CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 26 de janeiro de 2023 ( 1 )

Processo C‑689/21

X

contra

Udlændinge‑ og Integrationsministeriet

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este, Dinamarca)]

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Artigo 20.o TFUE — Artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Nacionalidade de um Estado‑Membro e de um Estado terceiro — Perda de pleno direito da nacionalidade do Estado‑Membro aos 22 anos de idade por ausência de vínculo genuíno na falta de pedido de manutenção anterior a essa data — Perda da cidadania da União — Apreciação ao abrigo do princípio da proporcionalidade das consequências da perda à luz do direito da União»

I. Introdução

1.

A legislação nacional de um Estado‑Membro prevê a perda de pleno direito da nacionalidade dos nacionais desse Estado‑Membro, em determinadas condições, aos 22 anos de idade por ausência de vínculo genuíno e na falta de pedido de manutenção da nacionalidade antes dessa data. Para a pessoa em causa isto implica a perda do seu estatuto de cidadã da União, sem que as autoridades nacionais efetuem uma fiscalização da proporcionalidade, à luz do direito da União, das consequências que essa perda acarreta para a situação dessa pessoa quando o pedido é apresentado após a referida idade.

2.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende ser esclarecido sobre a questão de saber se essa legislação nacional está em conformidade com o artigo 20.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

3.

O presente processo corresponde à quarta parte do capítulo relativo às obrigações dos Estados‑Membros em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade à luz do direito da União, que teve início com o processo que deu origem ao Acórdão Rottmann ( 2 ). A jurisprudência resultante desse acórdão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Tjebbes e o. ( 3 ) e Wiener Landesregierung (Revogação de uma garantia de naturalização) ( 4 ). O presente processo dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de apreciar novamente as condições da perda de pleno direito da nacionalidade de um Estado‑Membro que implica a perda do estatuto de cidadão da União à luz das exigências decorrentes do direito da União, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Tjebbes e o.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

4.

O artigo 20.o, n.o 1, TFUE institui a cidadania da União e dispõe que «qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro» é cidadã da União. Em conformidade com o artigo 20.o, n.o 2, alínea a), TFUE, os cidadãos da União têm o «direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros».

5.

Nos termos do artigo 7.o da Carta, todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.

B. Direito dinamarquês

6.

O § 8, n.o 1, da Lov nr. 422 om dansk indfødsret, lovbekendtgørelse (Lei da Nacionalidade Dinamarquesa, Decreto de Codificação n.o 422), de 7 de junho de 2004, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei da Nacionalidade»), prevê:

«Uma pessoa nascida no estrangeiro que nunca tenha vivido no Reino da Dinamarca e que aí não tenha residido em circunstâncias que sugiram a existência de um vínculo estreito com a Dinamarca perderá a nacionalidade dinamarquesa ao atingir os 22 anos de idade, a menos que, por essa razão, se torne apátrida. O Ministro para os Refugiados, Migrantes e Integração, ou a pessoa que este autorizar para o efeito, pode, no entanto, mediante pedido apresentado antes dessa data, permitir a manutenção nacionalidade.»

7.

A cirkulæreskrivelse nr. 10873 om naturalisation (Circular relativa à Naturalização n.o 10873), de 13 de outubro de 2015, foi alterada pela Circular n.o 9248 de 16 de março de 2016 (a seguir «Circular relativa à Naturalização»).

8.

De acordo com a Circular relativa à Naturalização, os antigos nacionais dinamarqueses que perderam a nacionalidade dinamarquesa por força do § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade devem, em princípio, preencher as condições gerais de aquisição da nacionalidade dinamarquesa exigidas por lei. Isto significa que as pessoas que satisfaçam as condições previstas nesta circular no que respeita à permanência, à idade, à boa conduta, às dívidas para com as autoridades públicas, à autossuficiência, ao emprego, ao conhecimento da língua dinamarquesa e ao conhecimento da sociedade, da cultura e da história dinamarquesas são incluídas no projeto de lei do Governo dinamarquês relativo à concessão da nacionalidade. Em conformidade com o § 5, n.o 1, dessa circular, o requerente deve residir no território nacional aquando do pedido de naturalização. Ao abrigo do § 7 da referida circular, é exigida ao requerente uma permanência ininterrupta de nove anos.

9.

Em aplicação do § 13, lido em conjugação com o anexo 1, ponto 3, da mesma circular, as condições gerais em matéria de permanência podem ser mais flexíveis para as pessoas que possuíam anteriormente a nacionalidade dinamarquesa ou que são de origem dinamarquesa.

III. Factos do processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

10.

A recorrente no processo principal, nascida a 5 de outubro de 1992 nos Estados Unidos da América, possui, desde o seu nascimento, as nacionalidades dinamarquesa e americana e nunca residiu na Dinamarca. Tem um irmão e uma irmã que vivem nos Estados Unidos, um deles de nacionalidade dinamarquesa, e não tem nenhum progenitor, irmão ou irmã na Dinamarca.

11.

Em 17 de novembro de 2014, a recorrente no processo principal apresentou no Udlændinge — og Integrationsministeriet (Ministério da Imigração e da Integração) um pedido de certidão da manutenção da sua nacionalidade dinamarquesa após os 22 anos de idade. Com base nas informações constantes do referido pedido, este ministério considerou que a recorrente tinha permanecido na Dinamarca durante um período máximo de 44 semanas antes de perfazer os 22 anos de idade. Além disso, a recorrente no processo principal declarou ter permanecido na Dinamarca durante 5 semanas após os seus 22 anos de idade e ter feito parte da equipa nacional dinamarquesa de basquetebol feminino em 2015. Referiu igualmente que permaneceu cerca de 3 a 4 semanas em França no ano de 2005. No entanto, fora isso, nada indica que tenha permanecido no território de outro Estado‑Membro da União.

12.

Por Decisão de 31 de janeiro de 2017 (a seguir «decisão controvertida»), o Ministério da Imigração e da Integração informou a recorrente no processo principal da perda da sua nacionalidade dinamarquesa ao perfazer 22 anos de idade, por força do § 8, n.o 1, primeiro período, da Lei da Nacionalidade, e da impossibilidade de recorrer à derrogação prevista no § 8, n.o 1, segundo período, desta lei, uma vez que o seu pedido de manutenção da nacionalidade dinamarquesa tinha sido apresentado após os 22 anos de idade. Esta decisão indica, nomeadamente, que a recorrente no processo principal perdeu a sua nacionalidade dinamarquesa quando completou os 22 anos de idade porque nunca residiu na Dinamarca nem permaneceu em circunstâncias que revelem um vínculo estreito com esse Estado‑Membro, dado que o período total de permanência no território nacional, antes dos 22 anos de idade, foi, no máximo, apenas de 44 semanas.

13.

Em 9 de fevereiro de 2018, a recorrente no processo principal interpôs no Københavns byret (Tribunal de Primeira instância de Copenhaga, Dinamarca) um recurso de anulação da decisão controvertida e de reapreciação do processo. Por Despacho de 3 de abril de 2020, o litígio foi remetido ao Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este, Dinamarca), que decidiu apreciar o processo em primeira instância.

14.

Foi nessas circunstâncias que, por Decisão de 11 de outubro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de novembro de 2021, o Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 20.o TFUE, em conjugação com o artigo 7.o [da Carta], ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê, em princípio, a perda ex lege da nacionalidade desse Estado‑Membro aos 22 anos de idade no caso de pessoas nascidas fora desse Estado‑Membro, que aí nunca tenham vivido e que aí também não tenham residido em circunstâncias que indiquem a existência de um vínculo estreito com esse Estado‑Membro, o que implica que quem não possua também a cidadania de outro Estado‑Membro fique privado do seu estatuto de cidadão da União e dos direitos inerentes a esse estatuto, tendo em conta que decorre da legislação em causa no processo principal que:

a)

se presume a existência de um vínculo estreito com o Estado‑Membro, em particular após um período total de um ano de residência nesse Estado‑Membro,

b)

se for apresentado um pedido de manutenção de nacionalidade antes de a pessoa atingir os 22 anos de idade, pode ser obtida do Estado‑Membro uma autorização de manutenção da nacionalidade em condições menos rigorosas sendo que, para esse efeito, as autoridades competentes devem examinar as consequências da perda da nacionalidade, e

c)

a nacionalidade perdida após os 22 anos de idade da pessoa em causa só pode ser recuperada por via da naturalização, à qual estão associados um determinado número de requisitos, incluindo o de residência ininterrupta no Estado‑Membro por um período mais longo, embora este período de residência possa ser, de certo modo, encurtado para antigos nacionais desse Estado‑Membro?»

15.

A recorrente no processo principal, os Governos dinamarquês e francês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. As mesmas partes, com exceção do Governo francês, estiveram representadas na audiência realizada em 4 de outubro de 2022 e responderam às questões para resposta oral que lhes tinham sido colocadas pelo Tribunal de Justiça.

IV. Análise jurídica

16.

Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o TFUE, lido à luz do artigo 7.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro que prevê, em determinadas condições, a perda de pleno direito da nacionalidade desse Estado‑Membro aos 22 anos de idade por ausência de vínculo genuíno na falta de pedido de manutenção da nacionalidade antes dessa idade, que implica, para as pessoas que não tenham também a nacionalidade de outro Estado‑Membro, a perda do seu estatuto de cidadão da União e dos respetivos direitos, sem que se proceda, quando o pedido de manutenção da nacionalidade é apresentado após os 22 anos de idade, a uma apreciação individual, à luz do princípio da proporcionalidade, das consequências de tal perda para a situação dessas pessoas à luz do direito da União.

17.

