CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 13 de julho de 2023 ( 1 )

Processo C‑606/21

Doctipharma SAS

contra

Union des Groupements de pharmaciens d’officine (UDGPO),

Pictime Coreyre

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França)]

«Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Diretiva 2001/83/CE — Venda à distância de medicamentos ao público — Medicamentos não sujeitos a receita médica — Diretiva 2000/31/CE — Atividade de uma sociedade realizada num sítio Internet respeitante a medicamentos não sujeitos a receita médica — Atividade que consiste num serviço de intermediação entre as farmácias e o público — Limitação desse tipo de vendas pelo direito nacional — Proteção da saúde pública»

I. Introdução

1.

A comercialização de medicamentos em linha é abrangida pelo âmbito de aplicação de vários atos do direito da União e foi objeto de alguns pedidos de decisão prejudicial. Com o presente reenvio prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a analisar um serviço da sociedade da informação que, à semelhança dos utilizados noutros setores da economia, permite, ou pelo menos facilita, o contacto entre os profissionais e os seus clientes. Mais concretamente, as questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito à proibição de determinadas atividades imposta ao prestador de tal serviço, que decorre da interpretação das disposições nacionais aplicáveis, e à conformidade dessa proibição com a Diretiva 2001/83/CE ( 2 ).

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretivas relativas a serviços da sociedade da informação

2.

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 98/34/CE ( 3 ):

«Para efeitos da presente diretiva entende‑se por:

[…]

2)

"serviço": qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.

Para efeitos da presente definição, entende‑se por:

"à distância": um serviço prestado sem que as partes estejam simultaneamente presentes,

"por via eletrónica": um serviço enviado desde a origem e recebido no destino através de instrumentos eletrónicos de processamento (incluindo a compressão digital) e de armazenamento de dados, que é inteiramente transmitido, encaminhado e recebido por cabo, rádio, meios óticos ou outros meios eletromagnéticos,

"mediante pedido individual de um destinatário de serviços": um serviço fornecido por transmissão de dados mediante pedido individual.

[…]»

3.

Vários atos do direito da União fazem referência a esta definição. Em especial, a Diretiva 2000/31/CE ( 4 ) define, no seu artigo 2.o, alínea a), o conceito de «serviços da sociedade da informação» por remissão para o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 98/34.

2. Diretiva 2001/83

4.

O artigo 1.o, n.o 20, da Diretiva 2011/62 inseriu na Diretiva 2001/83 o título VII‑A, com a epígrafe «Vendas à distância ao público», do qual consta, designadamente, o artigo 85.o‑C, que tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo da legislação nacional que proíbe a oferta para venda à distância de medicamentos ao público através de serviços da sociedade da informação, os Estados‑Membros asseguram que os medicamentos sejam oferecidos para venda à distância através de serviços da sociedade da informação, tal como definidos na Diretiva [98/34], nas seguintes condições:

a)

A pessoa singular ou coletiva que oferece medicamentos para venda à distância é autorizada ou habilitada a dispensar medicamentos ao público, inclusivamente à distância, nos termos da legislação nacional do Estado‑Membro em que essa pessoa se encontra estabelecida;

b)

A pessoa a que se refere a alínea a) comunicou ao Estado‑Membro em que se encontra estabelecida, pelo menos, as seguintes informações:

i)

o nome ou a firma e endereço permanente do local de atividade a partir do qual os medicamentos em causa são fornecidos;

ii)

a data de início da atividade de oferta de medicamentos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação;

iii)

o endereço do sítio na Internet utilizado para o efeito e todas as informações necessárias para identificar esse sítio na Internet;

iv)

se aplicável, a classificação, nos termos do título VI, dos medicamentos oferecidos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação.

Estas informações são atualizadas sempre que necessário;

c)

Os medicamentos cumpram a legislação nacional do Estado‑Membro de destino, nos termos do n.o 1 do artigo 6.o;

d)

Sem prejuízo das obrigações de informação previstas na [Diretiva 2000/31], o sítio na Internet que oferece medicamentos para venda deve conter, pelo menos:

i)

os dados de contacto da autoridade competente ou da autoridade notificada por força da alínea b);

ii)

uma hiperligação ao sítio na Internet do Estado‑Membro de estabelecimento a que se refere o n.o 4;

iii)

o logótipo comum a que se refere o artigo 3.o, claramente visível em cada página do sítio na Internet que oferece medicamentos para venda à distância ao público. O logótipo comum deve dispor de uma hiperligação que permita o acesso à pessoa constante da lista a que se refere a alínea c) do n.o 4.

2.   Os Estados‑Membros podem impor condições, justificadas por razões de proteção da saúde pública, à venda a retalho no seu território de medicamentos oferecidos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação.

[…]

6.   Sem prejuízo do disposto na Diretiva [2000/31] e dos requisitos fixados no presente título, os Estados‑Membros devem igualmente tomar as medidas necessárias para assegurar que pessoas que não as referidas no n.o 1, que ofereçam medicamentos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação e que operem no seu território, sejam sujeitas a sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas.»

B.   Direito francês

5.

Por força do artigo L. 5125‑25 do code de la santé publique (Código da Saúde Pública):

«Os farmacêuticos e os seus empregados estão proibidos de efetuar encomendas junto do público.

Os farmacêuticos estão proibidos de receber encomendas de medicamentos e outros produtos ou objetos referidos no artigo L. 4211‑1 recorrendo de forma habitual a intermediários, assim como de comercializar e distribuir ao domicílio os medicamentos, produtos ou objetos acima referidos que tenham sido encomendados deste modo.

Qualquer encomenda distribuída fora da farmácia por qualquer outra pessoa só pode ser entregue em embalagem fechada contendo o nome e o endereço do cliente.

Contudo, sem prejuízo do respeito pelas disposições do primeiro parágrafo do artigo L. 5125‑21, os farmacêuticos, bem como as demais pessoas legalmente habilitadas a substituí‑los, assisti‑los ou auxiliá‑los, podem entregar pessoalmente uma encomenda no domicílio dos pacientes cuja situação o exija.»

6.

O artigo L. 5125‑26 desse código prevê:

«É proibida a venda ao público de todos os medicamentos, produtos e objetos referidos no artigo L. 4211‑1 através de agências comissionistas, alianças de compra ou estabelecimentos detidos ou administrados por pessoas que não possuam um dos diplomas, certificados ou outros títulos mencionados no artigo L. 4221‑1.»

III. Factos no processo principal

7.

O sítio Internet www.doctipharma.fr, explorado pela sociedade Doctipharma SAS, permite aos internautas comprar, «a partir dos sítios Internet de farmácias» (ou, como refere o órgão jurisdicional de reenvio por outras palavras, «a um farmacêutico que explore o seu sítio Internet de comércio a partir da solução técnica [da] Doctipharma»), produtos farmacêuticos e medicamentos não sujeitos a receita médica.

8.

