CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 7 de setembro de 2023 ( 1 )

Processos apensos C‑701/21 P e C‑739/21 P

Mytilinaios AE — Omilos Epicheiriseon

contra

Dimosia Epicheirisi Ilektrismou AE (DEI),

Comissão Europeia (C‑701/21 P)

e

Comissão Europeia

contra

Dimosia Epicheirisi Ilektrismou AE (DEI) (C‑739/21 P)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Conceito de auxílio — Imputabilidade da medida ao Estado — Vantagem — Critério do operador privado — Sentença arbitral que fixa tarifas de eletricidade reduzidas — Imputabilidade da sentença arbitral ao Estado — Regulamento (UE) 2015/1589 — Artigo 4.o, n.o 2 — Decisão que declara que a medida não constitui um auxílio — Dúvidas ou dificuldades sérias»

I. Introdução

1.

Com os seus recursos, a Mytilinaios AE — Omilos Epicheiriseon (anteriormente Alouminion tis Ellados VEAE; a seguir «Mytilinaios») (C‑701/21 P) e a Comissão Europeia (C‑739/21 P) pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 22 de setembro de 2021, DEI/Comissão ( 2 ) (a seguir «acórdão recorrido»).

2.

Os presentes recursos dão ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar o alcance da fiscalização que incumbe à Comissão, por força das disposições do artigo 108.o, n.o 3, TFUE e do artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento (UE) 2015/1589 ( 3 ), no caso de uma empresa controlada por um Estado‑Membro submeter um diferendo a um processo de arbitragem comercial.

3.

No caso em apreço, a dificuldade principal consiste em determinar se a Comissão, para efeitos de excluir a existência de um auxílio estatal na fase da análise preliminar de uma denúncia que lhe foi apresentada, pode limitar‑se a examinar os termos de um compromisso arbitral assinado por uma empresa pública ( 4 ), para concluir pela inexistência de uma vantagem assim concedida através de recursos estatais, ou se é obrigada a fiscalizar igualmente o teor da sentença arbitral, para se assegurar de que esta não confere à outra parte qualquer vantagem em derrogação das condições normais do mercado.

4.

No caso em apreço, o Tribunal Geral pronunciou‑se a favor de uma fiscalização alargada, declarando que a Comissão devia ter examinado a sentença arbitral proferida no âmbito de um litígio que opunha o principal fornecedor de energia elétrica na Grécia, a sociedade Dimosia Epicheirisi Ilektrismou AE (a seguir «DEI»), ao seu maior cliente, a sociedade Mytilinaios, a respeito das tarifas que deviam ser aplicadas a esta última.

5.

Ao equiparar o tribunal arbitral em causa no caso em apreço, que está ligado à autoridade nacional reguladora do mercado da energia ( 5 ), a um órgão jurisdicional comum helénico, o Tribunal Geral declarou que a Comissão tinha cometido um erro de direito ao recusar imputar a sentença arbitral ao Estado grego ( 6 ), o que a deveria ter levado a fiscalizar o seu conteúdo sob a perspetiva de um eventual auxílio estatal.

6.

Na minha opinião, esta conclusão assenta numa premissa errada. À semelhança das recorrentes, considero, com efeito, que uma equiparação do tribunal arbitral em causa a uma instância estatal enferma de um erro de direito.

7.

Existem argumentos sérios, todavia, que militam a favor da manutenção da solução adotada pelo Tribunal Geral, que parece ser a única que pode garantir o pleno respeito dos artigos 107.o e 108.o TFUE no contexto dos processos de arbitragem que impliquem entidades públicas. Por conseguinte, proporei ao Tribunal de Justiça que considere uma fundamentação alternativa, que possa substituir a fundamentação errada adotada no acórdão recorrido.

II. Quadro jurídico

8.

O artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 define «parte interessada» como qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações setoriais.

9.

O artigo 4.o deste regulamento, sob a epígrafe «Análise preliminar da notificação e decisões da Comissão», prevê:

«1.   A Comissão procederá à análise da notificação imediatamente após a sua receção. Sem prejuízo do disposto no artigo 10.o, a Comissão tomará uma decisão nos termos dos n.os 2, 3 ou 4, do presente artigo.

2.   Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

3.   Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado interno, na medida em que está abrangida pelo artigo 107.o, n.o 1, [TFUE], decidirá que essa medida é compatível com o mercado interno […]. A decisão referirá expressamente a derrogação do [Tratado FUE] que foi aplicada.

4.   Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o, n.o 2, [TFUE] […]

[…]»

10.

O artigo 16.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Recuperação do auxílio», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário […] A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito da União.

[…]

3.   Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 278.o [TFUE], a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados‑Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação da União.»

11.

O artigo 24.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Direitos das partes interessadas», dispõe, no seu n.o 2:

«Qualquer parte interessada pode apresentar uma denúncia para informar a Comissão sobre qualquer alegado auxílio ilegal ou qualquer utilização abusiva de um auxílio. […]

[…]»

III. Antecedentes do litígio, decisões impugnadas e tramitação processual no Tribunal Geral

12.

Os antecedentes do litígio e a tramitação processual no Tribunal Geral são expostos nos n.os 1 a 53 do acórdão recorrido e podem ser resumidos do seguinte modo.

13.

A Mytilinaios, empresa de produção metalúrgica, é o maior consumidor de energia elétrica na Grécia.

14.

A DEI, constituída sob a forma de sociedade anónima, é o principal fornecedor de energia elétrica no país. À data dos factos pertinentes para os presentes processos, a DEI era maioritariamente controlada pelo Estado grego e encontrava‑se sob a supervisão do Ministério do Ambiente, da Energia e da Alteração Climática. Os laços institucionais entre a DEI e as autoridades gregas traduziam‑se, em especial, na nomeação pelo Estado da maioria dos membros do conselho de administração da empresa.

15.

Em 4 de agosto de 2010, a Mytilinaios e a DEI assinaram um acordo‑quadro respeitante à tarifa de fornecimento de eletricidade a aplicar durante o período compreendido entre 1 de julho de 2010 e 31 de dezembro de 2013, bem como aos termos da resolução amigável de um litígio relativo a uma dívida que se teria acumulado durante o período compreendido entre 1 de julho de 2008 e 30 de junho de 2010.

16.

Não tendo conseguido chegar a acordo sobre o projeto de contrato negociado em aplicação do acordo‑quadro, a Mytilinaios e a DEI celebraram, em 16 de novembro de 2011, um compromisso arbitral, submetendo o seu diferendo ao tribunal arbitral da RAE, em conformidade com o artigo 37.o do nomos 4001/2011, gia ti leitourgia Energeiakon Agoron Ilektrismou kai Fysikou Aeriou, gia Erevna, Paragogi kai diktya metaforas Ydrogonanthrakon kai alles rythmiseis (Lei n.o 4001/2011, relativa ao Funcionamento dos Mercados Energéticos da Eletricidade e do Gás, à Pesquisa, à Produção e às Redes de Transporte de Hidrocarbonetos e a Outras Regulamentações) ( 7 ).

17.

Este tribunal arbitral decidiu o litígio por Decisão de 31 de outubro de 2013 (a seguir «sentença arbitral»). O Efeteio Athinon (Tribunal de Recurso de Atenas, Grécia), por Acórdão de 18 de fevereiro de 2016, negou provimento ao recurso interposto pela DEI da sentença arbitral.

