ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de janeiro de 2023 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado do transporte ferroviário de mercadorias — Decisão que declara uma infração ao artigo 102.o TFUE — Acesso de empresas terceiras às infraestruturas geridas pela sociedade nacional de caminhos de ferro da Lituânia — Desmantelamento de um troço de via‑férrea — Conceito de “abuso” — Exclusão efetiva ou provável de um concorrente — Exercício pelo Tribunal Geral da sua competência de plena jurisdição — Redução da coima»

No processo C‑42/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 27 de janeiro de 2021,

Lietuvos geležinkeliai AB, com sede em Vilnius (Lituânia), representada por K. Apel, W. Deselaers e P. Kirst, Rechtsanwälte,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por A. Cleenewerck de Crayencour, A. Dawes, H. Leupold e G. Meessen, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

Orlen Lietuva AB, com sede em Mažeikiai (Lituânia), representada por C. Conte, avvocato, e C. Thomas, avocat,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente de secção, M. Safjan, N. Piçarra, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 27 de abril de 2022,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a Lietuvos geležinkeliai AB (a seguir «LG») pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 18 de novembro de 2020, Lietuvos geležinkeliai/Comissão (T‑814/17, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2020:545), através do qual o Tribunal Geral, por um lado, negou provimento ao seu recurso na parte em que visava a anulação da Decisão C(2017) 6544 final da Comissão, de 2 de outubro de 2017, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 102.o TFUE (Processo AT.39813 — Baltic Rail) (a seguir «decisão recorrida»), e, por outro, fixou o montante da coima aplicada por essa decisão à LG em 20068650 euros.

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 1/2003

2

Nos termos do artigo 23.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), e n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1):

«2.   A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a)

Cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.o] ou [102.o TFUE]; […]

[…]

3.   Quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração.»

3

O artigo 31.o deste regulamento dispõe:

«O Tribunal de Justiça conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada.»

Diretiva 2001/14/CE

4

O considerando 5 da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança (JO 2001, L 75, p. 29), tem a seguinte redação:

«Para garantir a transparência e um acesso não discriminatório à infraestrutura ferroviária para todas as empresas de transporte ferroviário, serão publicadas nas especificações da rede todas as informações necessárias para a utilização dos direitos de acesso.»

5

O artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«As empresas de transporte ferroviário têm direito, numa base não discriminatória, ao pacote mínimo de acesso, assim como ao acesso por via‑férrea às instalações de serviços descritas no anexo II. A prestação dos serviços referidos no ponto 2 do anexo II é efetuada de modo não discriminatório e os pedidos de empresas de transporte ferroviário só podem ser recusados quando existam alternativas viáveis em condições normais de mercado. Se os serviços não forem prestados por um gestor da infraestrutura, o fornecedor da “infraestrutura principal” envidará todos os esforços razoáveis para facilitar a prestação desses serviços.»

6

O artigo 29.o, n.o 1, da referida diretiva enuncia:

«Em caso de perturbação da circulação ferroviária resultante de falha técnica ou acidente, o gestor da infraestrutura deve tomar todas as medidas necessárias para restabelecer a situação normal, devendo, para esse efeito, elaborar um plano de emergência que incluirá uma lista dos diversos organismos a informar em caso de incidentes graves ou de séria perturbação da circulação ferroviária.»

Antecedentes do litígio e decisão recorrida

7

Os antecedentes do litígio e o conteúdo da decisão recorrida estão expostos nos n.os 1 a 48 do acórdão recorrido. Para efeitos do presente recurso, podem ser resumidos do seguinte modo.

Contexto factual

8

A LG é a sociedade nacional dos caminhos de ferro da Lituânia cuja sede se situa em Vilnius (Lituânia). A LG é uma empresa pública cujo único acionista é o Estado lituano. Sendo uma empresa integrada verticalmente, a LG é simultaneamente entidade gestora das infraestruturas ferroviárias, que continuam a ser propriedade do Estado lituano, e prestadora de serviços de transporte ferroviário, de mercadorias e de passageiros na Lituânia.

9

A Orlen Lietuva AB (a seguir «Orlen») é uma empresa sediada em Juodeikiai, no distrito de Mažeikiai (Lituânia), especializada na refinação de petróleo bruto e na distribuição de produtos petrolíferos refinados. A Orlen é uma filial a 100 % da empresa polaca PKN Orlen SA.

10

No âmbito das suas atividades, a Orlen explora diversas instalações na Lituânia, entre as quais uma importante refinaria (a seguir «refinaria»), situada em Bugeniai, no distrito de Mažeikiai, no noroeste da Lituânia, na proximidade da fronteira com a Letónia. No final dos anos 2000, 90 % da produção de produtos petrolíferos refinados provenientes dessa refinaria era transportada por via ferroviária, fazendo, assim, da Orlen um dos maiores clientes da LG.

11

Nessa altura, a Orlen produzia, na refinaria, aproximadamente 8 milhões de toneladas de produtos petrolíferos refinados por ano. Três quartos dessa produção destinavam‑se à exportação, principalmente por via marítima. Assim, 4,5 a 5,5 milhões de toneladas de produtos petrolíferos refinados eram transportadas através da Lituânia, por caminho de ferro, para o porto marítimo de Klaipėda (Lituânia).

12

A restante produção exportada, ou seja, aproximadamente 1 a 1,5 milhões de toneladas, era expedida, também por caminho de ferro, para ou através da Letónia e destinava‑se principalmente ao consumo nos mercados internos estónios e letões. Aproximadamente 60 % desta produção, expedida por caminho de ferro para ou através da Letónia, utilizava a linha ferroviária «Bugeniai‑Mažeikiai‑Rengė», um itinerário que vai da refinaria, situada na proximidade do nó ferroviário de Mažeikiai, à cidade de Rengė, na Letónia, com 34 km em território lituano (a seguir «itinerário curto até à Letónia»). A restante produção, expedida por caminho de ferro para ou através da Letónia, utilizava a linha ferroviária «Bugeniai‑Kužiai‑Joniškis‑Meitene», um itinerário mais longo, com 152 km em território lituano.

13

Para transportar os seus produtos utilizando o itinerário curto até à Letónia, a Orlen recorreu aos serviços da LG para a parte lituana do itinerário, a saber, da refinaria à fronteira letã. A LG tinha celebrado então um acordo de subcontratação com a Latvijas dzelzceļš, a sociedade nacional de caminhos de ferro da Letónia (a seguir «LDZ»), para o transporte na parte lituana do itinerário. Uma vez que não dispunha das autorizações regulamentares necessárias ao exercício autónomo das suas atividades em território lituano, a LDZ operava como subcontratante da LG. Transposta a fronteira, a LDZ prosseguia o transporte dos produtos da Orlen em território letão.

14

As relações comerciais entre a Orlen e a LG relativas aos serviços de transporte desta na rede ferroviária lituana, incluindo os serviços de transporte no itinerário curto até à Letónia, regiam‑se por um acordo assinado em 1999 (a seguir «acordo de 1999»).

15

Além de conter as tarifas aplicadas pela LG aos serviços de transporte, o acordo de 1999 abrangia, nomeadamente, um compromisso específico, por parte da LG, de efetuar o transporte de mercadorias da Orlen no itinerário curto até à Letónia durante todo o período de vigência do acordo, a saber, até 2024.

16

No início de 2008, ocorreu um litígio comercial entre a LG e a Orlen respeitante às tarifas pagas por esta última para o transporte dos seus produtos petrolíferos.