O órgão jurisdicional de reenvio descreve o funcionamento desse sítio Internet do seguinte modo: o internauta deve criar uma conta de cliente e preencher um formulário para esse efeito, facultando informações pessoais que permitirão a sua identificação e lhe facilitarão o acesso aos sítios Internet dos farmacêuticos da sua escolha. Para criar essa conta, o internauta deve designar o farmacêutico junto do qual realizará as suas compras e ao qual associará a sua conta. O sítio Internet da Doctipharma apresenta os medicamentos não sujeitos a receita médica sob a forma de um catálogo pré‑registado que o internauta pode «consultar» para fazer uma encomenda. Esse sítio apresenta os medicamentos disponibilizados pelas farmácias sob a forma de gama de produtos com preço associado e comunica a encomenda ao farmacêutico cujo sítio Internet está alojado no sítio da Doctipharma. O pagamento é realizado através de um sistema de pagamento único comum a todas as farmácias associadas. Uma mensagem enviada para a conta de cliente e para o endereço de correio eletrónico do internauta que efetuou a encomenda confirma a finalização da encomenda.

9.

A Union des groupements de pharmaciens d’officine (UDGPO) é uma associação que reúne agrupamentos de farmácias. A UDGPO considera que o procedimento de venda em linha disponibilizado pela sociedade Doctipharma às farmácias implica que esta sociedade participe no comércio eletrónico de medicamentos e que, uma vez que esta não tem a qualidade de farmacêutico, essa atividade é ilícita.

10.

Por Acórdão de 31 de maio de 2016, o tribunal de commerce de Nanterre (Tribunal de Comércio de Nanterre, França) declarou ilícita a venda de medicamentos no sítio Internet da Doctipharma e, em substância, condenou esta sociedade a cessar a atividade de comércio eletrónico de medicamentos nesse sítio Internet.

11.

A Doctipharma interpôs recurso na cour d’appel de Versailles (Tribunal de Recurso de Versalhes, França), que revogou a referida decisão por Acórdão de 12 de dezembro de 2017. Este órgão jurisdicional considerou, de facto, que o sítio Internet da Doctipharma era lícito, visto que as encomendas dos internautas, que apenas transitam pela plataforma criada pela sociedade Doctipharma como suporte técnico dos sítios Internet dos farmacêuticos, são recebidas pelos próprios farmacêuticos, sem que a Doctipharma intervenha de qualquer outra forma no seu processamento. De acordo com o referido órgão jurisdicional, esse sítio Internet permite colocar diretamente em contacto os clientes e as farmácias.

12.

Por Acórdão de 19 de junho de 2019, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França) anulou esse acórdão por violação dos artigos L.5125‑25 e L.5125‑26 do code de la santé publique e remeteu o processo à cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França), o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo. De acordo com a Cour de cassation, decorre da atividade da Doctipharma, que consiste, designadamente, em pôr farmacêuticos e potenciais clientes em contacto para efeitos da venda de medicamentos, que esta sociedade tem um papel de intermediário e participa como tal no comércio eletrónico de medicamentos sem ter a qualidade de farmacêutico, violando as referidas disposições do code de la santé publique.

13.

Por declaração de 19 de agosto de 2019, a Doctipharma pediu à cour d’appel de Paris que submetesse ao Tribunal de Justiça várias questões prejudiciais, relativas, no essencial, à interpretação do artigo 85.o‑C da Diretiva 2001/83 e ao princípio da livre circulação de serviços.

14.

A Doctipharma considera que a sua atividade consiste na conceção e manutenção técnicas de uma solução comum destinada a farmacêuticos e que visa permitir‑lhes editar e explorar os seus sítios Internet de comércio eletrónico de medicamentos não sujeitos a receita médica, em conformidade com as disposições que regem a venda em linha de medicamentos. De acordo com a Doctipharma, os órgãos jurisdicionais franceses devem interpretar os artigos L.5125‑25, segundo parágrafo, e L.5125‑26 do code de la santé publique à luz do artigo 85.o‑C da Diretiva 2001/83 para determinar se a proibição do recurso a intermediários na venda de medicamentos resultante dessas disposições nacionais deve ser aplicada à sua atividade.

15.

Além disso, a Doctipharma alega que a solução enunciada no Acórdão Asociación Profesional Elite Taxi ( 5 ) assenta em circunstâncias específicas desse processo relacionadas, nomeadamente, com a influência decisiva exercida pela sociedade Uber sobre as condições de prestação de serviço dos motoristas, pelo que não pode extrapolar‑se para o litígio no processo principal. De acordo com a Doctipharma, o mesmo se aplica ao Acórdão A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) ( 6 ), uma vez que o processo que deu origem a este acórdão dizia respeito à oponibilidade das restrições francesas em matéria de publicidade à venda de medicamentos a uma sociedade que tem sede num Estado‑Membro que não a França e que comercializa esses medicamentos a consumidores franceses através do seu sítio Internet, incidindo, assim, sobre uma problemática diferente da que está em causa no litígio no processo principal. A Doctipharma salienta, no entanto, que o referido acórdão releva para o presente litígio, dado que a plataforma de venda em linha de medicamentos em causa nesse processo era um serviço da sociedade da informação, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2000/31.

16.

Na mesma ordem de ideias, referindo‑se ao Acórdão Asociación Profesional Elite Taxi ( 7 ), o órgão jurisdicional de reenvio alega, por um lado, que o serviço prestado pela Doctipharma tem características diferentes do referido nesse acórdão, uma vez que os farmacêuticos, ao contrário dos motoristas não profissionais da Uber, são profissionais da venda de medicamentos e, por outro, que não se afigura que a Doctipharma intervenha na fixação do preço dos medicamentos. Quanto ao Acórdão A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) ( 8 ), o órgão jurisdicional de reenvio refere que este não aborda as mesmas questões que são suscitadas no litígio no processo principal, dado que este acórdão diz respeito à compatibilidade das restrições francesas em matéria de publicidade de medicamentos com o artigo 85.o‑C da Diretiva 2001/83.

IV. Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.

Neste contexto, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), por Acórdão de 17 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de setembro de 2021, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A atividade da sociedade Doctipharma, realizada no e a partir do seu sítio Internet www.doctipharma.fr, deve ser qualificada como “serviço da sociedade da informação” na aceção da Diretiva [98/34]?

2)

Nesse caso, a atividade da sociedade Doctipharma, realizada no e a partir do seu sítio Internet www.doctipharma.fr, está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 85.o‑C da Diretiva [2001/83]?

3)

Deve o artigo 85.o‑C da Diretiva [2001/83] ser interpretado no sentido de que a proibição, resultante da interpretação dos artigos L. 5125‑25 e L. 5125‑26 do Code de la santé publique, da atividade da sociedade Doctipharma, realizada no e a partir do seu sítio Internet www.doctipharma.fr, constitui uma restrição justificada à luz da proteção da saúde pública?

4)

Em caso de resposta negativa, deve o artigo 85.o‑C da Diretiva [2001/83] ser interpretado no sentido de que autoriza a atividade da sociedade Doctipharma, realizada no e a partir do seu sítio Internet www.doctipharma.fr?

5)

Neste caso, é a proibição da atividade da sociedade Doctipharma, resultante da interpretação pela Cour de cassation dos artigos L. 5125‑25 e L. 5125‑26 do Code de la santé publique, justificada à luz da proteção da saúde pública na aceção do artigo 85.o‑C da Diretiva [2001/83]?

6)

Se não for esse o caso, deve o artigo 85.o‑C da Diretiva [2001/83] ser interpretado no sentido de que autoriza a atividade de “serviço da sociedade da informação” oferecida pela sociedade Doctipharma?»

18.

Foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelos Governos francês, checo e italiano, bem como pela Comissão Europeia. As partes no processo principal, o Governo francês e a Comissão fizeram‑se representar na audiência que se realizou em 19 de abril de 2023.

V. Análise

A.   Quanto à primeira questão prejudicial

19.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a atividade exercida pela Doctipharma no seu sítio Internet constitui um «serviço da sociedade da informação», na aceção da Diretiva 98/34 ( 9 ).

20.

A título preliminar, cabe‑me observar que o presente reenvio prejudicial não dá uma imagem completa do serviço prestado pela Doctipharma e as informações fornecidas pelas partes a este respeito não são totalmente coerentes. Contudo, à luz das informações comunicadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que compreender a primeira questão prejudicial no sentido de que diz respeito, em substância, ao ponto de saber se o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que um serviço prestado num sítio Internet, que consiste em pôr farmacêuticos e clientes em contacto para efeitos da venda, a partir dos sítios Internet de farmácias que se registaram nesse sítio, de medicamentos não sujeitos a receita médica, constitui um «serviço da sociedade da informação», na aceção da referida disposição.

21.

A Diretiva 98/34 define «serviço da sociedade da informação» como «qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário».

22.

A este respeito, em primeiro lugar, o presente reenvio prejudicial não contém nenhum elemento concreto que permita considerar que o serviço prestado pela Doctipharma é prestado mediante remuneração. Contudo, decorre desse pedido que os farmacêuticos exploravam os seus sítios Internet através da solução técnica da Doctipharma; daqui deduzo que estes devem previamente registar‑se nesse serviço. Nas suas observações escritas, a Doctipharma refere que os farmacêuticos se registam na sua plataforma mediante o pagamento de uma taxa. O Governo francês acrescenta que o serviço prestado pela Doctipharma beneficia igualmente da retenção de uma percentagem do montante das vendas cobrado pela plataforma. Em todo o caso, pouco importa, neste contexto, que a remuneração resulte da cobrança efetuada pela Doctipharma sobre o preço pago pelo cliente ou de um pagamento efetuado pelo farmacêutico. De facto, a remuneração de um serviço da sociedade da informação não é necessariamente paga pelas pessoas que dele beneficiam ( 10 ).

23.

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio refere, como decorre dos n.os 7 e 8 das presentes conclusões, que os internautas adquirem produtos farmacêuticos e medicamentos não sujeitos a receita médica no sítio Internet da Doctipharma, a partir de sítios de farmácias. Acrescenta que a Cour de cassation anulou o acórdão da cour d’appel de Versailles porque este órgão jurisdicional não tirou as consequências das suas próprias conclusões, de acordo com as quais a atividade da Doctipharma no seu sítio Internet consiste, nomeadamente, em pôr farmacêuticos e clientes em contacto para efeitos da venda de medicamentos. Assim, independentemente da questão controvertida de saber se, no plano jurídico, de acordo com as definições e os conceitos acolhidos no direito francês, o serviço prestado pela Doctipharma constitui uma forma de intermediação ou de corretagem, há que concluir que, no plano dos factos, esse serviço permite ou, pelo menos, facilita o contacto entre farmacêuticos e clientes.

24.

Nestas circunstâncias, há que considerar que, uma vez que o contacto entre clientes e farmácias é efetuado por intermédio de um sítio Internet sem a presença simultânea, o serviço prestado pela Doctipharma constitui um serviço prestado à distância e por via eletrónica ( 11 ). A este respeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, durante o processo de celebração do contrato, o único contacto entre farmacêutico e cliente e entre estes e a Doctipharma, se efetua através de instrumentos eletrónicos.

25.

Em terceiro lugar, decorre das considerações apresentadas no n.o 22 das presentes conclusões que o serviço prestado pela Doctipharma é prestado a pedido individual quer dos farmacêuticos, que devem registar‑se no sítio Internet da Doctipharma para poderem beneficiar do serviço prestado por esta sociedade, quer dos clientes, que desejam adquirir medicamentos aos farmacêuticos que se registaram nesse sítio Internet.

26.

Por conseguinte, há que considerar que um serviço prestado por um prestador num sítio Internet, que consiste em pôr farmacêuticos e clientes em contacto para efeitos da venda, a partir dos sítios Internet de farmácias que se registaram nesse sítio mediante o pagamento de uma taxa, de medicamentos não sujeitos a receita médica, e em que o único contacto no momento da celebração de contratos de compra e venda entre prestador, farmacêutico e cliente se efetua através de instrumentos eletrónicos, constitui, em princípio, um «serviço da sociedade da informação», na aceção da Diretiva 98/34.

27.

Dito isto, em conformidade com os Acórdãos Asociación Profesional Elite Taxi ( 12 ), Airbnb Ireland ( 13 ) e Star Taxi App ( 14 ), aos quais o órgão jurisdicional de reenvio e as partes fazem referência nas suas observações, um serviço que consiste em pôr clientes e prestadores em contacto e que preenche todas as condições previstas no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 98/34 constitui, em princípio, um serviço distinto do serviço subsequente prestado por esses prestadores com o qual se relaciona e, portanto, deve ser qualificado como «serviço da sociedade da informação». Contudo, o mesmo não acontece se se afigurar que esse serviço de intermediação faz parte integrante de um serviço global cujo elemento principal é um serviço com outra qualificação jurídica. Decorre dessa jurisprudência que tal é o caso sempre que esse serviço de intermediação seja funcional e economicamente indissociável do outro. Por outro lado, é ainda necessário que o prestador desse primeiro serviço organize e controle igualmente o funcionamento geral desse segundo serviço ( 15 ).

28.

A este respeito, em primeiro lugar e antes de mais, como o Tribunal de Justiça observou no seu Acórdão Ker‑Optika ( 16 ), fazendo referência ao considerando 18 da Diretiva 2000/31 e à exposição de motivos da proposta desta diretiva, os serviços da sociedade da informação incluem, nomeadamente, os serviços de venda de bens em linha e os serviços que permitem efetuar transações eletrónicas em linha para adquirir mercadorias, como a telecompra interativa e os centros comerciais eletrónicos.

29.

Nessas condições, tenho dúvidas de que a jurisprudência referida no n.o 27 das presentes conclusões seja integralmente transponível para as situações em que uma atividade que consiste na venda de bens em linha seja facilitada ou mesmo realizada através de um serviço da sociedade da informação, prestado por outro prestador que põe vendedores e clientes em contacto. Em tais situações, um serviço de intermediação não é suscetível de fazer parte integrante de um serviço global cujo elemento principal não corresponde à qualificação como «serviço da sociedade da informação». De facto, como decorre do n.o 28 das presentes conclusões, um serviço de venda em linha constitui, em si mesmo, um serviço da sociedade da informação.

30.

Por conseguinte, considerar que um serviço de intermediação entre vendedores e clientes faz parte integrante de um serviço global de venda não modificaria necessariamente a qualificação jurídica desse serviço como «serviço da sociedade da informação». Contudo, o entendimento de que os critérios estabelecidos pela jurisprudência referida no n.o 27 das presentes conclusões estão reunidos deveria levar à conclusão de que o prestador que presta um serviço que, a priori, consiste simplesmente em pôr vendedores e clientes em contacto é, ele próprio, prestador do serviço de venda.

31.