18.

Em 23 de dezembro de 2013, a DEI apresentou uma denúncia à Comissão, sustentando que a tarifa de fornecimento de energia elétrica fixada na sentença arbitral era inferior aos custos reais por ela suportados e que essa sentença constituía, por isso, um auxílio estatal que se presumia ilegal.

19.

Por ofício de 12 de junho de 2014 (a seguir «ofício controvertido»), a Comissão informou a DEI do arquivamento da sua denúncia, com fundamento, por um lado, em que o Estado grego não tinha estado em condições de exercer uma influência determinante sobre o conteúdo da sentença arbitral, que não lhe era imputável, e, por outro, que o método de cálculo dos custos reais utilizado pela DEI se afastava da metodologia adotada pelo tribunal arbitral no âmbito dos parâmetros definidos no compromisso arbitral.

20.

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de agosto de 2014, a DEI interpôs um recurso, registado com o n.o T‑639/14, de anulação do ofício controvertido. Por Despacho de 24 de outubro de 2014, o Tribunal Geral deferiu um pedido de suspensão da instância, com o objetivo de permitir à Comissão reanalisar as questões suscitadas na petição.

21.

Por Decisão de 25 de março de 2015 (a seguir «primeira decisão recorrida»), destinada a «substituir» o ofício controvertido, a Comissão confirmou a sua apreciação relativa à inexistência de um auxílio estatal no caso em apreço, com fundamento em que a decisão de submeter o diferendo a arbitragem, bem como os termos do compromisso celebrado entre a DEI e a Mytilinaios, não se afastavam das práticas de um investidor avisado em economia de mercado.

22.

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de junho de 2015, a DEI interpôs um recurso, registado com o n.o T‑352/15, de anulação da primeira decisão recorrida.

23.

Por Despacho de 9 de fevereiro de 2016 ( 8 ), o Tribunal Geral decidiu que já não havia que decidir sobre o recurso no processo T‑639/14, nomeadamente devido ao facto de a primeira decisão recorrida ter substituído formalmente o ofício controvertido.

24.

Por Acórdão de 31 de maio de 2017 ( 9 ), o Tribunal de Justiça anulou o Despacho do Tribunal Geral de 9 de fevereiro de 2016 e remeteu o processo ao Tribunal Geral. O Tribunal de Justiça declarou que, ao adotar a primeira decisão recorrida, a Comissão não tinha revogado o ofício controvertido, mas se tinha limitado a confirmá‑lo, pelo que o recurso no processo T‑639/14 continuava a ter objeto.

25.

Por Decisão de 14 de agosto de 2017 (a seguir «segunda decisão recorrida»), a Comissão revogou e substituiu o ofício controvertido e a primeira decisão recorrida, reiterando simultaneamente as suas conclusões relativas à inexistência de um auxílio estatal no caso em apreço. Os fundamentos adotados nesta segunda decisão eram idênticos aos avançados na primeira decisão recorrida ( 10 ).

26.

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de novembro de 2017, a DEI interpôs um recurso, registado com o n.o T‑740/17, de anulação da segunda decisão recorrida.

27.

Por Decisão do presidente da Terceira Secção alargada do Tribunal Geral, de 26 de fevereiro de 2020, os processos T‑639/14 RENV, T‑352/15 e T‑740/17 foram apensados para efeitos da fase oral do processo e da decisão que põe termo à instância, em conformidade com o artigo 68.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

IV. Acórdão recorrido

28.

Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral anulou o ofício controvertido e as duas decisões recorridas.

29.

Numa primeira fase, o Tribunal Geral pronunciou‑se sobre o recurso que visava a segunda decisão recorrida, tendo em conta a sua eventual incidência na manutenção do objeto do litígio e no interesse em agir da DEI nos processos T‑639/14 RENV e T‑352/15.

30.

No que respeita à admissibilidade do recurso no processo T‑740/17, o Tribunal Geral declarou, por um lado, que a segunda decisão recorrida constituía um ato recorrível que produzia efeitos juridicamente vinculativos para a DEI, uma vez que, nomeadamente, o encerramento do procedimento na fase da análise preliminar tinha impedido a DEI de invocar os seus argumentos no âmbito do procedimento formal de investigação e, por outro, que a DEI tinha a qualidade de «parte interessada», na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, tendo em conta a redação ampla desta disposição.

31.

Ao julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade relativa ao princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans potest, suscitada pela Comissão atendendo a que a DEI contestava o resultado do processo arbitral em que tinha livremente consentido, o Tribunal Geral declarou que tal exceção assentava numa confusão errada entre o Estado grego e a DEI, que conduzia a imputar à DEI a alegada satisfação das autoridades helénicas com o resultado da arbitragem ( 11 ).

32.

Decidindo quanto ao mérito no processo T‑740/17, o Tribunal Geral confirmou a procedência das acusações relativas ao facto de a Comissão não ter analisado o conteúdo da sentença arbitral sob a perspetiva da eventual concessão de um auxílio estatal. Baseando‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 12 ), segundo a qual uma vantagem conferida por um órgão jurisdicional nacional a uma parte num litígio é suscetível de ser analisada como concessão de um auxílio estatal, o Tribunal Geral estabeleceu um paralelo entre a atividade do tribunal arbitral permanente da RAE e a dos órgãos jurisdicionais comuns gregos ( 13 ) e deduziu daí que a Comissão era obrigada a verificar o conteúdo da sentença arbitral.

33.

Quanto ao argumento relativo à existência de uma eventual vantagem e ao alcance da fiscalização que incumbia a esse respeito à Comissão, o Tribunal Geral declarou que, nas circunstâncias do caso em apreço, a Comissão devia ter procedido a apreciações económicas e técnicas complexas antes de afastar qualquer dúvida séria quanto à inexistência de um auxílio estatal na fase da análise preliminar.

34.

Segundo o Tribunal Geral, a Comissão devia ter tido dúvidas em relação, em especial, aos seguintes elementos ( 14 ):

a caracterização dos custos da DEI devido à sua qualidade de empresa verticalmente integrada, cujo balanço consolidado assenta numa transferência contabilística interna dos fluxos financeiros entre as suas unidades de fornecimento e de produção;

a alegada necessidade de determinar os custos reais da DEI não numa base horária, mas anual, tendo em conta, nomeadamente, os custos totais variáveis e fixos de todas as centrais de produção de energia de que dispõe;

a pertinência da escolha entre, por um lado, a tarifa baseada no preço marginal do sistema e na média ponderada em função do tempo que conduz a uma «tarifa de distribuição horizontal» e, por outro, a tarifa que assenta no custo fixo e variável das centrais de produção a partir de lenhite da DEI, ou seja, no custo mínimo a longo prazo para cada consumidor;

a ligação dessas tarifas propostas com a necessidade de cobrir os custos (variáveis e fixos) reais da DEI e a sua consequência para as tarifas a faturar aos diferentes perfis de consumo, quer de carga de base, como o da Mytilinaios, quer de carga de ponta ou elevada;

as eventuais incidências da escolha do método de tarifação sobre a concorrência no mercado grego da energia, e

o caráter alegadamente insuficiente dos elementos de informação fornecidos pela DEI para determinar os seus custos reais, nomeadamente os relacionados com a atividade das suas centrais de produção a partir de lenhite.

35.

Por conseguinte, o Tribunal Geral deu provimento ao recurso no processo T‑740/17 e anulou a segunda decisão recorrida.

