiro e quarto fundamentos invocados pela Aquind no Tribunal Geral;

anular a rejeição dos primeiro, quinto, e sexto a oitavo fundamentos invocados pela Aquind no Tribunal Geral;

tomar em consideração os argumentos desenvolvidos no âmbito dos fundamentos invocados pela Aquind no presente recurso em apoio do seu pedido de confirmação do acórdão recorrido; e

por conseguinte, anular a decisão controvertida pelos fundamentos invocados na petição da Aquind no Tribunal Geral.

37

Na sua resposta, a ACER pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso subordinado na íntegra; e

condenar a Aquind a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela ACER no âmbito do recurso subordinado.

Quanto ao recurso principal

38

A recorrente invoca dois fundamentos de recurso. Com o seu primeiro fundamento, alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no que respeita à intensidade da fiscalização que deve ser exercida pela Câmara de Recurso à luz das apreciações de ordem técnica e económica complexas efetuadas pela ACER no âmbito do seu exame de um pedido de isenção nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.

39

Com o seu segundo fundamento, a ACER alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no que respeita à interpretação do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, quanto à relação entre o regime de isenção e o regime regulamentado.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentação das partes

40

Com o seu primeiro fundamento, a ACER alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que, contrariamente ao que a Câmara de Recurso tinha considerado nos n.os 51 e 52 da decisão controvertida, a fiscalização exercida por esta câmara sobre as apreciações de ordem técnica e económica complexas relativas a um pedido de isenção nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 não se podia limitar a examinar se a ACER tinha cometido um erro manifesto de apreciação, uma vez que esta agência deve beneficiar de uma certa margem de apreciação no momento de decidir sobre uma isenção. Deste modo, segundo a ACER, o Tribunal Geral nem teve em conta o objetivo prosseguido pelo legislador da União ao instituir a Câmara de Recurso nem o contexto em que é efetuada a fiscalização que esta exerce.

41

A título subsidiário, a ACER sustenta que, de qualquer modo, no caso em apreço, a Câmara de Recurso não deixou de fiscalizar apreciações de ordem técnica e económica complexas efetuadas por esta agência no âmbito do seu exame que conduziu à adoção da Decisão n.o 05/2018.

42

A ACER alega que nem todos os órgãos de recurso independentes das diferentes agências da União são chamados a exercer a sua fiscalização sobre as apreciações de ordem técnica e económica complexas com a mesma intensidade da que é feita pela agência a que pertencem. Assim, no que respeita à Câmara de Recurso, esta é livre de não examinar o processo com o mesmo nível de pormenor com que a ACER o faria.

43

No que respeita mais especificamente às apreciações que implicam questões económicas e técnicas complexas, a Câmara de Recurso exerce uma fiscalização que, sendo embora considerável, se limita aos erros manifestos cometidos pela ACER. Neste âmbito, a Câmara de Recurso verifica não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões que deles foram retiradas pela ACER.

44

Uma vez que o Regulamento n.o 713/2009 não contém uma descrição explícita do nível de intensidade da fiscalização que a Câmara de Recurso está obrigada a exercer, haveria que ter em conta, para determinar esse nível, o objetivo prosseguido pelo procedimento de recurso e o contexto em que a fiscalização é efetuada.

45

Segundo a ACER, no que respeita ao objetivo prosseguido pela criação da Câmara de Recurso, o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 53 do acórdão recorrido, que resulta do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009 que o legislador da União pretendeu dotar essa câmara dos conhecimentos necessários para lhe permitir proceder ela própria a apreciações relativas a elementos factuais de ordem técnica e económica complexos ligados à energia, à semelhança da Câmara de Recurso da ECHA no seu domínio de competência. Resulta, pelo contrário, do considerando 19 do Regulamento n.o 713/2009 que esse objetivo era que as partes interessadas dispusessem, na Câmara de Recurso, de um direito de recurso muito rápido e simplificado. Este objetivo é corroborado pelo facto de a Câmara de Recurso ter de decidir no prazo de dois meses a contar da apresentação do recurso.