As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, que recaem sobre a conformidade com o artigo 20.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 7.o da Carta, do regime de perda da nacionalidade dinamarquesa, previsto no § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade, que ocorre aos 22 anos de idade, devem‑se, por um lado, ao facto de a perda da nacionalidade e, por conseguinte, do estatuto de cidadão da União ser automática e de esta disposição não prever exceções e, por outro, à dificuldade de recuperar a nacionalidade por via de naturalização após essa idade.

18.

Na minha análise, começarei por indicar os aspetos relacionados com o litígio no processo principal que considero relevantes para o processo no Tribunal de Justiça (título A). Em seguida, exporei o fio condutor da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à perda do estatuto de cidadão da União, designadamente, do Acórdão Tjebbes e o., com base no qual o órgão jurisdicional de reenvio expôs as suas dúvidas relativas à conformidade do regime de perda da nacionalidade dinamarquesa com o direito da União (título B). Por último, analisarei a questão prejudicial à luz dessa jurisprudência, concentrando‑me, por um lado, na apreciação da legitimidade do objetivo de interesse geral prosseguido pela perda da nacionalidade dinamarquesa prevista na legislação em causa e, por outro, na fiscalização da proporcionalidade desta perda, que implica a perda do estatuto de cidadão da União, à luz do direito da União (título C).

A. Quanto aos aspetos do litígio no processo principal relevantes para o processo no Tribunal de Justiça

1.   Quanto às particularidades do regime dinamarquês de perda da nacionalidade em causa no litígio no processo principal

19.

Decorre do quadro jurídico exposto pelo órgão jurisdicional de reenvio que o regime de perda de pleno direito da nacionalidade dinamarquesa é estabelecido, por um lado, pelo § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade e pela prática administrativa do Ministério da Imigração e da Integração relativa à aplicação dessa disposição ( 5 ) e, por outro, pela Circular relativa à Naturalização, que fixa os requisitos exigidos, para a recuperação da nacionalidade, aos antigos nacionais dinamarqueses que perderam a sua nacionalidade dinamarquesa por força da referida disposição.

20.

Em primeiro lugar, no que respeita à Lei da Nacionalidade, recordo que o seu § 8, n.o 1, primeiro período, prevê a perda de pleno direito da nacionalidade dinamarquesa aos 22 anos de idade para qualquer nacional dinamarquês «nascid[o] no estrangeiro, que nunca tenha vivido [na Dinamarca] e que aí não tenha residido em circunstâncias que sugiram a existência de um vínculo estreito com a Dinamarca […] a menos que, por essa razão, se torne apátrida» ( 6 ). O § 8, n.o 1, segundo período, da referida lei prevê, porém, uma derrogação a esta regra, a saber, que esses nacionais podem, antes de completar 22 anos de idade, apresentar um pedido de manutenção da sua nacionalidade dinamarquesa ao Ministério da Imigração e da Integração.

21.

Em segundo lugar, no que respeita à prática administrativa do Ministério da Imigração e da Integração relativa à aplicação do § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade, o órgão jurisdicional de reenvio expõe os seguintes elementos.

22.

Antes de mais, relativamente à regra prevista no § 8, n.o 1, primeiro período, da Lei da Nacionalidade, esse órgão jurisdicional indica, no que respeita ao critério de permanência em causa no presente processo, que é feita uma distinção consoante o período de permanência na Dinamarca, antes dos 22 anos de idade, tenha sido de pelo menos um ano ou inferior a um ano. No primeiro caso, o Ministério da Imigração e da Integração reconhece a existência de um «vínculo estreito suficiente» com a Dinamarca para a manutenção da nacionalidade dinamarquesa. No segundo caso, as exigências relativas ao vínculo estreito que decorrem dessa prática administrativa são, contudo, mais estritas ( 7 ). Com efeito, o requerente deve justificar que a permanência por um período inferior a um ano é, no entanto, a expressão de um «veículo estreito particular com a Dinamarca». A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, de acordo com os trabalhos preparatórios da Lei da Nacionalidade ( 8 ), a permanência pode abranger períodos de serviço militar, de estudos superiores, de formação ou de férias recorrentes de uma determinada duração.

23.

Em seguida, no que respeita à derrogação prevista no § 8, n.o 1, segundo período, da Lei da Nacionalidade, o órgão jurisdicional de reenvio explica que, de acordo com a prática administrativa do Ministério da Imigração e da Integração, quando os requisitos de residência ou de permanência não estão preenchidos, e se o pedido tiver sido apresentado antes de completar os 22 anos de idade ( 9 ), é dada ênfase a uma série de outros elementos, tais como o período total de permanência do requerente na Dinamarca, o número de vezes em que permaneceu nesse Estado‑Membro, o facto de as permanências terem ocorrido pouco antes dos 22 anos de idade ou muitos anos antes, bem como o facto de o requerente falar fluentemente dinamarquês e ter, além disso, um vínculo com o referido Estado‑Membro.

24.

Por último, relativamente aos pedidos de manutenção da nacionalidade, resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio que o Ministério da Imigração e da Integração trata estes pedidos distinguindo três casos, consoante o requerente tenha, no momento da apresentação do pedido, menos de 21 anos, entre 21 e 22 anos ou mais de 22 anos de idade. Se o requerente tiver menos de 21 anos de idade, esse ministério limita‑se a emitir uma certidão de nacionalidade ao requerente, sem prejuízo da perda da nacionalidade dinamarquesa por força do § 8 da Lei da Nacionalidade, o que, segundo esse órgão jurisdicional, significa que o referido ministério não toma posição sobre a questão de saber se o requerente mantém a nacionalidade dinamarquesa, mas apenas sobre se possui esta nacionalidade. O referido órgão jurisdicional indica que isto se deve ao facto de, conforme a prática do próprio ministério, a apreciação da manutenção da nacionalidade dever ser efetuada o mais próximo possível dos 22 anos de idade.

25.

O órgão jurisdicional de reenvio precisa ainda que, embora essa prática administrativa dinamarquesa tenha continuado a aplicar‑se a despeito da prolação do Acórdão Tjebbes e o., posterior à decisão no processo principal, o § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade foi, todavia, alterado. Indica que esta alteração impõe ao Ministério da Imigração e da Integração a obrigação de doravante, em caso de pedido de manutenção da nacionalidade apresentado antes dos 22 anos de idade, tomar em consideração um determinado número de elementos adicionais para proceder a uma apreciação individual dos efeitos, à luz do direito da União, da perda da nacionalidade dinamarquesa e, por conseguinte, da cidadania da União. A este respeito, esse ministério deve apreciar se os efeitos são proporcionados ao objetivo da legislação em causa no processo principal, a saber, a existência de um vínculo genuíno entre os nacionais dinamarqueses e a Dinamarca.

26.

Em terceiro lugar, no que se refere à Circular relativa à Naturalização, o órgão jurisdicional de reenvio explica que os antigos nacionais dinamarqueses que perderam a nacionalidade dinamarquesa por força do § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade têm a possibilidade de pedir a nacionalidade dinamarquesa por via de naturalização e que, neste caso, devem, em princípio, preencher uma série de requisitos gerais de aquisição da nacionalidade dinamarquesa previstas por esta lei ( 10 ). Todavia, esses requisitos podem ser mais flexíveis para estes nacionais no que diz respeito ao período exigido de permanência ininterrupta de nove anos na Dinamarca ( 11 ). No entanto, resulta das indicações fornecidas por esse órgão jurisdicional que esta flexibilização tem, por um lado, um âmbito de aplicação muito limitado e, por outro, em nada altera o facto de que, em conformidade com o § 5, n.o 1, desta circular, o requerente deve residir no território nacional no momento do pedido ( 12 ).

2.   Quanto à situação da recorrente no processo principal

27.

No que respeita à situação da recorrente no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio expõe os seguintes factos apurados: tem dupla nacionalidade dinamarquesa e americana; nasceu nos Estados Unidos e nunca residiu na Dinamarca; permaneceu, no entanto, nesse Estado‑Membro durante 44 semanas antes dos 22 anos de idade e durante 5 semanas após esta idade; apresentou no Ministério da Imigração e da Integração um pedido de manutenção da nacionalidade 43 dias depois de ter completado 22 anos de idade; foi informada através da decisão controvertida, por um lado, da perda de pleno direito da sua nacionalidade dinamarquesa ao perfazer 22 anos de idade, por ausência de vínculo genuíno na falta de pedido de manutenção da nacionalidade antes dessa data, por força do § 8, n.o 1, primeiro período, da Lei da Nacionalidade, e, por outro, de que não beneficiava da derrogação prevista no § 8, n.o 1, segundo período, desta lei, uma vez que o seu pedido foi apresentado depois de ter completado 22 anos de idade.

B. Quanto ao fio condutor da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à perda do estatuto de cidadão da União

28.

Nos desenvolvimentos que se seguem, exporei a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à perda do estatuto de cidadão da União e os elementos importantes da sua evolução para a análise do presente processo.

1.   Acórdão Rottmann: consagração do princípio da fiscalização jurisdicional efetuada à luz do direito da União

29.

No seu Acórdão Rottmann ( 13 ), que era referente à apreciação de uma decisão de revogação da naturalização adotada pelas autoridades alemãs, o Tribunal de Justiça começou por confirmar o princípio, consagrado nos anos 90 ( 14 ), segundo o qual a competência dos Estados‑Membros em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade deve ser exercida com respeito pelo direito da União ( 15 ). Esclareceu, em seguida, o alcance deste princípio precisando que «o facto de uma matéria ser da competência dos Estados‑Membros não impede que, em situações abrangidas pelo direito da União, as normas nacionais em causa devam respeitar este direito» ( 16 ). Considerou assim que, tendo em conta o caráter fundamental do estatuto de cidadão da União conferido pelo artigo 20.o TFUE, a situação de um cidadão da União que é confrontado com uma decisão de revogação da naturalização adotada pelas autoridades de um Estado‑Membro, que o coloca, após ter perdido a nacionalidade originária de outro Estado‑Membro, numa situação suscetível de implicar a perda do referido estatuto e dos direitos correspondentes, está abrangida, em razão da sua própria natureza e das suas consequências, pelo direito da União ( 17 ).

