ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

15 de setembro de 2022 ( *1 )

[Texto retificado por Despacho de 28 de outubro de 2022]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2004/38/CE — Direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros — Artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a) — Conceito de “outro membro da família do cidadão da União que tem direito de residência a título principal ou que com este viva em comunhão de habitação” — Critérios de apreciação»

No processo C‑22/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda), por Decisão de 13 de janeiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de janeiro de 2021, no processo

SRS,

AA

contra

Minister for Justice and Equality,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, N. Jääskinen, M. Safjan, N. Piçarra (relator) e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de SRS e AA, por K. Berkeley, solicitor, M. Flynn, JC, e C. O’Dwyer, SC,

[Conforme retificado por Despacho de 28 de outubro de 2022] em representação do Minister for Justice and Equality, por M. Browne, A. Joyce e J. Quaney, na qualidade de agentes, assistidos por D. Brett, D. Conlan Smyth, SC, e T. O’Connor, BL,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren e M. Søndahl Wolff, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

em representação do Reino da Noruega, por J. T. Kaasin e H. Ruus, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 2.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe SRS e AA ao Minister for Justice and Equality (Ministro da Justiça e da Igualdade, Irlanda) a respeito da legalidade de uma decisão de indeferimento de autorização de residência.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 6 da Diretiva 2004/38 enuncia:

«A fim de manter a unidade da família numa aceção mais lata e sem prejuízo da proibição da discriminação por motivos de nacionalidade, a situação das pessoas que não são abrangidas pela definição de "membros da família" constante da presente diretiva e que não gozam, por conseguinte, do direito automático de entrada e residência no Estado‑Membro de acolhimento, deverá ser analisada pelo Estado‑Membro de acolhimento à luz da sua legislação nacional, a fim de decidir se a entrada e residência dessas pessoas podem ser autorizadas, tendo em conta a sua relação com o cidadão da União ou com quaisquer outras circunstâncias, como a sua dependência física ou financeira em relação ao cidadão da União.»

4

O artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)

“Membro da família”:

a)

O cônjuge;

b)

O parceiro com quem um cidadão da União contraiu uma parceria registada com base na legislação de um Estado‑Membro, se a legislação do Estado‑Membro de acolhimento considerar as parcerias registadas como equiparadas ao casamento, e nas condições estabelecidas na legislação aplicável do Estado‑Membro de acolhimento;

c)

Os descendentes diretos com menos de 21 anos de idade ou que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro na aceção da alínea b);

d)

Os ascendentes diretos que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro na aceção da alínea b).»

5

O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Titulares», prevê:

«1.   A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.

2.   Sem prejuízo de um direito pessoal à livre circulação e residência da pessoa em causa, o Estado‑Membro de acolhimento facilita, nos termos da sua legislação nacional, a entrada e a residência das seguintes pessoas:

a)

Qualquer outro membro da família, independentemente da sua nacionalidade, não abrangido pelo ponto 2 do artigo 2.o, que, no país do qual provenha, esteja a cargo do cidadão da União que tem direito de residência a título principal ou que com este viva em comunhão de habitação, ou quando o cidadão da União tiver imperativamente de cuidar pessoalmente do membro da sua família por motivos de saúde graves;

b)

O parceiro com quem o cidadão da União mantém uma relação permanente devidamente certificada.

O Estado‑Membro de acolhimento procede a uma extensa análise das circunstâncias pessoais e justifica a eventual recusa de entrada ou de residência das pessoas em causa.»

Direito irlandês

6

A Diretiva 2004/38 foi transposta para a ordem jurídica irlandesa pelo European Communities (Free Movement of Persons) (N.o2) Regulations 2006 [Regulamento de 2006 Relativo às Comunidades Europeias (Livre Circulação de Pessoas) (n.o 2)] (a seguir «Regulamento de 2006»).

7

O artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento, que transpõe o artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/38 para esta ordem jurídica, tem a seguinte redação:

«[…]

Entende‑se por “membro da família autorizado” de um cidadão da União, qualquer membro da família, independentemente da sua nacionalidade, que não seja um membro reconhecido da família do cidadão da União e que, no seu país de origem, no país onde reside habitualmente ou no país onde residia anteriormente

a)

esteja a cargo do cidadão da União,

b)

com este viva em comunhão de habitação,

c)

por motivos graves de saúde, necessite imperativamente que o cidadão da União cuide dele pessoalmente, ou

d)

seja o parceiro com quem o cidadão da União mantém uma relação permanente, devidamente certificada.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8

SRS e AA, nascidos no Paquistão, respetivamente, em 1978 e em 1986, são primos direitos. SRS mudou‑se para o Reino Unido com a família em 1997 e adquiriu a nacionalidade britânica em 2013. AA deslocou‑se ao Reino Unido em 2010 para aí prosseguir os seus estudos universitários, iniciados no Paquistão. Dispunha, a esse título, de um visto de estudante com uma duração de quatro anos, que não lhe permitia trabalhar, tendo‑se mudado para o alojamento em que SRS residia.

