CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 16 de fevereiro de 2023 ( 1 )

Processo C‑216/21

Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România»,

YN

contra

Consiliul Superior al Magistraturii

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Ploieşti (Tribunal de Recurso, Ploieşti, Roménia)]

«Pedido de decisão prejudicial — Decisão 2006/928/CE — Mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia para cumprir objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção e a criminalidade organizada — Artigo 2.o TUE — Estado de direito — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Independência dos juízes — Medida nacional que altera as regras de promoção de magistrados judiciais nos tribunais inferiores»

I. Introdução

1.

«Não basta fazer justiça, é preciso mostrar que foi feita justiça». Esta famosa máxima é frequentemente invocada no que toca a questões relativas à independência dos juízes uma vez que no cerne destas questões está a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar no público ( 2 ).

2.

Em 2019, a Secção dos Magistrados Judiciais do Consiliul Superior al Magistraturii (Conselho Superior da Magistratura, Roménia; a seguir «CSM») aprovou um regulamento nacional de reforma do procedimento de promoção aplicável aos juízes dos tribunais inferiores da Roménia (a seguir «regulamento impugnado») ( 3 ). As recorrentes no processo principal, a Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» (Associação «Fórum dos Magistrados Judiciais Romenos»; a seguir «Fórum dos Magistrados Judiciais Romenos») e a YN, pedem a anulação parcial desta decisão perante a Curtea de Apel Ploieşti (Tribunal de Recurso, Ploieşti, Roménia), órgão jurisdicional de reenvio no caso em apreço.

3.

As recorrentes alegam que a reforma introduzida pelo regulamento impugnado é problemática pelo facto de, segundo elas, o procedimento de promoção aplicável aos juízes dos tribunais inferiores ser conduzido pelos presidentes e pelos membros dos tribunais de recurso nos quais os lugares disponíveis devem ser preenchidos e de o mesmo assentar em critérios subjetivos e discricionários, em vez de numa avaliação objetiva dos candidatos a esse procedimento, apenas baseada, como era o caso antes da adoção do regulamento impugnado, no seu desempenho num exame escrito.

4.

Com o presente pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se a respeito da compatibilidade dessa reforma com o princípio da independência do poder judicial que, na sua opinião, decorre do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (direito fundamental a um tribunal imparcial) e do segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE (direito a uma tutela jurisdicional efetiva), bem como da defesa do Estado de direito na aceção do artigo 2.o TUE.

5.

Em suma, pelas razões que passarei a expor, considero que as alterações legislativas como as introduzidas pelo regulamento impugnado não violam o princípio da independência do poder judicial.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

6.

Nos termos do segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE, «[o]s Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União».

7.

O artigo 47.o da Carta, sob a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», estabelece o seguinte no seu segundo parágrafo:

«Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. […]»

B.   Direito romeno

8.

A Legea nr. 303/2004 privind statutul judecătorilor și procurorilor (Lei n.o 303/2004 relativa às Regras que Regulam a Atividade dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público), de 28 de junho de 2004, republicada no Monitorul Oficial al României, Partea I, No 826, de 13 de setembro de 2005 (a seguir «Lei n.o 303/2004») foi alterada e completada pela Legea nr. 242/2018 pentru modificarea și completarea Legii nr. 303/2004 privind statutul judecătorilor și procurorilor (Lei n.o 242/2018, destinada a alterar e completar a Lei n.o 303/2004 relativa ao Estatuto dos Magistrados Judiciais e dos Magistrados do Ministério Público), de 12 de outubro de 2018, Monitorul Oficial al României, Partea I, No 868, de 15 de outubro de 2018 (a seguir «Lei n.o 242/2018»), que entrou em vigor em 18 de outubro de 2018.

9.

Os n.os 1 e 3 do artigo 46.o foram inseridos na Lei n.o 303/2004 pela Lei n.o 242/2018. Estas disposições preveem que os magistrados judiciais e os magistrados do Ministério Público apenas podem ser promovidos por concursos nacionais nos quais são avaliados o desempenho profissional e a conduta dos candidatos durante os três anos anteriores ao procedimento de promoção. As regras específicas de organização e condução destes procedimentos de promoção são estabelecidas por regulamento, que, consoante o caso, será adotado pela Secção dos Magistrados Judiciais ou pela Secção dos Magistrados do Ministério Público do CSM.

10.

O regulamento impugnado, que prevê regras relativas à organização e condução de concursos para a promoção de juízes em funções, foi adotado em aplicação do artigo 46.o, n.os 1 e 3 da Lei n.o 303/2004. O referido regulamento foi aprovado pela Decisão n.o 1348, de 17 de setembro de 2019, da Secção dos Magistrados Judiciais do CSM.

III. Matéria de facto, tramitação processual nacional e questões prejudiciais

11.

Com o seu recurso, interposto em 12 de novembro de 2019, as recorrentes no processo principal pediram à Curtea de Apel Ploieşti (Tribunal de Recurso, Ploieşti) a anulação parcial da Decisão n.o 1348, de 17 de setembro de 2019, da Secção dos Magistrados Judiciais do CSM, que aprovou o regulamento impugnado. Alegam que o referido regulamento viola o princípio da independência dos juízes e que o mesmo foi adotado à revelia das recomendações constantes dos diversos relatórios emitidos pela Comissão Europeia ao abrigo do «Mecanismo de Cooperação e de Verificação» (a seguir «MCV»), estabelecido no quadro da adesão da Roménia à União Europeia.

12.

Em primeiro lugar, alegam que o regulamento impugnado coloca demasiado poder nas mãos dos presidentes dos tribunais de recurso uma vez que a comissão de seleção encarregada da condução do procedimento de promoção é composta pelo presidente do tribunal de recurso competente e por outros membros do mesmo tribunal cuja nomeação para a comissão de seleção se baseia numa proposta da presidência do tribunal de recurso (da qual o presidente também faz parte). Na prática, os membros da comissão de seleção também são responsáveis pela apreciação dos recursos das decisões proferidas nos tribunais inferiores pelos candidatos e por levar a cabo avaliações periódicas do trabalho realizado pelos candidatos enquanto juízes, quando, e se, estes forem promovidos para os tribunais de recurso ( 4 ).

13.

Em segundo lugar, alegam que o procedimento de promoção introduzido pelo regulamento em causa dá demasiado peso a uma avaliação subjetiva das atividades e da conduta dos candidatos durante os três anos anteriores à sua participação no referido procedimento. No âmbito dessa avaliação, a comissão de seleção só examina um pequeno número de decisões redigidas por cada candidato. Além disso, o sucesso dos candidatos no procedimento de promoção depende das opiniões subjetivas da comissão de seleção a seu respeito e das opiniões expressas pelos seus pares baseadas na sua conduta e não no seu mérito.

14.

Na opinião das recorrentes no processo principal, as alterações introduzidas pelo regulamento impugnado podem gerar atitudes de subordinação hierárquica perante os membros dos tribunais de recurso uma vez que, para conseguirem uma promoção, os candidatos podem ser encorajados a adotar uma postura subserviente perante os presidentes e os outros membros dos tribunais de recurso que compõem as comissões de seleção.

15.

Tendo dúvidas quanto à compatibilidade da reforma introduzida pelo regulamento impugnado com o direito da União, a Curtea de Apel Ploieşti (Tribunal de Recurso, Ploieşti) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o [MCV], ser considerado um ato adotado por uma instituição da União, na aceção do artigo 267.o TFUE, que pode ser submetido à interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia? O conteúdo, a natureza e a duração do [MCV] são abrangidos pelo âmbito de aplicação do Tratado de Adesão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia ( 5 )? As exigências formuladas nos relatórios elaborados no âmbito do MCV têm caráter obrigatória para a Roménia?

2)

Pode o princípio da independência dos juízes, consagrado no artigo 19.o, n.o 1, segundo [parágrafo], do Tratado da União Europeia (TUE) e no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativa ao artigo 2.o TUE, ser interpretado no sentido de que abrange igualmente os processos relativos à promoção de juízes em funções?

3)

Tal princípio é posto em causa pelo estabelecimento de um sistema de promoção para o órgão jurisdicional superior baseado exclusivamente numa avaliação sumária da atividade e da conduta, realizada por uma comissão composta pelo presidente do órgão jurisdicional de fiscalização judiciária e pelos seus juízes, que efetua separadamente, além da avaliação periódica dos juízes, tanto a avaliação dos juízes para promoção como a fiscalização jurisdicional das sentenças por estes proferidas?

4)

O princípio da independência dos juízes, consagrado no artigo 19.o, n.o 1, segundo [parágrafo], do Tratado da União Europeia (TUE) e no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativa ao artigo 2.o TUE, é posto em causa no caso de a [Roménia] não respeitar a previsibilidade e a segurança jurídica do direito da União Europeia, ao ter aceite o MCV e os seus relatórios e ao ter‑se conformado com estes durante mais de 10 anos, e, posteriormente, ao alterar sem pré‑aviso o procedimento de promoção dos juízes sem funções diretivas, ao arrepio das recomendações do MCV?»

16.

O pedido de decisão prejudicial, com data de 16 de fevereiro de 2021, foi registado em 6 de abril de 2021. O Fórum dos Magistrados Judiciais Romenos, o CSM, o Governo polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Não foi realizada audiência.

IV. Análise

17.

O presente processo oferece pela primeira vez ao Tribunal de Justiça a oportunidade de analisar a aplicação da sua jurisprudência em matéria de independência dos juízes aos procedimentos de promoção aplicáveis a estes últimos, bem como de examinar se uma reforma como aquela que foi introduzida na Roménia pelo regulamento impugnado é compatível com as exigências estabelecidas na referida jurisprudência.

18.

Antes de me debruçar sobre as questões prejudiciais, sublinharei brevemente os elementos contextuais que são relevantes para o caso em apreço.

A.   Antecedentes do processo e observações preliminares

19.

