ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

7 de julho de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Atos objeto de citação e notificação — Regulamento (CE) n.o 1393/2007 — Artigo 8.o, n.o 1 — Prazo de uma semana para exercer o direito de recusa de receção do ato — Despacho de execução proferido num Estado‑Membro e notificado noutro Estado‑Membro unicamente na língua do primeiro Estado‑Membro — Regulamentação deste primeiro Estado‑Membro que prevê um prazo de oito dias para deduzir oposição a esse despacho — Prazo de oposição que começa a correr ao mesmo tempo que o prazo previsto para exercer o direito de recusa de receção do ato — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a um recurso efetivo»

No processo C‑7/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bezirksgericht Bleiburg (Tribunal de Primeira Instância de Bleiburg, Áustria), por Decisão de 6 de novembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de janeiro de 2021, no processo

LKW WALTER Internationale Transportorganisation AG

contra

CB,

DF,

GH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, S. Rodin, J.‑C. Bonichot, L. S. Rossi e O. Spineanu‑Matei (relatora), juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da LKW WALTER Internationale Transportorganisation AG, CB, DF e GH, por M. Erman, R. Grilc, S. Grilc, J. J. Janezic, M. Ranc, G. Schmidt, M. Škof e R. Vouk, Rechtsanwälte,

em representação do Governo esloveno, por A. Vran, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por H. Krämer e S. Noë, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, do artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho (JO 2007, L 324, p. 79), bem como dos artigos 36.o e 39.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria comercial (JO 2012, L 351, p. 1), em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e com o artigo 4, n.o 3, TUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a LKW Walter Internationale Transportorganisation AG a CB, a DF e a GH, a respeito de um pedido de indemnização relativo à sua responsabilidade enquanto advogados pela não apresentação, no prazo fixado, de uma oposição a um despacho de execução proferido por um órgão jurisdicional esloveno.

Direito da União

3

Os considerandos 2, 10 e 12 do Regulamento n.o 1393/2007 enunciavam:

«(2)

O bom funcionamento do mercado interno exige que se melhore e torne mais rápida a transmissão entre os Estados‑Membros de atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil ou comercial para efeitos de citação e notificação.

[…]

(10)

A fim de assegurar a eficácia do presente regulamento, a possibilidade de recusar a citação ou notificação deverá limitar‑se a situações excecionais.

[…]

(12)

A entidade requerida deverá avisar o destinatário, por escrito, mediante o formulário, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana se este não estiver redigido numa língua que o destinatário compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação. Esta disposição deverá aplicar‑se igualmente à citação ou notificação ulterior, depois de o destinatário ter exercido o direito de recusa. As regras sobre a recusa deverão igualmente aplicar‑se à citação ou notificação efetuada por agentes diplomáticos ou consulares, pelos serviços postais ou diretamente. É conveniente estabelecer que a citação ou notificação de um ato recusado poderá ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário de uma tradução do ato.»

4

O artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Tradução dos atos», previa:

«1.   O requerente é avisado, pela entidade de origem competente para a transmissão, de que o destinatário pode recusar a receção do ato se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 8.o

2.   Cabe ao requerente suportar as despesas de tradução que possam ter lugar previamente à transmissão do ato, sem prejuízo de eventual decisão posterior do tribunal ou autoridade competente em matéria de imputação dessas despesas.»

5

Sob a epígrafe «Recusa de receção do ato», o artigo 8.o do referido regulamento, que faz parte do seu capítulo II, secção 1, dispunha:

«1.   A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:

a)

Uma língua que o destinatário compreenda; ou

b)

A língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.

2.   Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a receção do ato ao abrigo do disposto no n.o 1, deve comunicar imediatamente o facto à entidade de origem […] e devolver‑lhe o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.

3.   Se o destinatário tiver recusado a receção do ato ao abrigo do disposto no n.o 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do ato acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no n.o 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do ato é a data em que o ato acompanhado da tradução foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado‑Membro requerido. Todavia, caso, de acordo com a lei de um Estado‑Membro, um ato tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente é a data da citação ou notificação do ato inicial, determinada nos termos do n.o 2 do artigo 9.o

4.   Os n.os 1, 2 e 3 aplicam‑se igualmente aos meios de transmissão e de citação ou notificação de atos judiciais previstos na secção 2.

