CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 2 de dezembro de 2021 ( 1 )

Processo C‑156/21

Hungria

contra

Parlamento Europeu e

Conselho da União Europeia

«Recurso de anulação — Artigo 151.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Incidente processual — Pedido de desentranhamento de documento — Parecer do Serviço Jurídico do Conselho — Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 — Regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União — Proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de Direito num Estado‑Membro — Base jurídica do Regulamento 2020/2092 — Artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE — Violação dos artigos 7.o TUE e 269.o TFUE — Violação do artigo 4.o, n.o 1, TUE, do artigo 5.o, n.o 2, TUE e do artigo 13.o, n.o 2, TUE — Princípio da segurança jurídica — Princípio da igualdade de tratamento entre os Estados‑Membros — Princípio da proporcionalidade»

1.

Neste recurso ( 2 ), interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a Hungria pede ao Tribunal de Justiça, a título principal, que anule o Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 ( 3 ) e, subsidiariamente, alguns dos seus artigos.

2.

No âmbito do recurso, cuja importância constitucional é incontestável, o Tribunal de Justiça deve determinar se o Regulamento 2020/2092, que institui um mecanismo de proteção do orçamento da União contra as violações dos princípios do Estado de Direito pelos Estados‑Membros ligadas à execução orçamental, foi adotado com uma base jurídica adequada e se é compatível com diversas disposições do direito primário, nomeadamente com o artigo 7.o TUE.

3.

O Tribunal de Justiça decidiu remeter o recurso ao Tribunal Pleno, enquanto formação jurisdicional apta a decidir causas de «excecional importância» (artigo 16.o do Estatuto do Tribunal de Justiça).

I. Quadro jurídico

A.   Direito originário

4.

O artigo 7.o TUE prevê:

«1.   Sob proposta fundamentada de um terço dos Estados‑Membros, do Parlamento Europeu ou da Comissão Europeia, o Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2.o por parte de um Estado‑Membro. Antes de proceder a essa constatação, o Conselho deve ouvir o Estado‑Membro em questão e pode dirigir‑lhe recomendações, deliberando segundo o mesmo processo.

O Conselho verificará regularmente se continuam válidos os motivos que conduziram a essa constatação.

2.   O Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, sob proposta de um terço dos Estados‑Membros ou da Comissão Europeia, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos valores referidos no artigo 2.o, após ter convidado esse Estado‑Membro a apresentar as suas observações sobre a questão.

3.   Se tiver sido verificada a existência da violação a que se refere o n.o 2, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode decidir suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em causa, incluindo o direito de voto do representante do Governo desse Estado‑Membro no Conselho. Ao fazê‑lo, o Conselho terá em conta as eventuais consequências dessa suspensão nos direitos e obrigações das pessoas singulares e coletivas.

O Estado‑Membro em questão continuará, de qualquer modo, vinculado às obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados.

4.   O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode posteriormente decidir alterar ou revogar as medidas tomadas ao abrigo do n.o 3, se se alterar a situação que motivou a imposição dessas medidas.

5.   As regras de votação aplicáveis, para efeitos do presente artigo, ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho são estabelecidas no artigo 354.o do [TFUE]».

5.

Nos termos do artigo 269.o TFUE:

«O Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre a legalidade de um ato adotado pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho nos termos do artigo 7.o do [TUE] apenas a pedido do Estado‑Membro relativamente ao qual tenha havido uma constatação do Conselho Europeu ou do Conselho e apenas no que se refere à observância das disposições processuais previstas no referido artigo.

Esse pedido deve ser formulado no prazo de um mês a contar da data da referida constatação. O Tribunal pronuncia‑se no prazo de um mês a contar da data do pedido.»

6.

O artigo 322.o, n.o 1, alínea a), dispõe:

«O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, e após consulta ao Tribunal de Contas, adotam, por meio de regulamentos:

a)

As regras financeiras que definem, nomeadamente, as modalidades relativas à elaboração e execução do orçamento e à prestação e fiscalização das contas».

B.   Regulamento 2020/2092

7.

O artigo 1.o prevê («Objeto»):

«O presente regulamento estabelece as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros.»

8.

Nos termos do artigo 2.o («Definições»):

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

“Estado de direito”, o valor da União consagrado no artigo 2.o do TUE. Inclui os princípios da legalidade, que pressupõem um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista, bem como os princípios da segurança jurídica, da proibição da arbitrariedade dos poderes executivos, da tutela jurisdicional efetiva, incluindo o acesso à justiça, por tribunais independentes e imparciais, inclusive no que diz respeito aos direitos fundamentais, da separação de poderes, e ainda da não discriminação e da igualdade perante a lei. O Estado de direito deve ser entendido à luz dos outros valores e princípios da União consagrados no artigo 2.o do TUE

[…]».

9.

O artigo 3.o («Violações dos princípios do Estado de direito») dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, podem indiciar violações dos princípios do Estado de direito as seguintes situações:

a)

O facto de se pôr em risco a independência do poder judicial;

b)

O facto de não se prevenirem, corrigirem ou sancionarem decisões arbitrárias ou ilegais de autoridades públicas, incluindo autoridades de aplicação da lei; de se suspenderem recursos financeiros e humanos de uma forma que afete o correto funcionamento dessas autoridades; ou de não se assegurar a ausência de conflitos de interesses;

c)

O facto de se limitar a disponibilidade e eficácia dos mecanismos de recurso, nomeadamente através de regras processuais restritivas e de não se proceder à execução de decisões judiciais, ou de se limitar a efetiva investigação, repressão ou sanção das violações do direito.»

10.

O artigo 4.o («Condições para a adoção de medidas») prevê:

«1.   São adotadas medidas adequadas sempre que se determine, nos termos do artigo 6.o, que as violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos interesses financeiros da União.

2.   Para efeitos do presente regulamento, as violações dos princípios do Estado de direito dizem respeito a um ou mais dos seguintes aspetos:

a)

O correto funcionamento das autoridades que executam o orçamento da União, incluindo os empréstimos e outros instrumentos garantidos pelo orçamento da União, em especial no contexto dos procedimentos de contratação pública ou de concessão de subvenções;

b)

O correto funcionamento das autoridades responsáveis pelo controlo, fiscalização e auditoria financeiros, bem como o correto funcionamento de sistemas eficazes e transparentes de gestão e responsabilização financeira;

c)

O correto funcionamento dos serviços de investigação e do Ministério Público no que diz respeito à investigação e repressão da fraude, incluindo a fraude fiscal, da corrupção ou de outras violações do direito da União relativas à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União;

d)

A fiscalização jurisdicional efetiva, por tribunais independentes, das ações ou omissões das autoridades a que se referem as alíneas a), b) e c);

e)

A prevenção e sanção da fraude, incluindo a fraude fiscal, da corrupção ou de outras violações do direito da União relativas à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União, e a imposição, aos destinatários, de sanções efetivas e dissuasivas pelos tribunais ou autoridades administrativas nacionais;

f)

A recuperação de fundos pagos indevidamente;

g)

A cooperação eficaz e em tempo útil com o OLAF e, sob reserva da participação do Estado‑Membro em causa, com a Procuradoria Europeia nas investigações ou ações penais, ao abrigo dos atos pertinentes da União, que levam a cabo em conformidade com o princípio da cooperação leal;

h)

Outras situações ou condutas, por parte das autoridades que são pertinentes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União.»