30.

O Tribunal de Justiça consagrou igualmente o princípio segundo o qual, quando se trate de cidadãos da União, o exercício dessa competência, na medida em que afete os direitos conferidos e protegidos pela ordem jurídica da União, como é designadamente o caso de uma decisão de revogação da naturalização, é suscetível de fiscalização jurisdicional à luz do direito da União ( 18 ). Assim, após ter concluído pela legitimidade, no seu princípio, de uma decisão de revogação da naturalização baseada em atos fraudulentos ( 19 ), declarou que essa decisão pode, no entanto, ser objeto de uma apreciação da proporcionalidade para «ter em conta […] as eventuais consequências que essa decisão implica para o interessado e, eventualmente, para os membros da sua família, no que respeita à perda dos direitos de que goza qualquer cidadão da União» ( 20 ).

31.

Por último, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 20.o TFUE não se opõe a que um Estado‑Membro revogue a nacionalidade desse Estado‑Membro, que concedera, por naturalização, a um cidadão da União, quando esta tenha sido obtida de modo fraudulento, desde que a decisão de revogação respeite o princípio da proporcionalidade ( 21 ).

32.

Esta jurisprudência foi confirmada e completada em alguns pontos por dois acórdãos posteriores do Tribunal de Justiça.

2.   Acórdão Tjebbes e o.: importância da apreciação individual das consequências da perda do estatuto de cidadão da União no âmbito da fiscalização da proporcionalidade

33.

No Acórdão Tjebbes e o., relativo à apreciação à luz do direito da União de uma condição geral de perda de pleno direito da nacionalidade neerlandesa ( 22 ) e, por conseguinte, do estatuto de cidadão da União das interessadas ( 23 ), o ponto de partida do raciocínio do Tribunal de Justiça é a confirmação do princípio enunciado na jurisprudência anterior ( 24 ). Assim, baseando‑se nos n.os 42 e 45 do Acórdão Rottmann, o Tribunal de Justiça afirmou que a situação de cidadãos da União que só possuem a nacionalidade de um único Estado‑Membro e que, com a perda dessa nacionalidade, são confrontados com a perda do estatuto de cidadão da União conferido pelo artigo 20.o TFUE e dos direitos correspondentes, é abrangida, pela sua própria natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União e que, por conseguinte, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União no exercício da sua competência em matéria de nacionalidade ( 25 ).

34.

Mais precisamente, num primeiro momento, recordando, nomeadamente, que, no exercício da sua competência para definir os requisitos de aquisição e de perda da nacionalidade, é legítimo um Estado‑Membro considerar que a nacionalidade traduz a manifestação de um vínculo genuíno entre ele próprio e os seus nacionais, e, por conseguinte, atribuir à ausência ou à cessação de tal vínculo genuíno a perda da sua nacionalidade ( 26 ), o Tribunal de Justiça afirmou que o direito da União não se opõe, por princípio, a que, em situações como as previstas na legislação nacional em causa, um Estado‑Membro preveja, por motivos de interesse geral, a perda da sua nacionalidade, mesmo que implique para a pessoa interessada a perda do estatuto de cidadão da União ( 27 ).

35.

No entanto, num segundo momento, ao salientar a importância do respeito do princípio da proporcionalidade pelas autoridades competentes e pelos órgãos jurisdicionais nacionais nessas situações, o Tribunal de Justiça declarou que a perda de pleno direito da nacionalidade de um Estado‑Membro seria incompatível com este princípio se as normas nacionais pertinentes não permitissem, em nenhum momento, uma apreciação individual das consequências que esta perda implica para as pessoas interessadas à luz do direito da União ( 28 ).

36.

Daqui decorre, segundo o Tribunal de Justiça, que, numa situação em que a perda da nacionalidade de um Estado‑Membro opera de pleno direito e implica a perda do estatuto de cidadão da União, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais competentes devem poder apreciar, a título incidental, as consequências desta perda de nacionalidade e, eventualmente, providenciar para que a pessoa em causa recupere ex tunc a nacionalidade, aquando do pedido, por esta, de um documento de viagem ou de qualquer outro documento que comprove a sua nacionalidade ( 29 ). O Tribunal de Justiça acrescentou ainda que esta apreciação da proporcionalidade impõe que as autoridades nacionais e os órgãos jurisdicionais nacionais garantam que tal perda de nacionalidade está em conformidade com os direitos fundamentais garantidos pela Carta, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, e, especialmente, com o direito ao respeito pela vida familiar, tal como enunciado no artigo 7.o da Carta ( 30 ).

37.

A jurisprudência extraída dos Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o. foi confirmada no Acórdão Wiener Landesregierung, no qual o Tribunal de Justiça concluiu claramente pela falta de compatibilidade da decisão em causa neste último processo com o princípio da proporcionalidade.

3.   Acórdão Wiener Landesregierung: incompatibilidade da decisão controvertida em causa nesse processo com o princípio da proporcionalidade

38.

Permito‑me remeter para as considerações formuladas nas minhas Conclusões no processo Wiener Landesregierung ( 31 ) e limitar‑me‑ei a apresentar aqui, por uma questão de clareza, uma breve recapitulação dos elementos úteis do Acórdão Wiener Landesregierung para a análise das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no âmbito do presente processo.

39.

Nesse processo, um órgão jurisdicional austríaco pretendia saber se a situação de uma pessoa que, tendo a nacionalidade de um único Estado‑Membro, renuncia a essa nacionalidade e perde, por esse facto, o seu estatuto de cidadã da União, com vista a obter a nacionalidade austríaca, na sequência da garantia dada pelas autoridades austríacas de que esta nacionalidade lhe seria concedida, é abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União quando a garantia é revogada, o que tem por efeito impedir que a pessoa em causa recupere o estatuto de cidadã da União. O Tribunal de Justiça respondeu em sentido afirmativo a esta questão, confirmando assim a aplicabilidade do direito da União a tal situação ( 32 ).

40.

O órgão jurisdicional austríaco pretendia igualmente saber se as autoridades competentes e, sendo caso disso, os órgãos jurisdicionais nacionais do Estado‑Membro de acolhimento são obrigados a verificar se a decisão de revogar a garantia de concessão da nacionalidade desse Estado‑Membro, que torna definitiva a perda do estatuto de cidadão da União para a pessoa em causa, é compatível com o princípio da proporcionalidade tendo em conta as consequências que a mesma acarreta para a situação dessa pessoa. O Tribunal de Justiça respondeu igualmente em sentido afirmativo a esta questão, confirmando a obrigação dos órgãos jurisdicionais nacionais do Estado‑Membro de acolhimento de verificarem a compatibilidade da decisão nacional em causa com o princípio da proporcionalidade ( 33 ).

41.

Gostaria de chamar a atenção para determinados elementos desse acórdão.

42.

Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça salientou a importância da apreciação da situação individual da pessoa interessada e, sendo caso disso, da situação da sua família, no âmbito da apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade consagrado no direito da União ( 34 ). A este respeito, reiterou, nomeadamente, a sua jurisprudência constante segundo a qual incumbe às autoridades competentes e, sendo o caso, aos órgãos jurisdicionais nacionais garantir que a decisão nacional em causa está em conformidade com os direitos fundamentais garantidos pela Carta e, especialmente, com o direito ao respeito pela vida familiar, conforme enunciado no artigo 7.o da mesma ( 35 ).

43.

Em segundo lugar, após ter apreciado os motivos justificativos da decisão nacional que conduziu à perda do estatuto de cidadão da União invocados pelo Governo austríaco ( 36 ), o Tribunal de Justiça considerou que, tendo em conta as consequências importantes para a situação da pessoa em causa e, em especial, para o desenvolvimento normal da sua vida familiar e profissional, que a decisão de revogar a garantia de concessão da nacionalidade austríaca comportava, que tinha por efeito tornar definitiva a perda do estatuto de cidadão da União, esta decisão não se revelava proporcionada à gravidade das infrações cometidas por essa pessoa ( 37 ). Por conseguinte, declarou que «[a] exigência de compatibilidade com o princípio da proporcionalidade não é satisfeita quando essa decisão é justificada com contraordenações ao Código da Estrada, que, segundo o direito nacional aplicável, implicam uma simples sanção pecuniária». Por outras palavras, o Tribunal de Justiça concluiu firmemente, pela primeira vez no âmbito dessa jurisprudência, que tal decisão nacional não está em conformidade com o princípio da proporcionalidade do direito da União ( 38 ).

4.   Princípios jurisprudenciais relativos à análise das condições de aquisição e de perda da nacionalidade à luz do direito da União

44.

O fio condutor que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à perda do estatuto de cidadão da União é constituído essencialmente por dois princípios jurisprudenciais.

45.

O primeiro é o princípio segundo o qual a competência dos Estados‑Membros em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade deve ser exercida com respeito pelo direito da União. Compreender este princípio pressupõe entender efetivamente a distinção entre esta competência exclusiva e o seu exercício no respeito pela ordem jurídica da União. A este respeito, quero salientar que esta competência dos Estados‑Membros nunca foi posta em causa pelo Tribunal de Justiça. Como escreveu o advogado‑geral M. Poiares Maduro, «não é que a aquisição e a perda da nacionalidade (e, com isso, da cidadania da União) sejam, em si mesmas, reguladas pelo direito [da União], mas as condições da aquisição e da perda devem ser compatíveis com as regras [do direito da União] e respeitar os direitos […] do cidadão europeu» ( 39 ). Por conseguinte, não se trata de deduzir deste princípio a impossibilidade absoluta de revogar a nacionalidade, no caso de a sua perda implicar a perda do estatuto de cidadão da União, nem de considerar que as condições de aquisição e de perda da nacionalidade escapam ao controlo do direito da União ( 40 ). Com efeito, o estatuto de cidadão da União não pode ser privado do seu efeito útil e, assim, os direitos que ele confere não podem ser violados pela adoção de uma legislação nacional que não respeite o direito da União e, em especial, os princípios extraídos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal como foram acima recordados ( 41 ).