Em todo o caso, e em segundo lugar, como observa o órgão jurisdicional de reenvio, o serviço em questão no presente processo não satisfaz os critérios estabelecidos pela jurisprudência referida no n.o 27 das presentes conclusões.

32.

De facto, por um lado, os farmacêuticos são profissionais da venda de medicamentos que podem dedicar‑se à venda à distância independentemente do serviço prestado pela Doctipharma, de modo que esse serviço pode ser dissociado da operação de venda propriamente dita. Por outro lado, não se afigura que a Doctipharma organize o funcionamento geral das operações de venda, uma vez que a escolha de um farmacêutico é efetuada pelo cliente e que essa sociedade não intervém no estabelecimento do preço dos medicamentos vendidos pelos profissionais nem exerce qualquer controlo sobre essas operações de venda. Além disso, o facto de os medicamentos serem apresentados no sítio da Doctipharma sob a forma de um catálogo pré‑registado não implica necessariamente que essa sociedade determine a oferta de medicamentos. De facto, parece decorrer dos debates na audiência que esse catálogo foi inicialmente constituído a partir de uma lista da qual constam todos os medicamentos autorizados no Estado‑Membro onde a Doctipharma e os farmacêuticos assinantes do serviço dessa sociedade estão estabelecidos, lista essa na qual são depois inseridos dados sobre a disponibilidade dos medicamentos fornecidos pelos farmacêuticos assinantes.

33.

Face ao exposto, mantenho a posição que apresentei no n.o 26 das presentes conclusões. Assim, importa responder à primeira questão prejudicial no sentido de que constitui um «serviço da sociedade da informação», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 98/34, um serviço prestado por um prestador num sítio Internet, que consiste em pôr farmacêuticos e clientes em contacto para efeitos da venda, a partir dos sítios Internet de farmácias que se registaram nesse sítio mediante o pagamento de uma taxa, de medicamentos não sujeitos a receita médica, e em que o único contacto no momento da celebração de contratos de compra e venda entre prestador, farmacêutico e cliente se efetua através de instrumentos eletrónicos. No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no plano dos factos, todos esses elementos estavam reunidos no que diz respeito ao serviço em causa no litígio no processo principal.

B.   Quanto à segunda questão prejudicial

1. Delimitação da questão

34.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea a), e o artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 devem ser interpretados no sentido de que decorre de uma destas disposições uma proibição imposta ao prestador de um serviço como o descrito na primeira questão prejudicial, que resulta da interpretação das disposições nacionais que proíbem o recurso a esse serviço por parte das pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos não sujeitos a receita médica ao público à distância.

35.

É um facto que esta segunda questão, tal como formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, incide apenas sobre o ponto de saber se a atividade da Doctipharma é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 85.o‑C da Diretiva 2001/83.

36.

Contudo, esta questão constitui, na realidade, uma questão preliminar em relação às terceira, quarta, quinta e sexta questões prejudiciais com as quais o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 85.o‑C da Diretiva 2001/83 se opõe à proibição imposta à Doctipharma. Para poder responder a essa questão, importa não apenas determinar se a atividade da Doctipharma é abrangida por esta disposição, mas igualmente identificar os números concretos desse artigo dos quais decorre a proibição dessa atividade que resulta da interpretação das disposições nacionais em causa no litígio no processo principal.

37.

A este respeito, por um lado, o artigo 85.o‑C, n.o 1, da Diretiva 2001/83 contém a lista das condições às quais está sujeita a colocação à venda de medicamentos à distância ao público através de serviços da sociedade da informação («[condições nas quais] os medicamentos [são] oferecidos para venda»). Em especial, o artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea a), dessa diretiva prevê que «[a] pessoa singular ou coletiva que oferece medicamentos para venda à distância [deve estar] autorizada ou habilitada a dispensar medicamentos ao público, inclusivamente à distância, nos termos da legislação nacional do Estado‑Membro em que essa pessoa se encontra estabelecida». Esta disposição é completada pelo artigo 85.o‑C, n.o 6, da referida Diretiva, de acordo com o qual os «[…] Estados‑Membros devem igualmente tomar as medidas necessárias para assegurar que pessoas que não as referidas no n.o 1, que ofereçam medicamentos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação e que operem no seu território, sejam sujeitas a sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas».

38.

Por outro lado, o artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 prevê que «[o]s Estados‑Membros podem impor condições, justificadas por razões de proteção da saúde pública, à venda a retalho no seu território de medicamentos oferecidos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação».

39.

Nestas condições, a referência à justificação por razões de proteção da saúde pública, constante da terceira e quinta questões prejudiciais, leva‑me a pensar que o órgão jurisdicional de reenvio considera que as disposições nacionais em causa são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83. Contudo, como demonstram os debates na audiência, tal consideração está longe de ser evidente. Consequentemente, proponho que se reformule a segunda questão de modo que o Tribunal de Justiça aprecie se o facto de se considerar que as disposições nacionais em causa são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 corresponde a uma interpretação correta desta diretiva ( 17 ).

40.

Para esse efeito e para poder responder de forma útil às questões prejudiciais, há que analisar a delimitação dos âmbitos de aplicação respetivos do artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea a), e do artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83.

2. Delimitação dos âmbitos de aplicação respetivos das disposições em causa

41.

Decorre do artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea a), e n.o 6, da Diretiva 2001/83 que uma das condições necessárias para oferecer medicamentos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação diz respeito às pessoas que podem exercer tal atividade. Deve tratar‑se, como decorre dessa primeira disposição, de pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos ao público, inclusivamente à distância, nos termos da legislação nacional do Estado‑Membro em que essas pessoas estão estabelecidas. Por outras palavras, pode entender‑se a referida disposição no sentido de que responde à questão de saber «quem» pode vender medicamentos em linha. Além disso, embora a condição enunciada no artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea a), dessa diretiva decorra do direito da União, cabe ao Estado‑Membro em cujo território a pessoa esteja estabelecida (Estado‑Membro de origem) responder a essa questão.

42.

Em contrapartida, o artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 diz respeito ao poder de um Estado‑Membro em cujo território sejam fornecidos medicamentos oferecidos para venda à distância de impor «condições, […] à venda a retalho [no território desse Estado‑Membro] de medicamentos». Trata‑se, portanto, de condições eventualmente estabelecidas a nível nacional pelo Estado‑Membro de destino.

43.

Consequentemente, é necessário distinguir, sobretudo quando a pessoa que vende medicamentos em linha esteja estabelecida no Estado‑Membro em cujo território esses medicamentos são fornecidos, como no presente processo, entre a condição prevista no artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/83 e as condições relativas à venda a retalho de medicamentos oferecidos para venda em linha, impostas ao abrigo do artigo 85.o‑C, n.o 2, dessa diretiva.

44.

Ora, tendo em conta o caráter genérico das expressões utilizadas nessas duas disposições, e sobretudo da que consta do artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 («[condições], à venda a retalho […] de medicamentos oferecidos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação»), não creio que se possa resolver esse enigma procedendo à sua interpretação literal. Em contrapartida, encontramos elementos úteis para distinguir as condições abrangidas por cada uma dessas duas disposições, em primeiro lugar, nos considerandos 21 a 24 da Diretiva 2011/62 e na jurisprudência para a qual estes remetem e, em segundo lugar, na Diretiva 2000/31, que diz respeito, também ela, à comercialização de produtos em linha.

a) Quanto à Diretiva 2011/62

45.