5.   Para efeitos do n.o 1, […] a autoridade ou pessoa, nos casos em que a citação ou notificação é efetuada nos termos do artigo 14.o, [avisa] o destinatário de que pode recusar a receção do ato e que o ato recusado deve ser enviado […] àquela autoridade ou pessoa, conforme o caso.»

6

O artigo 14.o do mesmo regulamento, incluído no seu capítulo II, secção 2, sob a epígrafe «Citação ou notificação pelos serviços postais», previa:

«Os Estados‑Membros podem proceder diretamente pelos serviços postais à citação ou notificação de atos judiciais a pessoas que residam noutro Estado‑Membro, por carta registada com aviso de receção ou equivalente.»

7

O formulário‑tipo, intitulado «Informação ao destinatário sobre o direito de recusar a receção do ato», que constava do anexo II do Regulamento n.o 1393/2007, continha a informação seguinte, dirigida ao destinatário do ato:

«Tem a possibilidade de recusar a receção do ato se este não estiver redigido, ou acompanhado de uma tradução, numa língua que compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação.

Se desejar exercer esse direito, deve recusar o ato no momento da citação ou notificação, diretamente junto da pessoa que a ela procede, ou devolvê‑la ao endereço seguidamente indicado, no prazo de uma semana, declarando que recusa aceitá‑lo.»

8

Este formulário‑tipo continha igualmente uma parte intitulada «Declaração do destinatário» que este, caso recuse receber o ato em causa, é convidado a assinar e a completar assinalando a quadrícula correspondente à(s) língua(s) oficial(is) da União que compreende. Essa parte tinha a seguinte redação:

«Eu, abaixo assinado(a), recuso aceitar o ato em anexo porque o mesmo não está redigido nem acompanhado de uma tradução numa língua que eu compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação.

Compreendo a(s) seguinte(s) língua(s):

[…]»

9

O Regulamento n.o 1393/2007 foi revogado pelo Regulamento (UE) 2020/1784 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (citação ou notificação de atos) (JO 2020, L 405, p. 40), aplicável a partir de 1 de julho de 2022. Todavia, tendo em conta a data dos factos na origem do litígio no processo principal, o pedido de decisão prejudicial deve ser examinado à luz do Regulamento n.o 1393/2007.

Direito nacional

Direito austríaco

10

O § 1295 do Allgemeines bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Geral, a seguir «ABGB») prevê, no seu n.o 1:

«Qualquer pessoa tem o direito de ser indemnizada pelo lesante pelos danos que este culposamente lhe causou; os danos podem ter origem na violação de uma obrigação contratual ou não estar relacionados com um contrato.»

11

Nos termos do § 1299 do ABGB:

«Quem exercer publicamente uma função, uma arte, uma profissão ou uma atividade, ou se encarregar voluntariamente de um assunto cuja resolução exija conhecimentos artísticos ou uma dedicação extraordinária, demonstra desse modo ter a diligência necessária e dos conhecimentos extraordinários exigidos; deve, por conseguinte, responder pela falta dos mesmos. Todavia, se quem lhe atribuiu a tarefa conhecia a sua inexperiência ou podia ter dela conhecimento se estivesse normalmente atento, há igualmente culpa da sua parte.»

12

Segundo o § 1300 do ABGB:

«Um perito é igualmente responsável quando, por erro e contra pagamento, dê um conselho no domínio da sua arte ou ciência que cause dano. Salvo neste caso, um consultor só é responsável pelos danos que cause dolosamente a outrem com o seu conselho.»

Direito esloveno

13

O artigo 9.o da Zakon o izvršbi in zavarovanju (Lei Relativa aos Processos de eExecução, Uradni list RS, n.o 3/07), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «ZIZ»), tem por epígrafe «Vias de recurso e de competência territorial do tribunal de recurso em matéria de execução com base num documento autêntico». Este artigo tem a seguinte redação:

«Salvo disposição em contrário, os despachos proferidos em primeira instância são passíveis de recurso.

O recurso interposto de um despacho de execução que acolheu o pedido denomina‑se oposição.