46.

O segundo é o princípio de que a fiscalização jurisdicional é efetuada à luz do direito da União e, em especial, do princípio da proporcionalidade. No âmbito do respeito pelo princípio da proporcionalidade, há vários elementos a reter: antes de mais, a apreciação individual das consequências da perda do estatuto de cidadão da União para a pessoa em causa e para os membros da sua família no que respeita à perda dos direitos de que goza qualquer cidadão da União; em seguida, a exigência da conformidade dessas consequências como os direitos fundamentais garantidos pela Carta e, por último, sendo o caso, a obrigação de fazer com que a pessoa em causa recupere ex tunc a nacionalidade. Estes elementos são essenciais à fiscalização jurisdicional efetuada à luz do direito da União, devendo a apreciação da proporcionalidade da perda da nacionalidade que implique a perda do estatuto de cidadão da União, exigido pelo Tribunal de Justiça, ser efetuado de maneira completa e minuciosa pelas autoridades competentes e pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

47.

Por conseguinte, não há dúvida de que é à luz destes princípios que a perda da nacionalidade, que implica a perda do estatuto de cidadão da União, prevista pela legislação em causa no processo principal, deve ser apreciada.

C. Quanto à aplicação dos princípios jurisprudenciais ao presente processo

48.

Recordo, desde já, que, por força do § 8, n.o 1, primeiro período, da Lei da Nacionalidade, a recorrente no processo principal perdeu ex lege a sua nacionalidade dinamarquesa ao perfazer 22 anos de idade por ausência de um vínculo genuíno com a Dinamarca e, dado que o seu pedido de manutenção da nacionalidade dinamarquesa foi apresentado após os 22 anos de idade, não pôde beneficiar da derrogação prevista no § 8, n.o 1, segundo período, desta lei.

49.

A recorrente no processo principal vê‑se, assim, confrontada com a perda do seu estatuto de cidadã da União, o qual, segundo jurisprudência constante, tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros ( 42 ).

50.

Atendendo ao quadro jurisprudencial acima exposto ( 43 ) e, em especial, ao Acórdão Tjebbes e o., é evidente que a situação de um cidadão da União que tenha a nacionalidade de um único Estado‑Membro e que seja confrontado com a perda do estatuto conferido pelo artigo 20.o TFUE e dos direitos correspondentes, é abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União ( 44 ). Daqui resulta que, uma vez que a situação da recorrente no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, a Dinamarca deve, no exercício da sua competência em matéria de nacionalidade, respeitar esse direito e que é à luz do mesmo que esta situação deve ser sujeita a fiscalização ( 45 ).

51.

Perante esta conclusão coloca‑se a questão de saber se a perda de pleno direito da nacionalidade prevista no § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade dinamarquesa, está em conformidade com o direito da União. Recordo que, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, para que a perda da nacionalidade prevista por uma legislação nacional seja conforme a este direito, deve corresponder a um motivo de interesse geral, o que implica que seja apta a alcançar o objetivo prosseguido e que a perda da nacionalidade que essa legislação acarreta não seja um ato arbitrário ( 46 ).

52.

A recorrente no processo principal alega que embora a perda automática e sem exceção da nacionalidade, prevista no § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade, prossiga um fim lícito e um objetivo de manutenção de um vínculo genuíno e de salvaguarda da relação especial de solidariedade e de lealdade entre o Estado‑Membro e os seus cidadãos, não é, todavia, apta a garantir este objetivo. Além disso, a perda automática prevista por essa disposição não é proporcionada e, consequentemente, é contrária ao artigo 20.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 7.o da Carta.

53.

Em contrapartida, o Governo dinamarquês alega, nas suas observações escritas, que a apreciação da legalidade e da proporcionalidade do § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade no que diz respeito a pessoas que tenham completado 22 anos de idade aquando do pedido de manutenção da nacionalidade deve basear‑se numa apreciação global do regime dinamarquês da perda e da recuperação da nacionalidade. A proporcionalidade da perda ex lege da nacionalidade dinamarquesa para as pessoas que perfaçam 22 anos de idade deve igualmente ser apreciada à luz das regras de conservação da nacionalidade até esta idade, que são, no seu conjunto, muito indulgentes. Além disso, esse Governo considera que a legalidade e a proporcionalidade das regras relativas à perda da nacionalidade dinamarquesa são sustentadas pelo facto de poder autorizar, com base numa apreciação casuística, a manutenção da nacionalidade quando o pedido é apresentado antes dos 22 anos de idade.

54.

Por conseguinte, apreciarei à luz da jurisprudência exposta, se a legislação nacional em causa, que prevê a perda da nacionalidade dinamarquesa e implica a perda do estatuto de cidadã da União da recorrente no processo principal, prossegue um motivo legítimo e é apta a alcançar o objetivo prosseguido, e se o regime de perda da nacionalidade dinamarquesa respeita o princípio da proporcionalidade no que se refere às consequências que acarreta para a situação da recorrente no processo principal.

1.   Quanto à apreciação da legitimidade do motivo de interesse geral prosseguido pelo regime de perda da nacionalidade dinamarquesa

55.

Em primeiro lugar, recordo que o Tribunal de Justiça já declarou que é legítimo um Estado‑Membro querer proteger a relação especial de solidariedade e de lealdade entre ele próprio e os seus nacionais, bem como a reciprocidade de direitos e de deveres, que são o fundamento do vínculo de nacionalidade ( 47 ). Assim, em seu entender é legítimo um Estado‑Membro considerar, no exercício da sua competência para definir as condições de aquisição e de perda da nacionalidade, que a nacionalidade traduz a manifestação de um vínculo genuíno entre ele próprio e os seus nacionais e, por conseguinte, atribuir à ausência ou à cessação de tal vínculo genuíno a perda da sua nacionalidade ( 48 ).

56.

Em segundo lugar, recordo igualmente que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar, no Acórdão Tjebbes e o., que um critério baseado na residência habitual dos nacionais desse Estado‑Membro durante um período suficientemente longo «fora d[o] Estado‑Membro [em causa] e dos territórios em que o Tratado UE é aplicável» pode ser considerado um fator que reflete a ausência desse vínculo genuíno ( 49 ).

57.

No presente processo, como resulta da decisão de reenvio, o § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade visa impedir a transmissão da nacionalidade dinamarquesa durante gerações a pessoas que não têm ou deixaram de ter um vínculo genuíno com a Dinamarca. Segundo o Governo dinamarquês, o legislador dinamarquês entendeu que as pessoas nascidas no estrangeiro e que não viveram na Dinamarca nem residiram de maneira significativa nesse Estado‑Membro perdem progressivamente a sua lealdade, solidariedade e seu vínculo com esse Estado‑Membro à medida que crescem ( 50 ).

58.

Nestas condições, sou de opinião de que, como alegam os Governos dinamarquês e francês e a Comissão, é, em princípio, legítimo um Estado‑Membro considerar que as pessoas nascidas no estrangeiro e que não residiram nem permaneceram nesse Estado‑Membro de maneira que demonstre um vínculo genuíno com o mesmo, possam perder progressivamente a sua relação de lealdade e de solidariedade, bem como o seu vínculo com o referido Estado‑Membro. A este respeito, saliento que o artigo 7.o, n.o 1, alínea e), da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade prevê que a nacionalidade pode ser perdida ex lege na ausência de um vínculo genuíno entre o Estado e um nacional que resida habitualmente no estrangeiro ( 51 ).

59.

Por conseguinte, parece‑me, em princípio, legítimo um Estado‑Membro, por um lado, decidir que critérios como a permanência no seu território por períodos de duração cumulada inferior a um ano não sejam indicativos de um vínculo genuíno com esse Estado‑Membro e, por outro, poder determinar uma idade, como no caso em apreço, os 22 anos de idade, para apreciar se as condições de perda da nacionalidade estão preenchidas.

60.

Dito isto, devo mencionar, para ser exaustivo, uma questão importante, suscitada pela Comissão nas suas observações escritas e debatida na audiência na sequência de uma questão do Tribunal de Justiça, que ultrapassa o problema com o qual o órgão jurisdicional de reenvio é confrontado. Trata‑se da questão de saber se um critério de perda da nacionalidade que assenta no facto de um cidadão dinamarquês residir fora da Dinamarca e que não distingue entre uma residência na União e uma residência num Estado terceiro pode ser considerado um critério legítimo à luz do direito da União, quando essa perda implica a perda do estatuto de cidadão da União ( 52 ).

61.

Com efeito, a aplicação deste critério de residência tem como consequência, conforme sublinhou acertadamente a Comissão nas suas observações escritas e orais, que uma pessoa, nacional dinamarquesa e com a nacionalidade de um Estado terceiro, nascida noutro Estado‑Membro, de mãe ou de pai dinamarquês que tenha exercido o seu direito à livre circulação ao abrigo do artigo 21.o TFUE, perca assim a sua nacionalidade dinamarquesa de pleno direito e, por conseguinte, o seu estatuto de cidadão da União, se, ao completar 22 anos de idade, preencher os requisitos cumulativos previstos no § 8, n.o 1, primeiro período, da Lei da Nacionalidade e não beneficiar da derrogação prevista no § 8, n.o 1, segundo período, desta lei. Por outras palavras, o exercício dos direitos inerentes ao estatuto de cidadã da União dos seus progenitores leva, paradoxalmente, a que essa pessoa perca a totalidade dos direitos inerentes ao seu estatuto de cidadão da União ( 53 ). Além disso, esta perda também ocorre quando essa pessoa, nascida noutro Estado‑Membro, exerça, entre os 18 e 22 anos de idade, o seu direito de livre circulação e de permanência, designadamente, para trabalhar ou permanecer noutro Estado‑Membro ( 54 ).