O considerando 21 da Diretiva 2011/62, que introduziu o artigo 85.o‑C da Diretiva 2001/83, enuncia que «as condições específicas para a venda a retalho de medicamentos ao público não foram harmonizadas a nível da União, razão pela qual os Estados‑Membros podem impor condições para o fornecimento de medicamentos ao público dentro dos limites do Tratado [FUE]». Os considerandos 22 a 24 dessa diretiva fornecem esclarecimentos a esse respeito.

46.

De facto, antes de mais, o considerando 22 da Diretiva 2011/62 enuncia que, «[a]o examinar a compatibilidade das condições aplicáveis à venda a retalho de medicamentos com o direito da União, o [Tribunal de Justiça] reconheceu a natureza muito particular dos medicamentos, cujos efeitos terapêuticos os distinguem claramente de outros bens. O [Tribunal de Justiça] considerou igualmente […] que cabe aos Estados‑Membros decidir a que nível pretendem assegurar a proteção da saúde pública e o modo como esse nível deve ser alcançado. Dado que esse nível pode variar de um Estado‑Membro para outro, deverá ser concedida aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação no que diz respeito às condições de fornecimento de medicamentos ao público no seu território.». Em seguida, o considerando 23 dessa diretiva enuncia que «[e]m particular, à luz dos riscos para a saúde pública e tendo em conta a faculdade reconhecida aos Estados‑Membros de decidir do nível de proteção da saúde pública, a jurisprudência do [Tribunal de Justiça] reconheceu que os Estados‑Membros podem, em princípio, restringir a venda a retalho de medicamentos aos farmacêuticos». Por último, o considerando 24 da referida diretiva enuncia que, «[p]or conseguinte, e à luz da jurisprudência do [Tribunal de Justiça], os Estados‑Membros deverão poder impor condições, justificadas por razões de proteção da saúde pública, à venda a retalho de medicamentos oferecidos para venda à distância através de serviços da sociedade da informação. Essas condições não deverão restringir de forma indevida o funcionamento do mercado interno».

47.

Por outro lado, como decorre do Acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o. ( 18 ), ao qual os considerandos 22 e 23 da Diretiva 2011/62 se referem, as condições de fornecimento de medicamentos ao público dizem respeito, nomeadamente, às modalidades de comercialização de medicamentos a retalho e, especialmente, à possibilidade de reservar a venda a retalho de medicamentos exclusivamente aos farmacêuticos que gozem de uma verdadeira independência profissional e de tomar medidas capazes de eliminar ou reduzir o risco de essa independência ser prejudicada, pois tal prejuízo poderia afetar o nível de segurança e de qualidade do fornecimento de medicamentos à população.

48.

Contudo, importa observar que o Acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o. ( 19 ) não diz respeito à venda em linha e, em todo o caso, foi proferido antes da adoção da Diretiva 2011/62. De acordo com as alterações introduzidas por esta diretiva, a questão de saber «quem» pode vender em linha medicamentos está prevista no artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/83 ( 20 ). Consequentemente, tendo essa questão passado a ser coberta por esta última disposição, não pode ser abrangida pelas condições relativas à venda a retalho de medicamentos oferecidos para venda em linha, impostas pelo Estado‑Membro de destino nos termos do artigo 85.o‑C, n.o 2, dessa diretiva. Em contrapartida, esta disposição diz respeito às condições relativas aos outros aspetos referidos no Acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o. ( 21 ), ou seja, as modalidades de comercialização de medicamentos a retalho e, em especial, as medidas capazes de eliminar ou reduzir o risco de ser prejudicada a independência das pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos ao público.

49.

Tendo em conta o exposto, se se concluir que, através do serviço da sociedade da informação que presta, a Doctipharma oferece um serviço de venda à distância de medicamentos ao público, a proibição imposta a essa sociedade deverá ser analisada à luz do artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/83 e, eventualmente, do n.o 6, desse artigo. Em contrapartida, se não se entender que a Doctipharma oferece um serviço de venda à distância de medicamentos ao público, a proibição que lhe é imposta deverá ser considerada uma modalidade de comercialização de medicamentos abrangida pelo artigo 85.o‑C, n.o 2, dessa diretiva. Sem prejuízo da apreciação que o órgão jurisdicional de reenvio será chamado a efetuar no caso em apreço, inclino‑me para esta segunda qualificação.

50.

De facto, por um lado, considero que o resultado da análise baseada nos critérios estabelecidos pela jurisprudência referida no n.o 27 das presentes conclusões é igualmente pertinente no contexto da distinção entre a hipótese abrangida pelo artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/83 e a abrangida pelo artigo 85.o‑C, n.o 2, dessa diretiva. O recurso aos mesmos critérios permitiria assegurar a coerência das soluções adotadas nessas duas disposições e, como demonstrarei em seguida ( 22 ), existe um certo paralelismo entre estas no que diz respeito ao entendimento que têm de serviços da sociedade da informação no contexto da comercialização de medicamentos em linha.

51.

Em todo o caso e sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, resulta da minha análise que, como observei no n.o 32 das presentes conclusões, a Doctipharma presta um serviço específico, que não faz parte integrante de um serviço global cujo elemento principal é a venda de medicamentos, pelo que não se pode considerar que esta sociedade oferece um serviço de venda à distância de medicamentos ao publico através de serviços da sociedade da informação.

52.

Por outro lado, a proibição de um serviço como o prestado pela Doctipharma resulta, de acordo com a redação da terceira e quinta questões prejudiciais, de uma interpretação das disposições nacionais em causa no litígio no processo principal. Ora, essas disposições parecem proibir as pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos ao público, mesmo à distância, de ter determinados comportamentos na colocação à venda destes. Assim, a proibição do serviço prestado pela Doctipharma parece resultar, ela própria, de uma proibição, imposta a essas pessoas, de recorrer a serviços como o prestado pela Doctipharma. Deste ponto de vista, a proibição referida nessas questões prejudiciais resulta da interpretação das disposições nacionais que definem as modalidades de comercialização dos medicamentos em linha.

53.

A título exaustivo, atendendo ao seu objetivo, a proibição em causa no litígio no processo principal pode ser considerada uma medida através da qual o legislador nacional procurou eliminar ou reduzir o risco de ser prejudicada a independência das pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos ao público. Tendo em conta a minha interpretação do Acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o. ( 23 ), no contexto da Diretiva 2001/83 ( 24 ), tal medida seria abrangida pelo artigo 85.o‑C, n.o 2, dessa Diretiva 2001/83.

54.

Face ao exposto, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar no que diz respeito, por um lado, às características do serviço em causa no litígio no processo principal e, por outro, ao conteúdo normativo das disposições nacionais em causa no litígio no processo principal, considero que a proibição que resulta dessas disposições nacionais é abrangida pelo artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83.

55.

Além disso, as considerações apresentadas nos n.os 49 a 54 das presentes conclusões são corroboradas pela tomada em consideração da dimensão transfronteiriça da venda em linha de medicamentos.

b) Quanto à Diretiva 2000/31

56.

