CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 14 de julho de 2022 ( 1 )

Processo C‑311/21

CM

contra

TimePartner Personalmanagement GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Trabalho temporário — Diretiva 2008/104/CE — Artigo 5.o — Princípio da igualdade de tratamento — Igualdade de remuneração — Derrogação pelos parceiros sociais — Respeito pela proteção geral dos trabalhadores temporários — Convenção coletiva que estabelece uma remuneração inferior à dos trabalhadores contratados pela empresa utilizadora»

I. Introdução

1.

Em que condições pode uma convenção coletiva celebrada pelos parceiros sociais derrogar o princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores temporários? O Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha) pretende obter orientações do Tribunal de Justiça quanto a dois aspetos, em particular, desta questão. Em primeiro lugar, a relação entre o princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao trabalho temporário ( 2 ) e o conceito de «proteção geral dos trabalhadores temporários» que as convenções coletivas devem respeitar por força do n.o 3 do artigo 5.o da mesma diretiva. Em segundo lugar, o alcance da fiscalização jurisdicional de que tais convenções coletivas podem ser objeto a fim de verificar se respeitam a proteção geral dos trabalhadores temporários.

II. Quadro jurídico aplicável

A.   Direito da União Europeia

2.

O preâmbulo da Diretiva 2008/104 estabelece, designadamente, os seguintes objetivos:

«(12)

A presente diretiva estabelece um quadro de proteção para os trabalhadores temporários que se caracteriza pela não discriminação, pela transparência e proporcionalidade, sem deixar de respeitar a diversidade dos mercados de trabalho e das relações laborais.

[…]

(14)

As condições fundamentais de trabalho e de emprego aplicáveis aos trabalhadores temporários deverão ser, no mínimo, as que seriam aplicáveis a esses trabalhadores se tivessem sido recrutados pelo utilizador para ocupar uma função idêntica.

[…]

(16)

Para enfrentar de forma flexível a diversidade dos mercados de trabalho e das relações laborais, os Estados‑Membros podem dar aos parceiros sociais a possibilidade de definirem as condições de trabalho e emprego, desde que seja respeitado o nível geral de proteção dos trabalhadores temporários.

(17)

Além disso, em certas circunstâncias limitadas, os Estados‑Membros deverão ter a possibilidade de, com base em acordos celebrados pelos parceiros sociais a nível nacional e dentro de limites, derrogar ao princípio da igualdade de tratamento, desde que fique assegurado um nível adequado de proteção.

[…]

(19)

A presente diretiva não afeta a autonomia dos parceiros sociais nem deverá afetar as relações entre eles, nomeadamente o direito de negociar e celebrar convenções coletivas de acordo com as legislações e práticas nacionais, no respeito pelo primado do direito comunitário.»

3.

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104 define o seu âmbito de aplicação da seguinte forma:

«A presente diretiva é aplicável aos trabalhadores com um contrato de trabalho ou uma relação de trabalho com uma empresa de trabalho temporário, que sejam cedidos temporariamente a utilizadores a fim de trabalharem sob a autoridade e direção destes.»

4.

Nos termos do seu artigo 2.o, a Diretiva 2008/104 tem como objetivo:

«[…] assegurar a proteção dos trabalhadores temporários e melhorar a qualidade do trabalho temporário, assegurando que o princípio da igualdade de tratamento, tal como definido no artigo 5.o é aplicável aos trabalhadores temporários, reconhecendo às empresas de trabalho temporário a qualidade de empregadores, tendo em conta a necessidade de estabelecer um quadro de utilização do trabalho temporário por forma a contribuir efetivamente para a criação de emprego e para o desenvolvimento de formas de trabalho flexíveis.»

5.

Para efeitos da Diretiva 2008/104, a alínea f) do n.o 1 do seu artigo 3.o define as «condições fundamentais de trabalho e emprego» como:

«[…] as condições de trabalho e emprego estabelecidas por legislação, regulamentação, disposições administrativas, convenções coletivas e/ou outras disposições de caráter geral vinculativas em vigor no utilizador, relativas:

i)

à duração do trabalho, às horas suplementares, aos períodos de pausa e de descanso, ao trabalho noturno e às férias e feriados,

ii)

à remuneração.»

6.

Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2008/104, sob a epígrafe «Princípio da igualdade de tratamento»:

«1.   As condições fundamentais de trabalho e emprego dos trabalhadores temporários são, enquanto durar a respetiva cedência ao utilizador, pelo menos iguais às condições que lhes seriam aplicáveis se tivessem sido recrutados diretamente pelo utilizador para ocuparem a mesma função.

[…]

3.   Após consulta aos parceiros sociais, os Estados‑Membros podem dar‑lhes a possibilidade de manterem ou celebrarem, ao nível adequado e sob reserva das condições estabelecidas pelos Estados‑Membros, convenções coletivas que, assegurando embora a proteção geral dos trabalhadores temporários, estabeleçam as condições de trabalho e emprego desses trabalhadores, as quais podem ser distintas das referidas no n.o 1.

[…]»

7.

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104, sob a epígrafe «Requisitos mínimos», prevê:

«A presente diretiva não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem ou aprovarem disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa mais favoráveis aos trabalhadores, ou promoverem ou permitirem convenções coletivas celebradas entre parceiros sociais mais favoráveis aos trabalhadores.»

8.

Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104:

«Os Estados‑Membros devem aprovar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 5 de dezembro de 2011, ou assegurar que os parceiros sociais estabeleçam as disposições necessárias, através de acordo, cabendo aos Estados‑Membros tomar todas as disposições necessárias que lhes permitam, a qualquer momento, garantir a realização dos objetivos definidos na presente diretiva. Devem informar imediatamente a Comissão desse facto.»

B.   Direito alemão

9.

O § 9 da Arbeitnehmerüberlassungsgesetz de 3 de fevereiro de 1995 (Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores), na versão em vigor até 31 de março de 2017, dispõe:

«São inválidas:

[…]

2. Convenções que prevejam condições de trabalho, incluindo a remuneração, para os trabalhadores temporários, durante o período de cedência a uma empresa utilizadora, que sejam menos favoráveis que as condições fundamentais de trabalho aplicáveis na empresa utilizadora a um trabalhador desta empresa que se encontre [numa] situação comparável; uma convenção coletiva pode autorizar derrogações, desde que a remuneração prevista não seja inferior à remuneração horária mínima estabelecida por regulamento, nos termos do § 3a, n.o 2; no quadro de uma tal convenção coletiva, os empregadores e os trabalhadores não vinculados por uma convenção coletiva podem concordar na aplicação das disposições dessa convenção; uma derrogação efetuada por meio de convenção coletiva não é aplicável aos trabalhadores temporários que, nos últimos seis meses anteriores à cedência ao utilizador, tenham cessado uma relação laboral com esse utilizador ou com um empregador que forme um grupo com esse mesmo utilizador, na aceção do § 18 da Aktiengesetz (Lei das Sociedades Anónimas).»

10.