11.

O artigo 5.o («Medidas para a proteção do orçamento da União») dispõe:

«1.   Desde que estejam preenchidas as condições previstas no artigo 4.o do presente regulamento, podem ser adotadas uma ou mais das seguintes medidas adequadas de acordo com o procedimento previsto no artigo 6.o do presente regulamento:

[…]

b)

Quando a Comissão executa o orçamento da União em regime de gestão partilhada com Estados‑Membros nos termos do artigo 62.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Financeiro:

i)

suspensão da aprovação de um ou mais programas ou alteração dessa suspensão;

ii)

suspensão das autorizações;

iii)

redução das autorizações, nomeadamente através de correções financeiras ou transferências para outros programas de despesas;

iv)

redução do pré‑financiamento;

v)

interrupção dos prazos de pagamento;

vi)

suspensão dos pagamentos.

2.   Salvo disposição em contrário da decisão que adota as medidas, a imposição de medidas adequadas não afeta a obrigação de as entidades públicas a que se refere o n.o 1, alínea a), ou os Estados‑Membros a que se refere o n.o 1, alínea b), executarem o programa ou fundo afetado pela medida, em particular as suas obrigações para com os destinatários finais ou os beneficiários, incluindo a obrigação de efetuarem pagamentos em conformidade com o presente regulamento e as regras setoriais ou financeiras aplicáveis. Ao executarem fundos da União em regime de gestão partilhada, os Estados‑Membros abrangidos pelas medidas adotadas ao abrigo do presente regulamento informam a Comissão, de três em três meses a partir da data de adoção dessas medidas, sobre o cumprimento das referidas obrigações. A Comissão verifica se o direito aplicável foi cumprido e, se necessário, toma todas as medidas adequadas para proteger o orçamento da União, em conformidade com as regras setoriais e financeiras.

3.   As medidas tomadas são proporcionadas. São determinadas tendo em conta o impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos interesses financeiros da União. A natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito são devidamente tidos em conta. As medidas visam especificamente, na medida do possível, as ações da União afetadas pelas violações.

4.   A Comissão fornece, através de um sítio Web ou de um portal na Internet, informações e orientações à atenção dos destinatários finais ou dos beneficiários sobre as obrigações dos Estados‑Membros referidas no n.o 2. A Comissão fornece igualmente, no mesmo sítio Web ou portal da Internet, instrumentos adequados que permitam aos destinatários finais ou aos beneficiários informá‑la de qualquer violação dessas obrigações que, no entender dos destinatários finais ou dos beneficiários, os afete diretamente […].

5.   Com base nas informações prestadas pelos destinatários finais ou pelos beneficiários em conformidade com o n.o 4 do presente artigo, a Comissão envida todos os esforços para assegurar que qualquer montante devido por entidades públicas ou Estados‑Membros nos termos do n.o 2 do presente artigo seja efetivamente pago aos destinatários finais ou aos beneficiários […]».

12.

O artigo 6.o («Procedimento») prevê:

«1.   Se constatar que existem motivos razoáveis para considerar que as condições previstas no artigo 4.o estão preenchidas, a Comissão — a menos que considere que existem outros procedimentos previstos na legislação da União que lhe permitiriam proteger mais eficazmente o orçamento da União — envia ao Estado‑Membro em causa uma notificação escrita que indique os elementos factuais e os motivos específicos em que as suas constatações se basearam. A Comissão informa sem demora o Parlamento Europeu e o Conselho da referida notificação e do seu conteúdo.

[…]

9.   Se a Comissão considerar que as condições previstas no artigo 4.o estão preenchidas e que as medidas corretivas propostas pelo Estado‑Membro nos termos do n.o 5, caso existam, não dão uma resposta adequada às constatações indicadas na notificação por ela enviada, apresenta ao Conselho uma proposta com vista a uma decisão de execução sobre as medidas adequadas, no prazo de um mês a contar da receção das observações do Estado‑Membro ou, caso não sejam formuladas observações, sem demora injustificada e, em qualquer caso, no prazo de um mês a contar do termo do prazo fixado no n.o 7.o A proposta indica os motivos específicos e os dados factuais em que as constatações da Comissão se basearam.

10.   O Conselho adota a decisão de execução a que se refere o n.o 9 do presente artigo no prazo de um mês a contar da receção da proposta da Comissão. Caso surjam circunstâncias excecionais, o prazo para a adoção dessa decisão de execução pode ser prorrogado por um período máximo de dois meses. A fim de assegurar uma decisão atempada, e sempre que o considere adequado, a Comissão faz uso dos seus direitos ao abrigo do artigo 237.o do TFUE.

11.   O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode alterar a proposta da Comissão e adotar o texto assim alterado por meio de uma decisão de execução.»

C.   Regulamento (CE) n.o 1049/2001 ( 4 )

13.

O artigo 4.o («Exceções») tem a seguinte redação:

«[…]

2.   As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

[…]

processos judiciais e consultas jurídicas,

[…]

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

3.   O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

O acesso a documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]».

II. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

14.

Na sua petição, a Hungria pretende que o Tribunal de Justiça ( 5 ):

Anule o Regulamento 2020/2092 relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União.

A título subsidiário, anule as seguintes disposições do Regulamento 2020/2092: artigo 4.o, n.os 1 e 2, alínea h); artigo 5.o, n.os 2 e 3, segundo e terceiro períodos; e artigo 6.o, n.os 3 e 8.

Condene o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia nas despesas.

15.

O Parlamento e o Conselho pedem que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso e condene a Hungria nas despesas.

16.

Em 12 de maio de 2021, o Parlamento Europeu pediu que o processo fosse submetido à via processual prevista no artigo 133.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça (tramitação acelerada), pedido que o Presidente do Tribunal de Justiça deferiu em 9 de junho de 2021.

17.