Ainda que o litígio no processo principal não tenha uma dimensão transfronteiriça, essa dimensão constitui um aspeto não negligenciável do comércio eletrónico de medicamentos. Tendo em conta as disparidades entre as legislações dos Estados‑Membros quanto às pessoas habilitadas a vender medicamentos não sujeitos a receita médica, a venda à distância poderia, ainda mais do que a venda num ponto de venda clássico (uma farmácia), permitir o acesso simplificado a determinados medicamentos. Além disso, a necessidade de interpretar as disposições referidas nas questões prejudiciais tendo em conta a dimensão transfronteiriça da venda em linha de medicamentos foi igualmente salientada na audiência. De facto, não se exclui que Estados‑Membros que não o Estado‑Membro em cujo território esteja estabelecido o prestador de um serviço da sociedade da informação possam tentar restringir o acesso ao seu serviço.

57.

A este respeito, a dimensão transfronteiriça da comercialização de produtos em linha através dos serviços da sociedade da informação é parcialmente regulamentada pela Diretiva 2000/31. A venda de medicamentos não sujeitos a receita médica não está totalmente excluída, como demonstram as referências a esta diretiva feitas no artigo 85.o‑C, n.o 1, alínea d), e n.o 6, da Diretiva 2001/83, de acordo com as quais estas disposições aplicam‑se sem prejuízo daquela diretiva ( 25 ).

58.

De acordo com a lógica na qual assenta a Diretiva 2000/31 e, mais concretamente, o artigo 3.o, n.os 1 e 2, desta, no que diz respeito a exigências abrangidas pelo «domínio coordenado», tal como definido no artigo 2.o, alínea h), dessa diretiva, o prestador de um serviço da sociedade da informação está, regra geral, sujeito à legislação nacional do Estado‑Membro de origem. Um Estado‑Membro que não seja o Estado‑Membro de origem não pode, «por razões que relevem do domínio coordenado», restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação, a não ser através da adoção de medidas que preencham as condições enunciadas no artigo 3.o, n.o 4, alíneas a) e b), da referida diretiva. As exigências abrangidas pelo domínio coordenado podem, portanto, ser impostas pelo Estado‑Membro de origem ou — nos limites impostos no artigo 3.o, n.o 4, da mesma diretiva — por outros Estados‑Membros.

59.

A este respeito, por um lado, como decorre do artigo 2.o, alínea h), subalínea i), da Diretiva 2000/31, o domínio coordenado abrange as exigências que o prestador de serviços tem de observar no que se refere ao acesso à atividade de um serviço da sociedade da informação e ao exercício dessa atividade, como os requisitos respeitantes ao comportamento do prestador de serviços ou à responsabilidade deste ( 26 ).

60.

Por outro lado, em conformidade com o artigo 2.o, alínea h), subalínea ii), da Diretiva 2000/31, as normas nacionais relativas às exigências aplicáveis às mercadorias enquanto tais, bem como às condições nas quais uma mercadoria vendida através da Internet pode ser fornecida no território de um Estado‑Membro, não são abrangidas pelo domínio coordenado. O considerando 21 dessa diretiva especifica que o domínio coordenado «não diz respeito aos requisitos legais exigidos pelos Estados‑Membros em relação às mercadorias, tais como as normas de segurança, as obrigações de rotulagem ou a responsabilização pelos produtos, ou as exigências dos Estados‑Membros respeitantes à entrega ou transporte de mercadorias, incluindo a distribuição de produtos medicinais». Tais exigências podem, portanto, ser impostas por um Estado‑Membro de destino, ao abrigo do artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83, sem que seja necessário analisar a questão da articulação entre esta diretiva e o artigo 3.o da Diretiva 2000/31. Ora, a proibição imposta à Doctipharma com base na interpretação das disposições nacionais em causa no litígio no processo principal não parece decorrer dessas exigências.

61.

Em contrapartida, uma vez que a interpretação dessas disposições nacionais equivale, do ponto de vista da Doctipharma, a proibir o exercício de uma atividade específica pelo prestador de um serviço da sociedade da informação e, do ponto de vista dos farmacêuticos, a proibir determinados comportamentos quanto à venda de medicamentos em linha, as referidas disposições nacionais dizem respeito ao acesso à atividade de um serviço da sociedade da informação e ao seu exercício. As disposições nacionais em causa no litígio no processo principal colocam, portanto, exigências abrangidas pelo domínio coordenado.

62.

A este respeito, o Acórdão A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) ( 27 ) parece confirmar que determinadas exigências abrangidas pelo domínio coordenado da Diretiva 2000/31 podem igualmente constituir condições, na aceção do artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83. De facto, de acordo com o n.o 68 desse acórdão, a proibição em causa imposta às farmácias, de atrair a sua clientela através de uma campanha de publicidade multiforme e de grande envergadura para os seus serviços de venda em linha, prosseguia «um objetivo de proteção da saúde pública, previsto no artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2000/31, bem como, de resto, no artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83».

63.

Para ser exaustivo, não estou totalmente convencido de que o Acórdão A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) ( 28 ) determine de modo definitivo que qualquer condição abrangida pelo domínio coordenado deve estar em conformidade com o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31 e com o artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83. De facto, como já concluí em contextos diferentes, a primeira disposição não inclui medidas gerais e abstratas, mas não excluo que tais medidas possam ser abrangidas pela segunda disposição ( 29 ). É, nomeadamente, por essa razão que não se afigura evidente que esse acórdão estabeleça um princípio universal, aplicável em todos os casos, no que se refere à relação entre essas duas disposições ( 30 ).

64.

Contudo, e em todo o caso, um Estado‑Membro de destino deve respeitar a legislação do Estado‑Membro de origem quanto às pessoas autorizadas a oferecer um serviço de venda em linha de medicamentos, sem poder invocar o artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83. Como resulta do n.o 48 das presentes conclusões, as condições impostas ao abrigo desta última disposição não respondem à questão de saber «quem» pode vender medicamentos em linha. Apenas o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31 pode aplicar‑se em tal situação. Como observei no n.o 50 das presentes conclusões, existe então um certo paralelismo entre essas duas diretivas quanto ao entendimento que têm dos serviços da sociedade da informação e às condições às quais estes estão sujeitos.

65.

Face ao exposto, mantenho a posição que apresentei no n.o 54 das presentes conclusões. Por conseguinte, há que responder à segunda questão prejudicial que o artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que está abrangida no âmbito dessa disposição a proibição imposta ao prestador de um serviço como o descrito na primeira questão prejudicial que resulta da interpretação das disposições nacionais que proíbem as pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos não sujeitos a receita médica ao público à distância de recorrer a esse serviço. No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se todos esses elementos estavam reunidos no que diz respeito às disposições nacionais em causa no litígio no processo principal.

C.   Quanto à terceira, quarta, quinta e sexta questões prejudiciais

1. Observações preliminares

66.

Com a sua terceira, quarta, quinta e sexta questões, que importa analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 se opõe à proibição de um serviço, como o descrito na primeira questão prejudicial, que resulta da interpretação de disposições nacionais como as descritas na segunda questão prejudicial.

67.

De facto, essas questões são colocadas na hipótese de o serviço prestado pela Doctipharma ser considerado um serviço da sociedade da informação, na aceção da Diretiva 2001/83 (primeira questão prejudicial). Tendo em conta a interpretação que faço da segunda questão prejudicial, as disposições nacionais das quais resulta a proibição desse serviço devem ser consideradas as disposições nacionais que impõem condições à venda a retalho de medicamentos oferecidos para venda à distância ao público através de um serviço da sociedade da informação, na aceção do artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83.