62.

A este respeito, embora partilhe das dúvidas da Comissão sobre a legitimidade desse critério de residência e do seu impacto geral sobre a livre circulação dos cidadãos na União, não creio que, no presente processo, uma análise específica e aprofundada centrada neste elemento seja necessária para responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, com exceção de uma permanência de 3 ou 4 semanas em França ( 55 ), a recorrente no processo principal não permaneceu noutro Estado‑Membro além da Dinamarca e residiu sempre nos Estados Unidos. Farei, no entanto, as seguintes observações para o caso de o Tribunal de Justiça ter um entendimento diferente.

63.

Antes de mais, recordo que o problema exposto nos números anteriores não se colocava no processo que deu origem ao Acórdão Tjebbes e o., uma vez que o critério baseado na residência previsto pela legislação neerlandesa controvertida no processo que deu origem a esse acórdão não estabelecia uma distinção entre uma residência no Países Baixos e uma residência noutro Estado‑Membro ( 56 ). Assim, embora seja verdade que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que esse critério refletia a ausência de vínculo genuíno, teve, no entanto, o cuidado de especificar que se tratava de uma residência «fora d[o] Estado‑Membro [em causa] e dos territórios em que o Tratado UE é aplicável» ( 57 ).

64.

Em seguida, importa não esquecer que, no que se refere a cidadãos da União nascidos no Estado‑Membro de acolhimento e que nunca exerceram o direito à livre circulação, o Tribunal de Justiça já declarou que esses cidadãos têm o direito de invocar o artigo 21.o, n.o 1, TFUE e as disposições adotadas em sua aplicação ( 58 ).

65.

Por último, parece‑me evidente que um critério que não estabeleça uma distinção, a propósito da perda da nacionalidade aos 22 anos de idade que implica para a pessoa em causa a perda do seu estatuto de cidadã da União, entre uma residência ou permanência num Estado terceiro e uma residência ou permanência num Estado‑Membro constitui uma clara limitação do direito de livre circulação e de permanência no território dos Estados‑Membros, que pode dissuadir o nacional dinamarquês do exercício desse direito ( 59 ). Devo salientar, a este respeito, que não vejo como se poderia afirmar que tal restrição do direito de livre circulação e de permanência dos cidadãos da União é proporcionada. Com efeito, o facto de um cidadão da União poder perder a sua nacionalidade por ter estabelecido a sua residência num Estado‑Membro que não o dessa nacionalidade restringe, a meu ver, de maneira desproporcionada o direito de livre circulação e de permanência desse cidadão. Conforme salientou, legitimamente, a Comissão na audiência, a residência e a permanência no território da União não devem ser consideradas uma rutura do vínculo real que existe entre um cidadão da União e o seu Estado‑Membro de origem.

66.

Nestas condições, e tendo em conta as minhas reservas no que respeita aos efeitos sobre a livre circulação dos cidadãos na União de um critério de residência como o previsto no § 8, n.o 1, primeiro período, da Lei da Nacionalidade, considero que, nas circunstâncias do processo principal, o direito da União não se opõe, por princípio, a que, nas situações referidas nesta disposição, um Estado‑Membro preveja, por motivos de interesse geral, a perda da nacionalidade, mesmo que esta perda implique, para a pessoa interessada, a perda do seu estatuto de cidadã da União.

2.   Quanto à fiscalização da proporcionalidade da legislação nacional em causa atendendo às consequências que implica para a pessoa interessada

67.

À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça e, em especial, dos n.os 40 a 42 do Acórdão Tjebbes e o. ( 60 ), tenho dúvidas quanto ao respeito do princípio da proporcionalidade pelo regime de perda da nacionalidade dinamarquesa, que ocorre aos 22 anos de idade, conforme previsto no § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade e aplicado, na prática administrativa, pelas autoridades dinamarquesas. As minhas dúvidas não têm apenas origem num único aspeto da legislação em causa no processo principal, mas em vários elementos constitutivos desse regime e relativos, por um lado, à falta de apreciação individual das consequências da perda do estatuto de cidadão da União à luz do direito da União para qualquer pessoa que tenha apresentado o seu pedido após os 22 anos de idade e, por outro, à não recuperação ex tunc da nacionalidade perdida.

a)   Quanto à falta sistemática de apreciação individual das consequências da perda do estatuto de cidadão da União à luz do direito da União para qualquer pessoa que tenha apresentado o seu pedido após os 22 anos de idade

68.

Recordo que as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio se prendem com o facto de a perda da nacionalidade dinamarquesa e, assim, do estatuto de cidadão da União ser automática e de a Lei da Nacionalidade não prever nenhuma exceção. Conforme salientou a Comissão na audiência, na situação em causa no processo principal, a pessoa afetada por essa perda nunca beneficiou de uma apreciação individual da sua situação e, sendo caso disso, da situação da sua família. Este ponto parece‑me estar no cerne das dificuldades colocadas pelo regime de perda de pleno direito da nacionalidade contestado no presente processo.

69.

Em primeiro lugar, saliento que a única via de que dispõe um nacional dinamarquês para poder beneficiar de uma apreciação individual das consequências da perda da nacionalidade, que implica a perda do estatuto de cidadão da União, à luz do direito da União, é a apresentação de um pedido de manutenção da nacionalidade dinamarquesa antes de completar os 22 anos de idade ( 61 ) e, mais precisamente, entre os 21 e 22 anos de idade ( 62 ), o que, em meu entender, é um período muito curto. Se o seu pedido for apresentado após esta idade, apenas será apreciado para verificar se os requisitos previstos no § 8, n.o 1, primeiro período, da Lei da Nacionalidade estão preenchidos. Se for o caso, o seu pedido é automaticamente indeferido ( 63 ) e a pessoa interessada não só perde a nacionalidade dinamarquesa e, assim, o seu estatuto de cidadão da União, como não beneficia, em nenhum momento, de uma apreciação individual das consequências dessa perda à luz do direito da União.

70.

Em segundo lugar, observo que resulta das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, na sequência da prolação do Acórdão Tjebbes e o., o Ministério da Imigração e da Integração decidiu que os antigos nacionais dinamarqueses que completaram 22 anos de idade a 1 de novembro de 1993 ou após esta data, que tinham requerido a manutenção da sua nacionalidade dinamarquesa antes de terem completado 22 anos de idade e que tinham sido objeto de uma decisão de perda da nacionalidade por força do § 8 da Lei da Nacionalidade, que implicou a perda da sua cidadania da União, podiam pedir a reapreciação desta decisão ( 64 ). Assim, enquanto esses nacionais puderam beneficiar dessa reapreciação à luz do direito da União, a recorrente no processo principal, que completou 22 anos de idade após 1 de novembro de 1993, não pôde, porém, beneficiar da mesma, dado que tinha apresentado o seu pedido de manutenção da nacionalidade 43 dias após os 22 anos de idade.

1) Quanto às objeções alegadas pelo Governo dinamarquês

71.

No que respeita à razão da manutenção do requisito previsto no § 8, n.o 1, primeiro período, da Lei da Nacionalidade, segundo a qual o pedido de manutenção da nacionalidade dinamarquesa deve ser apresentado antes dos 22 anos de idade, o órgão jurisdicional de reenvio indica que resulta dos trabalhos preparatórios desta disposição que, quando da sua alteração pelo legislador dinamarquês para ser conforme ao Acórdão Tjebbes e o., este considerou que «esse acórdão não parece impor a possibilidade sistemática de tal apreciação [individual]».

72.

A este respeito, o Governo dinamarquês alegou, nas suas observações escritas e orais, que não decorre do Acórdão Tjebbes e o. que uma apreciação individual deva ser possível a qualquer momento, quando a pessoa interessada assim o pretender. Segundo a sua interpretação desse acórdão, basta que tal apreciação individual possa ser efetuada, o que, em seu entender, é o caso se o pedido de manutenção da nacionalidade for apresentado antes dos 22 anos de idade.

73.

No presente processo, caso essa interpretação fosse aceite, colocar‑se‑iam as seguintes questões: deve considerar‑se, em determinadas situações, que uma pessoa pode perder a nacionalidade de um Estado‑Membro, que implica a perda do estatuto de cidadão da União, sem que seja efetuada, em nenhum momento, uma apreciação individual dessa perda e das consequências que acarreta para a pessoa em causa à luz do direito da União? Deve considerar‑se, como sugere esse governo, que a obrigação dos Estados‑Membros de efetuar esta apreciação individual, conforme estabelecida na jurisprudência do Tribunal de Justiça, pode ser limitada por um prazo de caducidade?

74.

Estas questões levam‑me claramente a concluir que essa interpretação do Acórdão Tjebbes e o. dada pelo legislador e pelo Governo dinamarquês não pode ser acolhida na medida em que assenta numa leitura errada deste acórdão.

75.

Em primeiro lugar, essa leitura viola, em meu entender, a obrigação das autoridades competentes e dos órgãos jurisdicionais nacionais, por um lado, de respeitarem o princípio da proporcionalidade em matéria de perda do estatuto de cidadão da União e, por outro, de efetuarem, no âmbito do respeito por este princípio, uma apreciação individual das consequências da perda deste estatuto à luz do direito da União.

76.

Em segundo lugar, essa interpretação equivale a permitir aos Estados‑Membros esvaziar o artigo 20.o TFUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, do seu efeito útil em situações como a do processo principal. Recordo que, segundo jurisprudência constante, o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros. Este estatuto não pode, assim, ser privado do seu efeito útil e, por isso, os direitos que confere não podem ser violados pela adoção de uma legislação nacional que não respeite o direito da União.