Durante as negociações que conduziram à adesão da Roménia à União Europeia em 2007 foram expressas preocupações acerca de graves deficiências no sistema judicial e no combate à corrupção naquele Estado ( 6 ). Para atenuar essas preocupações, a Comissão adotou, como era seu direito nos termos dos artigos 37.o e 38.o do Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia ( 7 ), uma decisão ( 8 ) na qual salientou a importância do Estado de direito como pré‑condição para a adesão de qualquer Estado à União Europeia ( 9 ), tendo recordado a necessidade de todos os Estados‑Membros terem um sistema judiciário imparcial e independente ( 10 ). Esta decisão instituiu o MCV, uma medida transitória para facilitar os esforços contínuos da Roménia no sentido de reformar o seu sistema judiciário e intensificar a luta contra a corrupção nos anos que se seguiram à sua adesão à União Europeia.

20.

Em termos concretos, a Decisão MCV prevê a adoção de relatórios periódicos pela Comissão. Estes relatórios destinam‑se a avaliar periodicamente os progressos realizados pela Roménia na reforma do seu sistema judiciário à luz de uma série de objetivos de referência (a seguir «objetivos de referência do MCV») ( 11 ), que dão expressão concreta aos compromissos específicos assumidos pelo Estado‑Membro e às exigências por este aceites após a conclusão das negociações de adesão, no que diz respeito, particularmente, à salvaguarda e melhoria da independência do sistema judiciário em todo o seu território ( 12 ).

21.

Nestas circunstâncias, tanto a nível nacional como a nível da União, tem sido prestada especial atenção à questão de saber se as recentes reformas do sistema judicial na Roménia protegem suficientemente a independência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Desde 2019 deram entrada no Tribunal de Justiça uma série de processos relativos a alterações adotadas na Roménia entre 2018 e 2019 que incidiram sobre os processos penais e disciplinares a que os membros do poder judiciário romeno podem estar sujeitos, bem como ao regime de responsabilidade civil que lhes é aplicável.

22.

O Tribunal de Justiça analisou a compatibilidade dessas alterações com o princípio da independência dos juízes no Acórdão no processo Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. ( 13 ). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça também esclareceu que a Decisão MCV e os relatórios elaborados pela Comissão com base nessa decisão constituem atos de uma instituição da União suscetíveis de ser objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça. Além disso, considerou que a Decisão MCV é obrigatória para a Roménia em todos os seus elementos, juntamente com os objetivos de referência do MCV, que se destinam a assegurar a defesa, por aquele Estado‑Membro, do valor do Estado de direito enunciado no artigo 2.o TUE. Também referiu que a Roménia é obrigada a tomar as medidas adequadas para cumprir esses objetivos de referência, tendo em devida conta os relatórios elaborados pela Comissão com base na Decisão MCV, e, especialmente, as recomendações formuladas nos referidos relatórios ( 14 ).

23.

O presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado poucas semanas antes da prolação do Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. ( 15 ). No entanto, importa salientar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, mais uma vez, obter esclarecimentos sobre a natureza e os efeitos jurídicos da Decisão MCV e dos relatórios adotados ao abrigo da mesma.

24.

Uma vez que as conclusões do Tribunal de Justiça nesse acórdão anterior já respondem a essa questão, as presentes conclusões centrar‑se‑ão apenas nas três restantes questões prejudiciais, como pedido pelo Tribunal de Justiça.

25.

A minha análise será estruturada da seguinte forma. Em primeiro lugar, direi algumas palavras sobre o alcance e a relevância das diversas disposições do direito da União invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial (B). Irei igualmente abordar as objeções à competência do Tribunal de Justiça apresentadas pelo CSM e pelo Governo polaco (C). Em seguida, exporei a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à independência dos juízes (como decorre do Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. e de outros processos) e explicarei a razão pela qual, na minha opinião, também devem ser mantidas garantias suficientes de independência dos juízes no contexto de processos relativos à promoção dos juízes em funções (Questão 2) (D). À luz desta jurisprudência, exporei as razões pelas quais considero que, sob reserva das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, uma reforma como a introduzida pelo regulamento impugnado não viola o princípio da independência dos juízes (Questão 3) (E). Por último, procurarei abordar as preocupações do órgão jurisdicional de reenvio de que tal reforma possa ser contrária às recomendações que constam de alguns dos relatórios preparados pela Comissão de acordo com o MCV (Questão 4).

B.   Disposições relevantes do direito da União: artigo 2.o e artigo 19.o, n.o 1, TUE e/ou artigo 47.o da Carta

26.

As questões submetidas identificaram o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o artigo 47.o da Carta e o artigo 2.o TUE como disposições relevantes do direito da União com base nas quais deve ser apreciada a compatibilidade do regulamento impugnado. A relação entre estas disposições resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem defendido que a exigência de independência dos órgãos jurisdicionais faz parte do conteúdo essencial do direito a uma tutela jurisdicional efetiva (segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE) e do direito fundamental a um tribunal imparcial (segundo parágrafo do artigo 47.o da Carta), que reveste importância essencial enquanto garantia, nomeadamente, da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente o respeito pelo Estado de direito ( 16 ). Por conseguinte, é claro que apenas existe um único princípio da independência dos juízes no âmbito do ordenamento jurídico da União e que o conteúdo do artigo 19.o, n.o 1, TUE e do artigo 47.o da Carta, no que diz respeito à independência dos juízes, é, em substância, o mesmo ( 17 ).

27.

No entanto, a existência destas bases jurídicas distintas, e as diferentes funções desempenhadas pelo artigo 19.o TUE e pelo artigo 47.o da Carta, significam que o tipo de análise a efetuar pelo Tribunal de Justiça para verificar o cumprimento do princípio da independência dos juízes pode ser diferente.

28.

A este respeito, o advogado‑geral M. Bobek explicou ( 18 ) que o artigo 19.o TUE tem um alcance amplo. Impõe aos Estados‑Membros, nomeadamente, que «estabele[çam] as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva» e, por conseguinte, diz principalmente respeito aos elementos estruturais e sistémicos dos regimes jurídicos nacionais, e não aos elementos relativos a casos específicos ou a processos individuais. Ao mesmo tempo, o limiar de infração do artigo 19.o, n.o 1, TUE é bastante elevado. O objetivo desta disposição não é captar todas as possíveis questões que possam surgir no sistema judiciário nacional, mas apenas aquelas que assumam uma tal gravidade e/ou natureza sistémica, que sejam suscetíveis de ameaçar o bom funcionamento do sistema judicial nacional e colocar em perigo a capacidade do Estado‑Membro em causa de oferecer vias de recurso suficientes aos particulares.

29.

Em contrapartida, o artigo 47.o da Carta visa proteger o direito subjetivo de qualquer parte no processo a uma ação equitativa perante «um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei». A verificação da «independência» de um tribunal exige, neste contexto, uma avaliação detalhada e específica de todas as circunstâncias relevantes, ao passo que as questões ligadas a alguma característica estrutural ou sistémica do sistema judicial dos Estados‑Membros apenas são relevantes desde que possam ter tido um impacto num processo concreto ( 19 ). No entanto, antes que o artigo 47.o da Carta possa ser invocado, têm de estar preenchidas condições específicas. Com efeito, para que a Carta seja aplicável como um todo, a situação em causa deve desde logo ser abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União ( 20 ). Além disso, em princípio, uma situação que conduza a uma possível violação do artigo 47.o da Carta apenas pode ser invocada em relação a um direito individual garantido pelo direito da União.

30.

Esta diferença de âmbito e objetivo entre o artigo 19.o, n.o 1, TUE e o artigo 47.o da Carta, bem como de condições de aplicação destas disposições, significa que, em geral, podem ser submetidos ao Tribunal de Justiça dois tipos de processos respeitantes à compatibilidade das disposições nacionais com o princípio da independência do poder judicial ( 21 ). Por um lado, há processos em que a questão respeitante à independência do poder judicial é submetida por um particular, a título incidental, numa situação em que este alega uma violação dos seus direitos individuais protegidos pelo direito da União. Nesses processos, a independência do poder judicial normalmente será examinada na perspetiva do artigo 47.o da Carta. Por outro lado, existem processos relativos à compatibilidade «abstrata» de certos instrumentos legislativos ou elementos estruturais adotados nos Estados‑Membros com as exigências do direito da União que não estão relacionados com um caso específico de violação de um direito individual a um tribunal imparcial. Neste contexto, o Tribunal de Justiça aplica habitualmente o artigo 19.o, n.o 1, TUE como principal ou única referência ( 22 ).

31.

O presente processo é um pouco peculiar. Por um lado, resulta dos autos que as recorrentes no processo principal não invocam a violação dos seus direitos individuais protegidos pelo direito da União, mas, antes, que a reforma introduzida pelo regulamento impugnado cria um problema de violação sistémica, de natureza transversal. As recorrentes procuram uma análise «abstrata» da compatibilidade da reforma com o princípio da independência do poder judicial. Por outro lado, é difícil considerar que a principal ou única referência para efeitos dessa análise seja o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e, neste sentido, que o artigo 47.o da Carta seja desprovido de pertinência para o caso em apreço. Como foi referido pelo advogado‑geral M. Bobek nas suas Conclusões no processo Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. ( 23 ), as disposições nacionais como a que está em causa no processo principal têm a particularidade de, como expliquei na Secção A acima, terem sido adotadas a título da «aplicação nacional», pela Roménia, da Decisão MCV e do Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia. Por conseguinte, o que está em causa é a conduta de um Estado‑Membro (Roménia in casu) numa situação em que está a aplicar as suas obrigações ao abrigo do direito da União e, portanto, a agir no âmbito do direito da União, sendo que, consequentemente, é desencadeada a aplicação da Carta.

32.

Partilho a opinião do advogado‑geral M. Bobek de que este contexto específico abre a porta a um cenário secundário, distinto do salientado no n.o 29, supra, no qual as disposições da Carta (incluindo o artigo 47.o) — que têm o mesmo valor das disposições dos Tratados ( 24 ) — podem ser invocadas pelo Tribunal de Justiça, não em relação a uma violação de direitos individuais (como referi, no presente processo não se alega a violação de tais direitos), mas como uma medida ou critério objetivo para avaliar a compatibilidade da aplicação pela Roménia das exigências do direito da União.

33.