Em 12 de maio de 2021, o Conselho pediu ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 151.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, que não tivesse em conta determinadas passagens da petição da Hungria e do seu anexo A.3, com o fundamento de que reproduziam ou faziam referência a um parecer não publicado do Serviço Jurídico do Conselho. Em 29 de junho de 2021, o Tribunal de Justiça decidiu, em aplicação do n.o 5 desse artigo, que esse incidente seria apreciado a final, conjuntamente com a apreciação do mérito do recurso de anulação.

18.

Na audiência realizada no Tribunal de Justiça, reunido em Tribunal Pleno, em 11 e 12 de outubro de 2021, intervieram a Hungria, a República da Polónia, o Parlamento Europeu e o Conselho, a Comissão Europeia, e os Governos do Reino da Bélgica, do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha, da Irlanda, do Reino de Espanha, da República Francesa, do Grão‑Ducado do Luxemburgo, do Reino dos Países Baixos, da República da Finlândia e do Reino da Suécia.

19.

Nas minhas conclusões, antes de mais, abordarei o incidente processual suscitado pelo Conselho. Em seguida, referir‑me‑ei ao contexto jurídico em que a elaboração e a adoção do Regulamento 2020/2092 se inserem. Por último, debruçar‑me‑ei sobre os nove fundamentos de anulação invocados pela Hungria.

III. Incidente processual

20.

O Conselho pede ao Tribunal de Justiça que «não tenha em conta as passagens da petição e dos seus anexos, em especial do anexo A.3, que fazem referência, retomam o conteúdo ou refletem a análise efetuada no parecer do Serviço Jurídico do Conselho (documento 13593/18 do Conselho) [a seguir “parecer”] de 25 de outubro de 2018 e, em particular, as passagens [dos n.os 21, 22, 164 e 166]».

21.

A Hungria pede ao Tribunal de Justiça que indefira o pedido do Conselho e que, a título subsidiário, lhe ordene que apresente o parecer.

22.

Devo começar por esclarecer que o Conselho não pede o desentranhamento de um parecer que a Hungria simplesmente não incluiu, enquanto tal, na sua petição. Por conseguinte, não se pode falar do desentranhamento de um documento que não foi junto aos autos. O pedido do Conselho limita‑se, como resulta da redação do seu requerimento nos termos do artigo 151.o do Regulamento de Processo, a que não se tenham em conta as passagens da petição e dos seus anexos que reproduzem ou que remetem para o referido parecer.

23.

Todos os Estados da União e a Comissão dispõem do parecer, na sua qualidade de membros do Conselho ou de participantes no processo legislativo que conduziu à adoção do Regulamento 2020/2092.

24.

Além disso, a existência do parecer foi revelada pela imprensa ( 6 ) e o seu conteúdo está disponível na Internet. Todavia, o Conselho decidiu manter a sua natureza confidencial e indeferiu alguns pedidos de acesso apresentados ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001, limitando‑se a tornar públicos os seus n.os 1 a 8 ( 7 ).

25.

Por conseguinte, dá‑se o paradoxo de todas as partes neste processo terem tido acesso legítimo ao documento e apenas o Tribunal de Justiça não o conhecer oficialmente. Neste contexto, o pedido do Conselho é bastante surpreendente ( 8 ) e não coincide com as situações clássicas de desentranhamento de documentos apresentados ao Tribunal de Justiça, evocadas na sua jurisprudência.

26.

Na petição da Hungria e nos seus anexos figuram:

a reprodução de uma passagem do parecer, no parágrafo 4 do documento que consta do anexo 3, intitulado Non‑paper from Hungary relativo à proposta da Comissão, de 9 de novembro de 2018, que esteve na origem do Regulamento 2020/2092;

referências ao parecer que parecem reproduzir o seu conteúdo, mas que não posso determinar se o refletem literalmente ou se constituem uma reformulação por parte da Hungria (n.os 22 e 164 da petição e parágrafos 2 a 7 e 9 do anexo 3); e

meras referências ao parecer, no âmbito de argumentos específicos da Hungria (n.os 21 e 166 da petição).

27.

Antes de abordar o mérito do incidente processual, parece‑me oportuno expor as normas e a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça sobre o acesso, a divulgação e a invocação em juízo dos documentos das instituições da União, nomeadamente dos pareceres dos seus serviços jurídicos.

A.   Regras relativas ao acesso e à invocação em juízo de documentos das instituições da União

28.

O acesso das pessoas singulares e das pessoas coletivas aos documentos das instituições da União encontra‑se regulado no Regulamento n.o 1049/2001. O seu objetivo consiste em assegurar o acesso mais amplo possível e, por isso, o seu artigo 2.o, n.o 1, estabelece como princípio geral o direito de acesso a todos os documentos da União, embora sujeitos a determinadas condições e limites ( 9 ).

29.

O artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, acima transcrito, prevê o regime das exceções aplicáveis ao direito de acesso, modulado por razões de interesse público ou privado. Entre essas exceções figura a recusa do acesso a documentos:

cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de «processos judiciais e consultas jurídicas, […] exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação»;

elaborados «por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido […] caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação».

30.

O Regulamento n.o 1049/2001 é apenas aplicável aos pedidos de acesso apresentados por pessoas singulares e por pessoas coletivas e não pelos Estados‑Membros. Tratando‑se de atos legislativos do Conselho, os Estados‑Membros dispõem logicamente dos documentos emitidos por essa instituição.

31.

Todavia, no que respeita à divulgação ou à publicidade de documentos de natureza restrita, os Estados‑Membros devem pedir uma autorização que, no que respeita ao Conselho, se encontra prevista no seu regulamento interno ( 10 ). O anexo II desse regulamento contém as regras específicas do Conselho relativas ao acesso do público aos seus documentos, que remetem para o Regulamento n.o 1049/2001 ( 11 ).

32.

A remissão para as disposições do Regulamento n.o 1049/2001 é completada pelas diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho ( 12 ). O ponto 5 destas diretrizes dispõe que os documentos que ostentam a marca «LIMITE» são considerados abrangidos pela obrigação de segredo profissional, nos termos do artigo 339.o TFUE e do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Interno do Conselho, devendo, além do mais, ser tratados de acordo com a legislação pertinente da UE, a saber, o Regulamento n.o 1049/2001.

33.

No que respeita ao acesso aos documentos «LIMITE», os pontos 20 a 22 das diretrizes do Conselho subordinam a sua publicidade à autorização prévia do Conselho ( 13 ).

B.   Jurisprudência relativa, particularmente, ao acesso aos pareceres dos serviços jurídicos das instituições e à sua invocação em juízo

34.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça desenvolveu‑se maioritariamente no que respeita a casos em que pessoas singulares e pessoas coletivas pediam o acesso a documentos das instituições e estas o recusavam.

35.