O § 10, n.o 4, da Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores, na versão em vigor até 31 de março de 2017, previa:

«A empresa de trabalho temporário é obrigada a conceder ao trabalhador temporário, durante o período de cedência ao utilizador, as condições fundamentais de trabalho, incluindo a remuneração, aplicáveis na empresa utilizadora a um trabalhador desta empresa que se encontre [numa] situação comparável. Na medida em que uma convenção coletiva aplicável à relação laboral estabeleça derrogações (§ 3, n.os 1 e 3 e § 9, n.o 2), a empresa de trabalho temporário deve conceder ao trabalhador temporário as condições de trabalho aplicáveis ao abrigo dessa convenção coletiva. Na medida em que tal convenção coletiva preveja uma remuneração inferior à remuneração horária mínima estabelecida por regulamento, nos termos do § 3a, n.o 2, a empresa de trabalho temporário deve conceder ao trabalhador temporário, por cada hora de trabalho, a remuneração devida na empresa utilizadora a um trabalhador desta empresa, que se encontre [numa] situação comparável, por uma hora de trabalho. No caso de invalidade da convenção celebrada entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador temporário por força do § 9, n.o 2, a empresa de trabalho temporário deve conceder ao trabalhador temporário as condições fundamentais de trabalho, incluindo a remuneração, aplicáveis na empresa utilizadora a um trabalhador dessa empresa que se encontre [numa] situação comparável.»

11.

Estas disposições foram posteriormente alteradas.

12.

O § 8 da Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores, na versão em vigor desde 1 de abril de 2017, sob a epígrafe «Princípio da igualdade de tratamento», prevê:

«(1)   A empresa de trabalho temporário é obrigada a conceder ao trabalhador temporário, durante o período de cedência ao utilizador, as condições fundamentais de trabalho, incluindo a remuneração, aplicáveis na empresa utilizadora a um trabalhador dessa empresa que se encontre [numa] situação comparável (princípio da igualdade de tratamento). Recebendo o trabalhador temporário a remuneração devida ao abrigo de uma convenção coletiva aplicável a um trabalhador da empresa utilizadora que se encontre [numa] situação comparável ou, alternativamente, a remuneração devida ao abrigo de uma convenção coletiva a trabalhadores do mesmo setor que se encontrem [numa] situação comparável, presume‑se que o trabalhador temporário recebe o mesmo tratamento no que respeita à remuneração na aceção do primeiro período. Caso a empresa utilizadora conceda uma remuneração em espécie, pode ser concedida uma compensação em euros.

(2)   Uma convenção coletiva pode derrogar o princípio da igualdade de tratamento, desde que a remuneração prevista não seja inferior à remuneração horária mínima estabelecida por regulamento, nos termos do § 3a, n.o 2. Na medida em que uma tal convenção coletiva derrogue o princípio da igualdade de tratamento, a empresa de trabalho temporário deve conceder ao trabalhador temporário as condições fundamentais de trabalho aplicáveis ao abrigo dessa convenção coletiva. No quadro de uma tal convenção coletiva, os empregadores e os trabalhadores não vinculados por uma convenção coletiva podem concordar na aplicação dessa convenção. Na medida em que uma tal convenção coletiva preveja uma remuneração inferior à remuneração horária mínima estabelecida por regulamento, nos termos do § 3a, n.o 2, a empresa de trabalho temporário deve conceder ao trabalhador temporário, por cada hora de trabalho, a remuneração devida na empresa utilizadora a um trabalhador desta empresa, que se encontre numa situação comparável, por uma hora de trabalho.

(3)   Uma derrogação efetuada por meio de uma convenção coletiva na aceção do n.o 2 não é aplicável aos trabalhadores temporários que, nos últimos seis meses anteriores à cedência ao utilizador, tenham cessado uma relação laboral com esse utilizador ou com um empregador que forme um grupo com esse mesmo utilizador, na aceção do § 18 da Aktiengesetz (Lei das [Sociedades Anónimas]).

(4)   Uma convenção coletiva na aceção do n.o 2 pode derrogar, em matéria de remuneração, o princípio da igualdade de tratamento durante os primeiros nove meses de cedência ao utilizador. Uma derrogação por um período de tempo mais longo efetuada por meio de convenção coletiva é apenas permitida se:

1. o mais tardar 15 meses após a cedência a um utilizador, for alcançada uma remuneração que seja, pelo menos, a remuneração estabelecida pela convenção coletiva como sendo equivalente à remuneração prevista na convenção coletiva para trabalhadores no setor que se encontrem [numa] situação comparável, e

2. após um período de adaptação aos métodos de trabalho de uma duração máxima de seis semanas, a remuneração paga for progressivamente alinhada pela remuneração supramencionada.

No quadro de uma tal convenção coletiva, os empregadores e os trabalhadores não vinculados por uma convenção coletiva podem concordar na aplicação das disposições dessa convenção. O período de cedências anteriores pela mesma ou por uma empresa de trabalho temporário diferente ao mesmo utilizador deve ser tido em conta, na sua integralidade, se o respetivo período entre as cedências não ultrapassar os três meses.

(5)   A empresa de trabalho temporário deverá pagar ao trabalhador temporário pelo menos a remuneração horária mínima estabelecida por regulamento, nos termos do § 3a, n.o 2, pelo período de cedência e pelos períodos sem cedência.»

III. Litígio no processo principal e pedido de decisão prejudicial

13.

Entre janeiro e abril de 2017, a TimePartner Personalmanagement Gmbh (a seguir «TimePartner»), uma empresa de trabalho temporário, empregou CM na qualidade de trabalhador temporário no âmbito de um contrato a termo. No decurso deste contrato, CM foi cedida na qualidade de operadora de logística a uma empresa utilizadora no setor da distribuição a retalho.

14.

Nos termos de uma convenção coletiva relativa aos trabalhadores do setor retalhista na Baviera (Alemanha), os trabalhadores contratados diretamente pela empresa utilizadora, que se encontravam numa situação comparável, auferiam uma remuneração horária bruta de 13,64 euros. Todavia, uma convenção coletiva relativa aos trabalhadores temporários celebrada entre a Interessenverband Deutscher Zeitarbeitsunternehmen (associação profissional das empresas de trabalho temporário alemãs), da qual a TimePartner é associada, e a Deutscher Gewerkschaftsbund (Federação de Sindicatos Alemães), da qual é membro o Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft (Sindicato Unitário do Setor dos Serviços), derroga o princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração previsto no § 10 da Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores (na versão em vigor até 31 de março de 2017) e o § 8 da Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores (na versão em vigor desde 1 de abril de 2017). Consequentemente, CM, que era membro do Sindicato Unitário do Setor dos Serviços, auferia uma remuneração horária bruta de 9,23 euros.

15.

CM intentou uma ação no Arbeitsgericht Würzburg (Tribunal do Trabalho de Würzburg, Alemanha) pedindo 1296,72 euros a título de compensação pela diferença salarial entre os trabalhadores temporários e os trabalhadores contratados diretamente pela empresa utilizadora que se encontravam numa situação comparável. CM alegou que as disposições pertinentes da Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores e a convenção coletiva relativa aos trabalhadores temporários eram incompatíveis com o artigo 5.o da Diretiva 2008/104.

16.