Daqui resulta, na minha opinião, que o caso em apreço se enquadra na segunda categoria de processos que referi no n.o 30, supra, uma vez que exige uma fiscalização abstrata da compatibilidade da reforma introduzida pelo regulamento impugnado à luz do princípio da independência do poder judicial, em vez de uma fiscalização in concreto de uma alegada violação de direitos individuais. No entanto, tendo em conta o contexto específico em que se insere o caso em apreço (que consiste no facto de a Roménia estar sujeita ao MCV e de a Carta servir de pano de fundo às escolhas legislativas nacionais que aquela consequentemente adota), considero que tanto o artigo 47.o da Carta como o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 2.o TUE, podem ser considerados referências relevantes para efeitos dessa fiscalização, e não apenas o artigo 19.o, n.o 1, TUE ( 25 ).

C.   Competência do Tribunal de Justiça

34.

O CSM e o Governo polaco apresentaram várias objeções, essencialmente no sentido de que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça são inadmissíveis pelo facto de este último não ter competência para conhecer delas. Segundo estas partes, a organização da justiça — incluindo questões como os procedimentos de promoção dos juízes nacionais — é da competência exclusiva dos Estados‑Membros e não é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União. Assim, na opinião do CSM e do Governo polaco, o Tribunal de Justiça não é competente nesta área.

35.

Considero que estes argumentos não podem ser acolhidos e que podem facilmente ser rejeitados. Como referi no n.o 31, supra, o regulamento impugnado foi adotado pela Roménia enquanto esta estava sujeita ao MCV. Por conseguinte, tal regulamento deve ser considerado uma «aplicação» das obrigações impostas à Roménia pelo MCV, por ser um ato adotado por uma instituição da União que é obrigatório em todos os seus elementos para aquele Estado‑Membro ( 26 ). Nestas circunstâncias, seria errado considerar que o presente processo não é abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União.

36.

Além disso, as objeções apresentadas pelo CSM e pelo Governo polaco certamente não são novas, sendo que, na verdade, já foram anteriormente suscitadas pelo referido governo, nomeadamente numa série de outros processos que também diziam respeito à independência do poder judicial ( 27 ).

37.

Nestes processos anteriores, o Tribunal de Justiça tratou essas objeções de forma coerente, destacando que, embora a organização da justiça nos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, não deixa igualmente de ser verdade que, no exercício dessa competência, os Estados‑Membros têm de cumprir as suas obrigações decorrentes do direito da União, incluindo as que resultam do artigo 2.o e do artigo 19.o, n.o 1, TUE ( 28 ).

38.

O presente pedido de decisão prejudicial diz, mais uma vez, precisamente respeito às obrigações dos Estados‑Membros que resultam dessas disposições, juntamente com o artigo 47.o da Carta e a Decisão do MCV, assim como à questão de saber se as disposições nacionais em causa cumprem efetivamente essas obrigações. Além disso, as objeções do CSM e do Governo polaco estão, em substância, relacionadas com o próprio âmbito de aplicação do princípio da independência do poder judicial, conforme definido no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e no artigo 47.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 2.o TUE, e, por conseguinte, com a interpretação dessas disposições. Como decidido pelo Tribunal de Justiça, uma interpretação desta natureza é manifestamente abrangida pela sua competência ao abrigo do artigo 267.o TFUE ( 29 ).

D.   Independência dos juízes e processos relativos à promoção dos juízes em funções (Questão 2)

39.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, que o Tribunal de Justiça esclareça se o princípio da independência dos juízes deve ser interpretado no sentido de que o mesmo também é aplicável aos procedimentos de promoção dos juízes em exercício de funções.

40.

Saliento que o CSM considera que a segunda questão é inadmissível, com o fundamento de que a resposta a essa questão é tão evidente que não deixa margem para qualquer dúvida razoável. A este propósito, limito‑me a indicar que, embora esse facto, quando demonstrado, possa levar o Tribunal de Justiça a decidir por despacho nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o mesmo não pode impedir o órgão jurisdicional nacional de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial e, assim sendo, não tem por efeito a inadmissibilidade da questão submetida ( 30 ). Por conseguinte, na minha opinião, não há qualquer razão para concluir, como fez o CSM, que a segunda questão é inadmissível.

41.

Para responder a esta questão, irei, em primeiro lugar, expor a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à independência dos magistrados judiciais nacionais em relação ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e ao artigo 47.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 2.o, n.o 1, TUE, antes de passar a explicar a razão pela qual, na minha opinião, o princípio da independência dos juízes se aplica aos procedimentos de promoção a que os mesmos estão sujeitos (2).

1. Jurisprudência relativa à independência dos juízes

42.

Em primeiro lugar, observo que nem o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, nem o artigo 47.o da Carta impõem aos Estados‑Membros a adoção de qualquer modelo específico no que diz respeito à organização dos seus sistemas judiciais. Pelo contrário, estas disposições visam excluir disposições nacionais relativas à organização da justiça que prejudiquem, nos Estados‑Membros em causa, a proteção do valor do Estado de direito ao abrigo do artigo 2.o TUE ( 31 ). Como tal, a jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça sobre o princípio da independência dos juízes centra‑se em exigências mínimas que os sistemas nacionais devem cumprir. Particularmente, estas exigências mínimas não devem ficar abaixo do nível de proteção estabelecido no artigo 6.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir «CEDH»), conforme interpretada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ( 32 ).

43.

Neste contexto, o Tribunal de Justiça decidiu que o conceito de independência do poder judicial comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, que por natureza é de ordem externa, requer que o órgão jurisdicional em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar submetido a qualquer vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a qualquer outra entidade e sem receber ordens ou instruções de qualquer proveniência, estando assim protegido contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. O segundo aspeto, que é de natureza interna, está, por seu turno, ligado ao conceito de imparcialidade e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos respetivos interesses, tendo em conta o objeto desse litígio. Este aspeto exige o respeito da objetividade e a inexistência de qualquer interesse na solução do litígio além da estrita aplicação do direito ( 33 ). Ambos os aspetos estão, como é evidente, intimamente ligados ( 34 ).

44.

A este respeito, o Tribunal de Justiça elaborou um critério único que, em substância, exige a existência de regras designadamente no que respeita à composição ou nomeação de tribunais ou órgãos que exerçam funções judiciais, bem como à duração das funções e às causas de impedimento, de recusa e de demissão dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida razoável no espírito dos litigantes quanto à impermeabilidade da referida entidade em relação a fatores externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto ( 35 ). Além disso, decidiu que os juízes devem ser protegidos da eventual tentação de ceder, não apenas a toda e qualquer influência direta, na forma de instruções, mas também a formas de influência mais indiretas e suscetíveis de influenciar as suas decisões ( 36 ).

45.

O Tribunal de Justiça tem confirmado, em sucessivos acórdãos, que o princípio da independência do poder judicial tem um âmbito de aplicação alargado. O mesmo é aplicável às regras em matéria de nomeação dos magistrados judiciais ( 37 ), às condições de progressão e cessação das suas carreiras (incluindo alterações de remuneração ( 38 ), exoneração de funções ( 39 ) e regime disciplinar ( 40 ) ou processos‑crime ( 41 ) a que sejam sujeitos e à possibilidade de beneficiar de um prolongamento do período de atividade judiciária para lá da idade normal de reforma) ( 42 ). Além disso, este princípio também se aplica às regras que regulam o destacamento de juízes para um órgão jurisdicional superior pelo ministro da Justiça. Tais regras devem oferecer garantias suficientes para evitar, especialmente, qualquer risco de que esse destacamento seja utilizado como meio de exercer controlo político sobre o conteúdo das decisões judiciais ( 43 ).

2. Quanto à aplicação a processos de promoção de juízes em funções

46.

À luz da jurisprudência que acabo de referir, não tenho dúvidas, sendo que as partes no processo principal também não o contestam, de que o princípio da independência dos juízes é aplicável aos procedimentos de promoção a que os mesmos estão sujeitos. Os elementos enumerados no n.o 45, supra, revelam que este princípio já foi aplicado pelo Tribunal de Justiça a um amplo leque de aspetos e componentes da organização estrutural dos órgãos jurisdicionais nacionais e que o mesmo deve ser interpretado no sentido de que tem um âmbito de aplicação amplo. Particularmente, o Tribunal de Justiça já decidiu que devem ser mantidas garantias de independência do poder judicial no que respeita às regras que regulam a nomeação dos juízes, ao seu destacamento para órgãos jurisdicionais superiores e às condições de promoção e cessação das carreiras em geral. Os processos de promoção entre diferentes instâncias judiciais dizem precisamente respeito à forma como os juízes de instâncias inferiores são selecionados para serem nomeados ou destacados para instâncias superiores ( 44 ). Além disso, fazem parte das condições em que as carreiras dos juízes progridem e terminam. Por conseguinte, os referidos processos devem respeitar o princípio da independência do poder judicial ( 45 ).

47.

À luz destes elementos, considero que o artigo 47.o da Carta e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lidos em conjugação com o artigo 2.o TUE, devem ser interpretados no sentido de que o princípio da independência do poder judicial também é aplicável aos processos relativos à promoção dos juízes em funções.

E.   Uma reforma como a implementada pela Roménia viola o princípio da independência dos juízes? (Questões 3 e 4)

48.

Com a sua terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se a respeito da compatibilidade com o princípio da independência do poder judicial de uma reforma como aquela que foi implementada na Roménia pelo regulamento impugnado. Também pretende saber se tal reforma é contrária às recomendações constantes dos relatórios elaborados pela Comissão de acordo com o MCV.

49.

Passo a fazer três observações preliminares antes de abordar estas questões.

50.

Em primeiro lugar, o CSM alega que a terceira e quarta questões são inadmissíveis porque se baseiam numa descrição incorreta do procedimento de promoção que está em questão no processo principal. A este respeito, importa recordar que é jurisprudência constante que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional num determinado quadro regulamentar e factual, cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência ( 46 ). Saliento ainda que os argumentos do CSM relativos à inadmissibilidade da terceira e quarta questões dizem, na verdade, respeito ao mérito dessas questões e à resposta que o Tribunal de Justiça lhes irá dar. Daqui resulta que a terceira e quarta questões são, na minha opinião, admissíveis.

51.