Salvo disposição em contrário, o recurso e a oposição devem ser apresentados no prazo de 8 dias a contar da citação ou da notificação do despacho do tribunal de primeira instância.

O recurso atempadamente interposto e autorizado é objeto de citação ou notificação à parte contrária para que esta se pronuncie se o despacho do órgão jurisdicional de primeira instância de que foi interposto recurso também tiver sido objeto de citação ou notificação à parte contrária.

O despacho que decide da oposição pode ser objeto de recurso.

Salvo disposição em contrário, o recurso e a oposição não têm efeito suspensivo.

A decisão sobre o recurso tem caráter definitivo.

[…]»

14

O artigo 53.o da ZIZ, sob a epígrafe «Oposição enquanto única via de recurso do devedor», prevê:

«O devedor pode deduzir oposição ao despacho de execução que se segue ao pedido de execução, exceto se apenas contestar a decisão sobre as despesas.

A oposição deve ser fundamentada. Na oposição, o devedor deve referir os factos em que funda a sua oposição e apresentar as respetivas provas, sem o que a oposição é julgada infundada.»

15

Sob a epígrafe «Oposição ao despacho proferido com base num documento autêntico», o artigo 61.o da ZIZ prevê:

«A oposição deduzida contra o despacho de execução proferido com base num documento autêntico rege‑se pelo disposto nos artigos 53.o e 54.o da presente lei […].

Se a oposição a que se refere o número anterior pretender pôr em causa a parte do despacho de execução que ordena ao devedor que pague ao credor, a oposição considera‑se procedente se o devedor indicar os factos em que funda a sua oposição e produzir elementos de prova que demonstrem a veracidade dos factos que refere na oposição.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

A demandante no processo principal é uma sociedade inscrita no registo comercial austríaco, que opera no transporte internacional de mercadorias.

17

Em 30 de outubro de 2019, o Okraino sodišče v Ljubljani (Tribunal de Primeira Instância de Liubliana, Eslovénia) notificou a demandante no processo principal, por via postal, de um despacho de execução, proferido a pedido da Transport Gaj d.o.o., e ordenando a penhora de 25 créditos que a demandante no processo principal detinha sobre diferentes sociedades eslovenas, para cobrança de um montante de 17610 euros (a seguir «despacho em causa»). Este despacho foi proferido à revelia, com base em documentos autênticos, a saber, faturas, sem ter obtido observações da demandante no processo principal.

18

O referido despacho só chegou ao serviço jurídico da demandante no processo principal, através do seu serviço de correio interno, em 4 de novembro de 2019. Em 5 de novembro de 2019, na sequência de uma troca de informações entre a referida demandante e os demandados no processo principal, que são sócios de uma sociedade de advogados com sede em Klagenfurt (Áustria), sobre a natureza e as consequências do despacho em causa, a demandante no processo principal pediu a estes últimos que deduzissem oposição a esse despacho. Entre os documentos que tinha transmitido aos demandados no processo principal figurava a fotocópia do envelope que mostrava que a demandante no processo principal tinha efetivamente recebido o referido despacho em 30 de outubro de 2019.

19

Em 11 de novembro de 2019, os demandados no processo principal deduziram no Okraino sodišče v Ljubljani (Tribunal de Primeira Instância de Liubliana, Eslovénia) oposição fundamentada contra o despacho em causa. Pagaram igualmente as despesas judiciais exigidas por esse órgão jurisdicional, no montante de 55 euros.

20

Por Decisão de 10 de dezembro de 2019, o referido órgão jurisdicional indeferiu por extemporânea a oposição assim deduzida, por terem decorrido mais de oito dias sobre a notificação do despacho em causa.

21

Os demandados no processo principal interpuseram recurso dessa decisão para o Višje sodišče v Mariboru (Tribunal de Recurso de Maribor, Eslovénia), em nome da demandante no processo principal. Em apoio do seu recurso, invocaram, nomeadamente, a inconstitucionalidade do prazo de oito dias para deduzir oposição, com o fundamento de que um prazo tão curto não era compatível com o direito da União. Alegaram igualmente que o despacho em causa não tinha sido notificado em conformidade com o Regulamento n.o 1393/2007, com o fundamento, em especial, de que não estava em conformidade com o artigo 8.o deste regulamento e de que não tinha sido efetuada por intermédio da entidade requerida, na aceção do artigo 2.o deste.