36.

Numa segunda fase, tendo em conta a identidade dos fundamentos subjacentes às duas decisões recorridas, o Tribunal Geral deu provimento ao recurso interposto da primeira decisão recorrida no processo T‑352/15.

37.

Numa terceira fase, dando provimento ao recurso no processo T‑639/14 RENV, o Tribunal Geral anulou o ofício controvertido com fundamento, nomeadamente, em que a sentença arbitral, que produz efeitos jurídicos comparáveis aos das sentenças de um órgão jurisdicional comum helénico, constituía um ato de poder público imputável ao Estado grego ( 15 ).

V. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos formulados pelas partes

38.

Com o seu recurso no processo C‑701/21 P, a Mytilinaios pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido e, na medida do necessário, que remeta o processo ao Tribunal Geral, bem como que condene a DEI nas despesas.

39.

A Comissão subscreve os pedidos da Mytilinaios.

40.

A DEI pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso na íntegra, que decida definitivamente sobre o presente litígio bem como que condene a Mytilinaios na totalidade das despesas da DEI no presente processo e nos processos apensos T‑639/14 RENV, T‑352/15 e T‑740/17.

41.

Com o seu recurso no processo C‑739/21 P, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça, a título principal, que anule o acórdão recorrido, que decida definitivamente sobre o recurso no processo T‑740/17 e lhe negue provimento, que declare que os recursos nos processos T‑639/14 RENV e T‑352/15 deixaram de ter objeto e que não há que conhecer do mérito dos mesmos, bem como que condene a DEI nas despesas.

42.

A título subsidiário, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, que decida definitivamente sobre certos fundamentos de recurso no processo T‑740/17 e que remeta este processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre os restantes fundamentos, que declare que os recursos nos processos T‑639/14 RENV e T‑352/15 deixaram de ter objeto e que não há que conhecer do mérito dos mesmos, bem como que condene a DEI nas despesas.

43.

A Mytilinaios pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, que decida definitivamente sobre o recurso no processo T‑740/17 e lhe negue provimento, que declare que os recursos nos processos T‑639/14 RENV e T‑352/15 deixaram de ter objeto e que não há que conhecer do mérito dos mesmos, bem como que condene a DEI nas despesas.

44.

A DEI pede ao Tribunal de Justiça que julgue o recurso inadmissível na íntegra e, a título subsidiário, improcedente, bem como que condene a Comissão na totalidade das despesas da DEI no presente processo e nos processos apensos T‑639/14 RENV, T‑352/15 e T‑740/17.

45.

A título subsidiário, a DEI pede ao Tribunal de Justiça que decida definitivamente sobre o recurso nos processos T‑639/14 RENV, T‑352/15 e T‑740/17, bem como que julgue improcedente o pedido da Comissão de não conhecimento do mérito nos processos T‑639/14 RENV e T‑352/15.

46.

Por Decisão da reunião geral de 28 de fevereiro de 2023, os processos C‑701/21 P e C‑739/21 P foram apensados para efeitos da fase oral do processo e do acórdão que ponha termo à instância.

47.

Por Decisão do presidente da Tribunal de Justiça de 7 de abril de 2023, foi admitida a intervenção da República Federal da Alemanha em apoio dos pedidos dos Comissão.

48.

Durante a audiência realizada em 27 de abril de 2023, foram apresentadas observações orais pela Mytilinaios, pela DEI, pela Comissão e pela República Federal da Alemanha.

VI. Apreciação

49.

Com exceção de uma parte da primeira vertente do terceiro fundamento invocado no processo C‑701/21 P ( 16 ), não me parece que a admissibilidade dos presentes recursos se preste a contestação. Proponho‑me, portanto, examinar sucessivamente o mérito dos três fundamentos invocados pela Mytilinaios neste processo.

50.

Na medida em que a segunda vertente do segundo fundamento invocado pela Mytilinaios no processo C‑701/21 P corresponde, em substância, à única alegação apresentada pela Comissão no processo C‑739/21 P, analisá‑las‑ei conjuntamente.

A.   Quanto ao primeiro fundamento invocado no processo C‑701/21 P

51.

O primeiro fundamento comporta duas vertentes.

52.

Com a primeira vertente do primeiro fundamento, a Mytilinaios sustenta que o Tribunal Geral não respondeu às exceções de inadmissibilidade relativas aos princípios nemo auditur propriam turpitudinem allegans potest e nemo potest venire contra factum proprium, suscitadas atendendo a que, com o seu recurso, a DEI tendia a contestar os resultados do processo arbitral em que tinha livremente consentido e cujos parâmetros tinham sido estabelecidos de comum acordo pelas partes no litígio.

53.

Com a segunda vertente do primeiro fundamento, a Mytilinaios acusa o Tribunal Geral de ter rejeitado as suas objeções relativas ao princípio nemo potest venire contra factum proprium após uma fundamentação errada, que figura no n.o 91 do acórdão recorrido.

54.

Além do facto de a alegação relativa à falta de fundamentação estar em contradição com a segunda vertente do primeiro fundamento, há que concluir que o Tribunal Geral, no n.o 91 do acórdão recorrido, referindo‑se ao interesse em agir da DEI ( 17 ), declarou que o argumento relativo ao princípio nemo propriam turpitudinem«não é senão outra variante do argumento destinado a confundir a situação da recorrente com a do Estado grego e a imputar‑lhe a eventual satisfação das autoridades helénicas com o resultado do processo de arbitragem, pelo que também não pode ser acolhido». Embora de forma sucinta, o Tribunal Geral fundamentou, portanto, a sua posição.

55.

Pergunto‑me, todavia, se esta fundamentação é suficiente e se pode ser considerada procedente à luz das circunstâncias do caso em apreço. Estas questões respeitam à segunda vertente do primeiro fundamento.

56.

Na minha opinião, a fundamentação que figura no n.o 91 do acórdão recorrido assenta numa premissa que não foi claramente articulada, segundo a qual a decisão de recorrer à arbitragem devia ser imputada ao Estado grego, quando a denúncia apresentada à Comissão provinha da iniciativa exclusiva da DEI, que pôde invocar no Tribunal Geral um interesse próprio em agir, distinto do interesse desse Estado‑Membro. Com efeito, só essa leitura da fundamentação impugnada permite responder à alegação apresentada pela Mytilinaios, relativa à natureza contraditória e desleal dos atos de uma única parte — a saber, a DEI — que consistia no facto de ter dado início ao processo de arbitragem e de ter depois contestado os seus resultados perante a Comissão.

57.

Ora, mesmo que a decisão de recorrer à arbitragem tivesse efetivamente podido ser imputada às autoridades gregas — o que devia ter sido determinado à luz das circunstâncias do caso concreto ( 18 ), tendo em conta, nomeadamente, a participação maioritária do Estado no capital social da DEI e os estreitos laços institucionais entre o Governo Grego e a direção da empresa — o Tribunal Geral não explicou por que razão a situação seria diferente quanto à decisão de contestar a sentença arbitral através de uma denúncia apresentada à Comissão, a qual imputou exclusivamente à DEI na sua qualidade de parte interessada distinta do Estado.

58.

Considero, portanto, que o Tribunal Geral não respondeu de forma suficiente à exceção de inadmissibilidade suscitada pela Mytilinaios.

59.