No âmbito dessa jurisprudência, o Tribunal de Justiça aplicou e interpretou o Regulamento n.o 1049/2001 no que respeita especificamente aos pedidos de acesso aos pareceres jurídicos das instituições da União. Esse regulamento reveste um «certo valor indicativo para efeitos da ponderação dos interesses necessária à decisão» sobre os pedidos de desentranhamento de documentos num processo pendente no Tribunal de Justiça ( 14 ).

36.

Para o Tribunal de Justiça, «seria contrário ao interesse público [refletido no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001], que pretende que as instituições possam beneficiar dos pareceres dos seus serviços jurídicos, redigidos com absoluta independência, admitir que a apresentação de tais documentos internos possa ocorrer no âmbito de um litígio no Tribunal de Justiça sem que a respetiva apresentação tenha sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada por esta jurisdição […]» ( 15 ).

37.

Nesta perspetiva, a exceção relativa aos pareceres jurídicos prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 «visa proteger o interesse de uma instituição em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos» ( 16 ).

38.

O exame a efetuar pelo Conselho na aplicação desta exceção, que deve ser interpretado estritamente ( 17 ) desenrola‑se em três momentos, cujo tratamento é explicado em pormenor no Acórdão Suécia e Turco/Conselho (n.os 37 a 47):

«Num primeiro momento, o Conselho deve assegurar que o documento cuja divulgação é pedida diz realmente respeito a um parecer jurídico».

«Num segundo momento, o Conselho deve examinar se a divulgação das partes do documento em questão identificadas como sendo relativas a pareceres jurídicos “p[ode] prejudicar a proteção” destes últimos […]. O risco de que esse interesse seja prejudicado deve, para poder ser invocado, ser razoavelmente previsível, e não puramente hipotético».

«Por último, num terceiro momento, se o Conselho considerar que a divulgação de um documento prejudica a proteção de pareceres jurídicos tal como acaba de ser definida, incumbe‑lhe verificar se não existe um interesse público superior que justifique essa divulgação, pese embora o prejuízo que daí poderia resultar para a sua aptidão em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos» ( 18 ).

39.

No âmbito desse procedimento, há que ter em conta as declarações de princípio que o Tribunal de Justiça expôs no Acórdão ClientEarth/Comissão ( 19 ):

«—

[O] Regulamento n.o 1049/2001 se inscreve na vontade, expressa no artigo 1.o, segundo parágrafo, TUE, de assinalar uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos.

Este objetivo fundamental da União reflete‑se, por um lado, no artigo 15.o, n.o 1, TFUE, que prevê, nomeadamente, que as instituições, os órgãos e os organismos da União se pautam, na sua atuação, pelo maior respeito possível do princípio da abertura, princípio igualmente reafirmado no artigo 10.o, n.o 3, TUE e no artigo 298.o, n.o 1, TFUE, e, por outro, na consagração do direito de acesso aos documentos no artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Decorre do considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001 que a transparência permite conferir às instituições da União uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade perante os cidadãos da União num sistema democrático. Ao permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, contribui, além disso, para aumentar a confiança desses cidadãos».

40.

Todavia, a exigência de «abertura» (transparência) pode não ser suficiente para justificar a manutenção no processo do parecer de uma instituição anexo a um recurso, perante determinados riscos. Um desses riscos consiste em obrigar a instituição a «tomar publicamente posição sobre um parecer que, obviamente, se destinava a utilização interna [de que decorreriam] repercussões negativas no que respeita ao interesse da [instituição] em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos» ( 20 ).

41.

Além disso, autorizar a manutenção de um documento nos autos apesar de a sua divulgação não ter sido autorizada pela instituição, permitiria que se contornasse o procedimento relativo ao pedido de acesso, instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001 ( 21 ).

42.

Quanto aos pareceres das instituições emitidos no âmbito de processos legislativos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça estabeleceu um direito de acesso muito mais amplo e a correspondente obrigação de maior divulgação.

43.

Foi o que o Tribunal de Justiça assinalou no Acórdão Suécia e Turco/Conselho, em que rejeitou as «justificações» invocadas por essa instituição para proceder ao desentranhamento dos autos de um parecer do seu Serviço Jurídico relativo a uma proposta legislativa. O Conselho tinha alegado que a divulgação desse parecer poderia «criar uma dúvida sobre a legalidade do ato legislativo em causa» e que «a independência do seu Serviço Jurídico seria posta em causa» ( 22 ).

44.

Em resposta a esses argumentos, o Tribunal de Justiça declarou:

Quanto ao primeiro, «é precisamente a transparência neste domínio que, ao permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, contribui para conferir às instituições maior legitimidade aos olhos dos cidadãos europeus e para aumentar a confiança dos mesmos. De facto, é sobretudo a falta de informação e de debate que é suscetível de fazer nascer dúvidas no espírito dos cidadãos, não só quanto à legalidade de um ato isolado mas também quanto à legitimidade de todo o processo decisório» ( 23 ).

Quanto ao segundo, o risco alegado (de a independência do Serviço Jurídico ser posta em causa) não pode ser puramente hipotético, e não se confunde com o interesse em evitar eventuais pressões tendo em vista influenciar o teor de pareceres desse Serviço ( 24 ).

45.

Decorre destas considerações «que o Regulamento n.o 1049/2001 impõe, em princípio, um dever de divulgar os pareceres do Serviço Jurídico do Conselho relativos a um processo legislativo». Isso não impede que se possa recusar «a divulgação de um parecer jurídico específico, emitido no contexto de um processo legislativo, mas com um caráter particularmente sensível ou um alcance particularmente amplo que ultrapasse o quadro do processo legislativo em causa» ( 25 ).

C.   Análise do pedido do Conselho

46.

Devem ser distinguidas duas partes no pedido do Conselho.

47.

A primeira diz respeito ao pedido de desentranhamento do anexo 3 da petição, que contém o intitulado Non‑paper from Hungary relativo à proposta da Comissão, que esteve na origem do Regulamento 2020/2092. Nesse Non paper figuram uma reprodução textual de uma passagem do parecer do Serviço Jurídico e referências a esse parecer que parecem retomar o seu conteúdo.

48.

Como o Non‑paper from Hungary é um documento elaborado e apresentado pela Hungria durante o processo legislativo seguido para a adoção do Regulamento 2020/2092, as normas relativas ao acesso aos documentos das instituições da União não lhe são aplicáveis.

49.

Por conseguinte, nada impede a Hungria, enquanto Estado autor do documento, de o apresentar no âmbito de um processo no Tribunal de Justiça, ainda que contenha referências, diretas ou indiretas, ao parecer do Serviço Jurídico do Conselho.

50.