68.

Resulta do artigo 85.o‑C, n.o 1, da Diretiva 2001/83 que, ao contrário da venda em linha de medicamentos sujeitos a receita médica, um Estado‑Membro não está autorizado a proibir totalmente a oferta de medicamentos não sujeitos a receita médica através de serviços de venda em linha fornecidos por um prestador estabelecido no território desse Estado‑Membro desde que estejam preenchidas as condições previstas nessa disposição ( 31 ). Neste contexto, um Estado‑Membro de destino está autorizado, ao abrigo do artigo 85.o‑C, n.o 2, dessa diretiva, a impor «[condições] à venda a retalho, [no território desse Estado‑Membro], de medicamentos oferecidos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação». Tais condições devem ser justificadas por razões de proteção da saúde pública.

69.

Como observa a Comissão, o órgão jurisdicional de reenvio cita disposições nacionais cuja interpretação leva a proibir uma determinada atividade, sem especificar a ligação entre a proibição que resulta dessa interpretação e o objetivo de proteção da saúde pública, referido no artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83. Ainda que o pedido de decisão prejudicial seja relativo à questão de saber se essa proibição é justificada pelo objetivo de proteção da saúde pública, as presentes conclusões devem, portanto, limitar‑se a fornecer indicações gerais que permitam ao órgão jurisdicional de reenvio responder a essa questão.

2. Indicações relativas ao objetivo de proteção da saúde pública

70.

O artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 limita‑se a referir que as condições impostas ao abrigo dessa disposição devem ser justificadas por razões de proteção da saúde pública.

71.

A este respeito, o considerando 24 da Diretiva 2011/62 clarifica o conteúdo normativo dessa disposição ao referir que as condições impostas ao abrigo desta «não deverão restringir de forma indevida o funcionamento do mercado interno». Atendendo à terminologia tradicional do direito da União utilizada no âmbito dessa clarificação, considero que esta reflete a vontade do legislador da União de sujeitar o exercício do poder de um Estado‑Membro de destino a um teste clássico destinado a determinar se as condições impostas por um Estado‑Membro são adequadas para garantir a realização do objetivo de proteção da saúde pública e se essas condições não vão além do que é necessário para atingir esse objetivo.

72.

Por outro lado, como demonstrei nos n.os 62 a 64 das presentes conclusões, as condições impostas ao abrigo do artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 são passíveis de ser aplicadas igualmente no âmbito de uma dimensão transfronteiriça, aos prestadores de serviços da sociedade da informação estabelecidos nos Estados‑Membros que não o Estado‑Membro que impõe uma condição ao abrigo dessa disposição. O exercício do poder de um Estado‑Membro de destino deve, portanto, estar sujeito às condições que se baseiam naquelas a cujo cumprimento está subordinado qualquer entrave às liberdades fundamentais garantidas pelos artigos do Tratado FUE.

73.

Por conseguinte, proponho que se responda à terceira, quarta, quinta e sexta questões prejudiciais que o artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à proibição de um serviço como o descrito na primeira questão prejudicial, que resulta da interpretação de disposições como as descritas na segunda questão prejudicial, a menos que se demonstre que essa proibição é simultaneamente adequada e necessária para a proteção da saúde pública, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

74.

A fim de fornecer mais indicações ao órgão jurisdicional de reenvio, formularei algumas observações adicionais quanto à análise que este órgão jurisdicional deve efetuar.

75.

Em primeiro lugar, antes de mais, atendendo à importância da relação de confiança que deve prevalecer entre um profissional de saúde, como um farmacêutico, e os seus clientes, a proteção da dignidade de uma profissão regulamentada pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral, abrangida pelo âmbito de proteção da saúde pública, suscetível de justificar uma restrição à livre prestação de serviços ( 32 ). O mesmo se aplica no que diz respeito à segurança e à qualidade do fornecimento a retalho dos medicamentos ( 33 ). Além disso, atendendo a que a Diretiva 2011/62 visa, no essencial, impedir a introdução na cadeia de abastecimento de medicamentos falsificados, devo observar que a necessidade de assegurar um abastecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população constitui um objetivo de proteção da saúde e da vida das pessoas ( 34 ). Por último, na minha opinião, é igualmente abrangida pelo objetivo de proteção da saúde pública a prevenção da utilização irracional e excessiva dos medicamentos não sujeitos a receita médica, que cumpre o objetivo essencial de salvaguarda da saúde pública ( 35 ).

76.

Em segundo lugar, quanto à aptidão de uma medida nacional para alcançar o objetivo invocado, cabe recordar que, quando subsistam incertezas quanto à existência ou à importância de riscos para a saúde das pessoas, o Estado‑Membro deve poder tomar medidas de proteção sem ter de aguardar que a realidade desses riscos seja plenamente demonstrada. Além disso, o Estado‑Membro pode tomar as medidas que reduzam, tanto quanto possível, um risco para a saúde pública ( 36 ).

77.

Em terceiro lugar, há que ter em conta, na apreciação do cumprimento do princípio da proporcionalidade no domínio da saúde pública, que a saúde e a vida das pessoas ocupam o primeiro lugar entre os bens e interesses protegidos pelo Tratado FUE e que cabe aos Estados‑Membros decidir o nível a que pretendem assegurar a proteção da saúde pública e o modo como esse nível deve ser alcançado ( 37 ).

78.

Para ser exaustivo, importa sublinhar que, nas suas observações escritas, a Comissão refere que a proibição que resulta da interpretação das disposições nacionais em causa no litígio no processo principal deve ser analisada igualmente à luz do artigo 15.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2006/123/CE ( 38 ).

79.

A este respeito, a Comissão recorda que, de acordo com o artigo 3.o, n.o 1, dessa diretiva, «[s]empre que haja conflito entre uma disposição [desta] e um outro instrumento comunitário que discipline aspetos específicos do acesso e do exercício da atividade de um serviço em domínios ou profissões específicos, as disposições desse instrumento comunitário prevalecem e aplicam‑se a esses domínios ou profissões específicos». No caso em apreço, porquanto não parece existir qualquer incompatibilidade entre as disposições pertinentes da Diretiva 2006/123 e as da Diretiva 2001/83, não há razão para aplicar apenas estas últimas disposições.

80.

O artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 prevê que os Estados‑Membros devem assegurar, nomeadamente, que os requisitos referidos no n.o 2, alínea d), deste artigo, ou seja, os relativos ao acesso à atividade de serviço em causa de determinados prestadores em razão da natureza específica da atividade, sejam compatíveis com as condições de não discriminação, necessidade e proporcionalidade referidas no n.o 3 do referido artigo.

81.

No essencial, essas condições correspondem às examinadas no contexto da análise que efetuei sobre a terceira, quarta, quinta e sexta questões prejudiciais. Além disso, nada indica que a proibição que resulta da interpretação das disposições nacionais é, em si, discriminatória. O facto de, se se interpretar literalmente o Acórdão A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) ( 39 ), essa proibição ser, sem prejuízo da cláusula derrogatória prevista no artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, inoponível aos prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros não alter, do ponto de vista do direito da União, a natureza não discriminatória da referida proibição, tal como estabelecida a nível nacional.

82.