17

Devido a este litígio comercial, a Orlen considerou a possibilidade de contratar diretamente com a LDZ os serviços de transporte ferroviário das suas mercadorias no itinerário curto até à Letónia e de reestruturar as suas atividades de exportação por via marítima a partir de Klaipėda, na Lituânia, em direção aos portos marítimos de Riga e de Ventspils, na Letónia.

18

Em 12 de junho de 2008, realizou‑se uma reunião entre a LG e a Orlen, no decurso da qual foi abordado esse projeto de reorganização das atividades de exportação da Orlen. Além disso, tendo a Orlen decidido unilateralmente, logo na primavera de 2008, aplicar uma taxa inferior à solicitada pela LG e reter o pagamento da diferença, a LG instaurou, em 17 de julho de 2008, um processo arbitral contra a Orlen.

19

Em 28 de julho de 2008, a LG informou a Orlen da rescisão do acordo de 1999 com efeitos a partir de 1 de setembro de 2008.

20

Em 2 de setembro de 2008, na sequência da deteção de uma deformação da via‑férrea de várias dezenas de metros (a seguir «deformação»), a LG, invocando principalmente razões de segurança, suspendeu o tráfego num troço do itinerário curto até à Letónia, com uma distância de 19 km, situado entre Mažeikiai e a fronteira com a Letónia (a seguir «via‑férrea»).

21

Em 3 de setembro de 2008, a LG nomeou uma comissão de inspeção, composta por quadros da sua filial local para proceder ao inquérito sobre os motivos da deformação. Em 5 de setembro de 2008, a comissão de inspeção apresentou um relatório de inquérito e um relatório técnico. Segundo o relatório de inquérito de 5 de setembro de 2008, a deformação teria sido provocada pela deterioração física de numerosos componentes da estrutura da via‑férrea. Resulta igualmente do referido relatório de inquérito que o tráfego devia continuar suspenso «até à conclusão de todos as obras de restauro e de reparação». As observações contidas no mesmo relatório de inquérito foram confirmadas pelas observações do relatório técnico.

22

A LDZ apresentou à Orlen uma proposta para o transporte dos seus produtos petrolíferos em 29 de setembro de 2008, após uma reunião realizada em 22 de setembro de 2008. Segundo a Orlen, esta proposta era «prática e atrativa».

23

A partir de 3 de outubro de 2008, a LG procedeu ao desmantelamento completo da via‑férrea. No final do mês de outubro de 2008, a via‑férrea estava completamente desmantelada.

24

Em 17 de outubro de 2008, a Orlen enviou uma carta à LDZ para lhe confirmar a sua intenção de transportar aproximadamente 4,5 milhões de toneladas de produtos petrolíferos da refinaria aos portos marítimos letões, tendo seguidamente havido um encontro, em 20 de fevereiro de 2009, e tendo decorrido conversações mais avançadas ao longo da primavera de 2009.

25

Em janeiro de 2009, foi celebrado um novo acordo geral de transporte entre a LG e a Orlen para um período de quinze anos, até 1 de janeiro de 2024. Este acordo veio substituir um acordo provisório que tinha sido assinado em 1 de outubro de 2008.

26

As negociações entre a Orlen e a LDZ prosseguiram até final do mês de junho de 2009, quando a LDZ apresentou um pedido de licença para operar na parte lituana do itinerário curto até à Letónia.

27

Em 10 de novembro de 2009, o tribunal arbitral declarou que a rescisão unilateral do acordo de 1999 pela LG era ilegal e que esse acordo devia ser considerado em vigor até 1 de outubro de 2008.

28

Segundo a Orlen, as conversações com a LDZ foram interrompidas em meados de 2010, quando finalmente considerou que a LG não tinha intenção de reparar a via‑férrea a curto prazo. Nesse momento, a LDZ retirou o seu pedido de licença para operar na parte lituana do itinerário curto até à Letónia.

Procedimento administrativo

29

Em 14 de julho de 2010, a Orlen apresentou à Comissão uma denúncia formal, nos termos do artigo 7.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003.

30

De 8 a 10 de março de 2011, a Comissão, assistida pelas autoridades nacionais da concorrência da República da Letónia e da República da Lituânia, efetuou inspeções, nos termos do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, nas instalações da recorrente em Vilnius e nas instalações da LDZ em Riga.

31

Em 6 de março de 2013, a Comissão decidiu instaurar contra a LG um processo de aplicação do artigo 102.o TFUE.

32

Depois de ter enviado à LG uma comunicação de acusações e, em seguida, uma carta de exposição dos factos, sobre as quais as partes apresentaram as suas observações, a Comissão adotou, em 2 de outubro de 2017, a decisão recorrida.

Decisão recorrida

Definição de mercados relevantes e posição dominante da LG nos mesmos

33

Na decisão recorrida, a Comissão identifica dois mercados afetados pelo abuso de posição dominante imputado à LG, a saber, por um lado, o mercado, a montante, da gestão de infraestruturas ferroviárias e, por outro, o mercado, a jusante, da prestação de serviços de transporte ferroviário de produtos petrolíferos.

34

O mercado geográfico relevante para a gestão de infraestruturas rodoviárias é considerado o mercado nacional lituano. Quanto ao mercado geográfico relevante para o transporte ferroviário de produtos petrolíferos, a Comissão considerou, com base na abordagem «ponto de origem — ponto de destino», designada «abordagem O & D», que se tratava do mercado do transporte de mercadorias ferroviário a partir da refinaria e com destino aos três portos marítimos de Klaipėda, Riga e Ventspils.

35

A Comissão constatou que, nos termos da legislação lituana, a LG detinha um monopólio legal no mercado, a montante, da gestão de infraestruturas rodoviárias na Lituânia. Segundo esta legislação, as infraestruturas ferroviárias públicas pertenciam ao Estado lituano, estando a respetiva gestão a cargo da LG.

36

A Comissão constatou também que a LG era, com exceção de ínfimas quantidades transportadas pela LDZ, a única empresa ativa no mercado, a jusante, da prestação de serviços de transporte ferroviário de produtos petrolíferos, o que, portanto, lhe conferia uma posição dominante nesse mercado.

Comportamento abusivo

37

Na decisão recorrida, a Comissão considerou que a LG tinha abusado da sua posição dominante, enquanto entidade gestora das infraestruturas ferroviárias na Lituânia, ao suprimir a via‑férrea, o que era suscetível de produzir efeitos anticoncorrenciais de exclusão da concorrência no mercado da prestação de serviços de transporte ferroviário de produtos petrolíferos entre a refinaria e os portos marítimos vizinhos, ao criar barreiras à entrada no mercado sem que exista uma justificação objetiva.

38

Em particular, a Comissão entendeu, nos considerandos 182 a 201 da decisão recorrida, que, ao suprimir completamente o troço da via‑férrea, a LG recorreu a métodos diferentes dos que condicionam o funcionamento normal da concorrência.

39

A este respeito, a Comissão salientou, em primeiro lugar, que a LG tinha conhecimento de que a Orlen tencionava passar a utilizar os portos marítimos da Letónia que utilizam os serviços da LDZ, em segundo lugar, que a supressão do troço pela LG foi muito precipitada, sem garantir os fundos necessários e sem tomar medidas preparatórias normais para a sua reconstrução, em terceiro lugar, que a supressão da via‑férrea foi contrária à prática corrente do setor, em quarto lugar, que a LG estava ciente do risco de perda de toda a atividade de transporte dos produtos da Orlen caso a via‑férrea fosse reconstruída e, em quinto lugar, que a LG tinha tomado medidas para persuadir o Governo lituano a não reconstruir a via‑férrea.

40

A Comissão observou que a via‑férrea proporcionava o itinerário mais curto e mais económico da refinaria a um dos portos marítimos letões. Na opinião da Comissão, devido à sua proximidade relativamente à Letónia e à base logística da LDZ, esse itinerário constituía também uma opção muito favorável para a LDZ entrar no mercado lituano.