Na segunda parte do requerimento do Conselho, esta instituição pede ao Tribunal de Justiça que não tenha em conta as passagens da petição da Hungria que fazem referência, reproduzem o conteúdo ou refletem a análise efetuada no parecer.

51.

Desse pedido só poderia eventualmente proceder a parte relativa à reprodução do conteúdo do parecer, e não os pontos da petição que simplesmente coincidam com ele. Um Estado que contesta a validade de um ato legislativo da União tem plena legitimidade para defender os seus pontos de vista, coincidam ou não com o conteúdo dos documentos elaborados no âmbito do processo que levou à adoção desse ato.

52.

Se a Hungria tivesse apresentado um pedido ao Conselho com vista a obter o acesso ao parecer, em princípio, poderia ser‑lhe aplicado o regulamento interno dessa instituição, cujo artigo 6.o, n.o 2, prevê que o Conselho pode autorizar«a apresentação em tribunal de cópias ou extratos de documentos do Conselho que não tenham sido ainda facultados ao público de acordo com as disposições em matéria de acesso do público aos documentos».

53.

No que respeita a documentos do Conselho que ostentem a marca «LIMITE», como no presente caso, as diretrizes sobre o tratamento de documentos a nível interno do Conselho, que já referi, dispõem no seu ponto 5 que são considerados abrangidos pela obrigação de segredo profissional, nos termos do artigo 339.o TFUE e do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Interno do Conselho, devendo, além do mais, ser tratados de acordo com a legislação pertinente da UE, a saber, o Regulamento n.o 1049/2001. No que respeita ao acesso a esses documentos, os pontos 20 e 21 das diretrizes do Conselho subordinam a sua publicidade à autorização prévia do Conselho.

54.

A Hungria teria necessitado dessa autorização prévia do Conselho para incluir como anexo à petição o parecer controvertido, enquanto documento que ostenta a marca «LIMITE», ao qual o Conselho apenas deu uma publicidade muito limitada e em relação ao qual recusou diversos pedidos de acesso de particulares ( 26 ). Como já referi, se se permitisse juntar indiscriminadamente aos autos um documento, apesar de a sua divulgação não ter sido autorizada pela instituição, permitir‑se‑ia que se contornasse o procedimento relativo ao pedido de acesso, instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001 ( 27 ).

55.

Em suma, o que importa, por uma via ou por outra, para resolver este incidente, é que se tenha em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à inclusão dos pareceres jurídicos elaborados no âmbito dos processos legislativos, que exige o exame em três tempos a que já me referi ( 28 ).

56.

Quanto à primeira fase desse exame, não há dúvida de que estamos perante um parecer jurídico (do Serviço Jurídico do Conselho), facto que não é contestado pelas partes.

57.

Na segunda fase desse exame será necessário determinar se a divulgação desse parecer em concreto pode pôr em riscorisco esse que terá de ser razoavelmente previsível, e não puramente hipotéticoa proteção dos pareceres jurídicos do Conselho.

58.

Para determinar se tal risco existe no caso em apreço, aceitarei como premissa o facto de que a Hungria teria necessitado da autorização do Conselho para juntar o parecer no âmbito do processo no Tribunal de Justiça.

59.

Na minha opinião, essa mesma autorização seria necessária se quisesse incluir na sua petição passagens textuais de um documento que ostenta a marca «LIMITE», que o Conselho mantém com acesso restrito, como acontece no caso em apreço, se essas passagens tornarem público, na prática, o seu conteúdo integral ou substancial.

60.

Na falta da autorização prévia do Conselho, o Estado‑Membro poderia contornar esta exigência de publicidade e apresentar em juízo documentos confidenciais desta instituição: bastaria que não os apresentasse como provas documentais, anexas à petição, e que incluísse nela o conteúdo desses documentos.

61.

Com base nestas considerações, podem ser pertinentes as seguintes circunstâncias:

O parecer é (exceto nos seus oito primeiros números, meramente expositivos e não analíticos, que foram divulgados) um documento interno que ostenta a marca «LIMITE», sujeito à exigência de sigilo profissional.

A Hungria dispõe legalmente do texto do parecer, na sua qualidade de Estado‑Membro. Por conseguinte, obteve‑o sem contornar o procedimento do Regulamento Interno do Conselho, cujo artigo 5.o do anexo II prevê efetivamente que os Estados devem pedir a essa instituição acesso aos documentos, referindo‑se, porém, essa formalidade unicamente àqueles de que não dispõem.

O Conselho não foi obrigado a tomar publicamente posição sobre um parecer do seu Serviço Jurídico, uma vez que pôde responder à petição da Hungria sem que fosse necessário proceder expressamente a uma apreciação sobre o mesmo ( 29 ).

Por «apresentação em tribunal» não se pode entender as simples referências circunstanciais, incluídas na petição, a passagens do parecer. Só se poderia argumentar que se procura contornar a obrigatoriedade da autorização do Conselho se essas referências, dada a sua extensão, equivalessem à divulgação não autorizada do próprio parecer.

Como já referi, a Hungria tem todo o direito de apresentar os seus argumentos jurídicos, mesmo que coincidam com os do Serviço Jurídico do Conselho conhecidos desse Estado‑Membro quando intervém no processo de elaboração do Regulamento 2020/2092.

62.

Por conseguinte, não considero que exista um risco, razoavelmente previsível e não puramente hipotético para a proteção dos pareceres jurídicos do Conselho. Mas, se assim fosse e se a segunda fase do exame fosse ultrapassada, haveria ainda que ponderar, num terceiro momento, se existe um interesse público superior que justifique manter no processo as referências, diretas e indiretas, a passagens do parecer do Serviço Jurídico do Conselho.

63.

Com base no que passarei a expor, esse interesse público superior está presente neste caso, independentemente de a Hungria ter um interesse próprio no indeferimento do pedido do Conselho e na manutenção das referências ao parecer, que apoiam a sua tese sobre a (alegada) nulidade do Regulamento 2020/2092.

64.

O interesse superior que, no caso em apreço, justificaria a invocação em juízo e a divulgação de passagens do parecer do Serviço Jurídico do Conselho consiste na transparência do processo legislativo.

65.

Recordo que o acesso aos documentos do Conselho quando age na qualidade de legislador é suscetível de aumentar a transparência e a abertura do processo legislativo e contribui para reforçar a democracia, permitindo aos cidadãos fiscalizarem todas as informações que constituíram o fundamento de um ato legislativo ( 30 ).

66.

Além disso, no âmbito de um processo legislativo transparente, são úteis todas as opiniões jurídicas fundamentadas, a favor ou contra uma dada proposta, que confiram aos colegisladores (responsáveis últimos da decisão) e aos cidadãos em geral os elementos de apreciação indispensáveis à avaliação dessa proposta.