Na sequência da decisão do Arbeitsgericht Würzburg (Tribunal do Trabalho de Würzburg) que julgou a sua ação improcedente, CM interpôs recurso no Landesarbeitsgericht Nürnberg (Tribunal Superior do Trabalho de Nuremberga, Alemanha), que negou provimento ao recurso.

17.

Em seguida, CM interpôs recurso desta decisão para o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha). A fim de poder pronunciar‑se sobre este recurso, este órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça cinco questões prejudiciais:

«(1)

Como deve ser definido o conceito de “proteção geral dos trabalhadores temporários” que figura no artigo 5.o, n.o 3, da [Diretiva 2008/104]; mais concretamente, esse conceito vai além da proteção obrigatória exigida pelo direito nacional e pelo direito da União para a proteção de todos os trabalhadores?

(2)

Que pressupostos e critérios têm de estar preenchidos para que se possa considerar que as disposições relativas às condições de trabalho e de emprego, aplicáveis aos trabalhadores temporários, que figuram numa convenção coletiva e que derrogam o princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 5.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/104], respeitam a proteção geral dos trabalhadores temporários?

(a)

O exame do respeito pela proteção geral tem por objeto — em abstrato — as condições de trabalho acordadas numa convenção coletiva aplicáveis aos trabalhadores temporários abrangidos por essa convenção ou é exigido um exame comparativo e valorativo entre as condições de trabalho acordadas nessa convenção e as condições que vigoram na empresa à qual o trabalhador temporário é cedido (utilizador)?

(b)

Se existir, em matéria de remuneração, uma derrogação ao princípio da igualdade de tratamento, o respeito pela proteção geral, previsto no artigo 5.o, n.o 3, da [Diretiva 2008/104], exige que haja uma relação de trabalho permanente entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador temporário?

(3)

Devem as condições e os critérios relativos ao respeito pela proteção geral dos trabalhadores temporários na aceção do artigo 5.o, n.o 3, da [Diretiva 2008/104] ser impostos pelo legislador nacional aos parceiros sociais no caso de estes poderem celebrar convenções coletivas que contenham disposições derrogatórias do princípio da igualdade de tratamento no que diz respeito às condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores cedidos por empresas de trabalho temporário; e o sistema nacional de negociação coletiva prevê requisitos que criem a expectativa de um equilíbrio adequado de interesses entre as partes na convenção (a designada presunção de conformidade das convenções coletivas)?

(4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão:

(a)

O respeito pela proteção geral dos trabalhadores temporários, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, da [Diretiva 2008/104], é assegurado através de disposições legais como as da versão atual da Arbeitnehmerüberlassungsgesetz (Lei sobre o [Regime da Cedência de Trabalhadores]), que vigora desde 1 de abril de 2017, e que preveem um salário mínimo para trabalhadores temporários, uma duração máxima para a cedência ao mesmo utilizador, um limite temporal para a derrogação, em matéria de remuneração, ao princípio da igualdade de tratamento, a invalidade de uma disposição de uma convenção, que derrogue o princípio da igualdade de tratamento aos trabalhadores temporários que, nos seis meses imediatamente anteriores à cedência ao utilizador, tenham deixado de trabalhar para este ou para um empregador que forme um grupo com esse mesmo utilizador, na aceção do § 18 da Aktiengesetz (Lei das [Sociedades Anónimas]), assim como a obrigação do utilizador de conceder ao trabalhador temporário, nas mesmas condições que se aplicam aos trabalhadores permanentes, acesso às infraestruturas e equipamentos coletivos do utilizador (nomeadamente infraestruturas de acolhimento de crianças, cantinas e serviços de transporte)?

(b)

Em caso de resposta afirmativa:

O mesmo é igualmente válido quando, nas disposições legais correspondentes, como a [Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores], na versão em vigor até 31 de março de 2017, não esteja previsto um limite temporal para a derrogação, em matéria de remuneração, ao princípio da igualdade de tratamento e não se concretize em termos de tempo a exigência de que a cedência seja meramente ‘temporária’?

(5)

Em caso de resposta negativa à terceira questão:

No caso de disposições que derroguem ao princípio da igualdade de tratamento no que respeita às condições de trabalho e de emprego na aceção do artigo 5.o, n.o 3, da [Diretiva 2008/104], dos trabalhadores temporários cedidos ao abrigo de convenção coletiva, podem os órgãos jurisdicionais nacionais examinar essas convenções coletivas sem nenhuma restrição a fim de saber se a derrogação respeitou a proteção geral dos trabalhadores temporários, ou o artigo 28.o da Carta dos Direitos Fundamentais e/ou a referência que figura no considerando 19 da [Diretiva 2008/104] à ‘autonomia dos parceiros sociais’ exige que seja concedida aos outorgantes da convenção coletiva uma margem de apreciação, no que toca ao respeito pela proteção geral dos trabalhadores temporários, que só pode ser objeto de fiscalização [jurisdicional] em termos limitados? Em caso de resposta afirmativa à segunda alternativa, qual o alcance dessa margem de apreciação?»

18.

Apresentaram observações escritas CM, a TimePartner, o Governo alemão e a Comissão Europeia. Na audiência de 5 de maio de 2022, foram ouvidas as alegações de CM, da TimePartner, dos Governos alemão e sueco e da Comissão e as suas respostas às perguntas do Tribunal de Justiça.

IV. Apreciação

A.   Admissibilidade

19.

Segundo CM, não se afigura necessária uma resposta a todas as questões, nomeadamente à primeira, para que o órgão jurisdicional de reenvio possa pronunciar‑se no litígio de que é chamado a conhecer. Neste contexto, CM salienta que as disposições pertinentes da Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores não fazem referência ao conceito de «proteção geral dos trabalhadores temporários».

20.

Resulta de jurisprudência assente que, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação ou à validade de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se ( 3 ).

21.

O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas ( 4 ). A justificação de um pedido de decisão prejudicial não é a formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio relativo ao direito da União ( 5 ).

22.

No Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal), está pendente um litígio em que CM, um trabalhador temporário, pede uma indemnização por uma pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração. Com base no artigo 1.o da Diretiva 2008/104, os factos descritos no n.o 13 das presentes conclusões estabelecem que a Diretiva 2008/104 pode aplicar‑se a este litígio.

23.

Na medida em que o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal) solicita ao Tribunal de Justiça que defina o conceito de «proteção geral dos trabalhadores temporários», cuja formulação, como CM salientou corretamente, não consta da Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores, depreende‑se da decisão de reenvio que foi pedido ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 5.o, n.o 1 e o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 de modo a permitir que o órgão jurisdicional de reenvio determine em que medida uma convenção coletiva pode derrogar o princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração, respeitando, ao mesmo tempo, a proteção geral dos trabalhadores temporários.

24.

Tendo em conta o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal) na decisão de reenvio.

B.   Primeira questão

25.

Com a sua primeira questão, o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal) pergunta como deve ser definido o conceito de «proteção geral dos trabalhadores temporários» que figura no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104, e, mais concretamente, se esse conceito vai além da proteção obrigatória exigida, em geral, pelo direito nacional e pelo direito da União para a proteção dos trabalhadores.

26.