2) Quanto à leitura correta do Acórdão Tjebbes e o.

77.

Recordo que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio segundo o qual a competência dos Estados‑Membros em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade deve ser exercida com respeito pelo direito da União não permite considerar que as condições de perda da nacionalidade, que implica a perda do estatuto de cidadão da União, escapam à fiscalização do direito da União ( 65 ). A este respeito, o Tribunal de Justiça afirmou, no Acórdão Tjebbes e o., que a perda de pleno direito da nacionalidade de um Estado‑Membro seria incompatível com o princípio da proporcionalidade se as regras nacionais pertinentes não permitissem, em nenhum momento, uma apreciação individual das consequências que esta perda implica para as pessoas interessadas à luz do direito da União ( 66 ).

78.

Ora, ao contrário do que afirmou o Tribunal de Justiça nos n.os 41 e 42 do Acórdão Tjebbes e o., numa situação como a da recorrente no processo principal, em que a perda da nacionalidade dinamarquesa opera de pleno direito e implica a perda do estatuto de cidadão da União, constato que as autoridades dinamarquesas não estão em condições de apreciar, a título incidental, as consequências desta perda para todos os nacionais dinamarqueses que apresentaram o pedido de manutenção da sua nacionalidade dinamarquesa após os 22 anos de idade. Com efeito, estes nacionais não beneficiam, em nenhum momento, de uma apreciação individual da proporcionalidade das consequências que sofrem devido a essa perda à luz do direito da União. A falta de tal apreciação é, em meu entender, não só automática, como refere o órgão jurisdicional de reenvio, mas também sistemática.

79.

Uma leitura correta do Acórdão Tjebbes e o. exige que todas as situações de perda de nacionalidade que implique a perda do estatuto de cidadão da União devem poder ser apreciadas à luz do princípio da proporcionalidade, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao artigo 20.o TFUE, o que resulta na obrigação de ser efetuada uma apreciação individual também para as pessoas que se encontrem numa situação como a da recorrente no processo principal. Ora, tendo em conta a legislação em causa no processo principal, determinadas situações em que a perda do estatuto de cidadão da União tenha potencialmente consequências desproporcionadas nunca poderão ser apreciadas à luz do direito da União, apesar de as pessoas interessadas perderem todos os direitos associados a esse estatuto.

80.

Isto é aceitável? Penso que não.

81.

A este respeito, recordo que o Tribunal de Justiça já declarou, no Acórdão Wiener Landesregierung, que qualquer perda, ainda que provisória, do estatuto de cidadão da União implica que a pessoa em causa seja privada, durante um período indeterminado, da possibilidade de gozar de todos os direitos conferidos por esse estatuto ( 67 ). Por conseguinte, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que uma pessoa já perdeu a sua nacionalidade de pleno direito aos 22 anos de idade e, por conseguinte, o seu estatuto de cidadã da União sem ter tido a possibilidade de contestar esta perda, tendo em conta as consequências que esta lhe acarreta, à luz do direito da União, o Estado‑Membro em causa tem a obrigação de assegurar o efeito útil do artigo 20.o TFUE.

82.

Embora, como no caso em apreço, os motivos da perda da nacionalidade, que implica a perda do estatuto de cidadão da União, sejam, em princípio, legítimos, esta perda só pode ocorrer se as autoridades competentes e os órgãos jurisdicionais respeitarem o princípio da proporcionalidade. Uma coisa é uma legislação nacional poder prever uma regra de perda da nacionalidade ex lege, sendo tal escolha legislativa da competência exclusiva dos Estados‑Membros. Outra coisa é o facto do procedimento nacional previsto por esta legislação não permitir à pessoa interessada contestar essa perda no âmbito de uma fiscalização da proporcionalidade ( 68 ) e, deste modo, beneficiar de uma apreciação individual das consequências da perda. O facto de um Estado‑Membro poder legitimamente prever a perda ex lege da nacionalidade deve, assim, ser distinguido do respeito pelo princípio da proporcionalidade desta perda à luz do direito da União.

83.

Nestas circunstâncias, poder‑se‑ia arguir que essa total e sistemática falta de apreciação individual para as pessoas que efetuaram o seu pedido após os 22 anos de idade não seria adequada para alcançar o objetivo prosseguido pela obrigação de efetuar uma apreciação da proporcionalidade, a saber, permitir‑lhes conservar a nacionalidade do Estado‑Membro em questão e, por conseguinte, o estatuto de cidadão da União, e que a privação da nacionalidade que a disposição controvertida implica seria um ato arbitrário e incoerente.

84.

A título exemplificativo, vejamos a situação de duas irmãs, AA e BB, que têm a nacionalidade dinamarquesa. AA nasceu na Dinamarca, mas mudou‑se para os Estados Unidos com os seus pais poucos meses após o seu nascimento. Em contrapartida, BB nasceu nos Estados Unidos e está na mesma situação da recorrente no processo principal. Neste caso, a aplicação do § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade a estas duas irmãs terá como consequência que AA conserva a nacionalidade dinamarquesa graças ao seu nascimento na Dinamarca, enquanto a sua irmã BB, que apresentou o seu pedido de manutenção da nacionalidade dinamarquesa pouco depois de completar 22 anos de idade, perde a sua nacionalidade de forma automática e, por conseguinte, o estatuto de cidadã da União, sem ter a possibilidade de contestar essa perda.

85.

No caso em apreço, a recorrente no processo principal indicou, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça na audiência, que o seu irmão e a sua irmã puderam conservar a sua nacionalidade dinamarquesa e, por conseguinte, o seu estatuto de cidadãos da União porque tinham apresentado atempadamente o pedido. Estamos, assim, perante uma situação em que, na sua família, a recorrente no processo principal foi a única que perdeu a nacionalidade dinamarquesa e, assim, o seu estatuto de cidadã da União.

86.

A este respeito, importa recordar que a apreciação individual da situação da pessoa interessada exige, sendo o caso, apreciar a situação da sua família para determinar se a perda da nacionalidade do Estado‑Membro em causa, quando implica a perda do estatuto de cidadã da União, terá consequências que afetarão de forma desproporcionada, em relação ao objetivo prosseguido pelo legislador nacional, o desenvolvimento normal da sua vida familiar e profissional, à luz do direito da União ( 69 ). Sem esta apreciação da proporcionalidade, as autoridades nacionais competentes e, sendo o caso, os órgãos jurisdicionais nacionais não estarão em condições de garantir que a perda da nacionalidade é conforme com os direitos fundamentais garantidos pela Carta, designadamente, com o direito ao respeito pela vida familiar, conforme enunciado no artigo 7.o da Carta ( 70 ).

87.

Por conseguinte, considero que, independentemente da escolha legítima do legislador nacional de estabelecer ou não uma data‑limite para a perda ex lege da nacionalidade, as autoridades competentes ou, sendo o caso, os órgãos jurisdicionais devem estar em condições de apreciar individualmente qualquer perda de nacionalidade que implique a perda do estatuto de cidadão da União, aquando da apresentação do pedido de manutenção da nacionalidade. Neste caso, coloca‑se a questão de saber qual deveria ser o período a ter em conta para efetuar tal apreciação no âmbito da fiscalização da proporcionalidade. A este respeito, a Comissão alega, legitimamente, que a apreciação poderia ser efetuada tomando em consideração a situação do interessado aos 22 anos de idade. Uma vez que a apreciação individual também seria possível para um pedido de manutenção da nacionalidade apresentado após os 22 anos de idade, essa limitação do período considerado para proceder à apreciação respeitaria, em meu entender, tanto o princípio da segurança jurídica como o princípio da proporcionalidade. A este propósito, há que acrescentar que, caso a referida apreciação fosse efetuada tomando em consideração a situação da pessoa interessada aos 22 anos de idade, a eventual existência de factos novos em determinadas situações poderia exigir, no entanto, uma nova apreciação dos mesmos.

b)   Quanto à falta de recuperação ex tunc da nacionalidade num regime de perda de pleno direito da mesma com a possibilidade de recuperação posterior no âmbito de um procedimento geral de naturalização

88.

Como já foi referido, o órgão jurisdicional de reenvio também questiona a dificuldade de recuperar a nacionalidade por naturalização após os 22 anos de idade. A este respeito, o Governo dinamarquês alega que a apreciação da proporcionalidade da perda da nacionalidade prevista no § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade, em relação às pessoas que tenham completado 22 anos de idade aquando do pedido de manutenção da nacionalidade, deve assentar numa apreciação global do regime dinamarquês da perda e da recuperação da nacionalidade.

89.

A este respeito, conforme já mencionei, o regime de perda de pleno direito da nacionalidade confere aos antigos nacionais dinamarqueses a possibilidade de recuperar esta nacionalidade posteriormente no âmbito do procedimento geral de naturalização, desde que preencham uma série de requisitos, entre os quais residir no território nacional aquando do pedido de naturalização e ter nove anos de residência ininterrupta na Dinamarca ( 71 ).

90.

Essa possibilidade de recuperar a nacionalidade é suficiente para considerar que o regime de perda de pleno direito da nacionalidade dinamarquesa está em conformidade com os requisitos decorrentes do direito da União, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Tjebbes e o.?

91.

Penso que não.

92.

Em primeiro lugar, como já expus, o Tribunal de Justiça consagrou, na sua jurisprudência, o princípio segundo o qual a competência dos Estados‑Membros em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade deve ser exercida com respeito pelo direito da União ( 72 ).

93.