67.

Isso só é possível se as opiniões jurídicas expressas forem levadas ao conhecimento do público, precisamente para «permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, [o que] contribui para conferir às instituições maior legitimidade aos olhos dos cidadãos europeus e para aumentar a confiança dos mesmos» ( 31 ).

68.

Baseando‑se nestas reflexões, com as quais concordo inteiramente, o Tribunal de Justiça declarou que, regra geral, existe um dever de divulgar os pareceres relativos a um processo legislativo ( 32 ). O reverso deste dever consiste no facto de não se admitir «uma necessidade geral de confidencialidade» desses pareceres ( 33 ).

69.

Todavia, esse dever não é absoluto. Em especial, «não impede, porém, que a divulgação de um parecer jurídico específico, emitido no contexto de um processo legislativo, mas com um caráter particularmente sensível ou um alcance particularmente amplo que ultrapasse o quadro do processo legislativo em causa, possa ser recusada ao abrigo da proteção dos pareceres jurídicos» ( 34 ).

70.

O parecer controvertido foi elaborado no âmbito do processo legislativo destinado à adoção do Regulamento 2020/2092. Na minha opinião, o Conselho não justificou que se tratava de um parecer «particularmente sensível», embora este regulamento tenha uma inegável importância para a União e para os seus Estados‑Membros.

71.

É o conteúdo do parecer jurídico que deve apresentar um caráter particularmente sensível. Sob esse ponto de vista, ainda que diga respeito a uma medida legislativa relevante, a sensibilidade do parecer só pode ser reconhecida ao parecer que contenha informações especialmente delicadas (por exemplo, sobre matérias reservadas ou secretas), mas não quando inclui a simples apreciação de elementos de interpretação dos Tratados, como os relativos às bases jurídicas dessa medida.

72.

Em meu entender, o Conselho também não justifica que o parecer tenha um «alcance particularmente amplo que ultrapasse o quadro do processo legislativo em causa».

73.

Embora não seja muito clara (uma vez que, em princípio, os pareceres jurídicos sobre uma proposta legislativa estão circunscritos ao exame da sua validade ou dos seus vícios, sem ir mais longe), considero que essa expressão do Acórdão Suécia e Turco/Conselho visa pareceres que, devido à violação do conteúdo da norma eventualmente sujeita a contestação, não são pertinentes para o processo judicial a que se pretendem juntar.

74.

Assim, a transparência do processo legislativo deve ser imposta, neste caso, ao risco hipotético (aqui não comprovado) de deixar os pareceres jurídicos do Conselho sem a devida proteção ou de dificultar que o seu Serviço Jurídico emita pareceres «francos, objetivos e completos» ( 35 ), qualidades que, de resto, garantem o profissionalismo dos membros desse serviço e que o Conselho deve salvaguardar.

75.

Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça indefira o pedido incidental do Conselho.

IV. Regulamento 2020/2092: norma a meio caminho entre a condicionalidade financeira e a garantia do Estado de Direito

76.

Para melhor compreender o mecanismo de condicionalidade do Regulamento 2020/2092, é necessário analisar: a) o processo legislativo seguido para a sua adoção; e b) os mecanismos análogos já previstos pelo direito da União, aos quais acresce atualmente o instituído por este regulamento.

A.   Processo legislativo seguido para a adoção do Regulamento 2020/2092

77.

A elaboração do Regulamento 2020/2092 foi particularmente complexa e o processo legislativo seguido ajuda a interpretá‑lo de forma adequada ( 36 ).

78.

A origem do presente regulamento deve ser procurada no esforço da União para melhorar os seus instrumentos destinados a garantir o respeito dos princípios do Estado de Direito pelos Estados‑Membros. Este valor da União, consagrado no artigo 2.o TUE, foi ameaçado por práticas recentes em alguns dos seus Estados‑Membros, como tem sido repetidamente salientado pelo Parlamento e pela Comissão. Alguns desses Estados são grandes beneficiários de recursos do orçamento da União ( 37 ).

79.

Para fazer face a violações do Estado de Direito, a União dispõe de um arsenal limitado de instrumentos jurídicos:

O mecanismo do artigo 7.o TUE visa a verificação da «existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2.o por parte de um Estado‑Membro» ou da «existência de uma violação grave e persistente» desses mesmos valores, com as consequências associadas a uma ou a outra dessas constatações. Na segunda dessas hipóteses, o funcionamento do mecanismo é condicionado pela necessidade de uma decisão unânime do Conselho Europeu.

As ações por incumprimento intentadas pela Comissão (artigo 258.o TFUE) ou por outro Estado‑Membro (artigo 259.o TFUE) permitem determinar se um Estado‑Membro não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados.

80.

Em 2014, a Comissão adotou um «novo quadro da UE para reforçar o Estado de direito», destinado a «assegurar uma proteção eficaz e coerente do Estado de direito em todos os Estados‑Membros. Trata‑se de um quadro que dará resposta e suprirá qualquer situação em que se verifique uma ameaça sistémica ao Estado de direito» ( 38 ).

81.

O novo quadro visava «responder às futuras ameaças ao Estado de direito que venham a surgir nos Estados‑Membros antes de estarem reunidas as condições para desencadear os mecanismos previstos no artigo 7.o do TUE. Pretende, por conseguinte, colmatar uma lacuna. Não se trata de uma alternativa aos mecanismos previstos no artigo 7.o do TUE, mas precede e completa estes mecanismos» ( 39 ).

82.

Em 2019, a Comissão atualizou a sua estratégia e estabeleceu o Mecanismo Europeu para o Estado de Direito ( 40 ). Baseado num diálogo estreito com as autoridades nacionais e as partes interessadas, esse mecanismo assegura transparência e abrange todos os Estados‑Membros de forma objetiva e imparcial. A Comissão reúne estas questões num relatório anual com avaliações individuais por Estado‑Membro ( 41 ).

83.

Neste contexto, em maio de 2018, a Comissão apresentou uma proposta de regulamento sobre a proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de Direito nos Estados‑Membros ( 42 ).

84.

Aparentemente, a proposta suscitou algumas reticências do Serviço Jurídico do Conselho. O Tribunal de Contas formulou algumas recomendações com vista a melhorar o seu conteúdo ( 43 ), após ter sublinhado que a proposta tinha uma base jurídica duvidosa, era imprecisa no respeitante aos seus critérios, conferia uma ampla margem de apreciação à Comissão e contornava o procedimento do artigo 7.o TUE.

85.