O órgão jurisdicional de reenvio observa que, embora o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 permita que convenções coletivas derroguem o princípio da igualdade de tratamento previsto no seu n.o 1, desde que seja respeitada a proteção geral dos trabalhadores temporários, a presente diretiva não indica as condições em que este último requisito poderá ser preenchido. A decisão de reenvio revela a existência de duas linhas de pensamento na doutrina alemã quanto à interpretação destas condições. Alguns autores entendem que a «proteção geral» se refere aos requisitos gerais legalmente previstos aplicáveis a todos os trabalhadores, independentemente de serem contratados diretamente por um utilizador ou de serem trabalhadores temporários. Outros autores consideram que a Diretiva 2008/104 concede aos trabalhadores temporários uma forma específica de proteção.

27.

CM alega que a Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores é contrária ao artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104, na medida em que não exige que as convenções coletivas respeitem a proteção geral dos trabalhadores temporários. CM alega ainda que, embora o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 permita que as convenções coletivas estabeleçam disposições alternativas relativas às condições fundamentais de trabalho e de emprego, este artigo não permite derrogações ao princípio da igualdade de tratamento.

28.

A TimePartner assinala que o considerando 19 da Diretiva 2008/104 reconhece que os parceiros sociais dispõem de uma ampla margem de apreciação. Assim, o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 permite que as convenções coletivas derroguem o princípio da igualdade de tratamento tanto a favor, como em desvantagem dos trabalhadores temporários.

29.

O Governo alemão alega que a Diretiva 2008/104 procura assegurar o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento entre os trabalhadores temporários e os trabalhadores contratados diretamente por utilizadores que se encontrem numa situação comparável. A referida diretiva não estabelece uma forma específica de proteção para os trabalhadores temporários.

30.

A Comissão alega que a formulação «proteção geral dos trabalhadores temporários» constante do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 diz respeito às condições fundamentais de trabalho e de emprego referidas no n.o 1 do seu artigo 5.o A Diretiva 2008/104 procura assegurar o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento, e não conferir aos trabalhadores temporários melhores condições do que as aplicáveis aos trabalhadores contratados diretamente por utilizadores que se encontrem numa situação comparável. Os parceiros sociais podem prever, por meio de convenção coletiva, que os trabalhadores temporários recebam uma remuneração inferior à dos trabalhadores contratados diretamente por utilizadores. Nestas circunstâncias, o respeito pela proteção geral dos trabalhadores temporários exige que os parceiros sociais concedam outras vantagens aos trabalhadores temporários que não sejam concedidas aos trabalhadores contratados diretamente por utilizadores.

31.

Segundo jurisprudência assente, para a interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta os termos dessas disposições, o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 6 ).

32.

Em primeiro lugar, o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 estabelece expressamente que os Estados‑Membros podem dar aos parceiros sociais a possibilidade de celebrarem convenções coletivas que contenham disposições relativas às condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores temporários, as quais podem ser distintas do princípio da igualdade de tratamento, desde que tais convenções coletivas respeitem a proteção geral desses trabalhadores.

33.

Em segundo lugar, o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 integra‑se num contexto em que as condições fundamentais de trabalho e de emprego, às quais se aplica o princípio da igualdade de tratamento, incluem a remuneração ( 7 ). O artigo 9.o da Diretiva 2008/104 também considera que a presente diretiva não prejudica o direito de os Estados‑Membros promoverem ou permitirem convenções coletivas celebradas entre parceiros sociais mais favoráveis aos trabalhadores.

34.

Em terceiro lugar, tendo em atenção os seus considerandos 10 e 12 e o seu artigo 2.o, o Tribunal de Justiça observou que a Diretiva 2008/104 visa estabelecer um quadro de proteção para esses trabalhadores que se caracterize pela não discriminação, transparência e proporcionalidade, sem deixar de respeitar a diversidade dos mercados de trabalho e das relações laborais ( 8 ).

35.

Resulta do exposto que, a fim de assegurar a proteção dos trabalhadores temporários e melhorar a qualidade do seu trabalho, a Diretiva 2008/104 estabelece um princípio de igualdade de tratamento aplicável à remuneração dos trabalhadores temporários e dos trabalhadores contratados diretamente pelo utilizador. Todavia, os considerandos 16 e 17 da Diretiva 2008/104 preveem que os Estados‑Membros podem dar aos parceiros sociais a possibilidade de definirem condições de trabalho e emprego que derroguem, em certas circunstâncias limitadas, este princípio. Neste contexto, ainda que o artigo 9.o da Diretiva 2008/104 preveja que os parceiros sociais podem celebrar convenções coletivas que contenham condições mais favoráveis para os trabalhadores temporários ( 9 ), o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 permite igualmente convenções coletivas que derroguem o princípio da igualdade de tratamento, sob reserva de que tais convenções respeitem a proteção geral dos trabalhadores temporários.

36.

O conceito de «proteção geral dos trabalhadores temporários» previsto no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 consiste, portanto, numa possibilidade de derrogar um princípio geral, nomeadamente o da igualdade de tratamento. Disposições desta natureza devem ser interpretadas de forma estrita ( 10 ).

37.

Tendo em conta o que precede, sugiro que a primeira questão seja entendida no sentido de que pretende determinar as condições em que, com base no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104, os parceiros sociais podem, por meio de uma convenção coletiva, derrogar o princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração em detrimento dos trabalhadores temporários, respeitando em simultâneo a sua proteção geral.

38.

A Comissão anexou às suas observações escritas o Relatório do grupo de peritos relativo à transposição da Diretiva 2008/104, relativa ao trabalho temporário, de agosto de 2011 ( 11 ). Segundo o referido relatório, quando os parceiros sociais derrogam o princípio da igualdade de tratamento em detrimento dos trabalhadores temporários por meio de uma convenção coletiva adotada ao abrigo do artigo 5.o, n.o 3 da Diretiva 2008/104, esta convenção coletiva não pode limitar‑se a fixar uma taxa de remuneração mais baixa, devendo compensar essa remuneração inferior através de outras disposições favoráveis aos trabalhadores temporários ( 12 ). A exigência de criar um tal equilíbrio tem por efeito assegurar a «proteção geral dos trabalhadores temporários». Uma interpretação do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 segundo a qual os parceiros sociais podem derrogar o princípio da igualdade de tratamento, sem prever benefícios compensatórios adequados para os trabalhadores temporários em questão, é suscetível de esvaziar este princípio de qualquer efeito prático ( 13 ). Tal interpretação comprometeria igualmente o efeito útil do artigo 9.o da Diretiva 2008/104, que reconhece que a diretiva estabelece requisitos mínimos ( 14 ).

39.

Por conseguinte, qualquer derrogação ao princípio da igualdade de tratamento em detrimento das condições fundamentais de trabalho e de emprego dos trabalhadores temporários que possa figurar numa convenção coletiva deve ser compensada pela concessão de vantagens no que respeita a outras condições fundamentais de trabalho e de emprego, conforme definidas no artigo 3.o, n.o 1, f). Neste contexto, pode observar‑se que a remuneração se trata de uma condição do emprego de tal forma fundamental que qualquer derrogação ao princípio da igualdade de tratamento deve ser justificada com base nas normas mais rigorosas. Por outro lado, uma derrogação em relação às condições fundamentais de trabalho e de emprego não pode ser compensada através de vantagens de caráter acessório. A título ilustrativo, uma derrogação ao princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração não pode ser validamente compensada por um presente da empresa.