41

Quanto aos efeitos anticoncorrenciais decorrentes do comportamento da LG, a Comissão considerou, na sequência de uma análise efetuada nos considerandos 202 a 324 da decisão recorrida, que a supressão da via‑férrea tinha sido suscetível de impedir a LDZ de entrar no mercado ou, pelo menos, tinha tornado a sua entrada no mercado significativamente mais difícil, apesar de, na opinião da Comissão, antes da supressão da via‑férrea, a LDZ dispor de uma oportunidade credível de transportar os produtos petrolíferos da Orlen destinados à exportação marítima, da refinaria aos portos marítimos letões, pelo itinerário curto até à Letónia.

42

Após a supressão da via‑férrea, o transporte ferroviário da refinaria até um dos portos marítimos letões tinha de utilizar um itinerário muito mais longo no território lituano. Em particular, a Comissão considerou que, após a supressão da via‑férrea, a única opção de a LDZ concorrer com a LG teria sido tentar manter a atividade no itinerário até Klaipėda ou no itinerário mais longo até à Letónia mencionado no n.o 12 do presente acórdão. Tal obrigaria a LDZ a operar longe da sua base logística na Letónia tornando‑a dependente dos serviços de infraestrutura do seu concorrente, a LG. Nestas circunstâncias, a Comissão considerou que, de um ponto de vista ex ante, a LZD enfrentava riscos comerciais significativos, que era pouco provável que viesse a correr.

43

A Comissão referiu também, nos considerandos 325 a 357 da decisão recorrida, que a recorrente não apresentou uma justificação objetiva para a supressão da via‑férrea, na medida em que as explicações dadas não concordavam entre si, sendo por vezes contraditórias e pouco convincentes.

Coima e intimação

44

Seguindo as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2), a Comissão, tendo em conta a gravidade e a duração da infração, aplicou à LG uma coima de um montante de 27873000 euros.

45

A Comissão intimou igualmente a LG a pôr termo à infração e a apresentar‑lhe, no prazo de três meses a contar da data de notificação da decisão, uma proposta de medidas para esse efeito.

Dispositivo da decisão recorrida

46

Os artigos 1.o e 2.o da decisão recorrida têm a seguinte redação:

«Artigo primeiro

[A LG] violou o artigo 102.o TFUE ao suprimir a via‑férrea entre Mažeikiai, na Lituânia, e a fronteira letã. A infração teve início em 3 de outubro de 2008 e mantém‑se à data da adoção da presente decisão.

Artigo 2.o

Pela infração referida no artigo 1.o, é aplicada à [LG] uma coima de 27873000 [euros].

[…]»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

47

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de dezembro de 2017, a LG interpôs um recurso destinado, a título principal, à anulação da decisão recorrida e, a título subsidiário, à redução do montante da coima que lhe tinha sido aplicada por essa decisão.

48

Por Despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral, de 13 de julho de 2018, foi admitida a intervenção da Orlen em apoio da Comissão. Alguns elementos contidos nas peças processuais das partes principais foram objeto de tratamento confidencial em relação à Orlen.

49

A LG invocou cinco fundamentos para o seu pedido de anulação da decisão recorrida. Estes diziam respeito, em substância: o primeiro, a erros manifestos de apreciação e de direito na aplicação do artigo 102.o TFUE quanto ao caráter abusivo do comportamento da LG; o segundo, a erros de apreciação e de direito na aplicação do artigo 102.o TFUE quanto à apreciação da prática em causa; o terceiro, à violação do artigo 296.o TFUE e do artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003 por insuficiência da prova e falta de fundamentação; o quarto, apenas na sua primeira parte, a erros na determinação do montante da coima e; o quinto, a erros quanto à aplicação de uma medida de correção.

50

No âmbito do seu pedido de redução do montante da coima, a LG alega, através de várias objeções e da segunda parte do quarto fundamento, que este montante era desproporcionado e contestou, em substância, em primeiro lugar, a percentagem do valor das vendas definido pela Comissão a título de fator de gravidade, em segundo lugar, a duração da infração e, em terceiro lugar, a decisão de incluir, no montante de base, um montante suplementar a título de dissuasão.

51

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes todos os fundamentos e argumentos apresentados pela LG tanto em apoio do seu pedido de anulação da decisão recorrida como em apoio do pedido de redução do montante da coima.

52

O Tribunal Geral reduziu, no entanto, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o montante da coima e fixou‑o em 20068650 euros.

53

Negou provimento ao recurso quanto ao restante.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

54

Com o presente recurso, a LG conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido, total ou parcialmente, na medida em que negou provimento ao seu recurso de anulação da decisão recorrida;

anular a decisão recorrida, total ou parcialmente;

a título subsidiário, anular ou reduzir ainda mais o montante da coima aplicada à LG, e

condenar a Comissão no pagamento da totalidade das despesas do presente processo e do processo no Tribunal Geral.

55

A Comissão e a Orlen concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar a LG nas despesas.

Quanto ao recurso

56

Em apoio do seu recurso, a LG invoca quatro fundamentos, visando os três primeiros, em substância, contestar a apreciação, pelo Tribunal Geral, da existência de um abuso de posição dominante e dizendo o quarto fundamento respeito à apreciação da coima que lhe foi aplicada.

Quanto à admissibilidade de determinados argumentos

57

A título preliminar, importa observar que as partes fazem preceder os seus argumentos de considerações relativas ao quadro factual do presente processo.

58

Assim, a LG expõe uma descrição dos factos que lhe parecem pertinentes. A Comissão observa que esta descrição é enganosa e errada, ao passo que a Orlen alega que, através da referida descrição, a LG tenta contestar os factos apurados pelo Tribunal Geral.

59

Além disso, nas suas observações preliminares, a Comissão refere‑se a um comunicado de imprensa do presidente‑diretor‑geral da LG, de 30 de dezembro de 2019, cuja admissibilidade e pertinência para efeitos do presente recurso a LG contesta.

60

A este respeito, basta recordar que, em conformidade com o artigo 256.o, n.o 1, TFUE e com o artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito. O Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos pertinentes, bem como para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e destes elementos de prova não constitui, portanto, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (Acórdão de 24 de setembro de 2020, Prysmian e Prysmian Cavi e Sistemi/Comissão, C‑601/18 P, EU:C:2020:751, n.o 126 e jurisprudência referida).

61

Daqui resulta que as diversas alegações e contestações de facto devem ser julgadas inadmissíveis.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

62

Com o seu primeiro fundamento, a LG acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito nos n.os 90 a 99 do acórdão recorrido, ao ter recusado, erradamente, aplicar o teste estabelecido no n.o 41 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), para determinar a existência da prática abusiva alegada.

63

Em seu entender, este teste seria aplicável ao presente processo, que coloca o problema jurídico de saber se o artigo 102.o TFUE impunha à LG a obrigação legal de conceder à LDZ o acesso à via‑férrea. Ora, os critérios relativos ao referido teste não estão preenchidos no caso em apreço.

64

Concretamente, ao declarar, nos n.os 90 a 99 do acórdão recorrido, que o mesmo teste não era aplicável no caso em apreço, o Tribunal Geral cometeu quatro erros de direito.

65

Em primeiro lugar, contrariamente ao que o Tribunal Geral salientou no n.o 90 do acórdão recorrido, não existe nem na jurisprudência do Tribunal de Justiça nem nas Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo que deu origem ao Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), citadas pelo Tribunal Geral, nenhuma regra segundo a qual os critérios resultantes desse acórdão só se aplicam se houver necessidade de proteger o incentivo de uma empresa dominante a investir na realização de infraestruturas essenciais.