Dito isto, o órgão jurisdicional de reenvio não coloca qualquer questão sobre a Diretiva 2006/123 e apenas a Comissão se pronunciou sobre a eventual aplicação desta diretiva no litígio no processo principal. Por outro lado, como referi, o órgão jurisdicional de reenvio não fornece informações pormenorizadas quanto às características do serviço prestado pela Doctipharma e aos objetivos prosseguidos pela proibição imposta a esse serviço. Nestas circunstâncias, proponho que o Tribunal de Justiça chame a atenção do órgão jurisdicional de reenvio para essa diretiva, sem, contudo, proceder à sua interpretação.

VI. Conclusão

83.

Atendendo a todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) da seguinte forma:

1)

O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas, alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998,

deve ser interpretado no sentido de que:

constitui um «serviço da sociedade da informação» um serviço prestado por um prestador num sítio Internet, que consiste em pôr farmacêuticos e clientes em contacto para efeitos da venda, a partir dos sítios Internet de farmácias que se registaram nesse sítio mediante o pagamento de uma taxa, de medicamentos não sujeitos a receita médica, e em que o único contacto no momento da celebração de contratos de compra e venda entre prestador, farmacêutico e cliente se efetua através de instrumentos eletrónicos,. No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no plano dos factos, todos esses elementos estavam reunidos no que diz respeito ao serviço em causa no litígio no processo principal.

2)

O artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, alterada pela Diretiva 2011/62/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011,

deve ser interpretado no sentido de que:

está abrangido no âmbito dessa disposição a proibição imposta ao prestador de um serviço como o descrito na primeira questão prejudicial e que resulta da interpretação das disposições nacionais que proíbem as pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos não sujeitos a receita médica ao público à distância de recorrer a esse serviço. No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se todos esses elementos estavam reunidos no que diz respeito às disposições nacionais em causa no litígio no processo principal.

3)

O artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83

deve ser interpretado no sentido de que

se opõe à proibição de um serviço como o descrito na primeira questão prejudicial, que resulta da interpretação de disposições como as descritas na segunda questão prejudicial, a menos que se demonstre que essa proibição é simultaneamente adequada e necessária para a proteção da saúde pública, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), alterada pela Diretiva 2011/62/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011 (JO 2011, L 174, p. 74) (a seguir «Diretiva 2001/83»).

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de junho de 1998 relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO 1998, L 204, p. 37), alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18) (a seguir «Diretiva 98/34»).

( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de junho de 2000 relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1).

( 5 ) Acórdão de 20 de dezembro de 2017 (C‑434/15, EU:C:2017:981).

( 6 ) Acórdão de 1 de outubro de 2020 (C‑649/18, EU:C:2020:764).

( 7 ) Acórdão de 20 de dezembro de 2017 (C‑434/15, EU:C:2017:981).

( 8 ) Acórdão de 1 de outubro de 2020 (C‑649/18, EU:C:2020:764).

( 9 ) A este respeito, não é de excluir que a resposta à primeira questão implique que se interprete não apenas as disposições da Diretiva 98/34, mas igualmente as da Diretiva (UE) 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 2015, L 241, p. 1). De facto, a Diretiva 98/34 foi revogada em 7 de outubro de 2015 pela Diretiva 2015/1535 e a Doctipharma refere, nas suas observações escritas, que o serviço em causa foi prestado até 2016. Contudo, deve salientar‑se que a Segunda Diretiva retomou a definição do conceito de «serviço da sociedade da informação» que constava da Primeira Diretiva, de modo que a aplicação desta Segunda Diretiva aos factos do litígio no processo principal não afetaria, em todo o caso, a resposta à primeira questão prejudicial.

( 10 ) V., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2020, Star Taxi App (C‑62/19, EU:C:2020:980, n.o 45).

( 11 ) V., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.o 47).

( 12 ) Acórdão de 20 de dezembro de 2017 (C‑434/15, EU:C:2017:981, n.os 37 e 40).

( 13 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2019 (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.o 50).

( 14 ) Acórdão de 3 de dezembro de 2020 (C‑62/19, EU:C:2020:980, n.o 49).

( 15 ) V., neste sentido, Acórdãos de 20 de dezembro de 2017, Asociación Profesional Elite Taxi (C‑434/15, EU:C:2017:981, n.os 38 e 39); de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.os 53 a 56), e de 3 de dezembro de 2020, Star Taxi App (C‑62/19, EU:C:2020:980, n.os 50 a 53).

( 16 ) Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Ker‑Optika (C‑108/09, EU:C:2010:725).

( 17 ) V., n.o 34 das presentes conclusões.

( 18 ) Acórdão de 19 de maio de 2009 (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316, n.os 34 e 35).

( 19 ) Acórdão de 19 de maio de 2009 (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316, n.os 19, 31, 34 e 35).

( 20 ) V., n.o 41 das presentes conclusões.

( 21 ) Acórdão de 19 de maio de 2009 (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316).

( 22 ) V., n.os 56 a 64 das presentes conclusões.

( 23 ) Acórdão de 19 de maio de 2009 (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316).

( 24 ) V., n.o 48 das presentes conclusões.

( 25 ) V., igualmente, neste sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2020, A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (C‑649/18, EU:C:2020:764, n.o 32).

( 26 ) V., artigo 2.o, alínea h), subalínea i), da Diretiva 2000/31.

( 27 ) Acórdão de 1 de outubro de 2020 (C‑649/18, EU:C:2020:764).

( 28 ) Acórdão de 1 de outubro de 2020 (C‑649/18, EU:C:2020:764).

( 29 ) V., Conclusões que apresentei nos processos Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:336, n.os 123 a 125), LEA (C‑10/22, EU:C:2023:437, n.o 51) bem como Google Ireland e o. (C‑376/22, EU:C:2023:467, n.o 73).

( 30 ) De facto, por um lado, o dispositivo do referido acórdão refere‑se, de modo geral, à Diretiva 2000/31, sem referir a Diretiva 2001/83 e o seu artigo 85.o‑C, n.o 2. Por outro lado, decorre do n.o 27 do seu Acórdão de 17 de setembro de 2021, proferido na sequência do Acórdão de 1 de outubro de 2020, A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (C 649/18, EU:C:2020:764), que a cour d’appel de Paris parece ter interpretado este último no sentido de que o artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83 abrange as exigências relativas à publicidade em linha e prevalece sobre o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, uma vez que este estabelece as condições nas quais um Estado‑Membro pode derrogar o princípio enunciado no artigo 3.o, n.os 1 e 2, dessa diretiva.

( 31 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (C‑649/18, EU:C:2020:134, n.o 25)

( 32 ) V., Acórdão de 1 de outubro de 2020, A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (C‑649/18, EU:C:2020:764, n.o 66).

( 33 ) V., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316, n.o 39).

( 34 ) V., Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA (C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 68).

( 35 ) V., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, EUROAPTIEKA (C‑530/20, EU:C:2022:1014, n.os 39, 43 e 44). V., igualmente, neste sentido, Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Ker‑Optika (C‑108/09, EU:C:2010:725, n.os 58 e 59).

( 36 ) V., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA (C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 72).

( 37 ) V., Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Venturini e o. (C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:791, n.o 59).

( 38 ) Diretiva do Parlamente Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36).

( 39 ) Acórdão de 1 de outubro de 2020 (C‑649/18, EU:C:2020:764).