Em segundo lugar, o simples facto de o presente processo exigir, como referi na Secção B, supra, uma análise abstrata da compatibilidade ( 47 ) da reforma introduzida pelo regulamento impugnado não significa que a simples utilização potencialmente indevida do procedimento introduzido pela reforma seja suficiente para invalidar o procedimento na sua totalidade. Conforme referiu o advogado‑geral M. Bobek ( 48 ), tem de haver algum argumento convincente apresentado perante o Tribunal de Justiça sobre a forma concreta e específica como um determinado procedimento, como o que está em causa no processo principal, pode comprometer a independência do poder judicial.

52.

Mais especificamente, em conformidade com os critérios que expus no n.o 44, supra, as questões concretamente apresentadas a este respeito devem suscitar dúvidas legítimas no espírito dos litigantes quanto à independência e à imparcialidade dos juízes em causa; se assim não for, não existe nenhum problema estrutural de independência do poder judicial. Como salientou o Tribunal de Justiça, recordando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a este respeito, para determinar a existência do elemento de «independência» um dos aspetos relevantes a ter em conta é a questão de saber se o órgão tem uma «aparência de independência», já que o que está em causa é precisamente a confiança que qualquer órgão jurisdicional deve inspirar nos particulares numa sociedade democrática. Por outras palavras, o elemento‑chave consiste na forma como os particulares podem, legitimamente, percecionar as disposições em causa ( 49 ). Estas disposições devem ser consideradas como um todo, uma vez que determinados aspetos do processo ou do sistema em causa, que podem parecer problemáticos à primeira vista, podem ser compensados por outros aspetos ( 50 ).

53.

Em terceiro lugar, é ao órgão jurisdicional de reenvio que caberá, em última análise, pronunciar‑se sobre a existência ou não de um problema estrutural de independência do poder judicial no caso em apreço, após ter procedido às apreciações exigidas para o efeito. Importa, com efeito, recordar que o artigo 267.o TFUE não habilita o Tribunal de Justiça a aplicar as regras do direito da União a uma situação determinada, mas apenas a pronunciar‑se sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União. Em conformidade com jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça pode, porém, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida pelo artigo 267.o TFUE, fornecer ao órgão jurisdicional nacional, a partir dos elementos dos autos, os elementos de interpretação do direito da União que possam ser‑lhe úteis para a apreciação dos efeitos de uma determinada disposição deste último ( 51 ).

54.

Uma vez feitos estes esclarecimentos, importa referir que o procedimento relativo à promoção dos juízes em funções em instâncias inferiores na Roménia parece, como explica o órgão jurisdicional de reenvio, estar estruturado em duas fases. A primeira fase, que se rege pelo capítulo II do regulamento impugnado, é denominada promoção «in situ». Baseia‑se num concurso escrito destinado a testar tanto os conhecimentos teóricos como as competências práticas dos candidatos. Os candidatos aprovados são então promovidos a um grau profissional superior, mas continuam, de facto, a ocupar o mesmo cargo ( 52 ).

55.

A segunda fase, denominada «promoção efetiva», é regida pelo capítulo III do referido regulamento. Permite que os candidatos que já foram promovidos «in situ» e que tenham o grau profissional exigido sejam efetivamente colocados num tribunal regional ou num tribunal de recurso ( 53 ).

56.

As recorrentes no processo principal não contestam a primeira fase do procedimento de promoção, ou seja, a promoção «in situ». Pretendem apenas impugnar as modalidades da segunda fase do referido procedimento (o procedimento de «promoção efetiva»), durante a qual a comissão de seleção deve avaliar a atividade e conduta dos candidatos durante os três anos anteriores à sua participação na segunda fase ( 54 ). Dois aspetos desse processo parecem ser particularmente problemáticos para as recorrentes: (i) a forma como são designados os membros da comissão de seleção que participam no processo de «promoção efetiva» e a composição dessa comissão, e (ii) os critérios aplicados pelos membros da comissão de seleção para decidir quais os candidatos a promover ( 55 ).

1. Quanto ao primeiro aspeto: designação e composição da comissão de seleção

57.

O regulamento impugnado prevê que a avaliação dos candidatos para «promoção efetiva» seja efetuada por uma comissão de seleção cujos membros são designados pela Secção dos Magistrados Judiciais do CSM ( 56 ). Esta comissão é composta, ao nível de cada tribunal de recurso, pelo presidente desse tribunal e por quatro dos seus membros, cuja especialização deve corresponder à dos lugares disponíveis. Estes quatro membros são escolhidos pela Secção dos Magistrados Judiciais do CSM com base numa proposta da presidência do tribunal de recurso (da qual o presidente daquele tribunal é membro) ( 57 ).

58.

As recorrentes no processo principal alegam que o regulamento impugnado coloca demasiado poder nas mãos dos presidentes dos tribunais de recurso. Além disso, a reforma cria, na sua opinião, o risco de os candidatos ao processo de «promoção efetiva» se comportarem de forma subserviente para com os presidentes e membros dos tribunais de recurso e de se sentirem em dívida para com eles. A este respeito, salientam que os membros da comissão de seleção são também responsáveis por apreciar, em sede de recurso, os acórdãos proferidos pelos candidatos enquanto juízes das instâncias inferiores e por proceder a avaliações periódicas do desempenho profissional dos candidatos, quando, e se, estes forem promovidos aos tribunais de recurso. Alegam que a independência do poder judicial pode estar em risco não apenas em circunstâncias em que os juízes são expostos a pressões políticas, mas também em que o preconceito e o nepotismo são encorajados dentro do sistema judiciário.

59.

Na minha opinião, e sob reserva das verificações do órgão jurisdicional de reenvio, os elementos apresentados pelas recorrentes no processo principal não são, por si só, suscetíveis de levantar dúvidas legítimas no espírito dos litigantes quanto à impermeabilidade dos candidatos ao procedimento de «promoção efetiva» a fatores externos, de acordo com os critérios que referi no n.o 44, supra.

60.

Há duas razões que me levam a chegar a esta conclusão.

61.

Em primeiro lugar, observo que, embora na sua jurisprudência o Tribunal de Justiça tenha insistido bastante no facto de a independência do poder judicial dever, especialmente, ser garantida em relação ao poder legislativo e executivo ( 58 ), até agora não colocou muita ênfase na circunstância de as relações de subordinação ou controlo entre diferentes órgãos jurisdicionais (que não envolvam o poder executivo ou legislativo) poder gerar problemas de independência do poder judicial ( 59 ).

62.

Creio que existe uma explicação óbvia para esta diferença de tratamento. Os casos relativos à independência dos órgãos jurisdicionais em relação a outros poderes do Estado (como os casos relativos à nomeação de membros de um órgão judicial por um ministro) chegam ao rol de processos do Tribunal de Justiça com mais frequência porque, como foi salientado pelo Tribunal de Justiça ( 60 ), atingem a doutrina da «separação de poderes» no seu âmago. Tal torna‑os mais fáceis de identificar e de sinalizar como potencialmente problemáticos. Os casos relativos à influência exercida por determinados membros do sistema judicial sobre os seus pares são mais subtis. No entanto, tais casos também podem gerar questões de independência do poder judicial. Com efeito, é certamente possível, e nada difícil de imaginar, que determinadas formas autogestão judicial possam gerar «um sistema de juízes dependentes dentro de um poder judicial independente», com influência indevida exercida por juízes com responsabilidades administrativas dentro do sistema judicial, como é o caso de presidentes dos órgãos jurisdicionais ou de membros de órgãos de administração judicial ( 61 ). Nessa medida, as questões relativas à independência do poder judicial não se circunscrevem às situações que envolvem outros poderes ou terceiros, podendo surgir dentro do próprio sistema judicial, sempre que exista um risco de os juízes serem indevidamente influenciados pelos seus colegas ( 62 ). No entanto, enquanto a mera participação do poder executivo ou legislativo em decisões que afetam o sistema judicial é suficiente para desencadear um possível «sinal de alarme» à luz da doutrina da separação de poderes, o mero facto de certos juízes exercerem controlo sobre os seus pares não aponta, por si só (a não ser que os poderes executivo ou legislativo interfiram neste sentido) ( 63 ), para a existência de um potencial problema de independência do poder judicial ( 64 ).

63.

Dito isto, concordo com as recorrentes no processo principal quando afirmam que em qualquer sistema democrático nunca é bom (independentemente do poder estatal em causa) confiar demasiados poderes a uma única pessoa ou órgão. Muito poder nas mãos de poucos significa menor responsabilidade e maior probabilidade de decisões arbitrárias, preconceito, nepotismo e abuso ( 65 ). No presente processo, é certo que os membros da comissão de seleção acumulam diversas funções que podem afetar a atividade profissional e as carreiras dos juízes das instâncias inferiores. Compete‑lhes conduzir o procedimento de promoção de juízes das instâncias inferiores, apreciar em sede recurso os acórdãos proferidos por estes juízes e proceder a avaliações periódicas da sua atividade, quando, e se, vierem a ser promovidos e nomeados para o órgão jurisdicional de recurso (e, no que diz respeito aos presidentes dos órgão jurisdicional de recurso, fazer recomendações sobre quem fará parte da comissão de seleção).

64.

No entanto, será que tal é suficiente para criar dúvidas razoáveis no espírito dos litigantes quanto à impermeabilidade dos juízes das instâncias inferiores a fatores externos? Entendo que é necessário mais. Tem de haver uma indicação de que essa concentração de poder pode realmente causar uma intervenção externa ou uma pressão capaz de prejudicar o julgamento independente dos juízes das instâncias inferiores e influenciar as suas decisões, por exemplo, criando um incentivo para que favoreçam uma parte em detrimento de outra nos processos de que são chamados a conhecer ou que decidam num determinado sentido para agradar àqueles que os nomeiam ou promovem ( 66 ). Parece‑me que o simples facto de, para aumentar as suas hipóteses de serem promovidos, os juízes das instâncias inferiores serem incentivados (sem serem influenciados por outras considerações, como o facto de os acórdãos que proferem merecerem a aprovação de um determinado membro, como por exemplo o presidente do tribunal de recurso) a fazer o seu melhor para garantir que esses acórdãos tenham a maior qualidade possível, minimizando assim o risco de serem anulados em sede de recurso, constitui um estado de coisas relativamente inofensivo num sistema em que se supõe que as instâncias inferiores, na falta de razões convincentes em contrário ( 67 ), devem seguir a jurisprudência das instâncias superiores.