66

Em segundo lugar, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou nos n.os 91 e 92 do acórdão recorrido, também não existe nenhuma regra segundo a qual esses critérios não são aplicáveis quando o quadro regulamentar em vigor já impõe uma obrigação de prestação dos serviços em causa.

67

Com efeito, antes de mais, a não aplicação dos referidos critérios nesse caso implicaria que o direito nacional, ou o direito derivado da União, definissem o âmbito de aplicação do direito primário, o que seria incompatível com o primado do direito da União e com a exigência de aplicação coerente do direito da concorrência da União. Em seguida, o controlo ex post nos termos do artigo 102.o TFUE e a regulamentação ex ante do setor em causa servem objetivos diferentes. Seria contrário ao princípio da segurança jurídica sujeitar as empresas dos setores regulados a critérios legais diferentes ao abrigo do artigo 102.o TFUE. Por último, no presente caso, à data da supressão da via‑férrea, a LG não estava sujeita a nenhuma obrigação de conceder à LDZ um acesso à via‑férrea, uma vez que esta não tinha pedido, nem obtido, nenhuma licença para operar na Lituânia. Esta circunstância permite distinguir o presente processo daqueles que deram origem ao Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Slovak Telekom/Comissão (T‑851/14,EU:T:2018:929), e depois aos Acórdãos de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão (C‑152/19 P, EU:C:2021:238), e de 25 de março de 2021, Slovak Telekom/Comissão (C‑165/19 P, EU:C:2021:239).

68

Nestes últimos acórdãos, o Tribunal de Justiça procedeu a uma distinção entre o acesso à infraestrutura e as condições desse acesso. No presente processo, o abuso constatado pelo Tribunal Geral diz respeito a uma verdadeira recusa de concessão de acesso em razão da supressão da via‑férrea. A LG precisa que essa recusa de acesso não diz respeito a toda a rede ferroviária lituana, mas apenas à via‑férrea. A supressão desta última não pode ser separada das condições dessa supressão.

69

Em terceiro lugar, nenhuma das disposições mencionadas pelo Tribunal Geral nos n.os 96 e 97 do acórdão recorrido impõe a uma entidade gestora de infraestruturas, como a LG, a «obrigação legal absoluta» de conceder o acesso a cada troço de via da sua rede, em particular quando estão disponíveis itinerários alternativos. Nenhuma dessas disposições impõe uma «obrigação absoluta» de restabelecer uma via‑férrea degradada recorrendo a uma solução que a entidade gestora da infraestrutura considere ineficaz e economicamente inaceitável. Neste sentido, a LG refere‑se, mais especificamente, ao artigo 5.o da Diretiva 2001/14, lido à luz do seu considerando 5, bem como ao artigo 29.o, n.o 1, desta diretiva.

70

Em quarto lugar, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou nos n.os 91 e 93 do acórdão recorrido, nenhuma regra de direito indica que os critérios decorrentes do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569) não são aplicáveis quando a posição dominante decorre de um monopólio de Estado. Segundo o n.o 23 do Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark (C‑209/10, EU:C:2012:172), referido pelo Tribunal Geral, a circunstância de essa posição ter origem num antigo monopólio legal deve apenas ser tomada em consideração.

71

Ora, no caso em apreço, não se trata de determinar se a LG estava obrigada a facultar o acesso a uma rede em funcionamento construída no passado com recurso a fundos públicos, mas de saber se estava obrigada, por força do artigo 102.o TFUE, a investir fundos próprios na reparação e substituição de uma infraestrutura degradada a fim de tornar o acesso ao mercado relevante menos difícil e mais vantajoso para um concorrente particular a jusante. A ponderação entre os interesses destas duas sociedades está no âmago do teste estabelecido no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569).

72

A Comissão e a Orlen concluem pela improcedência do primeiro fundamento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

73

Com o seu primeiro fundamento, a LG critica, especialmente, os n.os 90 a 99 do acórdão recorrido, pelo facto de o Tribunal Geral, ao recusar aplicar os critérios estabelecidos no n.o 41 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), ao presente processo, ter adotado um critério jurídico errado para apreciar a existência de um abuso de posição dominante.

74

No n.o 99 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que foi sem cometer nenhum erro que a Comissão se absteve de apreciar se o comportamento controvertido, que consistia, como resulta do n.o 84 desse acórdão, na supressão da via‑férrea enquanto tal, preenchia as condições relativas à indispensabilidade do serviço cujo acesso tinha sido recusado e à eliminação de toda e qualquer concorrência estabelecidas no n.o 41 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97,EU:C:1998:569), e que era suficiente, exceto em caso de uma eventual justificação objetiva, demonstrar que se tratava de um comportamento que podia restringir a concorrência e, nomeadamente, constituir um entrave à entrada no mercado.

75

Nos n.os 90 a 98 do referido acórdão, o Tribunal Geral justificou esta conclusão à luz da finalidade das circunstâncias excecionais enunciadas no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), que consiste em assegurar que a obrigação de uma empresa em situação de posição dominante fornecer um acesso à sua infraestrutura não impede, em definitivo, a concorrência ao diminuir, para essa empresa, o incentivo inicial à construção dessa infraestrutura e ao investimento em infraestruturas. O Tribunal Geral deduziu daí, no essencial, que a jurisprudência resultante do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não se podia aplicar quando, como no caso em apreço, o quadro regulamentar aplicável já impõe uma obrigação de fornecimento à empresa dominante ou quando a posição dominante decorre de um monopólio legal, sobretudo quando a infraestrutura em causa pertence ao Estado e foi construída e desenvolvida através de fundos públicos.

76

A fim de apreciar se estas considerações enfermam de um erro de direito como alega a LG, importa recordar que o artigo 102.o TFUE proíbe, na medida em que o comércio entre Estados‑Membros seja suscetível de ser afetado, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste. Incumbe, portanto, à empresa que detém uma posição dominante uma responsabilidade especial de não prejudicar, pelo seu comportamento, uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno (Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 40 e jurisprudência referida).

77

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de «exploração de forma abusiva de uma posição dominante», na aceção do artigo 102.o TFUE, é um conceito objetivo que abrange os comportamentos de uma empresa em posição dominante que, num mercado no qual, precisamente devido à presença da empresa em questão, o grau de concorrência já esteja enfraquecido, tenham como consequência impedir, recorrendo a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal entre produtos ou serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 41 e jurisprudência referida).

78

O exame do caráter abusivo de uma prática de uma empresa dominante ao abrigo do artigo 102.o TFUE deve ser feito tendo em consideração todas as circunstâncias específicas do processo (Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 42 e jurisprudência referida).

79

Quanto às práticas que consistem numa recusa em facultar o acesso a uma infraestrutura desenvolvida por uma empresa dominante para efeitos das suas próprias atividades e por ela detida, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que essa recusa é suscetível de constituir um abuso de posição dominante na condição não só de essa recusa ter sido suscetível de eliminar toda e qualquer concorrência no mercado em causa por parte do requerente de acesso e não ter podido ser objetivamente justificada, mas ainda que a infraestrutura tenha sido em si mesma indispensável ao exercício da sua atividade, no sentido de que não existia um substituto real ou potencial para essa infraestrutura (v. neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 1998, Bronner, C‑7/97, EU:C:1998:569, n.o 41, e de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.os 43 e 44).

80

A imposição destas condições, no n.o 41 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), era justificada pelas circunstâncias próprias do processo que deu origem a esse acórdão, que consistiam numa recusa por parte de uma empresa dominante de dar acesso a um concorrente de uma infraestrutura que essa empresa tinha desenvolvido para os fins da sua própria atividade, excluindo qualquer outro comportamento (Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 45).