22

Tendo o Višje sodišče v Mariboru (Tribunal de Recurso de Maribor) negado provimento ao recurso dos demandados no processo principal, o despacho em causa tornou‑se definitivo e executório. Com base nesse despacho, a demandante no processo principal pagou a totalidade da quantia nele reclamada.

23

Na sequência destes processos, a demandante no processo principal intentou no Bezirksgericht Bleiburg (Tribunal de Primeira Instância de Bleiburg, Áustria), o órgão jurisdicional de reenvio, uma ação de indemnização contra os demandados no processo principal por a oposição deduzida contra o despacho em causa ter sido julgada extemporânea pelos órgãos jurisdicionais eslovenos, pedindo, com esse fundamento, a sua condenação no pagamento de uma quantia de 22168,09 euros, correspondente ao montante pago a título do despacho em causa, acrescido de juros e despesas processuais.

24

Em 10 de julho de 2020, o referido órgão jurisdicional emitiu uma injunção de pagamento contra os demandados no processo principal no valor do montante reclamado.

25

Estes deduziram oposição a essa injunção no mesmo órgão jurisdicional, alegando, em substância, que o prazo de oito dias previsto pela ZIZ para deduzir oposição contra um ato como o despacho em causa não é conforme com os artigos 36.o e 39.o do Regulamento n.o 1215/2012, nem com os artigos 8.o e 19.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1393/2007, nem ainda com o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE e com o artigo 47.o da Carta, e que, por conseguinte, se os órgãos jurisdicionais eslovenos tivessem aplicado corretamente estas disposições, a oposição deduzida contra o despacho em causa não podia ter sido julgada extemporânea.

26

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, no âmbito da oposição que lhe foi submetida, deve examinar se estão preenchidos os pressupostos de imputação de responsabilidade aos demandados no processo principal nos termos dos §§ 1295 e seguintes do ABGB, designadamente se o dano invocado pela demandante no processo principal tem como causa um comportamento ilícito imputável àqueles. Segundo este órgão jurisdicional, tal exame exige, face à argumentação apresentada pelos demandados no processo principal, a interpretação, por um lado, de certas disposições do Regulamento n.o 1393/2007, na medida em que o litígio no processo principal diz respeito à citação ou à notificação de um ato judicial, e, por outro, do Regulamento n.o 1215/2012, uma vez que a questão da exigência da comunicação em tempo útil de uma petição inicial está igualmente no centro da discussão.

27

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o prazo de oito dias previsto pela ZIZ para deduzir oposição a um despacho de execução proferido no termo de um processo sumário, apresentado por via eletrónica, unicamente com base nas alegações do demandante relativas à existência de um documento autêntico, por exemplo uma fatura, e sem que o pedido se baseie, por outro lado, numa decisão definitiva e executória, poderia implicar o risco de o demandado não estar em condições de deduzir em tempo útil uma oposição fundamentada a esse despacho. Em apoio do seu ponto de vista, o referido órgão jurisdicional refere‑se ao processo que deu origem ao Acórdão de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska (C‑176/17, EU:C:2018:711), no termo do qual o Tribunal de Justiça declarou que um prazo de 14 dias não era compatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, na medida em que implicava um risco não negligenciável de que um consumidor não pudesse deduzir oposição, dentro desse prazo, a uma injunção de pagamento.

28

Se, diferentemente do processo que deu origem a esse acórdão, que tinha por objeto um processo que opunha uma empresa a um consumidor a respeito de uma injunção de pagamento emitida com base numa livrança, o presente litígio opõe duas empresas, não é menos verdade que o risco de exceder o prazo tido em conta pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão está mais presente quando o requerido está estabelecido noutro Estado‑Membro, como no caso em apreço. O órgão jurisdicional de reenvio considera, por conseguinte, que o prazo de oito dias previsto pela ZIZ pode revelar‑se contrário aos artigos 36.o e 39.o do Regulamento n.o 1215/2012, em conjugação com o artigo 47.o da Carta.