46

No que respeita ao contexto da fiscalização, a ACER sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 52 a 82 do acórdão recorrido, ao declarar que as disposições relativas à organização e aos poderes da Câmara de Recurso sustentavam a conclusão de que a intensidade da sua fiscalização das apreciações de ordem técnica e económica complexas não se podia limitar a um erro manifesto de apreciação. A organização da Câmara de Recurso, nomeadamente a escolha dos seus membros, que, contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou nos n.os 53, 65 e 69 do acórdão recorrido, não devem, ao contrário dos membros da Câmara de Recurso da ECHA, possuir obrigatoriamente os conhecimentos necessários para lhes permitir procederem eles próprios a apreciações de ordem técnica complexas, a duração do procedimento de recurso extremamente curta, de dois meses, os meios limitados de que esses membros dispõem e o objetivo da simplificação do procedimento de recurso são também elementos que devem conduzir à conclusão inversa. Não se pode esperar que os membros da Câmara de Recurso procedam, por si só, a apreciações de ordem técnica e económica, sem nenhum apoio, no prazo extremamente curto de dois meses de que dispõem.

47

No que respeita aos poderes da Câmara de Recurso, a ACER sustenta que, nos n.os 54, 55, 59 e 60 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral se baseou erradamente no artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009, segundo o qual a Câmara de Recurso «pode […] exercer todas as competências atribuídas à [ACER] ou remeter o processo para o órgão competente da [ACER com vista ao prosseguimento da ação, ficando este órgão] vinculado à decisão da Câmara de Recurso», para declarar que esta câmara deve proceder a uma fiscalização completa de todos os erros de que enfermem as apreciações de ordem técnica e económica complexas que figurem na decisão da ACER. Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal Geral, essa disposição não pode ser interpretada no sentido de que determina a intensidade da fiscalização que a Câmara de Recurso deve exercer.

48

Segundo a recorrente, o Tribunal Geral também cometeu um erro de direito no n.o 56 do acórdão recorrido ao considerar que decorria do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009 que, contrariamente ao juiz da União, a Câmara de Recurso é competente, a título de uma fiscalização da oportunidade, para anular ou substituir decisões da ACER, unicamente com base em considerações técnicas e económicas. Esta disposição, longe de justificar o exercício de uma fiscalização completa pela Câmara de Recurso, previa, segundo a recorrente, unicamente a possibilidade de anular as decisões da ACER e de as substituir pelas da Câmara de Recurso ou de remeter o processo à ACER, mas era omissa quanto à intensidade da fiscalização que deve ser exercida pela Câmara de Recurso.

49

A ACER considera que o Tribunal Geral cometeu ainda um erro de direito no n.o 56 do acórdão recorrido, uma vez que fez referência ao artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009, que define as pessoas que podem interpor recurso para a Câmara de Recurso, quando este artigo também não diz respeito à intensidade dessa fiscalização. Do mesmo modo, contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou nos n.os 57, 58 e 70 do acórdão recorrido, não se pode deduzir do artigo 20.o do Regulamento n.o 713/2009 que a Câmara de Recurso tenha de proceder a uma fiscalização completa das apreciações de ordem técnica e económica complexas. Com efeito, o Tribunal Geral pode sempre proceder a uma fiscalização jurisdicional completa das decisões da Câmara de Recurso, mesmo que essas decisões resultem de uma fiscalização restrita efetuada por essa câmara.

50

Em suma, segundo a ACER, o Tribunal Geral ignorou ilegalmente o objetivo prosseguido e o contexto do procedimento de recurso na Câmara de Recurso, conforme enunciados no Regulamento n.o 713/2009 e, portanto, violou os princípios da separação de poderes no que respeita às escolhas feitas pelo legislador da União na qualidade de legislador e de autoridade orçamental. Além disso, a comparação efetuada pelo Tribunal Geral com a Câmara de Recurso da ECHA é também juridicamente errada.

51

A título subsidiário, a ACER sustenta que, em qualquer caso, mesmo que a Câmara de Recurso devesse exercer uma fiscalização completa das decisões desta agência, dado que estas contêm apreciações de ordem técnica e económica complexas, o Tribunal Geral considerou erradamente, nos n.os 83 a 90 do acórdão recorrido, que a Câmara de Recurso não procedeu a essa fiscalização completa no caso em apreço.