81

Ora, em primeiro lugar, como salientou o advogado‑geral nos n.os 78 a 82 das suas conclusões, a hipótese de uma destruição, por uma empresa dominante, de uma infraestrutura deve ser distinguida daquela de uma recusa de acesso, na aceção da jurisprudência resultante do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569).

82

Com efeito, decorre das considerações precedentes que esta jurisprudência visa, em substância, a hipótese de uma recusa de acesso a uma infraestrutura, através da qual, em última análise, a empresa dominante reserva a infraestrutura que desenvolveu para o seu próprio uso (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 47). A referida jurisprudência implica, como salientou o advogado‑geral, em especial, no n.o 80 das suas conclusões, a manutenção de uma infraestrutura, cujo uso a empresa dominante se reserva à procura de um lucro imediato.

83

É evidente que, em contrapartida, a destruição de uma infraestrutura implica o sacrifício de um ativo, mediante, se for caso disso, custos associados a essa destruição. Devido à destruição, a infraestrutura torna‑se inevitavelmente inutilizável não só pelos concorrentes, mas também pela própria empresa dominante.

84

O presente processo não suscita, portanto, contrariamente às alegações da LG, um «problema de acesso» a uma infraestrutura na aceção da jurisprudência resultante do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569).

85

Isto é tanto mais assim quanto, como reconhece de resto a LG, o comportamento imputado dizia apenas respeito a um único troço da rede ferroviária lituana e não impedia o concorrente potencial da LG de aceder, sendo caso disso, a essa rede por outra via.

86

Em segundo lugar, decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os critérios estabelecidos no n.o 41 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), se destinam a estabelecer um justo equilíbrio entre, por um lado, as exigências de uma concorrência não falseada e, por outro, a liberdade de contratar e o direito de propriedade da empresa dominante. Neste sentido, estes critérios destinam‑se a ser aplicados em caso de recusa de acesso a uma infraestrutura de que a empresa dominante é proprietária e que desenvolveu para as necessidades da sua própria atividade, através dos seus próprios investimentos (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 1998, Bronner, C‑7/97, EU:C:1998:569, n.o 37, e de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 47).

87

Foi, portanto, sem cometer um erro de direito que o Tribunal Geral declarou, em substância, nos n.os 90, 93 e 94 do acórdão recorrido, que, tendo em conta a sua finalidade, os referidos critérios não são aplicáveis quando, numa situação como a do presente processo, a infraestrutura em causa tenha sido financiada, não através de investimentos próprios da empresa dominante, mas de fundos públicos e essa empresa não seja a proprietária dessa infraestrutura.

88

Em terceiro lugar, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que uma obrigação regulamentar pode ser pertinente para apreciar um comportamento abusivo, na aceção do artigo 102.o TFUE. Embora a existência de uma obrigação regulamentar, para a empresa dominante, de dar acesso à infraestrutura em causa não dispense a Comissão do ónus de demonstrar a existência de um «abuso», na aceção do artigo 102.o TFUE, não deixa de ser verdade que a imposição dessa obrigação tem por consequência que a empresa dominante não possa verdadeiramente recusar dar acesso a essa infraestrutura, sem prejuízo, se for caso disso, da sua autonomia decisória à luz das condições desse acesso (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.os 57 e 58 e jurisprudência referida).

89

Foi, portanto, igualmente sem cometer um erro de direito que o Tribunal Geral declarou, nos n.os 91 e 92 do acórdão recorrido, que os critérios estabelecidos no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não são aplicáveis quando a empresa dominante está sujeita a uma obrigação de dar acesso à sua infraestrutura.

90

Ora, no caso em apreço, a LG não contesta, enquanto tal, estar sujeita a uma obrigação de conceder o acesso à rede ferroviária lituana. Só o alcance desta obrigação é que é contestado.

91

Decorre de todas as considerações precedentes que, contrariamente aos argumentos apresentados pela LG, a supressão da via‑férrea não pode ser considerada uma recusa de acesso, na aceção da jurisprudência resultante do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), mas deve ser considerada, sendo caso disso, uma forma autónoma de abuso (v., por analogia, Acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, EU:C:2011:83, n.os 55 a 58, e de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 75). Por conseguinte, os critérios estabelecidos no n.o 41 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não são aplicáveis com vista a apreciar o comportamento em causa.

92

Daqui resulta que o Tribunal Geral considerou corretamente, no n.o 99 do acórdão recorrido, que a Comissão não cometeu um erro ao abster‑se de apreciar se o comportamento em causa preenchia esses critérios.

93

Tendo em conta todos os fundamentos que precedem, há que julgar improcedente o primeiro fundamento de recurso.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

94

Com o seu segundo fundamento, a LG alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão tinha feito prova bastante de que, nas circunstâncias do presente processo, a supressão da via‑férrea constituía um «abuso», na aceção do artigo 102.o TFUE e ao qualificar assim, ele próprio, essa supressão de «prática abusiva».

95

Segundo a LG, nos n.os 168, 170, 177, 197, 204 e 231 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, à semelhança da Comissão, baseou esta qualificação em dois elementos cumulativos, a saber, na circunstância de essa supressão ter sido feita de maneira «precipitada» e na circunstância de a referida supressão ter sido feita «sem [a LG] ter obtido previamente os fundos necessários». Ora, nenhum destes dois elementos permite tal qualificação.

96

Em primeiro lugar, ao remeter para os n.os 148, 164 e 168 do acórdão recorrido, a LG sublinha que o Tribunal Geral reconheceu que ela podia optar por suprimir a via‑férrea, em vez de proceder a reparações parciais que teriam levado à sua posterior substituição. O abuso que lhe é imputado reside, portanto, unicamente no momento dessa supressão, a partir de 3 de outubro de 2008. Ora, uma vez que o momento da referida supressão não tinha impacto no custo da mesma, a decisão de proceder a uma supressão imediata foi uma decisão de gestão racional. De resto, o Tribunal Geral constatou, nos n.os 197, 204 e 209 desse acórdão, que a LG não tinha uma intenção anticoncorrencial.

97

Em segundo lugar, a LG alega que esperava receber os fundos para a reconstrução da via‑férrea, que deviam estar disponíveis no momento da realização da maior parte das obras. Referindo‑se aos n.os 152, 153, 160, 171, 174 a 176 e 196 do referido acórdão, a LG alega que solicitou efetivamente um financiamento em 2 de outubro de 2008, antes de iniciar os trabalhos de supressão da via‑férrea, que os fundos europeus estavam disponíveis nesse momento e posteriormente e que não atuou com uma intenção anticoncorrencial.

98

Sustenta que as circunstâncias salientadas pelo Tribunal Geral para declarar o abuso que lhe é imputado ocorreram essencialmente depois de 3 de outubro de 2008. Nesse contexto, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao exigir‑lhe, nos n.os 164, 165, 170 e 178 do mesmo acórdão, que demonstrasse ou justificasse o momento da supressão da via‑férrea, apesar de caber à Comissão demonstrar a existência do abuso.

99

Por outro lado, alega que, nos n.os 152 e 170 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não analisou concretamente o seu argumento relativo ao armazenamento das partes reutilizáveis da via‑férrea e à sua reutilização para outras vias da rede. Em todo o caso, não é necessário, para poder iniciar as etapas preparatórias de um projeto, ter obtido previamente os fundos necessários para a totalidade do projeto.