9

Assim, SRS e AA viveram juntos, nomeadamente, com os pais de SRS, até à partida deste último para a Irlanda, em janeiro de 2015. AA, cujo visto de estudante caducou em 28 de dezembro de 2014, juntou‑se a SRS na Irlanda, em 5 de março de 2015, sem ter visto. Ambos vivem no mesmo alojamento desde esta última data.

10

Em 24 de junho de 2015, AA apresentou um pedido de autorização de residência à Ministra da Justiça e da Igualdade, alegando, por um lado, a sua dependência financeira em relação a SRS e, por outro, o seu estatuto de membro da família que vive em comunhão de habitação com SRS. Este pedido foi indeferido por Decisão de 21 de dezembro de 2015, com o fundamento, nomeadamente, de que apenas o período posterior à naturalização de SRS, em fevereiro de 2013, podia ser tido em consideração, pelo que se devia considerar que SRS e AA tinham vivido juntos durante um período inferior a dois anos.

11

Em janeiro de 2016, após ter juntado aos autos outros documentos destinados a provar que estava a cargo de SRS entre julho de 2010 e janeiro de 2015, AA solicitou a reapreciação dessa decisão. Em 15 de agosto de 2016, a Ministra da Justiça e da Igualdade confirmou a referida decisão com o fundamento de que, embora SRS e AA tivessem residido na mesma morada, não tinha contudo sido provado que SRS «era efetivamente o chefe dessa família no Reino Unido».

12

SRS e AA interpuseram então um recurso de anulação da Decisão de 15 de agosto de 2016 na High Court (Tribunal Superior, Irlanda). Alegaram que o critério de «chefe de família» não era claro e que não dispunham de nenhuma indicação quanto ao modo de o aplicar. Por Sentença de 25 de julho de 2018, esse órgão jurisdicional negou provimento ao recurso, considerando que, para poder ser qualificado de «outro membro da família que vive em comunhão de habitação com um cidadão da União», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, devia ser demonstrado que esse cidadão era o «chefe de família» no seu Estado de origem.

13

SRS e AA interpuseram recurso dessa sentença na Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda), alegando, nomeadamente, que a High Court (Tribunal Superior) interpretou restritivamente o conceito de «outro membro da família que vive em comunhão de habitação com um cidadão da União» e que não teve em conta as outras versões linguísticas da Diretiva 2004/38. Por Decisão de 19 de dezembro de 2019, a Court of Appeal (Tribunal de Recurso) negou provimento a esse recurso. Declarou que as pessoas que vivem sob o mesmo teto não fazem necessariamente parte do mesmo agregado familiar e que, para poderem ser consideradas membros da família que fazem parte do agregado familiar de um cidadão da União, essas pessoas devem ser parte integrante da unidade familiar desse cidadão e continuar a sê‑lo num futuro previsível, residindo sob o mesmo teto no Estado‑Membro de acolhimento não apenas por razões de conveniência, mas igualmente por motivos de vínculo afetivo.

14

SRS e AA foram autorizados a interpor recurso para a Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda), o órgão jurisdicional de reenvio. Em 20 de julho de 2020, esse órgão jurisdicional circunscreveu este recurso à interpretação do conceito de «outro membro da família que vive em comunhão de habitação com um cidadão da União», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38.

15

Embora salientando certas diferenças consoante as versões linguísticas da Diretiva 2004/38, o referido órgão jurisdicional observa que, para compreender este conceito, a expressão «chefe de família», ainda que obsoleta, pode ser útil. Propõe igualmente uma série de critérios para chegar a uma interpretação uniforme do referido conceito, entre os quais figuram a duração e a finalidade do agregado familiar. Acrescenta que, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, a saber, facilitar a circulação dos cidadãos da União, há ainda que determinar se o cidadão da União seria dissuadido a deslocar‑se para outro Estado‑Membro se o outro membro da sua família em causa, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da referida diretiva, não o pudesse acompanhar.

16

Foi nestas condições que a Supreme Court (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode o conceito de membro da família que vive em comunhão de habitação com um cidadão da União, na aceção do artigo 3.o[, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a),] da Diretiva [2004/38], ser definido de forma a ter aplicação universal em toda a União Europeia, e, na afirmativa, qual é essa definição?