52

A Aquind considera que há que julgar improcedente o primeiro fundamento de recurso e que o Tribunal Geral declarou corretamente que a Câmara de Recurso era obrigada a efetuar uma fiscalização completa da Decisão n.o 05/2018, não limitada ao erro manifesto de apreciação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

53

Com o seu primeiro fundamento, a ACER sustenta, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no que respeita à intensidade da fiscalização que deve ser exercida pela Câmara de Recurso sobre as decisões da ACER, em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 713/2009 relativas à definição dos poderes da referida Câmara de Recurso.

54

Segundo jurisprudência constante, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [Acórdão de 8 de setembro de 2022, Ministerstvo životního prostředí (Papagaios‑Arara‑Jacinto), C‑659/20, EU:C:2022:642, n.o 37 e jurisprudência referida].

55

Em primeiro lugar, não resulta expressamente da redação das disposições dos artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 713/2009, relativas à composição, à organização e aos poderes da Câmara de Recurso, que a fiscalização desta sobre as decisões da ACER que impliquem apreciações sobre questões económicas e técnicas complexas se limite necessariamente à do erro manifesto de apreciação.

56

Em segundo lugar, no que respeita aos objetivos prosseguidos pela criação da Câmara de Recurso, há que observar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 44 das suas conclusões, que esta criação se inscreve numa abordagem global, adotada pelo legislador da União, que visa dotar as agências da União de órgãos de recurso quando lhes tenha sido confiado poder de decisão sobre questões complexas no plano técnico ou científico suscetível de afetar diretamente a situação jurídica das partes em causa.

57

Assim, como o Tribunal Geral salientou igualmente, com razão, no n.o 51 do acórdão recorrido, esses órgãos de recurso representam um meio adequado para proteger os direitos das partes em causa num contexto em que, segundo jurisprudência constante, dado que as autoridades da União dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente quanto à apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos para determinar a natureza e o alcance das medidas que adotam, o controlo do juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício de tal poder não padece de erro manifesto ou de desvio de poder, ou ainda se essas autoridades não ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação (Despacho de 4 de setembro de 2014, Rütgers Germany e o./ECHA, C‑290/13 P, não publicado, EU:C:2014:2174, n.o 25 e jurisprudência referida).

58

Em terceiro lugar, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 41 das suas conclusões, embora esses diferentes órgãos de recurso apresentem certas diferenças quanto à sua estrutura, funcionamento e poderes, partilham, ainda assim, algumas características comuns.

59

Antes de mais, há que observar que são órgãos de revisão administrativa, internos das agências. São dotados de certa independência, exercem funções quase jurisdicionais através de processos contraditórios e são compostos por juristas e peritos, o que lhes confere uma maior capacidade para decidir os recursos de decisões que têm frequentemente uma forte componente técnica. Seguidamente, podem interpor recurso para esses órgãos os destinatários das decisões das agências a que pertencem, e as pessoas singulares e coletivas a quem essas decisões digam direta e individualmente respeito. Por outro lado, fiscalizam as decisões com efeitos sobre terceiros em relação às quais a regra de direito derivado que as institui lhes confere competência. Por último, constituem um mecanismo rápido, acessível, especializado e pouco dispendioso para proteger os direitos dos destinatários e dos que são afetados pelas referidas decisões.

60

Em quarto lugar, há que constatar que o procedimento aplicável na Câmara de Recurso não obedece a regras diferentes das enunciadas no artigo 19.o deste regulamento, que prevê, no seu n.o 1, que qualquer pessoa singular ou coletiva, incluindo as entidades reguladoras nacionais, pode recorrer das decisões a que se referem os artigos 7.o a 9.o do mesmo regulamento de que seja destinatária ou que lhe diga direta ou individualmente respeito. Como o Tribunal Geral salientou, com razão, no n.o 56 do acórdão recorrido, não resulta deste artigo 19.o que o recurso para a câmara esteja sujeito a outras condições de admissibilidade.

61

Esta consideração é corroborada pela redação do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 713/2009, que dispõe que o recurso deve indicar os seus fundamentos, sem estabelecer distinção, quanto aos fundamentos que devem assim ser invocados em apoio do recurso, entre fundamentos de direito e fundamentos de facto.