29

No que respeita à interpretação do artigo 8.o do Regulamento n.o 1393/2007, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o início do prazo de oito dias previsto pela ZIZ para deduzir oposição contra um ato objeto de citação ou de notificação numa língua diferente da língua que é suposto ser compreendida pelo destinatário, o que se verificava no caso em apreço. A este respeito, considera que, para determinar se o direito de recurso foi exercido no prazo fixado pela regulamentação do Estado‑Membro da autoridade que emitiu o ato que devia ser objeto de citação ou de notificação, há que aguardar o termo do prazo de uma semana para o exercício do direito de recusar a receção desse ato.

30

O órgão jurisdicional de reenvio duvida igualmente da compatibilidade com o artigo 18.o TFUE das disposições da ZIZ que regulam o prazo para deduzir oposição a um despacho de execução, na medida em que tal regulamentação afeta mais os demandados estabelecidos noutros Estados‑Membros, que são obrigados a efetuar diligências adicionais relacionadas com a tradução dos atos notificados.

31

Nestas circunstâncias, o Bezirksgericht Bleiburg (Tribunal de Primeira Instância de Bleiburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 36.o e 39.o do Regulamento [n.o 1215/2012], conjugados com o artigo 47.o da [Carta], bem como com os princípios da efetividade e da equivalência (princípio de cooperação leal nos termos do artigo 4.o, n.o 3, TUE), ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que prevê como único meio de defesa contra uma decisão sobre uma execução proferida por um órgão jurisdicional sem processo contraditório prévio nem título executivo, apenas com base nas alegações da parte exequente, a apresentação de uma reclamação no prazo de oito dias, na língua daquele Estado‑Membro, mesmo quando a decisão sobre a execução é notificada noutro Estado Membro, numa língua que o destinatário não compreende, sendo a apresentação da reclamação no prazo de doze dias indeferida por ser considerada extemporânea?

2)

Deve o artigo 8.o do Regulamento [n.o 1393/2007], em conjugação com o princípio da efetividade e da equivalência, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida nacional que prevê que, com a notificação do formulário constante do anexo II, relativo à informação ao destinatário sobre o seu direito de recusar a receção da citação no prazo de uma semana, também começa a correr o prazo para a apresentação do recurso previsto contra a decisão relativa à execução, que está a ser simultaneamente notificada, para o qual está previsto um prazo de oito dias?

3)

Deve o artigo 18.o, [primeiro parágrafo], [TFUE] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que, como meio de recurso contra a decisão relativa à execução, prevê a apresentação de uma [oposição] fundamentada no prazo de oito dias, prazo que também se aplica no caso de o destinatário da decisão relativa à execução estar estabelecido noutro Estado‑Membro e a decisão sobre a execução não estar redigida na língua oficial do Estado‑Membro onde é realizada a notificação da decisão relativa à execução, nem numa língua que o destinatário da decisão compreenda?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à segunda questão

32

Com a sua segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação do Estado‑Membro de que depende a autoridade que emitiu um ato que deve ser objeto de citação ou de notificação, por força da qual o início do prazo de uma semana, previsto no referido artigo 8.o, n.o 1, no qual o destinatário desse ato pode recusar recebê‑lo por um dos motivos previstos nessa disposição, coincide com o início do prazo para interpor recurso do referido ato nesse Estado‑Membro.

33

Importa recordar, no que respeita à interpretação de uma disposição do direito da União, que, em conformidade com jurisprudência constante, importa ter em conta não só os seus termos mas também o contexto em que essa disposição se insere e os objetivos que prossegue o ato de que faz parte (Acórdão de 10 de junho de 2021, KRONE‑Verlag, C‑65/20, EU:C:2021:471, n.o 25 e jurisprudência referida).

34

Como resulta da redação do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, esta disposição prevê a possibilidade de o destinatário de um ato objeto de citação ou notificação recusar a receção do ato se este não estiver redigido ou acompanhado de uma tradução numa língua que ele compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, se for caso disso, numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou a notificação, línguas que o destinatário deve dominar.

35

Essa faculdade de recusar receber o ato objeto de citação ou notificação constitui um direito do destinatário desse ato (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Catlin Europe, C‑21/17, EU:C:2018:675, n.o 32 e jurisprudência referida). Esse destinatário pode exercer esse direito quer no momento da citação ou da notificação do referido ato, quer no prazo de uma semana, desde que devolva, dentro desse prazo, o mesmo ato.