Em segundo lugar, conforme já foi igualmente mencionado, o Tribunal de Justiça já declarou que, numa situação em que a perda da nacionalidade de um Estado‑Membro opere de pleno direito e implique a perda do estatuto de cidadão da União, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais competentes devem poder não só apreciar, a título incidental, as consequências desta perda de nacionalidade, mas também, eventualmente, providenciar para que a pessoa em causa recupere ex tunc a nacionalidade, aquando do pedido, por esta, de um documento de viagem ou de qualquer outro documento que comprove a sua nacionalidade ( 73 ).

94.

Há que observar que o regime de perda da nacionalidade dinamarquesa em causa no processo principal não prevê essa possibilidade, contrariamente ao que declarou o Tribunal de Justiça no Acórdão Tjebbes e o. Ora, essa perda da nacionalidade, ainda que por um período determinado de alguns anos, como no caso em apreço, implica que a pessoa em causa fique privada, durante todo esse período, da possibilidade de exercer todos os direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União ( 74 ). Por conseguinte, considero que esta possibilidade de recuperar a nacionalidade não basta, mesmo em caso de flexibilização dos requisitos gerais em matéria de permanência, para considerar que o regime de perda de pleno direito da nacionalidade dinamarquesa está em conformidade com os requisitos decorrentes do princípio da proporcionalidade nos termos do artigo 20.o TFUE.

95.

Nestas condições, considero que uma fiscalização da proporcionalidade, à luz do direito da União, das consequências que a perda da nacionalidade acarreta, quando implica a perda do estatuto de cidadão da União, que apenas é efetuada se for pedida antes de a pessoa interessada completar os 22 anos de idade e sem providenciar para que esta pessoa recupere ex tunc a nacionalidade não é suficiente para satisfazer as exigências decorrentes do direito da União, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Tjebbes e o.

V. Conclusão

96.

Atendendo a todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este, Dinamarca) do seguinte modo:

O artigo 20.o TFUE, lido à luz do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que prevê, em determinadas condições, a perda de pleno direito da nacionalidade desse Estado‑Membro aos 22 anos de idade por ausência de um vínculo genuíno na falta de um pedido de manutenção da nacionalidade antes dessa idade, que implica, para as pessoas que não tenham também a nacionalidade de outro Estado‑Membro, a perda do seu estatuto de cidadão da União e dos direitos correspondentes, sem que se proceda, quando esse pedido é apresentado após os 22 anos de idade, a uma apreciação individual, à luz do princípio da proporcionalidade, das consequências de tal perda para a situação dessas pessoas nos termos do direito da União com a possibilidade de recuperação ex tunc da nacionalidade quando pedem um documento de viagem ou qualquer outro documento que comprove a sua nacionalidade.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão de 2 de março de 2010 (C‑135/08, a seguir «Acórdão Rottmann, EU:C:2010:104).

( 3 ) Acórdão de 12 de março de 2019 (C‑221/17, a seguir «Acórdão Tjebbes e o.», EU:C:2019:189).

( 4 ) Acórdão de 18 de janeiro de 2022 (C‑118/20, a seguir «Acórdão Wiener Landesregierung, EU:C:2022:34).

( 5 ) Resulta da decisão de reenvio que a prática administrativa do Ministério da Imigração e da Integração relativa à aplicação do § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade se baseia nos trabalhos preparatórios dessa disposição.

( 6 ) Quanto ao critério da residência, que não está em causa no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio explica que, de acordo com a prática administrativa do Ministério da Imigração e da Integração, este critério está preenchido quer quando se trata de uma residência registada no registo central de pessoas (CPR) de, pelo menos, três meses antes dos 22 anos de idade, quer quando a pessoa em causa possa provar que teve uma morada na Dinamarca durante, pelo menos, três meses consecutivos antes da referida idade e que, desde o início, se destinava a ter uma duração de pelo menos três meses. Segundo esse órgão jurisdicional, o facto de residir, nomeadamente, na Finlândia ou na Suécia durante um período de pelo menos sete anos é equiparado a uma residência na Dinamarca.

( 7 ) Decorre da decisão de reenvio que, neste caso, de acordo com a prática administrativa do Ministério da Imigração e da Integração, poderá nomeadamente ser dada ênfase à questão de saber se as permanências ocorreram pouco antes dos 22 anos de idade ou muitos anos antes, se devem traduzir uma vontade própria do requerente de visitar a Dinamarca ou resultam, designadamente, de decisões tomadas pelos pais ou pela entidade patronal.

( 8 ) O órgão jurisdicional de reenvio faz referência à secção 2.2.2. da exposição de motivos do Projeto de Lei n.o L 138 de 28 de janeiro de 2004, relativamente ao § 8 da Lei da Nacionalidade.

( 9 ) Importa recordar que este requisito resulta do § 8, n.o 1, segundo período, da Lei da Nacionalidade.

( 10 ) Quanto a esses requisitos gerais, v. n.o 8 das presentes conclusões. O órgão jurisdicional de reenvio indica que o § 44, n.o 1, da Constituição prevê que nenhum estrangeiro pode obter a nacionalidade dinamarquesa sem ser por força da lei. Assim, a naturalização deve ser feita através de uma lei que mencione expressamente o nome de cada pessoa naturalizada.

( 11 ) V., a este respeito, n.o 9 das presentes conclusões.

( 12 ) Quanto à prática administrativa do Ministério da Imigração e da Integração relativa ao critério de «residência», v. nota 10 das presentes conclusões.

( 13 ) Recorde‑se que J. Rottmann tinha adquirido a nacionalidade alemã através de naturalização fraudulenta.

( 14 ) V. Acórdão de 7 de julho de 1992, Micheletti e o. (C‑369/90, EU:C:1992:295, n.o 10), segundo o qual «[a] definição das condições de aquisição e de perda da nacionalidade é, nos termos do direito internacional, da competência de cada Estado‑Membro, que deve exercê‑la no respeito pelo direito [da União]». O sublinhado é meu. Recordo que o Tribunal de Justiça já tinha esboçado esta ideia nos Acórdãos de 7 de fevereiro de 1979, Auer (136/78, EU:C:1979:34, n.o 28), e de 12 de novembro de 1981, Airola/Comissão (72/80, EU:C:1981:267, n.os 8 e seguintes). Com efeito, trata‑se de um princípio geral do direito da União aplicado no domínio da cidadania da União.

( 15 ) Acórdão Rottmann, n.os 39 e 45 e jurisprudência referida.

( 16 ) Acórdão Rottmann, n.o 41 e jurisprudência referida. Quero recordar que, no n.o 41, deste acórdão, o Tribunal de Justiça se baseou em jurisprudência constante relativa a situações nas quais uma legislação adotada numa matéria da competência nacional é apreciada à luz do direito da União. V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro nesse processo (C‑135/08, EU:C:2009:588, n.o 20).

( 17 ) Acórdão Rottmann, n.os 42 e 43.

( 18 ) Acórdão Rottmann, n.o 48.

( 19 ) Acórdão Rottmann, n.o 54. V., igualmente, n.os 51 a 53.

( 20 ) Acórdão Rottmann, n.o 56. O sublinhado é meu.

( 21 ) Acórdão Rottmann, n.o 59 e dispositivo.

( 22 ) Nomeadamente, o facto de qualquer nacional neerlandês que possua igualmente a nacionalidade de outro Estado‑Membro permanecer fora dos Países Baixos e dos territórios aos quais o Tratado UE é aplicável durante um período ininterrupto de dez anos.

( 23 ) No processo que deu origem ao Acórdão Rottmann, tratava‑se de uma decisão individual de revogação da nacionalidade, baseada no comportamento do interessado.

( 24 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 30 e jurisprudência referida.

( 25 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 32.

( 26 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 35. V., igualmente, Acórdão Rottmann, n.o 51.

( 27 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 39.

( 28 ) Acórdão Tjebbes e o., n.os 40 e 41.

( 29 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 42 e dispositivo.

( 30 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 45 e dispositivo.

( 31 ) C‑118/20, EU:C:2021:530. V. n.os 47 e seguintes.

( 32 ) Acórdão Wiener Landesregierung, n.o 44 e ponto 1 do dispositivo.

( 33 ) Acórdão Wiener Landesregierung, n.o 58 e jurisprudência referida. Importa salientar que, no n.o 49 desse acórdão, no âmbito da apreciação da segunda questão prejudicial, o Tribunal de Justiça declarou, fazendo referência ao n.o 62 do Acórdão Rottmann, que os princípios que decorrem do direito da União no que respeita à competência dos Estados‑Membros em matéria de nacionalidade e à obrigação de estes exercerem essa competência no respeito do direito da União se aplicam tanto ao Estado‑Membro de acolhimento como ao Estado‑Membro da nacionalidade de origem.

( 34 ) Acórdão Wiener Landesregierung, n.o 59 e jurisprudência referida.

( 35 ) Acórdão Wiener Landesregierung, n.o 61 e jurisprudência referida.

( 36 ) Acórdão Wiener Landesregierung, n.os 60 e 62 a 72.

( 37 ) Acórdão Wiener Landesregierung, n.o 73.

( 38 ) Acórdão Wiener Landesregierung, n.o 74 e ponto 2 do dispositivo.

( 39 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Rottmann (C‑135/08, EU:C:2009:588, n.o 23). O sublinhado é meu.

( 40 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Rottmann (C‑135/08, EU:C:2009:588, n.o 23).

( 41 ) V., a este respeito, Acórdãos Rottmann, n.os 41 a 43, 45, 48, 56 e 59; Tjebbes e o., n.os 30, 32, 40 a 42 e 45, e Wiener Landesregierung, n.os 44, 59, 61 e 73. V., igualmente, n.os 29 a 43 e, em especial, n.o 45 das presentes conclusões.

( 42 ) Acórdãos de 20 de setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, EU:C:2001:458, n.o 31), e Wiener Landesregierung (n.o 38 e jurisprudência referida).