2)

Se esse conceito não puder ser definido, com base em que critérios devem os juízes examinar as provas para que os órgãos jurisdicionais nacionais possam decidir, em conformidade com uma lista exaustiva de fatores, quem é ou quem não é um membro da família que vive em comunhão de habitação com um cidadão da União para efeitos de livre circulação?»

Quanto às questões prejudiciais

17

Com as suas questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que interprete o conceito de «qualquer outro membro da família […] do cidadão da União que tem direito de residência a título principal ou que com este viva em comunhão de habitação», referido no artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, de modo a precisar os critérios que devem ser tidos em consideração para esse efeito.

18

A título preliminar, importa salientar que, embora o artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/38 faça referência à legislação nacional, esta referência, como salienta a Comissão Europeia nas suas observações escritas, não diz respeito à definição das pessoas referidas nesta disposição, mas às condições em que o Estado‑Membro de acolhimento deve facilitar a entrada e a residência dessas pessoas.

19

Uma vez que a referida disposição não comporta uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para definir o conceito de «qualquer outro membro da família que vive em comunhão de habitação com um cidadão da União», decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que essa mesma disposição deve normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só o sentido habitual dos seus termos, mas igualmente o contexto em que se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja, C‑424/10 e C‑425/10, EU:C:2011:866, n.o 32, de 26 de março de 2019, SM (Menor colocado em kafala argelina), C‑129/18, EU:C:2019:248, n.o 50, e de 24 de fevereiro de 2022, A e o. (Contratos de seguro unit‑linked), C‑143/20 e C‑213/20, EU:C:2022:118, n.o 68].

20

No que respeita à interpretação literal do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, há que começar por recordar que, segundo jurisprudência constante, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. A necessidade de uma aplicação e, por conseguinte, de uma interpretação uniforme de um ato da União exclui que este seja considerado isoladamente numa das suas versões, antes exige que seja interpretado em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 1977, Bouchereau, 30/77, EU:C:1977:172, n.o 14, e de 25 de fevereiro de 2021, Bartosch Airport Supply Services, C‑772/19, EU:C:2021:141, n.o 26).

21

No caso em apreço, embora os termos utilizados em determinadas versões linguísticas do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, à semelhança das versões em língua espanhola («viva con»), italiana («convive»), ou neerlandesa («inwonen»), possam ser interpretados no sentido de que fazem referência a uma simples coabitação sob o mesmo teto, os termos utilizados noutras versões linguísticas desta disposição designam a vida doméstica e o conjunto das atividades e dos negócios ligados a uma comunhão de vida familiar num mesmo lar, o que implica mais do que uma simples partilha de alojamento ou uma simples coabitação temporária por motivos de pura conveniência. É o caso, nomeadamente, das versões em língua checa («domácnost»), alemã («häusliche Gemeinschaft»), estónia («leibkond»), inglesa («household»), ou francesa («ménage»), húngara («háztartás»), portuguesa («comunhão de habitação»), eslovaca («domácnosť») e finlandesa («samassa taloudessa») da referida disposição.

22

Além disso, há que salientar que, na redação do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, nada permite considerar que, para interpretar esta disposição, é necessário recorrer ao conceito de «chefe de família». Com efeito, como precisou o advogado‑geral no n.o 34 das suas conclusões, isso equivaleria a impor, na prática, um critério adicional não previsto na redação da referida disposição.

23

A interpretação literal do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, segundo a qual, para que o «outro membro da família» possa ser abrangido por esta disposição, deve ter uma relação com o cidadão da União em causa que implica mais do que uma simples coabitação por razões de pura conveniência, é corroborada pelo contexto em que se inscreve a referida disposição. Com efeito, as duas outras hipóteses previstas nessa mesma disposição, lidas à luz do considerando 6 desta diretiva, fazem referência a uma situação de dependência do «outro membro da família» em relação ao cidadão da União. A primeira, a saber, aquela em que este outro membro da família está a cargo do cidadão da União, diz respeito a uma situação de dependência financeira. A segunda, aquela em que o cidadão da União tem imperativamente de cuidar pessoalmente, por motivos de saúde graves, do «outro membro da família», faz expressamente referência a uma situação de dependência física. Neste contexto, a hipótese em causa no processo principal, concretamente aquela em que o outro membro da família vive em comunhão de habitação com o cidadão da União, deve ser entendida no sentido de que visa igualmente uma situação de dependência baseada, desta vez, na existência de um vínculo pessoal estreito e estável entre essas duas pessoas.