Interrogo‑me, todavia, sobre o caráter operante desta exceção à luz da lógica subjacente ao direito da União em matéria de auxílios estatais, nomeadamente no contexto das obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força das regras aplicáveis à recuperação dos auxílios ilegais.

60.

Com efeito, a lógica inerente à fiscalização exercida nesta matéria pela Comissão é a de assegurar o pleno efeito das disposições dos artigos 107.o e 108.o TFUE, independentemente da natureza contraditória dos atos do Estado‑Membro na origem da medida de auxílio. A eficácia desta fiscalização ficaria comprometida se as autoridades estatais não tivessem a possibilidade de denunciar à Comissão e, sendo caso disso, ao Tribunal Geral os efeitos potencialmente anticoncorrenciais das suas decisões anteriores.

61.

A este respeito, quero recordar que a recuperação de um auxílio ilegal deve ser efetuada imediatamente pelo Estado‑Membro em causa, segundo as formalidades do direito nacional e, em especial, recorrendo para este efeito aos órgãos jurisdicionais nacionais, sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 278.o TFUE ( 19 ). Seria difícil admitir, nestas condições, que uma exceção de inadmissibilidade, como a suscitada no caso em apreço no Tribunal Geral, pudesse impedir o recurso ao juiz da União a fim de obter a declaração da existência de um auxílio estatal ilegal.

62.

Por outro lado, em caso de violação da obrigação de suspensão prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, um Estado‑Membro cujas autoridades concederam um auxílio desrespeitando as normas de processo previstas no Tratado [FUE] não pode invocar a confiança legítima dos beneficiários para se subtrair à obrigação de tomar as medidas necessárias com vista ao cumprimento de uma decisão da Comissão que lhe ordena a recuperação do auxílio ( 20 ). Admitir tal possibilidade significaria privar as disposições dos artigos 107.o e 108.o TFUE de qualquer efeito útil, na medida em que as autoridades nacionais poderiam assim basear‑se no seu próprio comportamento ilegal para anular a eficácia das decisões tomadas pela Comissão ao abrigo dessas disposições do Tratado FUE ( 21 ).

63.

Considero que as regras recordadas nos números precedentes são pertinentes para efeitos da apreciação do caráter operante da exceção de inadmissibilidade suscitada no caso em apreço no Tribunal Geral, na medida, nomeadamente, em que as alegações relativas aos princípios nemo propriam turpitudinem e venire contra factum proprium constituem uma variante da argumentação baseada no princípio da confiança legítima.

64.

À luz das competências exclusivas da Comissão para apreciar a existência e a conformidade de um auxílio com o mercado interno, o Estado‑Membro em causa — tal como uma «parte interessada», na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, sob condição de ser substancialmente afetada pela decisão da Comissão que declare a inexistência de um auxílio ( 22 ) — deve poder contestar nos órgãos jurisdicionais da União as decisões de recusa da Comissão de iniciar o procedimento formal de investigação, sem que lhe possa ser utilmente oposta uma exceção de inadmissibilidade relativa ao seu comportamento anterior.

65.

Admitir tal exceção levaria a abrir uma brecha no regime dos auxílios estatais, na medida em que poderia ser oposto às autoridades nacionais e, sendo caso disso, às partes interessadas, como a DEI, o seu próprio comportamento ilegal, pelo que os órgãos jurisdicionais da União seriam impedidos de fiscalizar as decisões da Comissão que declarassem a inexistência de um auxílio na fase da análise preliminar.

66.

Tal possibilidade enfraqueceria não só o efeito útil das disposições do Tratado FUE, como também o do artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589, na medida em que a faculdade de apresentar uma denúncia, prevista nesta disposição, tem necessariamente como corolário a possibilidade de interpor um recurso no Tribunal Geral destinado a obter a declaração de existência de um auxílio rejeitada pela Comissão ( 23 ).

67.

Daqui resulta que as alegações relativas ao comportamento da DEI antes da interposição do recurso de anulação no Tribunal Geral não podem ser acolhidas, mesmo supondo que sejam fundadas ( 24 ).

68.

Proponho, portanto, ao Tribunal de Justiça que substitua a fundamentação errada do Tribunal Geral que figura no n.o 91 do acórdão recorrido por uma fundamentação baseada no caráter inoperante da exceção de inadmissibilidade suscitada no Tribunal Geral ( 25 ).

69.

Por conseguinte, proponho que o primeiro fundamento invocado pela Mytilinaios no processo C‑701/21 P seja julgado improcedente, em ambas as suas vertentes.

B.   Quanto ao segundo fundamento invocado no processo C‑701/21 P

70.

O segundo fundamento invocado pela Mytilinaios, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 2, TFUE, divide‑se em duas vertentes.

1. Quanto à primeira vertente do segundo fundamento

71.

Com a primeira vertente do segundo fundamento, a Mytilinaios alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do critério do operador privado em economia de mercado que serve para examinar a existência de uma vantagem, por o Tribunal Geral ter limitado a aplicação deste critério apenas à análise da tarifa fixada na sentença arbitral.

72.

Segundo a Mytilinaios, esta interpretação «extremamente restritiva» levou o Tribunal Geral a declarar a existência de um auxílio, sem proceder, todavia, a uma apreciação de todos os dados pertinentes do caso em apreço, incluindo as circunstâncias que conduziram as partes a um compromisso arbitral, bem como dos parâmetros técnicos de resolução do litígio definidos na convenção arbitral.

73.

Considero que o segundo fundamento, na sua primeira vertente, carece de base factual.

74.

Com efeito, por um lado, o Tribunal Geral não declarou a existência de um auxílio no acórdão recorrido, mas limitou‑se a declarar que a Comissão devia ter sentido dificuldades sérias ao apreciar a existência de uma vantagem na fase da análise preliminar ( 26 ).

75.

Por outro lado, ao aplicar o critério do operador privado, o Tribunal Geral não ignorou os factos do processo anteriores à sentença arbitral ( 27 ), mas limitou‑se a constatar o caráter incompleto da apreciação feita pela Comissão sob a perspetiva da existência de uma vantagem, que devia ter tomado em conta as condições tarifárias fixadas em resultado da arbitragem ( 28 ).

76.

Considero, portanto, que a primeira vertente do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

2. Quanto à segunda vertente do segundo fundamento

77.

Com a segunda vertente do segundo fundamento ( 29 ), a Mytilinaios e a Comissão contestam a possibilidade de imputar ao Estado grego as consequências do processo arbitral, que resulta da equiparação, por parte do Tribunal Geral, da arbitragem permanente da RAE a um órgão jurisdicional estatal comum ( 30 ).

78.

O raciocínio seguido pelo Tribunal Geral inspira‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, recordada no n.o 147 do acórdão recorrido, segundo a qual um órgão jurisdicional nacional é suscetível de desrespeitar as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado FUE, mantendo ou mesmo desencadeando a concessão de um auxílio ilegal ( 31 ).

79.

Ao equiparar a arbitragem permanente da RAE a um órgão jurisdicional estatal, o Tribunal Geral considerou que a sentença arbitral proferida no caso em apreço era suscetível de conferir à Mytilinaios uma vantagem ilegal imputável ao Estado grego.

80.

O mérito desta fundamentação deve ser apreciado à luz do Acórdão DOBELES HES ( 32 ), proferido em 12 de janeiro de 2023, ou seja, após o acórdão recorrido, em que o Tribunal de Justiça, decidindo em Grande Secção, declarou que a instauração de um auxílio de Estado não pode decorrer de uma decisão judicial ( 33 ).