100

Na sua réplica, a LG precisa que baseou o presente fundamento nos dois únicos elementos que o Tribunal Geral mencionou sistematicamente e que se prendem com o facto de a supressão da via‑férrea ter sido efetuada de maneira «precipitada» e sem que a LG tivesse obtido, previamente, os fundos necessários. Em todo o caso, mesmo que se devesse incluir todos os quatro ou cinco elementos referidos nos n.os 42 e 194 do acórdão recorrido, a constatação de um abuso não está demonstrada. Com efeito, os elementos suplementares, que são acessórios ou não pertinentes, não são suscetíveis de demonstrar esse abuso.

101

Por outro lado, a LG apresentou argumentos para contestar cada um desses cinco elementos na audiência de alegações.

102

A Comissão considera que o presente fundamento é improcedente.

103

A Orlen sustenta que este fundamento é inoperante e, em todo o caso, inadmissível, na medida em que equivale a contestar as apreciações dos factos e das provas feitas pelo Tribunal Geral.

Apreciação do Tribunal de Justiça

104

Com o seu segundo fundamento, a LG acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao confirmar a qualificação, pela Comissão, da supressão da via‑férrea de «abuso de posição dominante», na aceção do artigo 102.o TFUE. Segundo a LG, esta qualificação baseia‑se, nos n.os 168, 170, 177, 197, 204 e 231 do acórdão recorrido, em dois elementos cumulativos, a saber, na circunstância de essa supressão ter sido feita de maneira «precipitada» e na circunstância de a referida supressão ter sido feita «sem que [a LG] tenha obtido previamente os fundos necessários».

105

Na medida em que esta argumentação se baseia na premissa de que a qualificação da supressão da via‑férrea de «abuso de posição dominante» assenta exclusivamente nestes dois elementos, há que concluir que a mesma se baseia numa leitura manifestamente errada do acórdão recorrido.

106

Com efeito, resulta inequivocamente de uma leitura de conjunto do acórdão recorrido, e nomeadamente dos seus n.os 42, 83, 193, 194, 196 e 224, que o Tribunal Geral sublinhou que foi tendo em conta um conjunto de circunstâncias factuais e jurídicas que envolveram a supressão da via‑férrea que, na decisão controvertida, a Comissão tinha chegado à conclusão de que essa supressão era constitutiva de um «abuso de posição dominante», na aceção do artigo 102.o TFUE.

107

Essas circunstâncias, expostas no n.o 39 do presente acórdão, dizem respeito ao facto de a LG ter conhecimento do projeto da Orlen de passar a utilizar os portos marítimos da Letónia recorrendo aos serviços da LDZ, de ela ter suprimido a via de maneira precipitada, sem garantir os fundos necessários e sem tomar nenhumas medidas preparatórias normais para a sua reconstrução, de a supressão da via‑férrea ter sido contrária à prática corrente do setor, de a LG estar ciente do risco de perda de toda a atividade de transporte dos produtos da Orlen caso a via‑férrea fosse reconstruída e de a LG ter tomado medidas para persuadir o Governo lituano a não reconstruir a via‑férrea.

108

Só depois de ter rejeitado todos os argumentos invocados pela LG para contestar estas apreciações é que o Tribunal Geral confirmou o mérito das apreciações da Comissão.

109

A circunstância de o Tribunal Geral se ter referido, nos n.os 168, 170, 177, 197, 204 e 231 do acórdão recorrido, contestados pela LG, a apenas dois dos elementos expostos nos n.os 39 e 107 do presente acórdão, a saber, a supressão da via‑férrea de maneira precipitada e sem garantia dos fundos necessários, não é suscetível de infirmar esta leitura do acórdão recorrido. Com efeito, nesses números, o Tribunal Geral limitou‑se a examinar argumentos específicos relacionados com essas circunstâncias, que tinham sido apresentados pela LG para contestar a constatação de um «abuso de posição dominante», na aceção do artigo 102.o TFUE.

110

Daqui resulta que o presente fundamento deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário examinar os argumentos relativos, mais especificamente, a estes dois elementos.

111

Em todo o caso, há que salientar, à semelhança do advogado‑geral nos n.os 99 a 102 das suas conclusões, que, com estes argumentos, bem como com os argumentos invocados extemporaneamente na réplica e na audiência de alegações para contestar as outras circunstâncias que justificaram a constatação de um abuso de posição dominante, a LG procura, na realidade, obter uma nova apreciação dos factos.

112

Na falta de invocação de qualquer desvirtuação, os referidos argumentos são, portanto, inadmissíveis, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 60 do presente acórdão.

113

Tendo em conta todos os fundamentos que precedem, o segundo fundamento de recurso deve ser julgado improcedente na íntegra.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

114

Com o seu terceiro fundamento, a LG alega que, nos n.os 219 a 233 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao qualificar a supressão da via‑férrea, enquanto tal e independentemente da suspensão anterior do tráfego nessa via, de «prática suscetível de restringir a concorrência».

115

Em primeiro lugar, a LG entende que esta abordagem do Tribunal Geral se baseia numa premissa errada, que se extrai dos n.os 223, 225 e 227 do acórdão recorrido. Segundo esta premissa do Tribunal Geral, a opção que consistiu em reparações iniciais pontuais seguidas de uma reconstrução completa da totalidade da via‑férrea num prazo de cinco anos, que a LG qualifica de «opção 1», constitui uma alternativa pertinente e economicamente aceitável à opção que consistia numa reconstrução completa e imediata da via‑férrea, que a LG designa de «opção 2». Ora, o Tribunal Geral não rejeitou a posição da LG, resumida nos n.os 150, 151 e 167 desse acórdão, segundo a qual a «opção 2» era a única opção pertinente e economicamente aceitável, mas limitou‑se a deixar esta questão sem resposta, no n.o 168 do referido acórdão. Nestas condições, a LG entende que se deve considerar, para efeitos do presente recurso, que a «opção 2» era a única opção pertinente e economicamente aceitável. Deduz daí que os n.os 223, 225 e 227 do mesmo acórdão são contraditórios e incompatíveis com a escolha desta última opção.

116

Além disso considera que os n.os 223, 225 e 227 do acórdão recorrido assentam na hipótese errada de que a via‑férrea podia ter sido reabilitada «a curto prazo» graças às reparações iniciais da «opção 1». Ora, não é esse o caso, uma vez que, como a LG alegou perante o Tribunal Geral, essas reparações teriam exigido que ela seguisse o mesmo procedimento que para a «opção 2», nomeadamente para efeitos da obtenção de fundos da parte da República da Lituânia ou da União. O Tribunal Geral não teve isso em conta e entrou assim em contradição.

117

Em segundo lugar, o Tribunal Geral contradisse‑se ao declarar, no n.o 225 do acórdão recorrido, que a primeira etapa da «opção 1» implicava «reparações pontuais», quando, como reconheceu no n.o 164 desse acórdão, a mesma implicava reparações significativas em toda a extensão da via‑férrea.

118

Em terceiro lugar, contrariamente ao que foi salientado pelo Tribunal Geral nos n.os 221 a 223 do acórdão recorrido, a LG entende que não está sujeita a uma obrigação jurídica absoluta de restabelecer a situação normal da via através da realização das reparações iniciais ao abrigo da «opção 1» e que podia legitimamente escolher a «opção 2». Esta teria permitido um restabelecimento da situação normal, precisando‑se que a data da supressão da via, inevitável na implementação da opção 2, era irrelevante a este respeito.