40.

Além disso, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, reconhecido no considerando 12 da Diretiva 2008/104, qualquer derrogação ao princípio da igualdade de tratamento em detrimento das condições fundamentais de trabalho e de emprego deve ser proporcional às vantagens compensatórias que possam ser conferidas ( 15 ). Por exemplo, uma redução de 50% da taxa anual de remuneração não pode ser compensada com a concessão de um dia adicional de férias anuais. Embora a remuneração e as férias sejam condições fundamentais do emprego, uma tal derrogação em matéria de remuneração afigurar‑se‑ia desproporcionada em comparação com o valor da vantagem compensatória.

41.

Tendo em conta o que precede, pode, na prática, ser difícil para os parceiros sociais invocar as derrogações facilitadas pelo artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104. Gostaria apenas de referir que este resultado é a consequência lógica do estabelecimento por via legislativa de um princípio amplo da igualdade de tratamento juntamente com um número necessariamente limitado de exceções.

42.

Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 deve ser interpretado no sentido de que os parceiros sociais podem, por meio de uma convenção coletiva, derrogar o princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração em detrimento dos trabalhadores temporários, desde que essas convenções coletivas confiram benefícios compensatórios proporcionados no que se refere às condições fundamentais de trabalho e de emprego dos trabalhadores temporários, a fim de respeitarem a sua proteção geral.

C.   Segunda questão

43.

Com a primeira parte da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 deve ser interpretado no sentido de que o respeito pela proteção geral dos trabalhadores temporários deve ser examinado, em abstrato, com base numa convenção coletiva ou através de uma comparação concreta das condições fundamentais de trabalho e de emprego aplicáveis a trabalhadores contratados diretamente por utilizadores que se encontrem numa situação comparável. Com a segunda parte da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 deve ser interpretado no sentido de que este artigo permite que os Estados‑Membros deem aos parceiros sociais a possibilidade de celebrarem convenções coletivas relativas aos trabalhadores temporários que tenham um contrato de trabalho a termo com uma empresa de trabalho temporário.

44.

No que se refere à primeira parte de segunda questão, CM, apoiada pela Comissão, alega que o respeito pela proteção geral dos trabalhadores temporários deve ser examinado através da comparação das condições de trabalho e de emprego desses trabalhadores com as condições aplicáveis aos trabalhadores contratados diretamente pelo utilizador que se encontrem numa situação comparável.

45.

A TimePartner, apoiada pelo Governo alemão, considera que a proteção geral dos trabalhadores temporários deve ser apreciada com base num exame geral dos termos da convenção coletiva em causa.

46.

O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104 prevê que, em princípio, as condições fundamentais de trabalho e emprego dos trabalhadores temporários são, enquanto durar a respetiva cedência ao utilizador, «pelo menos iguais às condições que lhes seriam aplicáveis se tivessem sido recrutados diretamente pelo utilizador para ocuparem a mesma função». O princípio da igualdade de tratamento previsto neste artigo responde, assim, à intenção do legislador da União de aproximar as condições do trabalho temporário às relações de trabalho «normais» ( 16 ).

47.

É neste contexto que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 prevê que, se e quando os parceiros sociais celebrarem convenções coletivas estabelecendo condições de trabalho e de emprego que sejam «distintas das referidas no n.o 1» do mesmo artigo, estes devem respeitar a proteção geral dos trabalhadores temporários.

48.

Decorre da redação, do objetivo e do contexto do artigo 5.o, n.o 1 e do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 que os trabalhadores temporários têm direito às mesmas condições de trabalho e de emprego que seriam aplicáveis se o utilizador os tivesse contratado diretamente. Esta situação exige a comparação das condições aplicáveis ao trabalhador temporário com base na convenção coletiva, incluindo a remuneração, com as aplicáveis na empresa utilizadora ( 17 ). Esta comparação deve ser efetuada com base nas condições de trabalho e de emprego aplicáveis a cada uma destas duas categorias de trabalhadores. Se os parceiros sociais recorrerem à possibilidade prevista pelo direito nacional de derrogar as condições aplicáveis aos trabalhadores da empresa utilizadora nos termos do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104, a convenção coletiva deve conferir a estes trabalhadores temporários outros benefícios compensatórios que não estejam disponíveis para os trabalhadores contratados diretamente pelo utilizador, respeitando assim a proteção geral dos trabalhadores temporários.

49.

Quanto à segunda parte da segunda questão, CM alega que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 não autoriza convenções coletivas que derroguem o princípio da igualdade de tratamento no que diz respeito à remuneração dos trabalhadores temporários que tenham um contrato de trabalho a termo. CM afirma que as derrogações ao princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração só podem ser adotadas com base no artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/104, que exige a existência de um contrato de trabalho de duração indeterminada com uma empresa de trabalho temporário.

50.

A TimePartner, apoiada pelo Governo alemão e pela Comissão, alega que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 permite que os Estados‑Membros deem aos parceiros sociais a possibilidade de celebrarem convenções coletivas relativas aos trabalhadores temporários, independentemente de estes terem um contrato a termo ou um contrato de duração indeterminada com uma empresa de trabalho temporário.

51.

A segunda parte da segunda questão inspira três observações da minha parte.

52.

Em primeiro lugar, contrariamente ao disposto pelo artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/104, o n.o 3 do artigo 5.o não estabelece que a possibilidade de derrogar o princípio da igualdade de tratamento se limita aos trabalhadores temporários que tenham um contrato de trabalho de duração indeterminada com uma empresa de trabalho temporário.

53.

Em segundo lugar, enquanto o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/104 permite que os próprios Estados‑Membros prevejam determinadas derrogações ao princípio da igualdade de tratamento, o n.o 3 do seu artigo 5.o autoriza os Estados‑Membros a permitir que os parceiros sociais celebrem convenções coletivas que contenham disposições que derroguem este princípio.

54.

Em terceiro lugar, o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/104 parece assentar na premissa de que as derrogações ao princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração podem ser justificadas no caso de trabalhadores temporários que têm um contrato de trabalho de duração indeterminada com uma empresa de trabalho temporário, na medida em que estes trabalhadores continuam a ser remunerados no período compreendido entre as cedências. Em contrapartida, no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 exige que as convenções coletivas respeitem a proteção geral dos trabalhadores temporários. Como explicam os n.os 38 a 40 das presentes conclusões, tais convenções coletivas devem conferir aos trabalhadores temporários vantagens compensatórias para contrabalançar as desvantagens sofridas como consequência de qualquer derrogação ao princípio da igualdade de tratamento. A lógica subjacente ao artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104, que se distingue da lógica subjacente ao n.o 2 do artigo 5.o, pode aplicar‑se aos trabalhadores independentemente da natureza do seu contrato de trabalho com uma empresa de trabalho temporário. Por conseguinte, não há qualquer razão para excluir os trabalhadores que tenham um contrato a termo com uma empresa de trabalho temporário do âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104.