65.

Além disso, e contrariamente ao quadro bastante negativo apresentado pelas recorrentes no processo principal, poder‑se‑ia argumentar que, uma vez que os próprios membros dos órgãos jurisdicionais de recurso dos Estados‑Membros são obrigados, por força do direito da União, a respeitar o princípio da independência do poder judicial e a estar isentos de qualquer influência ou pressão externa, os mesmos estão, em princípio, bem posicionados para avaliar o trabalho dos candidatos e determinar aqueles que merecem uma promoção. O facto de poderem apreciar em segunda instância os recursos dos acórdãos proferidos pelos candidatos enquanto juízes em instâncias inferiores e de estarem familiarizados com o funcionamento dos tribunais e com a redação de decisões judiciais, na minha opinião apenas confirma a sua aptidão para proceder a essa avaliação, numa situação, como a que está em causa no processo principal, em que a sua independência não é questionada.

66.

Em segundo lugar, o mero facto de as decisões relativas à nomeação dos juízes (ou, como é o caso aqui, à sua promoção) serem confiadas a determinadas pessoas ou grupos de pessoas, e não a outras, não é, a meu ver, suficiente para estabelecer a existência de uma falta de garantias suficientes de independência do poder judicial. Alguém tem de ser responsável por essas nomeações, sejam membros do poder executivo ou legislativo ou outros membros do sistema judicial ou uma mistura dos três ou mesmo um órgão totalmente diferente, sendo que, muitas vezes, não é fácil pensar num candidato ideal para esse cargo. Como acabei de explicar, os membros do poder judicial estão, em princípio, bem posicionados para desempenhar essas funções. No entanto, parece‑me que, mesmo quando os juízes são efetivamente nomeados ou promovidos pelo poder executivo, isso não é, por si só, problemático do ponto de vista da independência dos juízes ( 68 ).

67.

O Tribunal de Justiça confirmou este entendimento, nomeadamente, nos Acórdãos do processo A.B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) ( 69 ) e do processo Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. ( 70 ). Este último acórdão dizia respeito às condições em que o ministro da Justiça podia destacar juízes para tribunais superiores e pôr termo a esse destacamento. Nesse caso, o Tribunal de Justiça realçou, em substância, que, para evitar a arbitrariedade e o risco de manipulação, não era tanto «quem» tinha a seu cargo a tomada de decisões que importava, mas que essas decisões fossem tomadas com fundamento em critérios previamente conhecidos e que fossem devidamente fundamentadas ( 71 ). É claro que isso não significa que o «quem», responsável pela nomeação ou promoção dos juízes, seja irrelevante: quanto mais parecer que o «quem» é problemático do ponto de vista, por exemplo, da separação de poderes, ou devido ao grau de subordinação que existe entre o órgão responsável pela nomeação e os juízes que dela beneficiam, mais garantias substantivas e processuais serão necessárias, na minha opinião, para contrabalançar a aparência de impropriedade que de outro modo daí poderá resultar. Por conseguinte, essas são as garantias determinantes.

68.

Estas conclusões também podem, em minha opinião, ser aplicadas ao caso em apreço. Em todos os casos, incluindo aqueles em que o órgão encarregado de decidir a nomeação ou promoção dos juízes nacionais parece estar bem posicionado para desempenhar essas funções, o que é decisivo, na perspetiva da independência do poder judicial, não é tanto a questão de saber quem conduz o procedimento de promoção, como o instituído pelo regulamento impugnado, mas antes se os critérios aplicados pelo órgão encarregado de conduzir esse procedimento são suficientemente claros, objetivos e verificáveis ( 72 ), e se o órgão acima referido é obrigado a fundamentar as suas decisões. A questão de saber se as decisões podem ou não ser judicialmente impugnadas também é relevante ( 73 ).

69.

Dito isto, passo a examinar se, numa situação como a que está em causa no processo principal, os critérios que a comissão de seleção tem de aplicar preenchem estas exigências.

2. Quanto ao segundo aspeto: critérios aplicados pela comissão de seleção

70.

No caso em apreço, como já salientei, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os critérios aplicados pela comissão de seleção no âmbito do procedimento de «promoção efetiva» preenchem as exigências enunciadas no n.o 68, supra, ou se, pelo contrário, são suscetíveis de conferir uma «discricionariedade indevida» aos seus membros, de modo que suscitem dúvidas legítimas no espírito dos litigantes quanto à independência dos juízes dos tribunais inferiores em causa nesse procedimento. Existe discricionariedade indevida, nomeadamente, quando as modalidades de um determinado procedimento ou os critérios aplicados na sua condução não estejam previstos na lei (e, portanto, não sejam verificáveis), sejam vagos ou irrelevantes, ou permitam especular sobre a influência de interesses políticos ou de outras forças (por exemplo, quando os critérios aplicados não são suficientemente objetivos) ( 74 ).

71.

Nesse contexto, parece‑me que vários elementos dos autos merecem uma menção particular.

72.

Em primeiro lugar, o processo de «promoção efetiva» está sujeito a dois conjuntos de critérios distintos e claramente definidos. Com efeito, de acordo com o regulamento impugnado, devem ser tidos em conta três critérios para a avaliação da atividade dos candidatos: (i) a capacidade de análise e síntese; a coerência na forma de se expressar; (ii) a clareza e lógica do raciocínio; a análise dos argumentos das alegações e defesa das partes; a conformidade com a jurisprudência do Înalta Curte de Casație şi Justiție (Supremo Tribunal de Cassação e Justiça, Roménia) e dos tribunais de recurso; e (iii) o cumprimento de prazos razoáveis de tramitação dos processos e de redação de decisões ( 75 ). Além disso, para a avaliação da conduta dos candidatos, são utilizados dois critérios: (i) a adequação da atitude ou da conduta do candidato para com os ligantes, advogados, peritos e intérpretes durante as audiências e outras atividades profissionais, e a sua habilidade para lidar com situações que surjam na sala de audiências, e (ii) a capacidade do candidato de cooperar com outros membros da secção e de comunicar com outros juízes e funcionários ( 76 ). Estes critérios são claramente enumerados no regulamento impugnado e são, por conseguinte, verificáveis. Além disso, todos eles são relevantes para formar uma opinião sobre a atividade judicial e mérito dos candidatos ( 77 ).

73.

Em segundo lugar, quanto à questão de saber se tais critérios são suficientemente objetivos, observo que, para verificar se os primeiros dois critérios estão preenchidos, a comissão de seleção utiliza uma amostra de 10 decisões proferidas pelos candidatos nos três anos anteriores ( 78 ). Estas decisões são selecionadas aleatoriamente, mediante a utilização de um software e, mais uma vez, com base em critérios uniformes ( 79 ). Além disso, para avaliar as competências dos candidatos face aos vários critérios respeitantes à sua conduta, a comissão de seleção analisa uma amostra das gravações das audiências a que o candidato presidiu ( 80 ). A comissão também tem em conta as informações constantes do ficheiro profissional dos candidatos, as informações disponibilizadas pela Inspecția Judiciarâ (Inspeção Judicial, Roménia) sobre eventuais infrações disciplinares e éticas durante o período em causa, bem como quaisquer outras informações sobre os candidatos que possam ser verificadas ( 81 ).

74.

Evidentemente não se pode excluir, sendo até inevitável, que exista algum grau de subjetividade na interpretação que a comissão de seleção faz dos diversos elementos com vista a formar uma opinião sobre a conduta e a atividade dos candidatos. No entanto, na minha opinião, não deixa de ser verdade que as fontes de informação e as provas sobre as quais os membros da comissão de seleção devem basear a sua decisão a respeito de cada candidato são bastantes numerosas e diversas. Tal contribui para que o processo global de «promoção efetiva» pareça a priori basear‑se numa avaliação objetiva, e não discricionária.

75.

Em terceiro lugar, saliento que, como resulta dos autos, o regulamento impugnado também prevê que a comissão de seleção tenha em conta os pareceres fundamentados da secção em que cada candidato está colocado quando o procedimento de promoção é conduzido ( 82 ) e da secção que corresponder à sua especialização no órgão jurisdicional hierarquicamente superior, para chegar a uma decisão sobre se os candidatos devem beneficiar de uma promoção ( 83 ). A este respeito, o Tribunal de Justiça sugeriu que a intervenção de outra instância no procedimento conducente à adoção dessas decisões pode, em princípio, contribuir para tornar esse procedimento mais objetivo. Evidentemente, isso só ocorre desde que essa instância seja ela própria independente dos poderes legislativo e executivo e da autoridade ou instância à qual deve entregar o seu parecer, e ainda se tal parecer for emitido com base em critérios simultaneamente objetivos e relevantes e estiver devidamente fundamentado, de modo que seja adequado para esclarecer objetivamente essa autoridade ou instância na sua tomada de decisão ( 84 ). Naturalmente, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso.

76.

Por último, no que diz respeito à obrigação de fundamentação da comissão de seleção e à possibilidade de as decisões por ela tomadas serem judicialmente impugnadas, constato que, uma vez completado o procedimento, a comissão de seleção deve elaborar um relatório fundamentado que indique as notas atribuídas aos cinco critérios mencionados acima, bem como a nota global obtida pelo candidato ( 85 ). Além disso, se o candidato tiver alguma objeção contra o relatório, tem o direito de a apresentar durante a entrevista com a comissão de seleção, organizada em todos os procedimentos, podendo igualmente apresentá‑la por escrito ( 86 ). O candidato dispõe igualmente de 48 horas a contar da data da publicação dos resultados para impugnar a classificação obtida perante a Secção dos Magistrados Judiciais do CSM, que irá então apreciar a eventual necessidade de uma nova avaliação e que, se for caso disso, procederá ela própria a uma nova avaliação ( 87 ).

77.

Em minha opinião, todos estes elementos, tomados em conjunto, parecem confirmar que não se verifica um risco real de «discricionariedade indevida» que suscite dúvidas legítimas no espírito dos litigantes quanto à independência dos juízes em causa. No entanto, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso. Sem prejuízo de tais verificações, inclino‑me para não partilhar as preocupações expressas pelas recorrentes no processo principal no que diz respeito à falta de objetividade dos critérios aplicados pela comissão de seleção.