36

Decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este direito de recusar a receção de um ato objeto de citação ou de notificação permite proteger os direitos de defesa do destinatário desse ato, de acordo com as exigências de um processo equitativo, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta. Com efeito, embora o Regulamento n.o 1393/2007 se destine, essencialmente, a melhorar a eficácia e a celeridade dos processos judiciais, bem como a assegurar a boa administração da justiça, os referidos objetivos não podem ser alcançados à custa de um enfraquecimento, seja de que maneira for, do respeito efetivo dos direitos de defesa dos destinatários dos atos em causa (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2018, Catlin Europe, C‑21/17, EU:C:2018:675, n.o 33 e jurisprudência referida).

37

Neste contexto, importa, por outro lado, salientar que o referido direito que assiste ao destinatário de um ato objeto de citação ou de notificação de recusar recebê‑lo corresponde à escolha esclarecida do demandante de não proceder à tradução prévia desse ato.

38

Com efeito, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, cabe à entidade de origem avisar o demandante do risco de uma eventual recusa, por parte do destinatário, de receção de um ato que não esteja redigido numa das línguas previstas no artigo 8.o do referido regulamento. É, no entanto, ao requerente que cabe decidir se há que traduzir o ato em causa, cujo custo deve, de resto, suportar, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento (Acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 35).

39

Por conseguinte, importa assegurar que o destinatário de um ato objeto de citação ou de notificação, redigido numa língua diferente da língua que é suposto compreender, esteja efetivamente em condições de exercer o direito de recusar a receção desse ato, que, como resulta do n.o 36 do presente acórdão, está abrangido pelo seu direito fundamental à proteção jurisdicional efetiva.

40

Quanto à informação a prestar, a este respeito, ao destinatário no momento da citação ou da notificação de um ato no sistema previsto pelo Regulamento n.o 1393/2007, há que recordar que este regulamento não prevê exceções à utilização do formulário‑tipo constante do seu anexo II. O caráter obrigatório e sistemático da utilização desse formulário aplica‑se não apenas à transmissão de atos por intermédio das entidades de origem e requeridas designadas pelos Estados‑Membros, mas igualmente, como resulta expressamente do teor do artigo 8.o, n.o 4, do referido regulamento, aos meios de citação e de notificação referidos no capítulo II, secção 2, do mesmo regulamento, entre os quais o previsto no artigo 14.o deste último, que consiste na citação ou na notificação de um ato judicial pelos serviços postais (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2017, Henderson, C‑354/15, EU:C:2017:157, n.os 55, 59 e 61, e Despacho de 5 de maio de 2022, ING Luxembourg, C‑346/21, não publicado, EU:C:2022:368, n.os 32 e 35). O referido formulário constitui, como resulta do considerando 12 do Regulamento n.o 1393/2007, um instrumento por meio do qual o destinatário é informado do direito de que dispõe de recusar a receção do ato objeto de citação ou notificação.

41

O efeito útil do direito de recusar a receção de um ato objeto de citação ou notificação exige, por um lado, que o destinatário tenha sido informado da existência desse direito e, por outro, que disponha da totalidade do prazo de uma semana para avaliar se deve aceitar ou recusar a receção do ato e, em caso de recusa, para o devolver.

42

No caso em apreço, o prazo para deduzir oposição ao despacho em causa era, em conformidade com o artigo 9.o da ZIZ, de oito dias a contar da citação ou da notificação do mesmo. Ora, por força da regulamentação processual eslovena, cujo alcance foi especificado pelo Governo esloveno em resposta a questões para resposta escrita colocadas pelo Tribunal de Justiça, esse prazo não foi calculado a partir da data do termo de uma semana referido no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, mas da entrega desse despacho à demandante no processo principal, a saber em 30 de outubro de 2019, de modo que esses dois prazos praticamente se sobrepuseram. Por conseguinte, a demandante no processo principal não pôde, de facto, consagrar a totalidade do prazo de uma semana, que lhe era reconhecido por este regulamento, a examinar se devia aceitar ou recusar a receção do ato judicial em questão, uma vez que, por força dessa regulamentação, lhe incumbia igualmente, durante esse mesmo prazo, deduzir, se fosse caso disso, oposição ao referido ato judicial, caso o aceitasse.