Na sequência de um processo legislativo complexo, o Conselho Europeu de julho de 2020 ( 44 ) chegou a um acordo para aprovar o Quadro Financeiro Plurianual (a seguir «QFP») 2021‑2027 e o Plano para a Recuperação da Europa Next Generation EU (a seguir «Plano Next Generation EU»). O acordo previa que «será introduzido um regime de condicionalidade para proteger o orçamento e o [Plano Next Generation EU]».

86.

Apesar deste acordo, os dois colegisladores mantiveram perspetivas distintas sobre o que viria a ser o Regulamento 2020/2092:

O Parlamento pretendia proteger o Estado de Direito através do orçamento, ao passo que o Conselho pretendia proteger o orçamento da União através do respeito das exigências do Estado de Direito.

O Parlamento defendia uma aplicação ampla do regulamento, ao passo que o Conselho pretendia limitá‑la exigindo um nexo direto entre a violação do Estado de Direito e os efeitos negativos específicos no orçamento da União ( 45 ).

87.

Em 5 de novembro de 2020, os dois colegisladores chegaram a um consenso sobre o texto que, com pequenos ajustes, foi convertido no Regulamento 2020/2092, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2021.

88.

A Hungria e a República da Polónia opuseram‑se ao texto acordado pelos colegisladores e, embora não pudessem vetar a sua adoção, dado que a sua base jurídica é o artigo 322.o, n.o 1, TFUE, que prevê a maioria qualificada, ameaçaram impedir a adoção do QFP 2021‑2027 e do Plano Next Generation EU, cuja aprovação exigia a unanimidade dos Estados‑Membros.

89.

A situação foi desbloqueada no Conselho Europeu de dezembro de 2020, em cujas conclusões foi incluído um «compromisso» relativo ao alcance e à aplicação do Regulamento 2020/2092 ( 46 ).

90.

Embora o Conselho Europeu não disponha de poderes legislativos nesse domínio, as suas conclusões reafirmam garantias processuais e substanciais contidas no Regulamento 2020/2092 em benefício dos Estados‑Membros e oferecem uma interpretação (que poderia ser qualificada de autorizada, em razão da sua autoria, ainda que não vinculativa) do significado e do alcance de vários dos seus elementos. Em todo o caso, recordo que a interpretação do Regulamento 2020/2092 é da competência do Tribunal de Justiça.

91.

Em particular, segundo as Conclusões do Conselho Europeu, o novo regulamento «deve ser aplicado no pleno respeito do artigo 4.o, n.o 2, do TUE, nomeadamente das identidades nacionais dos Estados‑Membros, refletidas nas suas estruturas políticas e constitucionais fundamentais, do princípio da atribuição, bem como dos princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade de tratamento dos Estados‑Membros».

92.

Os elementos de consenso do Conselho Europeu são, nomeadamente, os seguintes ( 47 ):

O objetivo do regulamento consiste em proteger o orçamento da União, incluindo o Plano Next Generation EU, a sua boa gestão financeira e os interesses financeiros da União ( 48 ).

O mecanismo de condicionalidade previsto no regulamento será aplicado de forma objetiva, equitativa, imparcial e com base em factos, assegurando o respeito das garantias processuais, a não discriminação e a igualdade de tratamento dos Estados‑Membros.

Tendo em vista assegurar que estes princípios serão respeitados, a Comissão tenciona elaborar e adotar orientações sobre a forma como aplicará o regulamento, incluindo uma metodologia para proceder à sua avaliação. Essas orientações serão elaboradas em estreita consulta com os Estados‑Membros. Se for interposto um recurso de anulação no que respeita ao regulamento, as orientações serão ultimadas após o acórdão do Tribunal de Justiça, de modo a incorporarem quaisquer elementos pertinentes que decorram desse acórdão ( 49 ).

As medidas nos termos do mecanismo terão de ser proporcionadas em relação ao impacto das violações do Estado de Direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos interesses financeiros da União. Deverá demonstrar‑se de forma adequada a existência de um nexo de causalidade suficientemente direto entre essas violações e as consequências negativas para os interesses financeiros da União.

Os fatores desencadeadores estabelecidos no regulamento devem ser lidos e aplicados como uma lista fechada de elementos homogéneos e não podem estar abertos a fatores ou eventos de natureza diferente. O regulamento não diz respeito às deficiências generalizadas ( 50 ).

A aplicação do mecanismo é subsidiária relativamente aos outros procedimentos previstos no direito da União e será aplicável quando estes não permitirem uma proteção mais eficaz do orçamento da União.

93.

Com este «compromisso» do Conselho Europeu, a Hungria e a República da Polónia levantaram o seu veto ao QFP e ao Plano Next Generation EU e o Regulamento 2020/2092 foi finalmente adotado pelo Conselho em 14 de dezembro e pelo Parlamento em 16 de dezembro de 2020 ( 51 ).

94.

A redução do âmbito de aplicação do Regulamento 2020/2092, pela exigência do nexo «suficientemente direto» entre a execução orçamental e a violação dos princípios do Estado de direito, foi, de certo modo, «contrabalançada» pela aplicação deste mecanismo de condicionalidade financeira aos fundos mobilizados pela União em benefício dos Estados‑Membros através do Plano Next Generation EU, estabelecido em conformidade com o Regulamento (UE) 2020/2094 ( 52 ). Além disso, o Regulamento 2020/2092 é aplicável tanto às violações «generalizadas» dos princípios do Estado de Direito, como às violações «pontuais» ( 53 ).

95.

Todavia, a (não) aplicação do Regulamento 2020/2092 continua a gerar confrontos institucionais entre a Comissão e o Parlamento ( 54 ).

B.   Mecanismos de condicionalidade financeira no direito da União

96.

A União dispõe de um orçamento que a dota dos meios necessários para atingir os seus objetivos e realizar com êxito as suas políticas. Esse orçamento é financiado, sem prejuízo de outras receitas, por recursos próprios (artigo 311.o TFUE) nos termos das disposições estabelecidas por decisão do Conselho ( 55 ). O orçamento é o instrumento do direito da União que traduz anualmente o princípio da solidariedade ( 56 ) em termos financeiros e tem importância constitucional.

97.

As receitas e as despesas do orçamento anual da União são determinadas pela programação plurianual prevista no artigo 312.o TFUE. O QFP garante a evolução ordenada das despesas da União até ao limite dos seus recursos próprios. Atualmente está em vigor o QFP 2021‑2027 ( 57 ), que prevê um aumento de 0,6 % dos recursos próprios, além dos fundos mobilizados com a adoção do Instrumento de Recuperação para fazer face às consequências financeiras da COVID‑19 ( 58 ).

98.