78.

Assim, considero que o princípio da independência dos juízes, consagrado no artigo 47.o da Carta e no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 2.o TUE, não é violado pela introdução de um procedimento de promoção de juízes nacionais para um órgão jurisdicional superior que se baseie numa avaliação do seu trabalho e conduta por uma comissão composta pelo presidente e juízes desse órgão jurisdicional superior, que, além dessa avaliação, apreciam em sede de recurso as decisões proferidas pelos juízes dos órgãos jurisdicionais inferiores e realizam avaliações periódicas desses juízes, quando, e se, os mesmos forem promovidos para os órgãos jurisdicionais de recurso. No entanto, mesmo que os próprios membros dessa comissão sejam independentes, os critérios por eles aplicados devem ser suficientemente objetivos, relevantes e verificáveis, para não criar dúvidas legítimas no espírito dos particulares quanto à impermeabilidade dos juízes dos órgãos jurisdicionais inferiores relativamente a intervenções externas ou pressões que possam prejudicar o seu julgamento independente e influenciar as suas decisões, e a comissão deve ser obrigada a fundamentar as suas decisões. Outro fator relevante a este respeito é a possibilidade de esses juízes impugnarem judicialmente as decisões que afetarem a sua promoção ( 88 ).

3. Quanto ao impacto da Decisão MCV na avaliação da compatibilidade

79.

Resta‑me analisar se a reforma introduzida pelo regulamento impugnado viola alguma disposição da Decisão MCV ou se não teve em conta as recomendações constantes dos relatórios elaborados pela Comissão em aplicação dessa decisão (Questão 4).

80.

A este respeito, saliento que a Decisão MCV não impõe obrigações específicas à Roménia, além da obrigação de comunicar o seu progresso quanto à implementação dos objetivos de referência do MCV e de reformar o seu sistema judicial de acordo com esses objetivos. Além disso, como explica a própria Comissão, nenhum dos relatórios que produziu em aplicação do MCV, quer antes da adoção do regulamento impugnado, quer depois, contém recomendações específicas a respeito dos procedimentos de promoção dos juízes das instâncias inferiores na Roménia.

81.

Com efeito, a Comissão adotou o seu último relatório de aplicação do MCV em 22 de novembro de 2022 ( 89 ). Nesse relatório, reconheceu que a alteração do procedimento de promoção introduzida pelo regulamento impugnado foi criticada por algumas associações de magistrados e organizações da sociedade civil, que argumentam que o caráter meritocrático e concorrencial do procedimento foi reduzido. No entanto, não apontou nenhuma questão específica, nem formulou nenhuma recomendação sobre o procedimento de promoção dos juízes.

82.

Dito isto, parece‑me que à quarta questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio subjaz a questão de saber se, precisamente porque os relatórios MCV publicados antes da adoção do regulamento impugnado não contêm essas recomendações, se deve entender que a Roménia estava impedida de alterar o seu procedimento de promoções. Por outras palavras, a questão de saber se o silêncio dos relatórios sobre o tema deve ser interpretado como uma obrigação da Roménia de não alterar o statu quo.

83.

Não creio que esta abordagem seja a mais correta. Na minha opinião, no contexto da aplicação do MCV, a Roménia continua a ser livre de organizar o seu sistema judiciário como entender desde que tenha em conta as recomendações formuladas nos relatórios da Comissão adotados em aplicação desse mecanismo e desde que garanta que todas as reformas que adota nesse contexto cumprem os objetivos de referência do MCV e, em geral, os demais requisitos do direito da União. Mais uma vez, neste caso, em linha com o que afirmei no n.o 42, supra, não se trata de impor à Roménia um modelo específico de organização do seu sistema judiciário, mas antes de garantir que determinadas salvaguardas são aplicadas dentro do modelo que a Roménia pretende adotar. A este respeito, na minha opinião, é irrelevante que o procedimento de promoção anterior tenha permanecido inalterado durante mais de 10 anos: a Roménia estava autorizada a alterá‑lo ( 90 ).

V. Conclusão

84.

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pela Curtea de Apel Ploieşti (Tribunal de Recurso, Ploieşti, Roménia) da seguinte forma:

1)

O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lidos em conjugação com o artigo 2.o TUE,

devem ser interpretados no sentido de que o princípio da independência dos juízes é aplicável aos procedimentos de promoção dos juízes. Este princípio não é violado pela introdução de um procedimento de promoção de juízes nacionais para um órgão jurisdicional superior que se baseia numa avaliação do seu trabalho e da sua conduta por parte de uma comissão composta pelo presidente e pelos juízes desse órgão jurisdicional superior, que, além dessa avaliação, apreciam em sede de recurso as decisões proferidas pelos juízes dos órgãos jurisdicionais inferiores e realizam avaliações periódicas desses juízes, quando, e se, os mesmos forem promovidos para os órgãos jurisdicionais superiores em causa. No entanto, mesmo que os próprios membros dessa comissão sejam independentes, os critérios por eles aplicados devem ser suficientemente objetivos, relevantes e verificáveis, para não criar dúvidas legítimas no espírito dos particulares quanto à impermeabilidade dos juízes dos órgãos jurisdicionais inferiores relativamente a intervenções externas ou pressões que possam prejudicar o seu julgamento independente e influenciar as suas decisões, e a comissão deve ser obrigada a fundamentar as suas decisões. Outro fator relevante a este respeito é a possibilidade de esses juízes impugnarem judicialmente as decisões que afetarem a sua promoção.

2)

O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lidos em conjugação com o artigo 2.o TUE e a Decisão da Comissão 2006/928, de 13 de dezembro de 2006, que estabelece um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente aos objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção,

devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à introdução de reformas judiciárias na Roménia desde que tais reformas cumpram as exigências decorrentes do direito da União e desde que a única razão para não proceder a tais reformas seja o facto de, nos relatórios por si elaborados com base na Decisão 2006/928, a Comissão não ter feito recomendações precisas no que respeita ao objeto específico dessas reformas.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) V., nomeadamente, Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos («TEDH»), 15 de julho de 2010, Gazeta‑Ukraina‑Tsentr/Ukraine, CE:ECHR:2010:0715JUD001669504, § 32 e jurisprudência referida, e Acórdão TEDH, 3 de maio de 2007, Bochan/Ukraine, CE:ECHR:2007:0503JUD000757702, § 66. V., também, Acórdão de 19 novembro de 2019, A.K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) [C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, a seguir «Acórdão no processo A.K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal)», n.o 127 e jurisprudência referida].

( 3 ) Decisão n.o 1348, de 17 de setembro de 2019, da Secção dos Magistrados Judiciais do CSM que aprova o Regulamento relativo à organização e realização de concursos para a promoção de juízes.

( 4 ) Para informações mais detalhadas sobre a composição das comissões responsáveis pela realização de avaliações periódicas dos juízes v. artigo 39.o, n.o 2, da Lei n.o 303/2004.

( 5 ) JO 2005, L 157, p. 11 (a seguir «Tratado de Adesão»).

( 6 ) Estas preocupações foram incluídas no Anexo IX do Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia (v., especialmente, n.o 3 do referido anexo, que diz respeito à adoção e implementação de um plano de ação e de estratégia para a reforma do aparelho judicial).

( 7 ) JO 2005, L 157, p. 203.

( 8 ) Decisão 2006/928/CE, de 13 de dezembro de 2006, que estabelece um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente aos objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção e a criminalidade organizada (JO 2006, L 354, p. 56) (a seguir «Decisão MCV»).

( 9 ) V. considerandos 2, 4 e 6 da Decisão do MCV.

( 10 ) V. considerando 3 da Decisão do MCV.

( 11 ) V. Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, «Acórdão no processo Asociaţia “Forumul Judecătorilor din România” e o.», n.o 175).

( 12 ) Ibidem, n.o 170.

( 13 ) Apenas um acórdão foi proferido para todos estes processos, no entanto o advogado‑geral M. Bobek redigiu duas Conclusões [uma no processo Statul Român‑Ministerul Finanţelor Publice (C‑397/19, EU:C:2020:747), e outra no processo Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746)].

( 14 ) V. Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. (n.os 1 e 2 do dispositivo).

( 15 ) Por uma questão de exaustividade, devo referir que foram submetidos ao Tribunal de Justiça uma série de outros processos relativos à organização do sistema judiciário na Roménia e, mais concretamente, à questão de saber se o princípio da independência dos juízes não se opõe a uma decisão de um tribunal constitucional nacional que, no exercício das suas competências constitucionais, se pronuncia sobre a legalidade da composição das formações de julgamento do órgão jurisdicional supremo nacional [v. Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o. (C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, «Acórdão no processo Euro Box Promotion e o.»)].

( 16 ) V. Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 108 e jurisprudência referida).

( 17 ) V., nomeadamente, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek nos processos apensos Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:403), e Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2021:557, n.o 36). V. também Conclusões do advogado‑geral G. Hogan no processo Repubblika (C‑896/19, EU:C:2020:1055, n.os 45 e 46), e do advogado‑geral E. Tanchev nos processos apensos A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:551, n.o 85). Como afirmaram estes advogados‑gerais, o conteúdo do artigo 19.o, n.o 1, TUE e do artigo 47.o da Carta, em termos de independência dos juízes, é, em substância, o mesmo.

( 18 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746, n.os 183 a 225); nos processos apensos Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:403, n.os 162 a 169); e no processo Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2021:557, n.os 36 a 41).

( 19 ) Ibidem.

( 20 ) V. artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

( 21 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746, n.os 236 e 237).