81.

A Comissão alegou na audiência que o Acórdão Dobeles tinha como efeito invalidar o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral, na medida em que a equiparação da arbitragem permanente da RAE a um órgão jurisdicional comum, admitindo que estivesse demonstrada, não podia levar a imputar aos Estado grego a vantagem que tivesse sido concedida à Mytilinaios pela sentença arbitral.

82.

Esta conclusão parece‑me precipitada. Na minha opinião, no Acórdão Dobeles, o Tribunal de Justiça exclui apenas que um auxílio estatal possa ser imputado a um órgão jurisdicional, sem excluir, contudo, que os efeitos anticoncorrenciais de uma decisão judicial que concede um auxílio possam ser imputados ao próprio Estado.

83.

Numa primeira fase, considero necessário, portanto, apreciar as eventuais consequências do Acórdão Dobeles para a possibilidade de imputar ao Estado grego o resultado do processo arbitral que decorreu no caso em apreço.

84.

Numa segunda fase, examinarei as alegações das recorrentes no presente recurso relativas ao erro de direito resultante da equiparação do tribunal arbitral da RAE a um órgão jurisdicional estatal.

85.

Numa terceira fase, uma vez que as alegações em questão não me parecem completamente infundadas, proporei ao Tribunal de Justiça que considere uma fundamentação alternativa, que possa substituir a fundamentação adotada no acórdão recorrido. Entendo, com efeito, que há argumentos sérios, relacionados com a necessidade de garantir o efeito útil das disposições dos artigos 107.o e 108.o TFUE, que militam a favor da manutenção da solução adotada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

a) Quanto às consequências do Acórdão Dobeles

86.

No processo que deu origem ao Acórdão Dobeles, uma das questões prejudiciais ( 34 ) visava determinar se um processo judicial, que respeitava ao pagamento de uma parte não recebida de uma vantagem instaurada pela legislação nacional, que constituía um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, podia ser analisado como um pedido de concessão de um novo auxílio, distinto do já pago às demandantes.

87.

É neste contexto preciso, em que o órgão jurisdicional nacional era chamado a decidir em aplicação de uma lei que instituía a vantagem controvertida, que deve ser lida a afirmação do Tribunal de Justiça segundo a qual as quantias atribuídas às demandantes por via judicial «não podem, em todo o caso, ser vistas como constituindo auxílios de Estado distintos» ( 35 ), na medida em que «a instauração enquanto tal de um auxílio de Estado não pode decorrer de uma decisão judicial» ( 36 ).

88.

A este respeito, a fundamentação do Tribunal de Justiça no Acórdão Dobeles reflete a abordagem tradicional da separação dos poderes, que limita o papel dos órgãos jurisdicionais à aplicação de regras jurídicas preexistentes. À luz desta abordagem tradicional, uma decisão judicial que concede uma vantagem incompatível com o mercado interno procede necessariamente de uma norma anterior, que constitui o fundamento jurídico da causa submetida ao órgão jurisdicional em questão. Deste ponto de vista, como o Tribunal de Justiça afirmou, a instauração de um auxílio não pode em caso algum proceder da própria sentença.

89.

A questão da base jurídica do auxílio, decidida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Dobeles, não exclui, no entanto, uma eventual responsabilidade do Estado pela aplicação, por via judicial, de uma regulamentação nacional ( 37 ) que institui a concessão de um auxílio incompatível com o mercado interno. Pelo contrário, na medida em que as decisões judiciais procedem necessariamente da ordem normativa estatal, o Estado não pode subtrair‑se às obrigações que lhe incumbem, nos termos dos artigos 107.o e 108.o TFUE, delegando nos seus órgãos jurisdicionais a competência para determinar a maneira como disporá dos seus recursos.

90.

A este respeito, pouco importa que a sentença que concede a vantagem controvertida proceda da aplicação de uma norma material precisa ou de um princípio geral de direito, ou mesmo de uma apreciação discricionária feita pelo juiz dentro dos limites das normas que determinam o alcance das suas competências. Em todas as hipóteses, uma decisão judicial continua a ser imputável ao Estado.

91.

Considero, portanto, que o Acórdão Dobeles não tem o alcance que a Comissão lhe atribui, na medida em que esta instituição alega que a equiparação feita entre o tribunal arbitral e os órgãos jurisdicionais comuns gregos não pode levar a imputar as consequências do processo arbitral ao Estado grego.

92.

Em contrapartida, à semelhança das recorrentes no presente recurso, tenho dúvidas quanto ao caráter estatal desse tribunal.

b) Quanto à equiparação do tribunal arbitral da RAE a um órgão jurisdicional estatal

93.

Ao equiparar o tribunal arbitral da RAE a um órgão jurisdicional estatal, o Tribunal Geral baseou o seu raciocínio em vários elementos, a saber, a função do tribunal da RAE, idêntica à dos órgãos jurisdicionais comuns; os requisitos de independência e de imparcialidade impostos aos seus árbitros; a aplicação do Código de Processo Civil helénico aos procedimentos nesse tribunal arbitral; a força de caso julgado e a executoriedade associada às suas decisões e, por último, a possibilidade de interpor recurso da sentença arbitral para o Efeteio Athinon (Tribunal de Recurso de Atenas) ( 38 ).

94.

Ora, na minha opinião, nenhum destes elementos justifica tal equiparação.

95.

Por um lado, com efeito, as circunstâncias tomadas em consideração pelo Tribunal Geral não permitem distinguir a arbitragem da RAE de qualquer outra arbitragem comercial. É frequente que um tribunal arbitral decida nos termos de um processo previsto por lei e profira uma decisão vinculativa, suscetível de recurso para os órgãos jurisdicionais estatais. Além disso, os requisitos de independência e de imparcialidade são, de modo geral, reconhecidos como inerentes a qualquer processo de arbitragem. A aplicação dos critérios adotados pelo Tribunal Geral poderia assim conduzir a associar ao Estado muitos tribunais arbitrais, o que não me parece concebível.

96.

Por outro lado, como a Comissão acertadamente salientou, a equiparação do tribunal arbitral da RAE a um órgão jurisdicional estatal colide com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 267.o TFUE. Resulta desta jurisprudência que os tribunais arbitrais cuja competência é facultativa, na medida em que depende do acordo prévio de ambas as partes ( 39 ), não são órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, na aceção do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE ( 40 ).

97.

O Tribunal de Justiça declarou, assim, que as circunstâncias de a atividade de um tribunal arbitral permitir estabelecer certos paralelismos com a atividade jurisdicional, na medida em que a arbitragem é organizada no âmbito da lei, de o árbitro ser chamado a decidir em conformidade com o direito e de a sua sentença ter força de caso julgado e poder constituir um título executivo, não bastam para conferir a tal tribunal o estatuto de «órgão jurisdicional de um Estado‑Membro», nomeadamente atendendo a que as partes não têm qualquer obrigação de submeter o seu diferendo a arbitragem ( 41 ).

98.

Atendendo às considerações precedentes, sou de opinião que a fundamentação adotada pelo Tribunal Geral, nos n.os 150 a 159 do acórdão recorrido, enferma de um erro de direito. Considero, no entanto, que esse erro não exclui que possam ser imputadas ao Estado grego as consequências da arbitragem em causa.

c) Quanto à imputação do resultado do processo de arbitragem ao Estado grego

99.