43

Por outro lado, uma regulamentação como a que está em causa no processo principal conduz, na prática, a que o destinatário de um ato abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1393/2007 seja privado do pleno benefício do prazo previsto pelo direito nacional para interpor recurso, a saber, no caso em apreço, o prazo de oito dias para deduzir oposição ao ato judicial em questão. Ora, em situações abrangidas pelo direito a uma proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta, os particulares devem poder beneficiar da totalidade dos prazos reconhecidos pelo direito nacional de um Estado‑Membro para exercer um direito processual contra um ato objeto de citação ou de notificação (v., por analogia, Acórdão de 14 de maio de 2020, Staatsanwaltschaft Offenburg, C‑615/18, EU:C:2020:376, n.o 50 e jurisprudência referida).

44

Além disso, quando, como no caso em apreço, os pontos de partida dos referidos prazos coincidem e o destinatário do ato, redigido numa língua que não é suposto compreender, não beneficia, de facto, independentemente da duração do prazo para interpor recurso desse ato, previsto na regulamentação do Estado‑Membro a que pertence a autoridade que o emitiu, da totalidade desse prazo, o referido destinatário encontra‑se numa situação desvantajosa em relação aos outros destinatários que compreendem a língua em que está redigido o ato que lhes foi dirigido e dispõem, por isso, de facto, da totalidade do referido prazo para invocar os seus direitos.

45

Ora, o objetivo de evitar qualquer discriminação entre estas duas categorias de destinatários, prosseguido pelo artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, exige que os destinatários que recebem o ato numa língua diferente das referidas nessa disposição possam exercer o seu direito de recusar a receção desse ato sem sofrer uma desvantagem processual em razão da sua situação transfronteiriça.

46

Daqui resulta que, quando o ato objeto de citação ou de notificação não está redigido ou traduzido numa das línguas referidas nessa disposição, o início do prazo de uma semana previsto no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007 não pode, sob pena de prejudicar o efeito útil da referida disposição, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, coincidir com o início do prazo previsto para exercer um direito de recurso em conformidade com a regulamentação do Estado‑Membro da autoridade que emitiu o ato, devendo este último prazo, em princípio, começar a correr após o termo do prazo de uma semana referido no artigo 8.o, n.o 1.

47

Esta interpretação responde igualmente à finalidade do Regulamento n.o 1393/2007. Com efeito, se o direito da União fosse interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que faz correr o prazo para interpor recurso de um ato abrangido pelo artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento logo no início do prazo fixado por essa disposição para avaliar se há que aceitar ou recusar a receção desse ato, o destinatário do mesmo poderia ser incitado, para não sofrer a desvantagem mencionada no n.o 45 do presente acórdão, a escolher a opção de recusar o referido ato.

48

Tal incentivo seria contrário ao objetivo do referido regulamento, que consiste, como resulta nomeadamente do seu considerando 2, em favorecer a transmissão rápida dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial para efeitos de citação ou de notificação, sem prejuízo do respeito dos direitos de defesa do destinatário desses atos. É, aliás, nesse sentido que o considerando 10 do mesmo regulamento sublinha que, a fim de assegurar a eficácia deste, a possibilidade de recusar a citação ou a notificação dos referidos atos deve ser limitada a situações excecionais.

49

Face ao exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação do Estado‑Membro de que depende a autoridade que emitiu um ato objeto de citação ou de notificação, por força da qual o início do prazo de uma semana, previsto no referido artigo 8.o, n.o 1, no qual o destinatário desse ato pode recusar recebê‑lo por um dos motivos previstos nessa disposição, coincide com o início do prazo para interpor recurso do referido ato nesse Estado‑Membro.

Quanto à primeira e terceira questões

50

Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, não há que responder à primeira e terceira questões.

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que:

 

se opõe a uma regulamentação do Estado‑Membro de que depende a autoridade que emitiu um ato objeto de citação ou de notificação, por força da qual o início do prazo de uma semana, previsto no referido artigo 8.o, n.o 1, no qual o destinatário desse ato pode recusar recebê‑lo por um dos motivos previstos nessa disposição, coincide com o início do prazo para interpor recurso do referido ato nesse Estado‑Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.