( 22 ) Por uma questão de exaustividade, acrescento que, independentemente da disposição em que o Tribunal de Justiça se baseia (artigo 19.o TUE ou artigo 47.o da Carta), este não costuma habitualmente proceder a uma análise separada à luz do artigo 2.o TUE (Estado de direito), embora, evidentemente, esta disposição inspire e seja relevante para a análise do Tribunal de Justiça (sendo que, de facto, a mesma é muitas vezes analisada em conjugação com o artigo 19.o, n.o 1, TUE e/ou o artigo 47.o da Carta). Com efeito, pode considerar‑se que ambas as disposições concretizam o artigo 2.o TUE uma vez que o Estado de direito, sendo um dos valores fundamentais sobre os quais assenta a União, é salvaguardado através da garantia do direito a uma tutela jurisdicional efetiva (artigo 19.o TUE) e do direito fundamental a um tribunal imparcial (artigo 47.o da Carta) [v., para o efeito, Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal)C‑619/18, EU:C:2019:531, «Acórdão no processo Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal)», n.o 47 e jurisprudência referida], e de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 98). V. também Conclusões do Advogado‑Geral M. Bobek no processo Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746, n.o 225).

( 23 ) Conclusões do Advogado‑Geral M. Bobek no processo Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746, n.os 198 a 200).

( 24 ) V. artigo 6.o, n.o 1, TUE.

( 25 ) Uma solução semelhante foi adotada pelo advogado‑geral M. Bobek nas suas Conclusões no processo Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746, n.o 226). V. também Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2017:395, n.o 53).

( 26 ) V. n.o 22, supra.

( 27 ) V., nomeadamente, o Acórdão do processo Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal). V. também os Acórdãos de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234), e de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153).

( 28 ) V., para o efeito, Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 68 e jurisprudência referida).

( 29 ) Ibidem, n.o 69.

( 30 ) V. Acórdão no processo Euro Box Promotion e o. (n.o 138 e jurisprudência referida).

( 31 ) V., para o efeito, o Acórdão no processo Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. (n.o 189). V. também, a este respeito, Despacho de 7 de novembro de 2022, FX e o. (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional) (C‑859/19, C‑926/19 e C‑929/19, EU:C:2022:878, n.o 109).

( 32 ) V. Acórdão no processo A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (n.o 118).

( 33 ) V., nomeadamente, Acórdão de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) [C‑192/18, EU:C:2019:924, «Acórdão no processo Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns)», n.os 108 a 110 e jurisprudência referida].

( 34 ) V., nomeadamente, TEDH, 3 de maio de 2011, Sutyagin/Rússia, CE:ECHR:2011:0503JUD003002402, § 183.

( 35 ) V., nomeadamente, Acórdão no processo Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (n.o 74 e jurisprudência referida).

( 36 ) Ibidem, n.o 112. V. também, nomeadamente, Acórdão no processo Euro Box Promotion e o. (n.os 225 e 226 e jurisprudência referida).

( 37 ) V. Acórdãos de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 121), e de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798).

( 38 ) V. Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, no processo Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117).

( 39 ) V., especialmente, Acórdão de 19 de setembro de 2006, Wilson (C‑506/04, EU:C:2006:587, n.o 51). V. também o Acórdão no processo Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (n.o 75), e Acórdão de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (C‑192/18, EU:C:2019:924, n.os 112 e 113).

( 40 ) V. Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 67). V. também o Acórdão no processo Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. (n.o 199), no qual o Tribunal de Justiça referiu que é essencial que o órgão competente para conduzir os inquéritos e intentar a ação disciplinar aja no exercício das suas funções de maneira objetiva e imparcial e, para esse efeito, esteja ao abrigo de qualquer influência externa.

( 41 ) V. Acórdão no processo Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. (n.o 213).

( 42 ) Quanto à reforma dos magistrados judiciais do Supremo Tribunal na Polónia, v. Acórdão no processo Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal). Quanto à reforma dos magistrados judiciais dos tribunais comuns na Polónia, v. Acórdão no processo Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns).

( 43 ) V. Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 73).

( 44 ) Tratar os processos de promoção de forma diferente das decisões de nomeação seria, na minha opinião, simplesmente absurdo. Os Estados‑Membros seriam obrigados a assegurar a existência de garantias suficientes de independência do poder judicial relativamente às nomeações iniciais dos juízes para as instâncias inferiores, mas não relativamente à forma como esses juízes seriam subsequentemente selecionados para instâncias superiores, sem que tal discrepância tivesse qualquer fundamento válido.

( 45 ) Saliento que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos declarou que os processos relativos à promoção dos juízes têm impacto na independência do sistema judicial e que, portanto, reconheceu implicitamente que o princípio da independência do poder judicial é aplicável a esses processos (v. TEDH, 15 de setembro de 2015, Tsanova‑Gecheva/Bulgária, CE:ECHR:2015:0915JUD004380012, § 104). V. também a Recomendação CM/Rec (2010) 12 adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa a 17 de novembro de 2010 e exposição de motivos «Juízes: independência, eficiência e responsabilidades» (disponível em: https://rm.coe.int/cmrec‑2010‑12‑on‑independence‑efficiency‑responsibilites‑of‑judges/16809f007d), n.o 49: «[A] independência dos juízes deve ser preservada não apenas quando são nomeados mas durante toda a sua carreira. O termo “carreira” inclui a promoção […]».

( 46 ) V. Acórdão no processo Euro Box Promotion e o., n.o 139 e jurisprudência referida.

( 47 ) V. n.os 31 e 32 acima.

( 48 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746, n.os 247 e 248).

( 49 ) V. Acórdão no processo A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (n.o 127) referindo‑se, neste sentido, ao TEDH, 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá/Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 144 e jurisprudência referida, e ao TEDH, 21 de junho de 2011, Fruni/Eslováquia, CE:ECHR:2011:0621JUD000801407, § 141.

( 50 ) Concordo com a Comissão quando afirma que o que é importante, para efeitos de apreciação da compatibilidade da reforma introduzida pelo regulamento impugnado com o princípio da independência do poder judicial, é o efeito cumulativo das várias componentes desta reforma.

( 51 ) V. Acórdão no processo Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o. (n.o 201 e jurisprudência referida).

( 52 ) Antes da reforma, o processo de promoção dos juízes em funções na Roménia centrava‑se, segundo entendi, numa série de testes escritos, destinados a testar os conhecimentos teóricos e as competências práticas dos candidatos. O processo de promoção era supervisionado pelos juízes do Înalta Curte de Casație şi Justiție (Supremo Tribunal de Cassação e Justiça), juízes dos tribunais de recurso e formadores do Institutul national al Magistraturii (Instituto Nacional de Magistrados, Roménia).

( 53 ) Os candidatos que pretendam participar no processo de «promoção efetiva» (a segunda fase) devem inscrever‑se no CSM e indicar o tribunal (tribunal regional ou tribunal de recurso) e a respetiva secção desse tribunal para a qual pretendem ver a sua candidatura apreciada. Compete à Secção dos Magistrados Judiciais do CSM determinar as posições para as quais deve ser realizado um concurso de «promoção efetiva», a data e o local onde deve ser organizado o concurso, as suas modalidades e o calendário aplicável (v. artigo 30.o, n.o 1, artigo 32.o, n.o 1, do regulamento impugnado). As condições que os candidatos devem preencher para participar no processo estão enumeradas no artigo 46.o, n.o 2, da Lei n.o 303/2004 (conforme alterações da Lei n.o 242/2018) e no artigo 31.o, n.o 1, do regulamento impugnado.

( 54 ) Em conformidade com o artigo 46.o, n.o 3, da Lei n.o 303/2004. V. também o artigo 36.o, n.o 6, e o artigo 38.o do regulamento impugnado.

( 55 ) De acordo com o «Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre os progressos realizados pela Roménia no âmbito do Mecanismo de Cooperação e de Verificação», de 22 de novembro de 2022 [COM(2022) 664 final] as disposições relativas às «promoções in situ» por concurso serão suspensas até dezembro de 2025, mantendo‑se apenas as promoções efetivas durante esse período. A partir de 2025, prevê‑se que as promoções in situ sejam limitadas a 20 % do total das vagas.

( 56 ) V. artigo 36.o, n.o 1, 2 e 5 do regulamento impugnado.

( 57 ) V artigo 36.o, n.o 1 e 2 do regulamento impugnado. Para nomeações para os tribunais regionais dentro da circunscrição de cada tribunal de recurso, pode ser constituída uma comissão de seleção diferente (se necessário), que é composta pelo presidente do tribunal de recurso e por quatro membros dos tribunais regionais da circunscrição desse tribunal com a especialização correspondente (v. artigo 36.o, n.o 3, desse regulamento).

( 58 ) V. Acórdão no processo Euro Box Promotion e o. (n.o 228 e jurisprudência referida). V. também Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 to C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 68).

( 59 ) Em meu entender, na realidade o Tribunal de Justiça parece considerar que o facto de os juízes poderem ser eleitos ou designados pelos seus pares para exercer determinados papéis ou funções (por exemplo, funções disciplinares) é, geralmente, menos problemático do que quando os juízes são eleitos ou designados para exercer essas funções por outros poderes do Estado [v. Acórdãos no processo A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (n.o 143), e de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar para magistrados judiciais) (C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 104)]. V. também a Recomendação CM/Rec(2010)12 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, de 17 de novembro de 2010, e exposição de motivos «Os juízes: independência, eficiência e responsabilidades» (disponível em: https://rm.coe.int/cmrec‑2010‑12‑on‑independence‑efficiency‑responsibilites‑of‑judges/16809f007d), n.o 46: «[A] autoridade que toma decisões relativas à seleção e carreira dos juízes deve ser independente dos poderes executivo e legislativo. Com vista a garantir a sua independência, pelo menos metade dos membros da autoridade devem ser escolhidos pelos seus pares».

( 60 ) V., nomeadamente, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 68).

( 61 ) V. Kosař, D., Perils of Judicial Self‑Government in Transitional Societies, Cambridge University Press, Cambridge, 2016, p. 407. V. também Conclusões do advogado‑geral M. Bobek nos processos apensos Euro Box Promotion e o. (C‑357/19 e C‑547/19, EU:C:2021:170, n.o 152).

( 62 ) V. TEDH, 15 de julho de 2010, Gazeta‑Ukraina‑Tsentr/Ucrânia, CE:ECHR:2010:0715JUD001669504, § 33. V. também a Recomendação CM/Rec(2010)12 do Comité de ministros do Conselho da Europa, de 17 de novembro de 2010, e exposição de motivos «Os juízes: independência, eficiência e responsabilidades» (disponível em: https://rm.coe.int/cmrec‑2010‑12‑on‑independence‑efficiency‑responsibilites‑of‑judges/16809f007d), n.o 30: «a independência do poder judicial não é apenas liberdade de influência externa imprópria, mas também influência imprópria no interior do sistema judicial, seja por parte de outros juízes ou autoridades judiciais».