À semelhança da fundamentação adotada pelo Tribunal Geral, os articulados e as alegações das partes focaram‑se, em grande medida, na questão do caráter estatal da arbitragem permanente da RAE. Esta questão não me parece, contudo, determinante, tendo em conta o que, na minha opinião, constitui o aspeto essencial dos presentes recursos.

100.

A este respeito, quero recordar que, relativamente ao requisito referente a uma intervenção do Estado ou proveniente de recursos estatais, consagrado no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, estão em causa os auxílios concedidos diretamente pelo Estado, mas também os atribuídos por organismos públicos ou privados instituídos ou designados pelo Estado para gerir o auxílio ( 42 ). Segundo jurisprudência constante, daqui resulta que não há que distinguir os casos em que o auxílio é concedido diretamente pelo Estado daqueles em que é concedido por intermédio de um organismo público ou privado ( 43 ), não sendo a natureza jurídica de tal organismo determinante para a aplicação das regras do Tratado FUE sobre auxílios de Estado ( 44 ).

101.

Considero, portanto, que a questão que importa colocar nos presentes processos não consiste em determinar se o tribunal arbitral da RAE se assemelha efetivamente a um órgão jurisdicional estatal, mas em determinar se uma empresa pública, como a DEI, pode escapar à aplicação das disposições dos artigos 107.o e 108.o TFUE, submetendo a arbitragem um diferendo que coloca em jogo a atribuição de recursos estatais.

102.

Na minha opinião, a questão, colocada deste modo, requer sem qualquer dúvida uma resposta negativa.

103.

Independentemente do caráter — estatal ou privado — da arbitragem organizada sob os auspícios da RAE, há que concluir que a DEI, que, atendendo aos seus estreitos laços orgânicos e capitalísticos com o Estado grego, estava sob a influência dominante desse Estado ( 45 ), beneficiou de uma faculdade, prevista pela legislação grega, de recorrer a um modo alternativo de resolução de litígios. Nas condições do caso em apreço, a decisão de recorrer à arbitragem e os efeitos jurídicos associados à sentença arbitral são imputáveis ao Estado grego.

104.

Ora, ao contrário da Comissão, não penso que os termos do compromisso arbitral determinem em tal caso os limites da fiscalização que lhe incumbe exercer sob a perspetiva da existência de uma eventual vantagem imputável ao Estado. A decisão de recorrer à arbitragem comporta não só as modalidades da resolução do litígio, mas também um elemento de risco contencioso, associado à eventualidade de uma solução do litígio não corresponder às expectativas das partes, ou ser até contrária aos termos do compromisso, cuja aplicação poderia dar origem à concessão de uma vantagem ilegal através dos recursos do Estado.

105.

É certo que os processos judiciais tradicionais são também caracterizados por um elemento aleatório, mas este elemento é tanto mais importante quanto os tribunais arbitrais funcionam fora do sistema judicial estatal e das garantias inerentes ao mesmo. As experiências dos Estados‑Membros em matéria de arbitragem comercial mostram, de resto, que os riscos que lhe estão associados não são puramente hipotéticos ( 46 ).

106.

Considero, assim, que, ao recorrer à arbitragem, uma empresa pública deve aceitar a probabilidade, por mínima que seja, de se ver obrigada a dispor dos seus recursos de uma forma que se afaste das condições normais do mercado. Deste ponto de vista, mesmo supondo que um tribunal arbitral não possa estar ligado ao Estado, o mesmo não se pode dizer do risco contencioso associado à decisão de recorrer à arbitragem e da vantagem que será eventualmente concedida à outra parte no litígio em aplicação da sentença arbitral.

107.

Na hipótese de tal risco se concretizar — como alega no caso em apreço a DEI, salientando que a tarifação fixada na sentença arbitral não respeita os termos do compromisso — a circunstância de não ser um tribunal estatal, mas um tribunal arbitral que foi chamado a decidir do litígio não me parece suscetível de exonerar o Estado das obrigações que lhe incumbem nos termos dos artigos 107.o e 108.o TFUE. Ao reconhecer o valor vinculativo das sentenças arbitrais, o Estado continua a ser responsável pelas medidas de execução que será levado a tomar em consequência da arbitragem.

108.

Esta conclusão parece‑me ser corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à arbitragem no âmbito de um tratado bilateral de investimento, na medida em que o caráter internacional dos tribunais ativos neste domínio não impede que os efeitos das suas decisões sob a forma de concessão de um eventual auxílio possam ser imputados aos Estados‑Membros ( 47 ).

109.

A este respeito, não subscrevo os argumentos das partes no presente recurso e do Governo Alemão, que insistiram na necessidade de distinguir a arbitragem em matéria de investimento da arbitragem comercial no plano da imputabilidade ao Estado de um eventual auxílio. Ao decidir ratificar um tratado de investimento, tal como ao assinar um compromisso arbitral, um Estado deve assumir o risco de lhe virem a ser imputados os efeitos de futuras sentenças proferidas nessa base. Se a possibilidade de delegar a resolução de um litígio num órgão não estatal se traduzisse pela impossibilidade de imputar a respetiva responsabilidade ao Estado, tal levaria à criação de um «ângulo morto» no sistema das vantagens concedidas através dos recursos estatais. Tendo em conta a importância das questões associadas aos processos de arbitragem em que são interessadas autoridades públicas, essa situação enfraqueceria consideravelmente o efeito útil das disposições pertinentes do Tratado FUE.

110.

À luz das considerações precedentes, entendo que se deve substituir a fundamentação errada adotada pelo Tribunal Geral nos n.os 150 a 159 do acórdão recorrido por uma fundamentação baseada na necessidade de imputar ao Estado grego os resultados juridicamente vinculativos do processo de arbitragem a que este Estado‑Membro recorreu por intermédio da DEI, aceitando o risco contencioso que lhe estava associado.

111.

Por conseguinte, proponho que a segunda vertente do segundo fundamento no processo C‑701/21 P, bem como o único fundamento invocado no processo C‑739/21 P, sejam julgados improcedentes.

C.   Quanto ao terceiro fundamento invocado no processo C‑701/21 P

112.

O terceiro fundamento invocado pela Mytilinaios, relativo à violação do artigo 4.o do Regulamento 2015/1589, comporta igualmente duas vertentes.

113.

Com a primeira vertente do terceiro fundamento, a Mytilinaios alega, por um lado, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão era obrigada a analisar o conteúdo da sentença arbitral ( 48 ) e, por outro, que o Tribunal Geral declarou erradamente que a Comissão devia ter procedido a apreciações económicas e técnicas complexas, a fim de poder excluir a existência de um auxílio na fase da análise preliminar ( 49 ).

114.

Pelas razões expostas no âmbito da apreciação da segunda vertente do segundo fundamento, relativa à imputabilidade dos resultados do processo arbitral ao Estado grego, considero que a primeira parte da primeira vertente do terceiro fundamento é infundada. Considero, portanto, que deve ser julgada improcedente.

115.