24

Esta interpretação é, além disso, corroborada pelo objetivo prosseguido pelo artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, lido à luz do seu considerando 6, que precisa que esta diretiva tem por objetivo «manter a unidade da família numa aceção mais lata», favorecendo a entrada e residência das pessoas que, embora não façam parte de uma das categorias de «membro da família» de um cidadão da União, definidas no artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva, mantêm, no entanto, vínculos familiares estreitos e estáveis com esse cidadão, devido a circunstâncias factuais específicas [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de setembro de 2012, Rahman e o., C‑83/11, EU:C:2012:519, n.o 32, e de 26 de março de 2019, SM (Menor colocado em kafala argelina), C‑129/18, EU:C:2019:248, n.o 60].

25

Diferentemente dos membros da família do cidadão da União definidos no artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, os «outros membros da família» desse cidadão, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), desta diretiva, não gozam de um direito de entrada e residência no Estado‑Membro de acolhimento do referido cidadão, mas da possibilidade de lhes ser concedido esse direito, como enuncia o considerando 6 da referida diretiva, «tendo em conta a sua relação com o cidadão da União ou com quaisquer outras circunstâncias, como a sua dependência física ou financeira em relação ao cidadão da União». Para esse efeito, esses «outros membros da família» gozam, ao abrigo do artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, dessa mesma diretiva, de garantias processuais, a saber, da obtenção de uma decisão sobre o seu pedido de entrada e residência, a qual deve basear‑se numa extensa análise da sua situação pessoal e ter em conta todas as circunstâncias específicas próprias desta, e que, em caso de recusa, deve ser fundamentada [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de setembro de 2012, Rahman e o., C‑83/11, EU:C:2012:519, n.os 19 a 22, e de 26 de março de 2019, SM (Menor colocado em kafala argelina), C‑129/18, EU:C:2019:248, n.o 62].

26

Nestas circunstâncias, para que se possa considerar que um «outro membro da família» vive em comunhão de habitação, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, com um cidadão da União que goza de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, aquele deve fazer prova de um vínculo pessoal estreito e estável com esse cidadão que comprove uma situação de dependência real entre essas duas pessoas, bem como da partilha de uma comunhão de vida doméstica que não tenha sido criada com o objetivo de obter a entrada e a residência nesse Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2012, Rahman e o., C‑83/11, EU:C:2012:519, n.o 38).

27

Para apreciar a existência desse vínculo, é certo que o grau de parentesco entre o cidadão da União e o outro membro da sua família em causa constitui um elemento a ter em consideração. No entanto, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 40 e 41 das suas conclusões, há igualmente que atender, em função das circunstâncias específicas de cada caso, à proximidade da relação familiar em causa, à reciprocidade e à intensidade do vínculo existente entre essas duas pessoas. Esse vínculo deve ser de tal ordem que, se o outro membro da família em causa fosse impedido de fazer parte do agregado familiar do cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, pelo menos uma dessas pessoas seria afetada.

28

No entanto, não se pode exigir que o referido vínculo seja tal que o cidadão da União renuncie ao exercício da sua liberdade de circulação, se esse outro membro da sua família não o puder acompanhar ou reunir‑se a ele no Estado‑Membro de acolhimento. Com efeito, tal exigência equivaleria a equiparar o «outro membro da família» em causa, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, aos membros da família expressamente referidos no artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva.

29

A duração da comunhão de vida doméstica entre o cidadão da União e o outro membro da sua família em causa constitui igualmente um elemento importante a ter em consideração para apreciar a existência de um vínculo pessoal estável. Esta duração deve poder ser determinada independentemente da data em que o estatuto de cidadão da União foi adquirido. Com efeito, resulta do artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38, interpretado à luz do considerando 6 da mesma, que, para apreciar a estabilidade do vínculo pessoal que une estas duas pessoas, há que ter em conta não apenas o período posterior à aquisição do estatuto de cidadão da União, mas também o período anterior a esta.

30

Consequentemente, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «qualquer outro membro da família […] do cidadão da União que tem direito de residência a título principal ou que com este viva em comunhão de habitação», previsto nesta disposição, designa as pessoas que mantêm uma relação de dependência com esse cidadão, baseada em vínculos pessoais estreitos e estáveis, tecidos dentro do mesmo lar, no âmbito de uma comunhão de vida familiar que vá além de uma simples coabitação temporária, determinada por motivos de pura conveniência.

Quanto às despesas

31

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 3.o, n.o 2.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

o conceito de «qualquer outro membro da família […] do cidadão da União que tem direito de residência a título principal ou que com este viva em comunhão de habitação», previsto nesta disposição, designa as pessoas que mantêm uma relação de dependência com esse cidadão, baseada em vínculos pessoais estreitos e estáveis, tecidos dentro do mesmo lar, no âmbito de uma comunhão de vida familiar que vá além de uma simples coabitação temporária determinada por motivos de pura conveniência.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.