( 63 ) V., para um exemplo em que existiu este tipo de interferência, o Acórdão no processo A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), que dizia respeito à independência do Conselho Nacional da Magistratura na Polónia (KRS) das autoridades políticas (n.o 143). O Tribunal de Justiça declarou que «enquanto os quinze membros do KRS [eram anteriormente eleitos de] entre os juízes pelos seus pares magistrados, [sendo‑o] agora por um ramo do poder legislativo entre os candidatos que podem ser apresentados, nomeadamente, por grupos de dois mil cidadãos ou vinte e cinco juízes, [conduziu] a nomeações em que o número de membros KRS diretamente procedentes do poder político ou por ele eleitos [aumentou] para vinte e três dos vinte e cinco membros desse órgão».

( 64 ) V. Kosař, D., Perils of Judicial Self‑Government in Transitional Societies, Cambridge University Press, Cambridge, 2016, p. 408: «Ainda que os documentos mais recentes sobre a independência do poder judicial e dos conselhos superiores reconheçam que a pressão desadequada sobre um juiz pode vir de dentro do sistema judicial, tem sido geralmente aceite que a pressão interna é de alguma forma menos perigosa, talvez por razões históricas».

( 65 ) A este respeito, importa salientar que, no seu Parecer n.o 17(2014) relativo à avaliação da atividade dos juízes, a qualidade da justiça e o respeito pela independência do poder judicial, o Conselho Consultivo dos juízes europeus (CCJE) referiu que «quando uma avaliação individual tem consequências na promoção, vencimento ou pensão do juiz ou pode levar à sua destituição, corre‑se o risco de o juiz avaliado não decidir os processos de acordo com a sua interpretação objetiva dos factos e do direito, mas para agradar aos avaliadores […] o risco para a independência do poder judicial não é completamente evitado mesmo que a avaliação seja realizada por outros juízes» (v. n.o 6 do Parecer, estando a versão online disponível em: https://www.csm.it/documents/46647/0/Opinion+No.+17+ %282014 %29.pdf/f596c4a8‑7019‑47e1‑9b35‑14551977b471).

( 66 ) V., por exemplo, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek nos processos apensos Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 to C‑754/19, EU:C:2021:403). Este processo diz respeito a uma legislação nacional de acordo com a qual o ministro da Justiça/procurador‑geral (que é membro do executivo) poderia, com base em critérios que não foram tornados públicos, subcontratar para instâncias superiores por tempo indeterminado e, em qualquer momento, rescindir esse destacamento de forma discricionária. Nas suas conclusões, o advogado‑geral M. Bobek afirmou, em termos muito claros que, devido a tal legislação, os magistrados judiciais poderiam ter um incentivo para decidir a favor do procurador ou, de forma mais geral, para agradar ao ministro da Justiça/procurador‑geral e, portanto, ser tendenciosos. Explicou que alguns juízes podem ser tentados a acreditar que decidir dessa forma iria aumentar a possibilidade de serem recompensados com um destacamento para uma instância superior e, assim, possivelmente, com melhores perspetivas de carreira e vencimento superior.

( 67 ) Tais razões convincentes incluem, particularmente, situações em que os juízes dos tribunais inferiores sejam obrigados a seguir a jurisprudência dos tribunais superiores mesmo nos casos em que essa jurisprudência é contrária ao direito da União, perdendo com isso, na prática, a sua liberdade de submeter questões ao Tribunal de Justiça e de ignorar essa jurisprudência.

( 68 ) Caso contrário, o facto de, num número significativo de Estados‑Membros, os juízes serem nomeados pelo chefe de Estado ou de Governo, ou seja, pelo poder executivo, significaria automaticamente que nenhum deles é independente [v., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek nos processos apensos Euro Box Promotion e o. (C‑357/19 e C‑547/19, EU:C:2021:170, n.o 217)].

( 69 ) V. Acórdão de 2 de março de 2021 (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.os 122 e 123 e jurisprudência referida).

( 70 ) V. Acórdão de 16 de novembro de 2021 (C‑748/19 to C‑754/19, EU:C:2021:931).

( 71 ) Ibidem, n.o 79.

( 72 ) Em substância, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça parece considerar que as decisões que afetam as condições de progressão e cessação das carreiras dos juízes em funções podem suscitar dúvidas legítimas no espírito dos litigantes quanto à independência e imparcialidade dos juízes em causa quando são submetidos a critérios demasiado vagos, subjetivos e inverificáveis [v., para o efeito, Acórdão no processo Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (n.o 122)].

( 73 ) V., para o efeito, Acórdão no processo Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (n.o 114). V. também o Acórdão no processo Euro Box Promotion e o. (n.o 240 e jurisprudência referida).

( 74 ) V., neste sentido, TEDH, 12 de janeiro de 2016, Miracle Europe Kft/Hungria, CE:ECHR:2016:0112JUD005777413, § 58.

( 75 ) V. artigo 43.o, n.o 1, do regulamento impugnado.

( 76 ) V. artigo 45.o, n.o 1, do regulamento impugnado.

( 77 ) Evidentemente desde que o critério relativo ao cumprimento de prazos razoáveis para a tramitação dos processos e para a redação das decisões não prejudique a liberdade dos juízes das instâncias inferiores de submeter questões ao Tribunal de Justiça e de ignorarem a jurisprudência das instâncias superiores se essa jurisprudência for contrária ao direito da União (v. nota n.o 68, supra).

( 78 ) V. artigo 39.o, n.o 1, do regulamento impugnado. Quanto ao terceiro critério — relativo ao cumprimento dos prazos — a avaliação é feita com base numa série de dados estatísticos e outros documentos facultados pelo tribunal no qual o candidato está colocado. Esta informação diz respeito tanto ao trabalho dos candidatos (por exemplo, quanto tempo, em média, demoraram a proferir as suas decisões), como à atividade do tribunal em que se encontram colocados.

( 79 ) V. artigo 39.o, n.o 6, do regulamento impugnado. As recorrentes no processo principal alegam que as 10 decisões em que a comissão de seleção baseia a sua avaliação não são suficientemente representativas da atividade dos candidatos. A este respeito, saliento, no entanto, que o artigo 39.o, n.o 2, da decisão impugnada exige que essas decisões sejam «relevantes» e que o artigo 39.o, n.o 7, desse regulamento exclui especificamente determinados tipos de decisões da avaliação (como as que resultam na suspensão do processo). Além disso, alegam que essas decisões não são comunicadas aos candidatos e, por conseguinte, não podem ser impugnadas por estes. Sob reserva das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, parece‑me que tal impugnação é, de facto, possível (v. n.o 76, infra). Ao abrigo do artigo 39.o, n.o 12, da decisão impugnada, os candidatos também podem optar por comunicar as decisões à comissão.

( 80 ) V. artigo 44.o, n.o 1 e 3 do regulamento impugnado.

( 81 ) V. artigo 44.o, n.o 1, do regulamento impugnado.

( 82 ) V. artigo 44.o, n.o 1, 2 e 4 do regulamento impugnado.

( 83 ) V. artigo 42.o, n.o 1, do regulamento impugnado.

( 84 ) V., neste sentido, Acórdão no processo Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (n.os 115 e 116).

( 85 ) V. artigo 46.o do regulamento impugnado.

( 86 ) V. artigo 47.o do regulamento impugnado.

( 87 ) V. artigo 49.o do regulamento impugnado.

( 88 ) Acrescento que, ao contrário do que alegam as recorrentes do processo principal, o Relatório ad hoc sobre a Roménia (Regra 34), de 23 de março de 2018, do Grupo de Estados contra a Corrução (GRECO) (disponível em inglês no seguinte endereço: https://rm.coe.int/ad‑hoc‑report‑on‑romania‑rule‑34‑adopted‑by‑greco‑at‑its‑79th‑plenary‑/16807b7717) não sugere uma interpretação diferente daquela que proponho que o Tribunal de Justiça deveria adotar no caso em apreço, sendo que o referido relatório é, com efeito, inconclusivo. Nesse relatório, a GRECO limitou‑se a referir que, antes da adoção do regulamento impugnado, foram manifestados «receios» de que o procedimento de promoção em duas fases na Roménia (que foi introduzido nos artigos 46.o, n.o 1 a 46.o, n.o 3, da Lei n.o 303/2004 pela Lei n.o 242/2018) «deixaria mais margem para influências pessoais ou políticas nas decisões relativas à carreira, o que poderia causar impacto na neutralidade e integridade do sistema judicial» (n.o 31). No seu Relatório de acompanhamento de 21 de junho de 2019 (disponível em inglês no seguinte endereço: https://rm.coe.int/follow‑up‑report‑to‑the‑ad‑hoc‑report‑on‑romania‑rule‑34‑adopted‑by‑gr/1680965687), o GRECO observou que o «trabalho preparatório» no que diz respeito à nomeação de magistrados judiciais e do Ministério Público para cargos superiores estava «em curso» na Roménia (esse trabalho acabou por conduzir à adoção do regulamento impugnado). Não há nada nestes dois relatórios, ambos anteriores à adoção do regulamento impugnado, que diga especificamente respeito às alterações introduzidas por este instrumento.

( 89 ) Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre os progressos realizados pela Roménia no âmbito do Mecanismo de Cooperação e de Verificação, de 22 de novembro de 2022 [COM(2022) 664 final], p. 5.

( 90 ) Saliento que as recorrentes no processo principal alegam que a reforma foi introduzida sem a devida consulta dos membros do sistema judicial e de forma repentina. Concordo que a forma como a reforma do sistema judicial foi adotada pode, em alguns casos (limitados), indicar a existência de uma questão sistémica de independência dos juízes. No entanto, tal situação está, na minha opinião, confinada a casos de gravidade extrema, como aqueles em que a reforma é introduzida por despacho ou decreto de emergência, e quando é claro que esse modo de agir visa contornar os processos legislativos ordinários de forma incompatível com as exigências do Estado de direito.