Com a segunda parte da primeira vertente deste fundamento, a Mytilinaios parece, em substância, contestar todas as apreciações factuais feitas pelo Tribunal Geral, nos n.os 167 a 188 do acórdão recorrido, relativas à imprecisão dos termos do compromisso arbitral, ao perfil de produção e de consumo da Mytilinaios, bem como às particularidades das suas relações comerciais com a DEI. Na medida em que o Tribunal Geral não considerou que a Comissão tinha uma obrigação geral de proceder a uma apreciação complexa na fase da análise preliminar, mas se limitou a concluir pela necessidade dessa apreciação à luz das circunstâncias especiais do caso em apreço, considero que esta alegação não diz respeito a uma questão de direito, mas a uma questão de facto.

116.

Assim, considero que a segunda parte da primeira vertente do terceiro fundamento deve ser julgada inadmissível.

117.

Com a segunda vertente do terceiro fundamento, a Mytilinaios acusa o Tribunal Geral de ter invertido o ónus da prova relativa à existência de dificuldades sérias ou de dúvidas que justificassem a abertura do procedimento formal de investigação pela Comissão. Na sua opinião, o Tribunal Geral tinha assim dispensado a DEI da necessidade de demonstrar o caráter insuficiente ou incompleto da análise efetuada pela Comissão no âmbito do processo de análise preliminar.

118.

Para suportar a sua alegação, a Mytilinaios refere‑se, nomeadamente, ao n.o 167 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral declarou que as circunstâncias especiais do caso em apreço deviam ter levado a Comissão a analisar, «de forma diligente, suficiente e completa», todas as circunstâncias pertinentes do processo sob a perspetiva da existência de um auxílio.

119.

Importa, todavia, distinguir claramente as obrigações que recaem sobre a Comissão na fase da instrução de uma denúncia, referidas no n.o 167 do acórdão recorrido, das obrigações em matéria de prova que recaem sobre a recorrente na fase do recurso para o Tribunal Geral.

120.

Ora, no que respeita a estas últimas obrigações, não se afigura de modo algum que o Tribunal Geral tenha dispensado a DEI da obrigação de produzir elementos de prova em apoio do seu pedido de anulação, na medida, nomeadamente, em que o Tribunal Geral se refere explicitamente às circunstâncias avançadas pela DEI, que, segundo o Tribunal Geral, eram suscetíveis de justificar as dúvidas que a Comissão devia ter tido na fase da análise preliminar da sua denúncia ( 50 ).

121.

Sou de opinião, portanto, que a segunda vertente do terceiro fundamento é infundada e, por conseguinte, que o terceiro fundamento no processo C‑701/21 P deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

VII. Conclusão

122.

À luz de todas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que:

negue provimento ao recurso no processo C‑701/21 P,

negue provimento ao recurso no processo C‑739/21 P.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) T‑639/14 RENV, T‑352/15 e T‑740/17, EU:T:2021:604.

( 3 ) Regulamento do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9).

( 4 ) Por «empresa pública» entendo uma empresa sobre a qual os poderes públicos possam exercer, direta ou indiretamente, uma influência dominante, na aceção das disposições do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2006/111/CE da Comissão, de 16 de novembro de 2006, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas, bem como à transparência financeira relativamente a certas empresas (JO 2006, L 318, p. 17).

( 5 ) Trata‑se da arbitragem permanente da Rythmistiki Archi Energeias (a seguir «RAE»).

( 6 ) A respetiva fundamentação, que figura nos n.os 150 a 159 do acórdão recorrido, foi erradamente apresentada pelo Tribunal Geral no âmbito da análise da «existência de uma vantagem económica». A questão examinada é a da imputabilidade da sentença arbitral ao Estado grego.

( 7 ) FEK A’ 179/22.8.2011.

( 8 ) Despacho DEI/Comissão (T‑639/14, não publicado, EU:T:2016:77).

( 9 ) Acórdão DEI/Comissão (C‑228/16 P, EU:C:2017:409).

( 10 ) N.os 37 a 48 da segunda decisão recorrida.

( 11 ) N.os 89 e 91 do acórdão recorrido.

( 12 ) N.o 147 do acórdão recorrido.

( 13 ) N.os 150 a 159 do acórdão recorrido.

( 14 ) N.o 188 do acórdão recorrido.

( 15 ) N.os 230 a 233 do acórdão recorrido.

( 16 ) V. n.os 114 a 115 das presentes conclusões.

( 17 ) N.os 86 a 89 do acórdão recorrido.

( 18 ) Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de auxílios estatais, «o simples facto de uma empresa pública se encontrar sob controlo estatal não é suficiente para se poder imputar ao Estado as medidas por ela adotadas […]. Há ainda que examinar se as autoridades públicas devem ser consideradas implicadas, de uma forma ou de outra, na adoção dessas medidas. A este respeito, não pode exigir‑se que seja demonstrado, com base em instruções precisas, que as autoridades públicas incitaram concretamente a empresa pública a adotar as medidas de auxílio em causa. […] atendendo ao facto de que as relações entre o Estado e as empresas públicas são, por natureza, estreitas, existe o risco real de que os auxílios de Estado sejam concedidos por intermédio dessas empresas, de forma pouco transparente e em violação do regime de auxílios de Estado previsto pelo Tratado. […] Por estes motivos, deve aceitar‑se que a imputabilidade ao Estado de uma medida de auxílio adotada por uma empresa pública pode ser deduzida de um conjunto de indícios resultante das circunstâncias do caso concreto e do contexto no qual essa medida ocorreu». V. Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão (C‑482/99, EU:C:2002:294, n.os 52 a 55).

( 19 ) Artigo 16.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589.

( 20 ) Em conformidade com jurisprudência constante, só as empresas beneficiárias do auxílio, e apenas em circunstâncias excecionais, são suscetíveis de se opor utilmente à recuperação de um auxílio ilegal invocando a confiança legítima criada na sua esfera. V. Acórdãos de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502, n.o 17), e de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão (C‑298/00 P, EU:C:2004:240, n.o 90). Todavia, a confiança legítima invocada em tais casos só pode resultar de atos da própria Comissão, tendo em conta a sua competência exclusiva para apreciar a conformidade de um auxílio com o mercado interno. Os comportamentos alheios à Comissão, tais como os das autoridades do Estado‑Membro em causa, são desprovidos de pertinência a este respeito. V. Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑207/10, EU:T:2018:786, n.os 69 a 71). Acrescento que a apreciação de eventuais circunstâncias excecionais feita neste contexto se inscreve no âmbito da apreciação do mérito da causa e não deveria obstar à admissibilidade de um recurso no Tribunal Geral destinado a obter a declaração da existência de um auxílio estatal.

( 21 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 20 de setembro de 1990, Comissão/Alemanha (C‑5/89, EU:C:1990:320, n.o 17), e de 7 de março de 2002, Itália/Comissão (C‑310/99, EU:C:2002:143, n.o 104).

( 22 ) Acórdão de 11 de setembro de 2008, Alemanha e o./Kronofrance (C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482, n.o 40 e jurisprudência referida).

( 23 ) Na condição de a parte interessada ser substancialmente afetada pela decisão da Comissão que declare a inexistência de um auxílio (v. n.o 64 das presentes conclusões).