55.

Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio interpretando o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 no sentido de que:

o respeito pela proteção geral dos trabalhadores temporários deve ser examinado através da comparação das condições fundamentais de trabalho e de emprego dos trabalhadores temporários com as condições aplicáveis aos trabalhadores contratados diretamente pelo utilizador que se encontrem numa situação comparável.

os Estados‑Membros podem dar aos parceiros sociais a possibilidade de celebrarem convenções coletivas que derroguem o princípio da igualdade de tratamento no que se refere aos trabalhadores temporários que tenham um contrato de trabalho a termo com a empresa de trabalho temporário.

D.   Terceira e quarta questões

56.

Tanto a terceira como a quarta questão dizem respeito à obrigação dos Estados‑Membros de transporem os requisitos do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 para a legislação nacional quando recorrem à possibilidade de permitir aos parceiros sociais celebrarem convenções coletivas relativas aos trabalhadores temporários que derroguem o princípio da igualdade de tratamento enunciado no n.o 1 do mesmo artigo. Uma vez que a resposta à quarta questão depende da resposta dada à terceira, proponho‑me abordar estas duas questões em conjunto.

57.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, no caso de um Estado‑Membro recorrer à possibilidade prevista no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104, a legislação nacional deve estabelecer pressupostos e critérios pormenorizados que as convenções coletivas celebradas no âmbito dos mesmos deverão preencher a fim de respeitar a proteção geral dos trabalhadores temporários. Em caso de resposta afirmativa a esta questão, o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal) pretende obter orientações que lhe permitam apreciar se a Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores garante uma proteção global suficiente dos trabalhadores temporários. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 deve ser interpretado no sentido de que a proteção geral dos trabalhadores temporários é assegurada pela legislação nacional que estabelece o seguinte: um salário mínimo para os trabalhadores temporários; uma duração máxima para a cedência ao mesmo utilizador; um limite temporal para a derrogação, em matéria de remuneração, ao princípio da igualdade de tratamento; a não aplicação de convenções coletivas a trabalhadores temporários que tenham sido contratados diretamente pelo utilizador ou por uma empresa que forme um grupo com o mesmo nos seis meses imediatamente anteriores à cedência; a obrigação de conceder aos trabalhadores temporários acesso a infraestruturas e equipamentos (infraestruturas de acolhimento de crianças, cantinas e serviços de transporte) conferido aos trabalhadores contratados diretamente pelo utilizador; e a exigência de que a cedência seja «temporária», sem mais especificações.

58.

CM alega que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 exige que a legislação nacional estabeleça pressupostos e critérios pormenorizados que as convenções coletivas deverão preencher a fim de respeitar a proteção geral dos trabalhadores temporários. CM indica que a legislação nacional descrita na decisão de reenvio não satisfaz estes requisitos.

59.

Pelo contrário, a TimePartner, apoiada pelo Governo alemão, entende que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 não exige que os Estados‑Membros estabeleçam quaisquer pressupostos ou critérios específicos que as convenções coletivas deverão preencher a fim de respeitar a proteção geral dos trabalhadores temporários. A TimePartner considera que os Estados‑Membros podem deixar uma margem de apreciação aos parceiros sociais em conformidade com a autonomia destes últimos para celebrar convenções coletivas.

60.

O Governo alemão alega que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 reconhece implicitamente uma presunção de que as convenções coletivas celebradas pelos parceiros sociais que têm poder de negociação coletiva são justas. O Governo alemão afirma igualmente que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 exige que as convenções coletivas celebradas pelos parceiros sociais devem respeitar a proteção geral dos trabalhadores temporários. Em todo o caso, as disposições do direito alemão reproduzidas na decisão de reenvio asseguram a proteção geral dos trabalhadores temporários.

61.

A Comissão considera que, ao conferir aos parceiros sociais a possibilidade nos termos do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 de celebrarem convenções coletivas que derrogam o princípio da igualdade de tratamento, os Estados‑Membros devem transpor a exigência segundo a qual tais convenções coletivas devem respeitar a proteção geral dos trabalhadores temporários. A Comissão observa que, uma vez que a legislação alemã não exige que as derrogações ao princípio da igualdade de tratamento sejam compensadas por outras vantagens concedidas aos trabalhadores temporários, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a proteção geral dos trabalhadores temporários pode ser assegurada interpretando a legislação nacional em conformidade com o direito da União.

62.

Em conformidade com o terceiro parágrafo do artigo 288.o TFUE, a diretiva vincula o Estado‑Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. Embora esta disposição reserve aos Estados‑Membros a liberdade de escolha das vias e dos meios destinados a assegurar a aplicação da diretiva, essa liberdade deixa, no entanto, intacta a obrigação em relação a cada um dos Estados destinatários de adotarem, no âmbito da sua ordem jurídica nacional, todas as medidas necessárias para assegurar a plena eficácia da diretiva, em conformidade com o objetivo que esta prossegue ( 18 ).

63.

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros podem deixar a realização dos objetivos de política social visados por uma diretiva nesse domínio, em primeiro lugar, ao cuidado dos parceiros sociais ( 19 ). A mencionada faculdade não dispensa os Estados‑Membros da obrigação de garantir, através de medidas legislativas, regulamentares ou administrativas adequadas, que todos os trabalhadores possam beneficiar da proteção que lhes é conferida pela Diretiva 2002/14 em toda a sua extensão ( 20 ).

64.

O Tribunal de Justiça declarou que a natureza das medidas adotadas pela via de convenção coletiva é diferente da natureza das adotadas unilateralmente por via legislativa ou regulamentar, na medida em que se presume que os parceiros sociais, ao exercerem o seu direito fundamental à negociação coletiva reconhecido no artigo 28.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tiveram o cuidado de definir um equilíbrio entre os seus interesses respetivos ( 21 ).

65.

Quando o exercício do direito à negociação coletiva proclamado no artigo 28.o da Carta é regulado pelo direito da União, este exercício deve respeitar as suas disposições ( 22 ). Por conseguinte, quando a legislação nacional autoriza a negociação de uma convenção coletiva num domínio abrangido por uma diretiva, a convenção coletiva que daí resulta deve ser conforme com o direito da União, em geral, e com essa diretiva, em particular ( 23 ). Daqui se depreende que, ao celebrarem convenções coletivas que entram no âmbito de aplicação da Diretiva 2008/104, os parceiros sociais devem agir no respeito das disposições desta diretiva ( 24 ).

66.

Quando os Estados‑Membros conferem aos parceiros sociais a faculdade de celebrarem convenções coletivas que podem derrogar o princípio da igualdade de tratamento, o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 exige que os primeiros garantam que os últimos respeitam a proteção geral dos trabalhadores temporários. Daqui resulta que, embora o conceito de proteção geral dos trabalhadores temporários deva ser transposto para a legislação nacional, esta obrigação não exige necessariamente que os Estados‑Membros adotem disposições pormenorizadas estabelecendo os critérios ou as condições em que tais convenções coletivas devem ser celebradas. Esta abordagem encontra apoio tanto no terceiro parágrafo do artigo 288.o TFUE, como na jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 25 ).

67.