119

Em quarto lugar, é contraditório com as constatações efetuadas nos n.os 24 e 25 do acórdão recorrido afirmar, no n.o 225 desse acórdão, que um efeito de exclusão provinha do facto de, quando a Orlen considerou que a LG não tinha a intenção de reparar a via‑férrea a curto prazo, a LDZ retirou o seu pedido de licença para operar na parte lituana do itinerário curto até à Letónia. Nos seus n.os 24 e 25, o Tribunal Geral concluiu que a LDZ tinha apresentado um pedido com vista a obter essa licença «no final do mês de junho de 2009», ou seja, após a supressão da via‑férrea. Por conseguinte, esta supressão não teve nenhuma influência na decisão de retirar o pedido de licença, que se explicaria, na realidade, pelo facto de, em meados de 2010, a Orlen ter chegado à conclusão de que a LG não tinha a intenção de reparar a via‑férrea a curto prazo, como resulta do n.o 26 do acórdão recorrido.

120

Em quinto lugar, na sua réplica, a LG acrescenta que a pronta implementação da supressão da via‑férrea não agravou a situação existente após a suspensão do tráfego anteriormente ocorrida. Com efeito, no momento dos factos, ou seja, em 3 de outubro de 2008, não existia, na falta de supressão, «qualquer possibilidade de a via‑férrea ser, a curto prazo, reposta ao serviço».

121

A Comissão e a Orlen concluem pela improcedência de todos estes argumentos.

Apreciação do Tribunal de Justiça

122

Com o seu terceiro fundamento, a LG acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito nos n.os 219 a 233 do acórdão recorrido.

123

Nesses números, o Tribunal Geral examinou e rejeitou os argumentos da LG destinados a contestar as apreciações da Comissão, segundo as quais a supressão da via‑férrea enquanto tal, independentemente da suspensão prévia do tráfego na mesma, produzia efeitos anticoncorrenciais de exclusão da concorrência.

124

Em primeiro lugar, a argumentação relativa a uma contradição entre o n.o 168 do acórdão recorrido e os seus n.os 223, 225 e 227 resulta de uma leitura errada do primeiro desses números.

125

Com efeito, no n.o 168 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não qualificou de modo algum a «opção 2», que implicava uma reconstrução completa e imediata da via‑férrea, de única opção pertinente e economicamente aceitável. Pelo contrário, a expressão «admitindo, como alega a [LG], que a opção 2 era a única opção pertinente e economicamente aceitável», que figura neste ponto, indica claramente que, como a LG admite de resto, o Tribunal Geral não decidiu a questão de saber se esta opção era, ou não, a única opção pertinente e economicamente aceitável, com exclusão, sendo esse o caso, da «opção 1». Daqui resulta que, contrariamente à posição defendida pela LG, não se pode manifestamente afirmar que, para efeitos do presente recurso, se deva considerar que a «opção 2» era a única opção pertinente e economicamente aceitável.

126

Por conseguinte, a argumentação baseada nessa premissa e relativa a uma contradição dos fundamentos deve ser julgada improcedente.

127

Além disso, na medida em que a LG contesta a consideração, nos n.os 223, 225 e 227 do acórdão recorrido, de que a via-férrea poderia ter sido posta em serviço «a curto prazo» através de reparações iniciais, basta observar que, ao fazê‑lo, a LG procura, na realidade e a coberto da invocação de uma pretensa contradição, pôr em causa as apreciações de facto do Tribunal Geral. Uma vez que a LG não invoca uma desvirtuação desses elementos pelo Tribunal Geral, a sua argumentação é inadmissível, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 60 do presente acórdão.

128

Em segundo lugar, quanto à pretensa contradição entre os n.os 164 e 225 do acórdão recorrido, importa observar que, no n.o 164 desse acórdão, o Tribunal Geral salientou que resultava de uma carta enviada, em 18 de setembro de 2008, pela direção das infraestruturas ferroviárias da LG ao conselho de planificação estratégico da mesma que apenas 1,6 km da via‑férrea devia ser imediatamente reconstruída e que os problemas detetados em 19 km da via‑férrea implicavam que esta deveria «ser completamente reparada num prazo de cinco anos». O Tribunal Geral considerou que problemas respeitantes a 1,6 km de 19 km da via‑férrea não podiam justificar a sua supressão completa e imediata. Constatou igualmente que essa carta também não indicava que uma reparação integral no prazo de cinco anos devia comportar essa supressão completa e imediata.

129

Quanto ao n.o 225 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral referiu aí que a primeira etapa da «opção 1» consistia em efetuar «reparações pontuais nos locais nos locais da via‑férrea que não permitiam um tráfego ferroviário seguro».

130

Ora, esta constatação não está de modo algum em contradição com a necessidade de reparações imediatas numa fração da via‑férrea nem com a necessidade de uma reparação integral dentro de um prazo, mais longo, de cinco anos.

131

A argumentação relativa a uma contradição entre os n.os 164 e 225 do acórdão recorrido deve, portanto, ser julgada improcedente.

132

Em terceiro lugar, quanto aos argumentos destinados a contestar os n.os 221 a 223 do acórdão recorrido, há que constatar que os mesmos procedem de uma leitura isolada e errada desses números.

133

Nos n.os 221 e 222 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou que incumbia à LG, enquanto gestora das infraestruturas ferroviárias, além de uma obrigação regulamentar de garantir a segurança do tráfego, uma obrigação regulamentar de minimizar as perturbações e de aumentar a eficiência da rede ferroviária. No n.o 223 do referido acórdão, o Tribunal Geral salientou que a LG, enquanto empresa dominante no mercado relevante, tinha igualmente uma especial responsabilidade de não prejudicar, com o seu comportamento, uma concorrência efetiva e não falseada. Segundo o Tribunal Geral, a LG deveria tê‑la tido em conta e evitar eliminar qualquer possibilidade de pôr a via‑férrea a funcionar a curto prazo, por intermédio de uma reconstrução escalonada. No n.o 224 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral deduziu daí que, ao suprimir a totalidade da via‑férrea, nas circunstâncias do caso em apreço, a LG não teve em conta essa especial responsabilidade que lhe cabia nos termos do artigo 102.o TFUE.

134

Além disso, resulta dos n.os 225 e 229 do acórdão recorrido que a constatação de que esta supressão da via‑férrea era suscetível de produzir efeitos anticoncorrenciais de exclusão do mercado se baseia, por um lado, na circunstância de, através dessa supressão, a LG ter agravado a situação existente após a suspensão do tráfego nessa via e, por outro, nas modalidades de implementação da «opção 2», e não na escolha, enquanto tal, dessa opção em vez da «opção 1».

135

Resulta destes elementos que, contrariamente ao que alega a LG, o Tribunal Geral não lhe impôs uma «obrigação jurídica absoluta» de restabelecer a situação normal da via‑férrea realizando as reparações iniciais da «opção 1». Foram, pelo contrário, as modalidades concretas de implementação da «opção 2» e os efeitos da supressão da via‑férrea que justificaram a constatação de efeitos anticoncorrenciais.

136

Por conseguinte, esta argumentação deve ser julgada improcedente.

137

Em quarto lugar, como indica a utilização do termo «aliás», na sistemática da última frase do n.o 225 do acórdão recorrido, a referência, neste ponto, à retirada, pela LDZ, do seu pedido de licença para operar na parte lituana do itinerário curto para a Letónia constitui uma consideração supérflua.

138

Daqui resulta que a argumentação da LG relativa a uma contradição entre este número e os n.os 24 e 25 desse acórdão deve ser julgada inoperante.

139

Em quinto lugar, na medida em que, pela primeira vez na réplica, a LG alega que a pronta implementação da supressão da via‑férrea não agravou a situação existente após a suspensão do tráfego nesta via, a sua argumentação é inadmissível por extemporaneidade. Ela visa, além disso, pôr em causa uma apreciação de facto que, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 60 do presente acórdão, escapa à competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso.