62

Em quinto lugar, há que salientar que a Câmara de Recurso é composta, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009, por seis membros efetivos e seis suplentes selecionados de entre os atuais ou antigos quadros superiores das entidades reguladoras nacionais, autoridades da concorrência ou outras instituições nacionais ou da União, com experiência relevante no setor da energia.

63

Por conseguinte, a composição da Câmara de Recurso satisfaz as exigências necessárias para efetuar uma fiscalização completa das decisões da ACER. Se os seus membros devem ter experiência anterior no setor da energia, é porque dispõem ou devem dispor dos conhecimentos técnicos necessários para apreciar os recursos em profundidade.

64

Por conseguinte, como o Tribunal Geral indicou, com razão, no n.o 53 do acórdão recorrido, o legislador da União pretendeu dotar a Câmara de Recurso dos conhecimentos necessários para lhe permitir proceder ela própria a apreciações relativas a elementos factuais de ordem técnica e económica complexos ligados à energia. Foi igualmente esse o objetivo prosseguido por esse legislador quando da criação de outras agências da União, como a AESA ou a ECHA, cujas câmaras de recurso são compostas por peritos dotados de uma qualificação que reflete a especificidade dos domínios em causa.

65

Foi assim com razão que o Tribunal Geral, no n.o 52 do acórdão recorrido, considerou que resultava das disposições relativas à organização e aos poderes da Câmara de Recurso que esta não tinha sido criada para se limitar a um controlo restrito das apreciações de ordem técnica e económica complexas.

66

Em sexto lugar, foi também com razão que o Tribunal Geral salientou, no n.o 61 do acórdão recorrido, que a jurisprudência relativa ao caráter restrito da fiscalização exercida pelo juiz da União sobre as apreciações de ordem técnica, científica e económica complexas não é aplicável aos órgãos de recurso das agências da União.

67

Com efeito, como o Tribunal Geral indicou no n.o 58 do acórdão recorrido, se a fiscalização efetuada pela Câmara de Recurso devesse ser restrita no que respeita às apreciações de ordem técnica e económica complexas que figuram nas decisões da ACER, isso significaria que o juiz da União exerceria uma fiscalização limitada sobre uma decisão que seria, ela própria, o resultado de uma fiscalização restrita. Foi, portanto, com razão que o Tribunal Geral concluiu que tal sistema não oferecia as garantias de uma proteção jurisdicional efetiva de que devem beneficiar as empresas a quem foi indeferido um pedido de isenção nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.

68

Em sétimo lugar, é em vão que, para contestar as considerações enunciadas nos n.os 61 a 68 do acórdão recorrido, a ACER invoca, em apoio do seu primeiro fundamento, a existência de diferenças entre a Câmara de Recurso da ACER e a Câmara de Recurso da ECHA em termos de objetivos, de processos, de prazos e de regime do pessoal.

69

A este respeito, no n.o 61 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral indicou que já tinha declarado, a propósito da Câmara de Recurso da ECHA, que o controlo efetuado por essa Câmara de Recurso sobre apreciações de ordem científica constantes de uma decisão da ECHA não estava limitado à verificação da existência de erros manifestos, mas que, pelo contrário, devido às competências jurídicas e científicas dos seus membros, a referida Câmara de Recurso devia verificar se os argumentos invocados pelo recorrente eram suscetíveis de demonstrar que as considerações em que a referida decisão da ECHA se baseara padeciam de erros e que a intensidade do controlo efetuado pela Câmara de Recurso era superior à da fiscalização efetuada pelo juiz da União (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2019, BASF Grenzach/ECHA, T‑125/17, EU:T:2019:638, n.os 87 a 89 e 124).