Assim, o órgão jurisdicional de reenvio deve interpretar o direito nacional, em especial a Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores, à luz do texto e da finalidade do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104, para alcançar uma solução conforme com o objetivo prosseguido pelo mesmo ( 26 ), nomeadamente o respeito da proteção geral dos trabalhadores temporários. Esta interpretação está sujeita ao cumprimento dos limites reconhecidos na interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União, nomeadamente a não interpretação contra legem do direito nacional ( 27 ).

68.

Da decisão de reenvio depreende‑se que a legislação alemã aplicável inclui disposições, descritas no n.o 57 das presentes conclusões, que limitam a faculdade de os parceiros sociais derrogarem o princípio da igualdade de tratamento. Embora seja da competência do órgão jurisdicional de reenvio proceder a essa verificação, e mesmo que essas disposições não exijam expressamente que os parceiros sociais garantam que qualquer derrogação seja compensada por outras vantagens concedidas aos trabalhadores temporários, a Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores não parece constituir um obstáculo à celebração de convenções coletivas suscetíveis de conter um equilíbrio adequado.

69.

Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às terceira e quarta questões que o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro dá aos parceiros sociais a possibilidade de celebrarem convenções coletivas que contêm disposições derrogatórias ao princípio da igualdade de tratamento no que diz respeito às condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores cedidos por empresas de trabalho temporário, a legislação nacional não deve estabelecer pressupostos e critérios pormenorizados a preencher pelos parceiros sociais, desde que seja assegurada a proteção geral dos trabalhadores temporários.

E.   Quinta questão

70.

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as convenções coletivas celebradas pelos parceiros sociais podem ser objeto de fiscalização pelos órgãos jurisdicionais nacionais e, em caso de resposta afirmativa, qual o alcance desta competência dos órgãos jurisdicionais para assegurar que essas convenções coletivas respeitam a proteção geral dos trabalhadores temporários exigida pelo artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104.

71.

CM defende que deve ser dada resposta afirmativa a esta questão.

72.

A TimePartner e o Governo alemão salientam que, nos termos do direito alemão, as convenções coletivas gozam de uma presunção de conformidade por força da qual estão sujeitas a uma fiscalização limitada. Esta abordagem encontra apoio no considerando 19 da Diretiva 2008/104 e no artigo 28.o da Carta.

73.

A Comissão alega que, ao interpretar o direito nacional em conformidade com o direito da União, o órgão jurisdicional de reenvio pode chegar à conclusão de que a Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores exige que as convenções coletivas respeitem a proteção geral dos trabalhadores temporários. Neste caso, o órgão jurisdicional de reenvio tem competência para analisar a questão de saber se uma convenção coletiva preenche este requisito.

74.

Em conformidade com jurisprudência assente, os parceiros sociais dispõem de uma ampla margem de apreciação na escolha do prosseguimento de um determinado objetivo em matéria de política social e do emprego e na adoção das medidas suscetíveis de o realizar ( 28 ). No entanto, como se indica no n.o 65 das presentes conclusões, quando o exercício do direito à negociação coletiva proclamado no artigo 28.o da Carta é regulado pelo direito da União, este exercício deve respeitar as suas disposições ( 29 ). Consequentemente, quando os parceiros sociais adotam medidas, que são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/104, estes devem respeitar as disposições desta diretiva.

75.

Em diversas ocasiões, o Tribunal de Justiça considerou uma cláusula incluída numa convenção coletiva como sendo contrária às disposições das diretivas da União ( 30 ). Segundo a jurisprudência, seria incompatível com a própria natureza do direito da União que o juiz competente para aplicar esse direito não tivesse o poder de, no momento que entendesse, fazer tudo o que é necessário para afastar as disposições de uma convenção coletiva que obste eventualmente à plena eficácia das normas do direito da União ( 31 ).

76.

Como decorre dos n.os 66 a 68 das presentes conclusões, através do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104, quando os Estados‑Membros conferem aos parceiros sociais a faculdade de celebrarem convenções coletivas que derrogam o princípio da igualdade de tratamento, devem exigir a estes que respeitem a proteção geral dos trabalhadores temporários.

77.

A Lei sobre o Regime de Cedência de Trabalhadores transpõe para a legislação alemã o princípio da igualdade de tratamento que figura no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104. Dado que as derrogações legais a este princípio são facultativas, o direito da União não impõe aos Estados‑Membros que as transponham para o direito nacional ( 32 ). Além disso, quando o direito da União confere aos Estados‑Membros a faculdade de estabelecer derrogações a determinadas disposições de uma diretiva, estes têm a obrigação de exercer o seu poder discricionário no respeito pelo direito da União, o que inclui situações em que essas derrogações são feitas por meio de convenções coletivas ( 33 ).

78.

Tendo em conta as considerações que precedem, com vista a executar as obrigações decorrentes do artigo 288.o TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio deve fazer tudo o que for da sua competência, ao abrigo do princípio da interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União, a fim de garantir a plena eficácia da Diretiva 2008/104, apesar de esse princípio não poder servir de fundamento para uma interpretação contra legem do direito nacional ( 34 ).

79.

A obrigação do órgão jurisdicional de reenvio inclui verificar se as convenções coletivas que introduzem derrogações ao princípio da igualdade de tratamento asseguram a proteção geral dos trabalhadores temporários conferindo determinadas vantagens a esses trabalhadores, a fim de compensar legalmente qualquer derrogação a este princípio. Embora os parceiros sociais disponham de uma ampla margem de apreciação para definir um equilíbrio entre essas derrogações e as vantagens compensatórias conferidas aos trabalhadores temporários, o órgão jurisdicional de reenvio deve poder apreciar se os parceiros sociais alcançaram efetivamente esse equilíbrio. Não obstante o necessário respeito da margem de apreciação concedida aos parceiros sociais, não existe uma presunção de que as convenções coletivas são conformes com o direito da União.

80.

Por último, gostaria de observar que, contrariamente ao que o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar, a quinta questão deve ser respondida independentemente da resposta à terceira questão, uma vez que, pelos motivos indicados nos n.os 74 a 79 das presentes conclusões, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar a compatibilidade das convenções coletivas com o direito da União e, em especial, com a Diretiva 2008/104.

81.

Deste modo, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à quinta questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio que as convenções coletivas celebradas pelos parceiros sociais podem ser objeto de fiscalização pelos órgãos jurisdicionais nacionais a fim de assegurar que essas convenções coletivas respeitam a proteção geral dos trabalhadores temporários exigida pelo artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104.

V. Conclusão

82.

Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo [Bundesarbeitsgericht] (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha) do seguinte modo:

1)

O artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao trabalho temporário, deve ser interpretado no sentido de que os parceiros sociais podem, por meio de uma convenção coletiva, derrogar o princípio da igualdade de tratamento em matéria de remuneração em detrimento dos trabalhadores temporários, desde que essas convenções coletivas confiram benefícios compensatórios proporcionados no que se refere às condições fundamentais de trabalho e de emprego dos trabalhadores temporários, a fim de respeitarem a sua proteção geral.