( 43 ) V. n.os 29, 30 e 33 das presentes conclusões.

( 44 ) V. Acórdão Tjebbes e o., n.o 32.

( 45 ) V., a este respeito, Acórdãos Rottmann, n.os 42 e 45, e Tjebbes e o., n.o 32. O Governo dinamarquês alegou, na audiência, que resulta da decisão dos chefes de Estado e de governo reunidos no Conselho Europeu de Edimburgo, em 11 e 12 de dezembro de 1992, que o Reino da Dinamarca dispõe de um amplo poder de apreciação quando se trata de definir as condições de aquisição e de perda da nacionalidade e tem uma posição particular no que respeita à cidadania da União. No entanto, a Comissão recordou que os trechos pertinentes desta decisão relativos à cidadania da União são redigidos em termos iguais aos da Declaração n.o 2 relativa à nacionalidade de um Estado‑Membro, junta pelos Estados‑Membros à Ata Final do Tratado UE. V., a este respeito, Acórdão Rottmann, n.o 40. Também recordou que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a competência dos Estados‑Membros em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade deve ser exercida no respeito pelo direito da União. V., nomeadamente, Acórdão Rottmann, n.o 41.

( 46 ) V., neste sentido, Acórdão Rottmann, n.os 51 a 54.

( 47 ) Acórdãos Rottmann, n.o 51; Tjebbes e o., n.o 32, e Wiener Landesregierung, n.o 52.

( 48 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 35. V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Tjebbes e o. (C‑221/17, EU:C:2018:572, n.o 53).

( 49 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 36. V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Tjebbes e o. (C‑221/17, EU:C:2018:572, n.o 54). O sublinhado é meu.

( 50 ) Embora me interrogue sobre a questão de saber se esta perda progressiva do vínculo genuíno pode ser generalizada a todas as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação da disposição controvertida, estou de acordo em considerar que pode existir, em princípio, um risco para que essa perda progressiva do vínculo genuíno possa ocorrer em determinados casos. Além disso, parece‑me perfeitamente possível considerar que certos cidadãos da União possam ter um vínculo genuíno com mais de um Estado‑Membro. Pôr em dúvida esta constatação é pôr em dúvida a própria essência da cidadania da União. Seria, a meu ver, paradoxal não aceitar as eventuais consequências para os cidadãos nacionais do exercício, designadamente, de uma das liberdades fundamentais da União, a saber, a livre circulação de pessoas.

( 51 ) A Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, adotada em 6 de novembro de 1997 no âmbito do Conselho da Europa e que entrou em vigor a 1 de março de 2000, foi ratificada pelo Reino da Dinamarca em 24 de julho de 2002. O relatório explicativo da convenção refere que esta disposição visa autorizar o Estado que o pretenda a impedir que os seus nacionais que vivem há longa data no estrangeiro conservem a nacionalidade desse Estado quando o vínculo com este último deixou de existir ou foi substituído por um vínculo com outro país, entendendo‑se que, como no presente processo, se trata de pessoas com a dupla nacionalidade e que, consequentemente, não há risco de apatridia. V. n.o 70 desse relatório.

( 52 ) A inexistência de tal distinção foi confirmada pelo Governo dinamarquês na resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça. No que respeita à distinção efetuada pela legislação dinamarquesa entre uma residência, nomeadamente, na Finlândia ou na Suécia e uma residência noutro Estado‑Membro, o Governo dinamarquês confirmou na audiência que o § 8, n.o 3, da Lei da Nacionalidade prevê que um período de residência de sete anos nestes dois Estados‑Membros é considerado demonstrativo de uma ligação efetiva com a Dinamarca. A este respeito, a Comissão indicou, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, que esta regra constitui uma discriminação baseada no Estado‑Membro de residência que pode ser considerada uma falta de coerência em relação ao motivo de interesse geral prosseguido pela legislação dinamarquesa. V., igualmente, nota 6 das presentes conclusões.

( 53 ) Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, a Comissão sublinhou que decorre da aplicação desse critério que o exercício pelo cidadão dinamarquês em causa do direito de circular e de permanecer implica a perda deste direito.

( 54 ) É o caso, a meu ver, de um nacional dinamarquês, nascido nos Países Baixos de pai dinamarquês e de mãe americana, que, com 18 anos de idade, exerça o seu direito de livre circulação e de permanência para ir trabalhar ou estudar em Itália, aí permanecendo até aos 22 anos de idade. Importa, igualmente, observar que, como a Comissão explicou em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, a situação em que esse nacional tem a dupla nacionalidade dinamarquesa e italiana também é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União. Neste caso, não se trata da perda do estatuto de cidadão da União, mas de uma restrição ao direito de circular e de permanecer livremente na União.

( 55 ) A recorrente no processo principal confirmou na audiência que se tratava de férias.

( 56 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 10.

( 57 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 36. V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Tjebbes e o. (C‑221/17, EU:C:2018:572, n.o 54). O sublinhado é meu.

( 58 ) Acórdãos de 19 de outubro de 2004, Zhu e Chen (C‑200/02, EU:C:2004:639, n.o 26); de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.os 42 e 43); e de 2 de outubro de 2019, Bajratari (C‑93/18, EU:C:2019:809, n.o 26).

( 59 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Rottmann (C‑135/08, EU:C:2009:588, n.o 32), segundo as quais «constituiria, sem dúvida, uma violação do direito de livre circulação e de permanência conferido ao cidadão da União pelo artigo [21.o TFUE] uma regra estatal que previsse a perda da nacionalidade em caso de mudança de residência para outro Estado‑Membro.»

( 60 ) V. n.os 35 e 36 das presentes conclusões.

( 61 ) Quanto à alteração do § 8, n.o 1, da Lei da Nacionalidade na sequência da prolação do Acórdão Tjebbes e o., v. n.o 25 das presentes conclusões.

( 62 ) Recordo que o órgão jurisdicional de reenvio explica que, em caso de pedido de manutenção da nacionalidade antes dos 21 anos de idade, o Ministério da Imigração e da Integração não toma posição sobre a questão de saber se o requerente conserva a nacionalidade dinamarquesa e apenas emite uma certidão de nacionalidade dinamarquesa, sem prejuízo da perda desta nacionalidade aos 22 anos de idade por força do § 8 da Lei da Nacionalidade. Confesso que o argumento de que a apreciação da manutenção da nacionalidade deve intervir o mais próximo possível dos 22 anos de idade para que as autoridades dinamarquesas possam tomar posição sobre esta manutenção não me parece convincente. V. n.o 24 das presentes conclusões.

( 63 ) Na audiência, o Governo dinamarquês indicou, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, que, embora as autoridades dinamarquesas não informem sistematicamente os nacionais dinamarqueses das condições de perda da sua nacionalidade aos 22 anos de idade, a regra da perda da nacionalidade dinamarquesa figura, no entanto, na página 2 dos passaportes. Além disso, esse governo precisou igualmente que o passaporte da pessoa afetada pela perda da nacionalidade dinamarquesa deixa de ser válido a partir dos 22 anos de idade. Quanto a este aspeto, sou de opinião que a menção desta regra na página 2 do passaporte é irrelevante para o problema que está no cerne deste processo, a saber, a impossibilidade total de a recorrente no processo principal contestar a perda da sua nacionalidade, que implica a perda do seu estatuto de cidadã da União, e, assim, de beneficiar de uma fiscalização da proporcionalidade, à luz do direito da União, das consequências dessa perda.

( 64 ) O órgão jurisdicional de reenvio faz referência, a este respeito, ao documento do Ministério da Imigração e da Integração intitulado «Orientering om behandlingen af ansøgninger om bevis for bevarelse af dansk indfødsret efter EU‑Domstolens dom i sag C‑221/17, Tjebbes» (Informações sobre o tratamento dos pedidos de certidão de manutenção da nacionalidade dinamarquesa na sequência do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia no processo C‑221/17, Tjebbes).

( 65 ) V., neste sentido, Acórdãos Rottmann, n.os 41 a 43, 45, 48, 56 e 59; Tjebbes e o., n.os 30, 32, 40 a 42 e 45, e Wiener Landesregierung, n.os 44, 59, 61 e 73. V., igualmente, n.os 29 a 43 e, em especial, n.o 45 das presentes conclusões.

( 66 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 41. Recordo que, no processo que deu origem a este acórdão, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a competência para definir uma condição de perda da nacionalidade na legislação nacional (tal como a residência dos nacionais de um Estado‑Membro durante um período ininterrupto de dez anos fora desse Estado‑Membro e da União), mas sobre a incompatibilidade dessa legislação com o princípio da proporcionalidade, uma vez que não permitia, em nenhum momento, apreciar as consequências da perda à luz do direito da União. Quanto a esta distinção, v. considerações que apresentei no n.o 45 das presentes conclusões.

( 67 ) N.o 48 deste acórdão.

( 68 ) Por exemplo, no âmbito do procedimento de revogação do documento de viagem ou aquando de um pedido de obtenção de um novo passaporte.

( 69 ) Acórdãos Tjebbes e o., n.o 44, e Wiener Landesregierung, n.o 59.

( 70 ) Acórdãos Tjebbes e o., n.o 45, e Wiener Landesregierung, n.o 61.

( 71 ) V. n.os 8 e 26 das presentes conclusões.

( 72 ) V. Acórdãos de 7 de julho de 1992, Micheletti e o. (C‑369/90, EU:C:1992:295, n.o 10); Rottmann (n.os 39 e 41); Tjebbes e o. (n.o 30); de 14 de dezembro de 2021, Stolichna obshtina, rayon Pancharevo (C‑490/20, EU:C:2021:1008, n.o 38), e Wiener Landesregierung (n.o 37).

( 73 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 42 e dispositivo.

( 74 ) V., neste sentido, Acórdão Wiener Landesregierung, n.o 48.