70

Ora, como o Tribunal Geral declarou com razão, em substância, nos n.os 64 a 67 do acórdão recorrido, por um lado, a composição e os poderes da Câmara de Recurso da ECHA são, contrariamente ao que sustenta a ACER, comparáveis aos da Câmara de Recurso da ACER, sendo ambos estes órgãos compostos por membros que beneficiam dos conhecimentos necessários para lhes permitir procederem eles próprios a apreciações sobre elementos factuais de ordem científica, técnica e económica complexos. Por outro lado, o facto de os membros da Câmara de Recurso da ECHA serem, ao contrário dos membros da Câmara de Recurso da ACER, trabalhadores a tempo inteiro não pode ter incidência na intensidade da fiscalização que devem efetuar.

71

No que diz respeito ao argumento da ACER relativo à brevidade do prazo imposto à Câmara de Recurso para decidir, fixado em dois meses pelo artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 713/2009, não se pode daí deduzir que a intenção do legislador da União era limitar a fiscalização da Câmara de Recurso, quando esse prazo encurtado, que foi, aliás, alargado para quatro meses pelo artigo 28.o, n.o 2, do Regulamento 2019/942, é antes testemunho da preocupação deste legislador em garantir um procedimento rápido.

72

Tendo em conta todas estas considerações, afigura‑se que foi com razão que o Tribunal Geral considerou que a Câmara de Recurso tinha cometido um erro de direito ao declarar que, no que respeita às apreciações de caráter técnico ou complexo, podia exercer uma fiscalização restrita e limitar‑se a determinar se a ACER tinha cometido um erro manifesto de apreciação.

73

A título subsidiário, a ACER alega que, mesmo admitindo que a Câmara de Recurso deveria proceder a uma fiscalização completa das decisões da ACER que contenham apreciações de ordem técnica e económica complexas, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao afirmar que esta câmara não tinha procedido a esse tipo de fiscalização no caso em apreço.

74

Este argumento não pode proceder, uma vez que resulta expressamente do n.o 52 da decisão controvertida que a Câmara de Recurso pretendeu limitar a sua fiscalização da Decisão n.o 05/2018 ao erro manifesto de apreciação.

75

Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar improcedente o primeiro fundamento do recurso da ACER.

Quanto ao segundo fundamento

76

Com o seu segundo fundamento, a ACER alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no que respeita à interpretação do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, quanto à relação entre o regime de isenção e o regime regulamentado.

77

Como resulta do n.o 91 do acórdão recorrido, foi a título exaustivo que o Tribunal Geral examinou esta questão, que era objeto do quarto fundamento da Aquind em apoio do seu recurso de anulação, depois de ter julgado procedente o nono fundamento desse recurso, pelos fundamentos expostos nos n.os 43 a 90 do acórdão recorrido, que foram criticados em vão pela ACER no âmbito do seu primeiro fundamento do presente recurso.

78

A este respeito, cabe recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, desde que um dos fundamentos considerados pelo Tribunal Geral seja suficiente para justificar a parte decisória do seu acórdão, os vícios que possam eventualmente afetar outro fundamento, igualmente assinalado no acórdão em questão, não têm, de qualquer forma, nenhuma influência na referida parte decisória, de forma que o fundamento que os invoca é inoperante e deve ser rejeitado (Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia, C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 143 e jurisprudência referida).

79

Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado inoperante.

80

Resulta de toda a fundamentação precedente que deve ser negado provimento ao recurso principal na sua totalidade.

Quanto ao recurso subordinado

81

Uma vez que é negado provimento ao recurso principal, não há que decidir sobre o recurso subordinado.

Quanto às despesas

82

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

83

No caso em apreço, tendo o Tribunal de Justiça negado provimento ao recurso principal e tendo a Aquind pedido a condenação da ACER nas despesas, há que condenar esta última a suportar, além das suas próprias despesas relativas ao recurso principal, as despesas efetuadas pela Aquind.

84

O artigo 142.o do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, prevê que, no caso de não haver lugar a decisão de mérito, o Tribunal de Justiça decide livremente sobre as despesas.

85

Há que decidir que a ACER e a Aquind suportarão as suas próprias despesas relativas ao recurso subordinado.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso principal.

 

2)

Não há que decidir sobre o recurso subordinado.

 

3)

A Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) é condenada a suportar as suas próprias despesas relativas ao recurso principal e as efetuadas pela Aquind Ltd.

 

4)

A Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) e a Aquind Ltd suportam as suas próprias despesas relativas ao recurso subordinado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.