( 24 ) As Conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas no processo Residex Capital IV (C‑275/10, EU:C:2011:354, n.o 80) parecem corroborar a minha apreciação. Nesse processo, o município de Roterdão (Países Baixos) tentava invocar a invalidade de uma garantia que tinha concedido em benefício de uma empresa, alegando o seu caráter pretensamente ilegal à luz do regime dos auxílios estatais estabelecido pelo Tratado FUE. Ao apreciar, neste contexto, a procedência de uma exceção relativa aos princípios venire contra factum proprium e nemo propriam turpitudinem, oposta nesse caso contra o município de Roterdão, a advogada‑geral J. Kokott considerou que a sua aplicação «[se opõe] diametralmente ao objetivo de proteção das normas europeias sobre concorrência em geral e ao artigo 108.o, n.o 3, terceiro período, [TFUE] em particular. Deve ser possível a uma autoridade pública defender‑se em juízo com o argumento de que o benefício ou o pagamento que uma empresa lhe exige violaria as normas do direito da União […] Inversamente, uma empresa pode, como é sabido, alegar em juízo que a prestação pecuniária que lhe é exigida é incompatível com o direito da concorrência». No prolongamento deste raciocínio, considero que uma empresa pública, como a DEI, que tenta demonstrar a existência de um auxílio estatal que teria sido concedido através dela, deve poder apresentar a sua contestação perante os órgãos jurisdicionais da União, independentemente do seu comportamento anterior, ainda que fosse ilegal.

( 25 ) Importa recordar que, se os fundamentos de uma decisão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas o dispositivo da mesma estiver justificado por outros fundamentos de direito, essa violação não é suscetível de provocar a anulação dessa decisão e há que proceder a uma substituição de fundamentos (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 48 e jurisprudência referida).

( 26 ) N.os 190 e 191 do acórdão recorrido.

( 27 ) O Tribunal Geral tomou em conta circunstâncias especiais associadas, nomeadamente, à imprecisão dos termos do compromisso arbitral e dos parâmetros de tarifação nele adotados, declarando que deviam ter levado a Comissão a analisar «de forma diligente, suficiente e completa» a existência de uma eventual vantagem concedida à Mytilinaios pela sentença arbitral (n.os 167 a 170 do acórdão recorrido).

( 28 ) N.os 142 e 185 do acórdão recorrido.

( 29 ) Recordo que a segunda vertente deste segundo fundamento corresponde ao único fundamento invocado pela Comissão no processo C‑739/21 P. A apreciação que se segue respeita também, portanto, a este último.

( 30 ) N.os 150 a 159 do acórdão recorrido.

( 31 ) Acórdãos de 18 de julho de 2007, Lucchini (C‑119/05, EU:C:2007:434, n.os 61 a 63); de 11 de novembro de 2015, Klausner Holz Niedersachsen (C‑505/14, EU:C:2015:742, n.os 41 a 45); de 26 de outubro de 2016, DEI e Comissão/Alouminion tis Ellados (C‑590/14 P, EU:C:2016:797, n.os 107 e 108), bem como de 4 de março de 2020, Buonotourist/Comissão (C‑586/18 P, EU:C:2020:152, n.os 94 e 95).

( 32 ) Acórdão de 12 de janeiro de 2023 (C‑702/20 e C‑17/21, a seguir «Acórdão Dobeles, EU:C:2023:1).

( 33 ) N.o 76 do Acórdão Dobeles.

( 34 ) Trata‑se da quarta das treze questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça nesse processo.

( 35 ) N.o 78 do Acórdão Dobeles.

( 36 ) N.o 76 do Acórdão Dobeles.

( 37 ) O mesmo se aplicaria em caso de execução de obrigações contratuais.

( 38 ) N.os 153 a 157 do acórdão recorrido.

( 39 ) Este caráter facultativo distingue a arbitragem permanente da RAE de uma instância arbitral de caráter «semifacultativo», que pode ser chamada a pronunciar‑se por iniciativa de apenas uma das partes no litígio, o que permite, em certas condições, equipará‑la a um órgão jurisdicional estatal no contexto da aplicação do artigo 267.o TFUE. V. Acórdão de 12 de junho de 2014, Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta (C‑377/13, EU:C:2014:1754, n.os 27 a 29), bem como as conclusões que apresentei nesse processo (C‑377/13, EU:C:2014:246, n.os 38 a 40).

( 40 ) Acórdãos de 23 de março de 1982, Nordsee (102/81, EU:C:1982:107, n.os 10 a 12), e de 1 de junho de 1999, Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269, n.o 34).

( 41 ) Acórdão de 23 de março de 1982, Nordsee (102/81, EU:C:1982:107, n.os 10 e 11).

( 42 ) Acórdão de 13 de setembro de 2017, ENEA (C‑329/15, EU:C:2017:671, n.o 23 e jurisprudência referida).

( 43 ) Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo ENEA (C‑329/15, EU:C:2017:233, n.o 67 e jurisprudência referida).

( 44 ) Acórdão de 20 de setembro de 2007, Salvat père & fils e o./Comissão (T‑136/05, EU:T:2007:295, n.o 139).

( 45 ) Recordo que, à data dos factos pertinentes, o Estado grego detinha a maioria do capital social da DEI e a maioria dos votos no seu conselho de administração. Ora, entre os indícios que permitem imputar ao Estado as medidas tomadas pelas empresas públicas, há que tomar em conta, nomeadamente, a presença de elementos de natureza orgânica que ligam a empresa pública ao Estado, a intensidade da tutela que as autoridades públicas exercem sobre a gestão da empresa, o facto de a empresa em questão não poder ter tomado a medida em causa sem ter em conta as exigências das autoridades públicas, bem como qualquer outro elemento que demonstre a implicação das autoridades públicas ou a improbabilidade da sua não implicação, tendo em conta o alcance da medida, o seu conteúdo ou as condições nela contidas. V. Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (JO 2016, C 262, p. 1, pontos 39 a 43). Recordo igualmente que, nos termos das disposições do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2006/111, a influência dominante dos poderes públicos na empresa se presume quando estes tenham a maioria do capital subscrito da empresa ou possam designar mais de metade dos membros do órgão de administração, de direção ou de fiscalização da empresa.

( 46 ) Para ilustrar este aspeto, limito‑me a recordar o processo Tapie/Crédit lyonnais, que opunha um célebre homem de negócios a um banco público francês. Na sequência da sentença arbitral proferida nesse processo — pela qual tinha sido reconhecido ao interessado o montante de 45 milhões de euros a título de danos morais e de 358 milhões de euros a título de danos patrimoniais — uma antiga ministra, na qualidade de autoridade de tutela do banco em causa, foi condenada pela Cour de justice de la République (Tribunal de Justiça da República, França) pelo crime de negligência que conduziu ao desvio de fundos públicos. A negligência imputada à ministra não respeitava à própria decisão de recorrer à arbitragem — que podia ser justificada à luz das circunstâncias do processo — mas à sua omissão de contestar a sentença arbitral nos tribunais estatais, o que tinha impedido a descoberta de uma alteração potencialmente fraudulenta dos termos do compromisso arbitral, ocorrida após a sua validação pelas instâncias públicas.

( 47 ) V. Acórdão de 25 de janeiro de 2022, Comissão/European Food e o. (C‑638/19 P, EU:C:2022:50) e as conclusões que apresentei nesse processo (C‑638/19 P, EU:C:2021:529, n.os 124 a 135).

( 48 ) N.o 164 do acórdão recorrido.

( 49 ) N.os 167 a 189 do acórdão recorrido.

( 50 ) V. exposição sumária das alegações que consta dos n.os 120 e 124 do acórdão recorrido, retomada pelo Tribunal Geral no âmbito da apreciação que figura nos n.os 167 a 189 desse acórdão.