2)

O artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 deve ser interpretado no sentido de que

o respeito pela proteção geral dos trabalhadores temporários deve ser examinado através da comparação das condições fundamentais de trabalho e de emprego dos trabalhadores temporários com as condições aplicáveis aos trabalhadores contratados diretamente pelo utilizador que se encontrem numa situação comparável;

os Estados‑Membros podem dar aos parceiros sociais a possibilidade de celebrarem convenções coletivas que derroguem o princípio da igualdade de tratamento no que se refere aos trabalhadores temporários que tenham um contrato de trabalho a termo com a empresa de trabalho temporário.

3)

O artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro dá aos parceiros sociais a possibilidade de celebrarem convenções coletivas que contêm disposições derrogatórias ao princípio da igualdade de tratamento no que diz respeito às condições de trabalho e de emprego dos trabalhadores cedidos por empresas de trabalho temporário, a legislação nacional não deve estabelecer pressupostos e critérios pormenorizados a preencher pelos parceiros sociais, desde que seja assegurada a proteção geral dos trabalhadores temporários.

4)

As convenções coletivas celebradas pelos parceiros sociais podem ser objeto de fiscalização pelos órgãos jurisdicionais nacionais a fim de assegurar que essas convenções coletivas respeitam a proteção geral dos trabalhadores temporários exigida pelo artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) JO 2008, L 327, p. 9.

( 3 ) Acórdão de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C‑409/06, EU:C:2010:503, n.o 36 e jurisprudência referida).

( 4 ) Ibidem, n.o 37.

( 5 ) Ibidem, n.o 38.

( 6 ) Acórdãos de 18 de dezembro de 2008, Andersen (C‑306/07, EU:C:2008:743, n.o 40), e de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.o 29 e jurisprudência referida).

( 7 ) Artigo 3.o, n.o1, alínea f), ii), da Diretiva 2008/104.

( 8 ) Acórdão de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no contexto do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:823, n.o 40).

( 9 ) V., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no contexto do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:823, n.o 41), e de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.os 33 e 106).

( 10 ) V., por analogia, Acórdãos de 9 de setembro de 2003, Jaeger (C‑151/02, EU:C:2003:437, n.o 89); de 21 de outubro de 2010, Accardo e o. (C‑227/09, EU:C:2010:624, n.o 58); e de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.os 56 e 72). V., também, Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Luso Temp (C‑426/20, EU:C:2021:995, n.o 62).

( 11 ) Publicado no sítio Web da Comissão em: https://ec.europa.eu/social/BlobServlet?docId=6998&langId=en.

( 12 ) Ibidem, p. 24.

( 13 ) Segundo o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a aplicação da Diretiva 2008/104/CE relativa ao trabalho temporário, de 21 de março de 2014 (COM/2014/0176 final, p. 19), o grau de dependência em relação a determinadas derrogações ao princípio da igualdade de tratamento pode ter conduzido a uma situação em que a aplicação da Diretiva 2008/104 não teve efeito real sobre a melhoria da proteção dos trabalhadores temporários.

( 14 ) V., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no contexto do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:823, n.o 41), e de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.o 33).

( 15 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.os 70 e 72).

( 16 ) V., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no contexto do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:823, n.os 51 e 52).

( 17 ) V., por analogia, Acórdão de 12 de maio de 2022, Luso Temp (C‑426/20, EU:C:2022:373, n.o 50).

( 18 ) Acórdãos de 10 de abril de 1984, von Colson e Kamann (14/83, EU:C:1984:153, n.o 15), e de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.o 94).

( 19 ) Acórdãos de 18 de dezembro de 2008, Andersen (C‑306/07, EU:C:2008:743, n.o 25); de 11 de fevereiro de 2010, Ingeniørforeningen i Danmark (C‑405/08, EU:C:2010:69, n.o 39); e de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.o 108).

( 20 ) Acórdãos de 11 de fevereiro de 2010, Ingeniørforeningen i Danmark (C‑405/08, EU:C:2010:69, n.o 40), e de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.o 109). V., também, artigo 11.o da Diretiva 2008/104, que prevê que os Estados‑Membros devem «assegurar que os parceiros sociais estabeleçam as disposições necessárias, através de acordo, cabendo aos Estados‑Membros tomar todas as disposições necessárias que lhes permitam, a qualquer momento, garantir a realização dos objetivos definidos na presente diretiva».

( 21 ) Acórdão de 19 de setembro de 2018, Bedi (C‑312/17, EU:C:2018:734, n.o 68).

( 22 ) V., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.o 67); de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 47); de 28 de junho de 2012, Erny (C‑172/11, EU:C:2012:399, n.o 50); e de 19 de setembro de 2018, Bedi (C‑312/17, EU:C:2018:734, n.o 69).

( 23 ) Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 46).

( 24 ) V., neste sentido, Acórdãos de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 48); de 12 de dezembro de 2013, Hay (C‑267/12, EU:C:2013:823, n.o 27); e de 19 de setembro de 2018, Bedi (C‑312/17, EU:C:2018:734, n.o 70). V., também, considerando 19 da Diretiva 2008/104, segundo o qual, embora esta diretiva não afete a autonomia dos parceiros sociais, o direito de negociar e celebrar convenções coletivas deve ser exercido «no respeito pelo primado do direito [da União]».

( 25 ) V., por analogia, Acórdão de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.os 55 a 57), em que o Tribunal de Justiça decidiu que, embora a cedência deva, pela sua própria natureza, ser temporária, os Estados‑Membros não estão obrigados a fixar, em direito nacional, uma duração máxima para a cedência de trabalhadores temporários a utilizadores nos termos do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104. Os órgãos jurisdicionais nacionais podem determinar essa duração máxima na ausência de legislação nacional neste sentido. V. também Acórdão de 18 de dezembro de 2008, Andersen (C‑306/07, EU:C:2008:743, n.os 52 a 54).

( 26 ) V., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no contexto do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:823, n.o 65), e de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.o 76).

( 27 ) V., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no contexto do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:823, n.o 66), e de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.o 77).

( 28 ) V. Acórdão de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.o 65 e jurisprudência referida).

( 29 ) O Tribunal de Justiça decidiu que o simples facto de o direito da União poder opor‑se a uma cláusula incluída numa convenção coletiva não é, por si só, contrário ao direito de negociar e de celebrar convenções coletivas reconhecido no artigo 28.o da Carta [Acórdão de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.o 78)].

( 30 ) Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.o 78); de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 83); de 12 de dezembro de 2013, Hay (C‑267/12, EU:C:2013:823, n.o 47); de 19 de setembro de 2018, Bedi (C‑312/17, EU:C:2018:734, n.o 79) e de 13 de janeiro de 2022, Koch Personaldienstleistungen (C‑514/20, EU:C:2022:19, n.o 46).

( 31 ) Acórdão de 7 de fevereiro de 1991, Nimz (C‑184/89, EU:C:1991:50, n.o 20).

( 32 ) Acórdão de 21 de outubro de 2010, Accardo e o. (C‑227/09, EU:C:2010:624, n.o 51).

( 33 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 2010, Accardo e o. (C‑227/09, EU:C:2010:624, n.o 55).

( 34 ) V., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no contexto do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:823, n.os 65 e 66).