140

Tendo em conta todos os fundamentos expostos, há que julgar integralmente improcedente o terceiro fundamento de recurso.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

141

Com o seu quarto fundamento, a LG acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito na sua apreciação da coima que lhe foi aplicada.

142

A este respeito, a LG sublinha que decorre dos n.os 98, 196, 204 e 209 do acórdão recorrido que, segundo o Tribunal Geral, a decisão recorrida e as apreciações da Comissão não se baseavam na constatação de uma intenção anticoncorrencial por parte da LG.

143

Ora, no âmbito da análise, na fase da fiscalização da coima, dos argumentos relativos ao caráter novo da teoria jurídica adotada na decisão recorrida e à gravidade da infração imputada à LG, o Tribunal Geral fez referência a essa intenção. Isso mesmo comprovam as formulações, nos n.os 339, 368 e 374 do acórdão recorrido, segundo as quais o comportamento incriminado «pretend[ia] manter os concorrentes afastados do mercado» ou foi conduzido «com o objetivo de manter os concorrentes afastados do mercado».

144

Por conseguinte, o Tribunal Geral contradisse‑se. Esta contradição da fundamentação teve impacto na apreciação, pelo Tribunal Geral, da necessidade de aplicar uma coima e, sendo caso disso, do seu montante adequado, bem como da gravidade da infração. Não tendo existido tal contradição, o Tribunal Geral deveria ter aceitado o caráter novo da teoria jurídica subjacente à decisão recorrida e deveria ter seguido uma outra abordagem relativa à gravidade da infração na falta de intenção anticoncorrencial e, assim, no que respeita ao exercício da sua competência de plena jurisdição.

145

Na réplica, a LG acrescenta, a este último título, que, uma vez que a constatação dessa intenção padece de erro, a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral pode ser alterada, pouco importando os outros fatores eventualmente tidos em conta por este. De qualquer modo, não se pode excluir que o montante da coima fixado pelo Tribunal Geral teria sido inferior se este último não se tivesse baseado num raciocínio contraditório e na pretensa intenção da LG de manter os concorrentes afastados do mercado.

146

Na audiência de alegações, a LG acrescentou ainda que, na fase do cálculo da coima, no n.o 399 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral teve em conta a gravidade da infração, que se baseia na intenção anticoncorrencial. Ao referir‑se à intenção anticoncorrencial como elemento de apreciação da gravidade, o Tribunal Geral alterou os elementos constitutivos da infração declarada pela Comissão e excedeu, assim, as suas competências.

147

A Comissão responde que este fundamento é inoperante.

Apreciação do Tribunal de Justiça

148

Com o quarto fundamento, a LG acusa o Tribunal Geral de ter cometido uma contradição nos fundamentos. Assim, o Tribunal Geral, por um lado, afastou expressamente, nos n.os 169, 204 e 209 do acórdão recorrido, a existência de uma intenção anticoncorrencial na sua fiscalização da constatação de um abuso de posição dominante. Por outro lado, fez, todavia, alusão a essa intenção nos n.os 339, 368 e 374 desse acórdão e teve‑a em conta no cálculo do montante da coima nos n.os 397 a 406 do referido acórdão. Esta contradição e a tomada em consideração de uma intenção anticoncorrencial na fase do cálculo da coima produziram efeitos no exercício, pelo Tribunal Geral, da sua competência de plena jurisdição e, consequentemente, no montante da coima que lhe foi aplicada.

149

Este fundamento é inoperante. Com efeito, mesmo admitindo que o Tribunal Geral se tenha contradito, como alega a LG, tal contradição não é suscetível de justificar a anulação do acórdão recorrido nem de conduzir a uma reavaliação, pelo Tribunal de Justiça, do montante da coima.

150

Com efeito, após ter julgado improcedentes todos os fundamentos de legalidade tendentes à anulação da decisão recorrida e a totalidade das alegações apresentadas pela LG em apoio do seu pedido de redução do montante da coima, o Tribunal Geral procedeu, nos n.os 389 a 406 do acórdão recorrido, a uma reavaliação do montante da coima. No termo desta reavaliação, o Tribunal Geral fixou esta coima em 20068650 euros, um montante sensivelmente inferior ao fixado pela Comissão, sem fazer a menor alusão a uma intenção anticoncorrencial.

151

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 261.o TFUE e o artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, o Tribunal Geral dispõe de uma competência de plena jurisdição no que respeita às coimas fixadas pela Comissão.

152

O Tribunal Geral está assim habilitado, além da simples fiscalização da legalidade destas coimas, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (Acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.o 124 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 136).

153

Em contrapartida, não cabe ao Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, por motivos de equidade, substituir pela sua própria apreciação a apreciação do Tribunal Geral, no exercício da sua plena jurisdição, a respeito do montante das coimas aplicadas a empresas devido a uma violação, por estas, do direito da União. Assim sendo, apenas na medida em que o Tribunal de Justiça considerar que o nível da sanção é não só inapropriado mas igualmente excessivo, a ponto de ser desproporcionado, é que se poderá declarar a existência de um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, em razão do caráter inapropriado do montante de uma coima (Acórdãos de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.os 125 e 126 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 137).

154

Além disso, é jurisprudência constante que, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral está vinculado por certas obrigações, entre as quais figuram o dever de fundamentação, que lhe é imposto pelo artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, bem como o princípio da igualdade de tratamento (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de dezembro de 2014, Comissão/Parker Hannifin Manufacturing e Parker‑Hannifin, C‑434/13 P, EU:C:2014:2456, n.o 77 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 138).

155

No caso em apreço, em conformidade com o artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, a apreciação do montante da coima pelo Tribunal Geral foi guiada, como resulta dos n.os 394, 395, 397 e 404 do acórdão recorrido, pela tomada em consideração da gravidade da infração cometida e da duração da mesma. Nos n.os 399 a 402 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral teve, a título da gravidade da infração em causa, em conta a natureza dessa infração, a situação da LG nos mercados relevantes e o âmbito geográfico da referida infração.

156

Resulta inequivocamente dos fundamentos que figuram nos n.os 398 a 406 do acórdão recorrido que, como observou igualmente o advogado‑geral nos n.os 151 e 153 a 155 das suas conclusões, a reavaliação do montante da coima não se baseia de modo algum na tomada em consideração de uma qualquer intenção anticoncorrencial.

157

Daqui resulta que, mesmo admitindo que, na apreciação dos argumentos apresentados pela LG em apoio dos seus pedidos de anulação da decisão recorrida e de redução do montante da coima, o Tribunal Geral se tenha contradito quanto à existência, ou não, de uma intenção anticoncorrencial, essa contradição não teve, em todo o caso, qualquer incidência na reavaliação, pelo Tribunal Geral, do montante da coima.

158

Por conseguinte, os argumentos da LG relativos a uma contradição dos fundamentos que viciam o acórdão recorrido são, em todo o caso, inoperantes.

159

Por outro lado, na medida em que a LG pretende pedir ao Tribunal de Justiça que fiscalize o exercício, pelo Tribunal Geral, do seu poder de plena jurisdição, basta observar que, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 153 do presente acórdão, a LG não apresentou elementos suscetíveis de indicar que o nível da coima, conforme reduzido pelo Tribunal Geral, é não só inapropriado mas também excessivo, ao ponto de ser desproporcionado.

160

Tendo em conta todos os fundamentos que antecedem, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

161

Não tendo nenhum dos argumentos apresentados em apoio do presente recurso sido acolhido, há que negar provimento ao recurso na íntegra.

Quanto às despesas

162

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

163

Tendo a Comissão e a Orlen pedido a condenação da LG nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condenar a LG a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão e pela Orlen.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Lietuvos geležinkeliai AB é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia e pela Orlen Lietuva AB.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.