A execução do orçamento da União é da responsabilidade da Comissão, nos termos do artigo 317.o, primeiro parágrafo, TFUE. Deve fazê‑lo «em cooperação com os Estados‑Membros nos termos da regulamentação adotada em execução do artigo 322.o [TFUE], de acordo com os princípios da boa gestão financeira. Os Estados‑Membros cooperarão com a Comissão a fim de assegurar que as dotações sejam utilizadas de acordo com os princípios da boa gestão financeira» ( 59 ).

99.

O artigo 310.o, n.o 6, TFUE, dispõe que «[e]m conformidade com o artigo 325.o, a União e os Estados‑Membros combatem as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União».

100.

O Regulamento Financeiro ( 60 ) dispõe que a Comissão pode executar o orçamento da União diretamente, indiretamente e em regime de gestão partilhada com os Estados‑Membros. Na prática, mais de 70 % do orçamento é executado pela Comissão em regime de gestão partilhada com os Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 63.o do Regulamento Financeiro. No âmbito desse regime de gestão partilhada, as autoridades dos Estados‑Membros realizam, por delegação, as tarefas necessárias à execução dos fundos do orçamento da União, sob o controlo da Comissão ( 61 ).

101.

Neste contexto de execução orçamental partilhada entre a Comissão e os Estados‑Membros surgiram os mecanismos de condicionalidade previstos no Regulamento Financeiro e noutras normas específicas da União.

102.

Os regimes de condicionalidade para proteger a boa gestão do orçamento refletem um fenómeno mais amplo de utilização da condicionalidade tanto no direito da União como noutros países (incluindo os que têm sistemas jurídicos federais) ( 62 ) e em organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial.

103.

No direito da União, a condicionalidade aplica‑se naturalmente às adesões dos novos Estados, sujeitas ao respeito dos denominados critérios de Copenhaga, e é prática corrente nas relações externas da União, cujas ajudas ao desenvolvimento estão subordinadas, da mesma forma, ao respeito de exigências em matéria de direitos humanos ( 63 ).

104.

No domínio das relações internas entre os Estados‑Membros e as instituições da União, a condicionalidade foi utilizada, nomeadamente, nos instrumentos de coesão económica e social e na gestão do orçamento ( 64 ).

105.

Sem pretender ser exaustivo, podem referir‑se os seguintes exemplos de condicionalidade financeira no novo Regulamento que estabelece as disposições comuns relativas aos fundos estruturais para o período de 2021‑2027 ( 65 ):

Condicionalidade ambiental e climática, prevista no artigo 6.o («Metas climáticas e mecanismo de ajustamento climático») e no artigo 9.o, n.o 4.

Condicionalidade baseada no respeito pelos «princípios horizontais» (artigo 9.o) relativos à proteção dos direitos fundamentais e à conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais na execução dos fundos.

Condicionalidade ligada a objetivos específicos, prevista no artigo 15.o («Condições habilitadoras») e no anexo III ( 66 ). Este último contém «as condições habilitadoras horizontais aplicáveis a todos os objetivos específicos e os critérios necessários para a avaliação do seu cumprimento». O anexo III inclui mecanismos eficazes de acompanhamento do mercado dos contratos públicos; instrumentos e capacidades para a aplicação efetiva das regras em matéria de auxílios de estado; aplicação e execução efetivas da Carta dos Direitos Fundamentais; e execução e aplicação efetivas da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CNUDPD) em conformidade com a Decisão 2010/48/CE do Conselho ( 67 ). Se essas condições não forem respeitadas, a Comissão pode suspender o reembolso das despesas efetuadas pelo Estado.

Condicionalidade macroeconómica, prevista no artigo 19.o («Medidas que estabelecem uma ligação entre a eficácia dos Fundos e uma boa governação económica»). Esta disposição habilita o Conselho, sob proposta da Comissão, a suspender a totalidade ou parte das autorizações ou dos pagamentos relativos a um ou vários programas de um Estado‑Membro: i) quando esse Estado‑Membro não tomar medidas corretivas suficientes ou não agir para evitar um desequilíbrio excessivo determinado nos termos do Regulamento (UE) n.o 1176/2011 ( 68 ); ii) quando a Comissão conclua que o Estado‑Membro em causa não tomou medidas como referido no Regulamento (CE) n.o 332/2002 ( 69 ) e decida não autorizar o desembolso do apoio financeiro concedido a esse Estado‑Membro; e iii) quando o Conselho decida que o Estado‑Membro não cumpre o programa de ajustamento macroeconómico a que se refere o artigo 7.o do Regulamento (UE) n.o 472/2013 ( 70 ) ou as medidas requeridas por decisão do Conselho adotada nos termos do artigo 136.o, n.o 1, do TFUE.

106.

Na mesma linha, os artigos 96.o e 97.o do Regulamento relativo a disposições comuns 2021‑2027 autorizam, respetivamente, a Comissão a interromper o prazo de liquidação ou suspender pagamentos aos Estados‑Membros quando exista uma irregularidade ou uma deficiência graves ou um parecer fundamentado da Comissão sobre um procedimento de incumprimento, nos termos do artigo 258.o do TFUE, que incide numa questão que coloca em risco a legalidade e regularidade das despesas. Nos termos do artigo 104.o, a Comissão pode igualmente proceder a posteriori a uma correção financeira, reduzindo o apoio dos Fundos ao programa quando tais situações ocorram.

107.

Os mecanismos de condicionalidade encontram‑se também em regulamentações setoriais aplicáveis a instrumentos financeiros da União. Por exemplo, os seguintes:

Condicionalidade macroeconómica, prevista no artigo 10.o do Regulamento (UE) 2021/241 ( 71 ), em termos semelhantes aos do artigo 19.o do Regulamento relativo a disposições comuns 2021‑2027. A condicionalidade macroeconómica dos fundos estruturais é transferida para o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que constitui o principal veículo financeiro do Instrumento de Recuperação da União Europeia, adotado pelo Regulamento 2020/2094 para completar o QFP a fim de fazer face às consequências financeiras do COVID‑19. A execução deste mecanismo é assegurada pela Comissão no âmbito de um regime de gestão direta, em conformidade com as regras pertinentes adotadas de acordo com o artigo 322.o TFUE, nomeadamente o Regulamento Financeiro e o Regulamento 2020/2092.

Condicionalidade que visa assegurar o respeito das normas relativas aos direitos humanos no âmbito da gestão europeia integrada das fronteiras, prevista no artigo 4.o do Regulamento (UE) 2021/1148 ( 72 ).

Condicionalidade que visa o respeito dos direitos humanos e dos objetivos ambientais prevista no artigo 4.o do Regulamento (UE) 2021/1229, que estabelece o mecanismo de crédito ao setor público ao abrigo do Mecanismo para uma Transição Justa ( 73 ).

Condicionalidade climática e ambiental para os pagamentos diretos aos agricultores no âmbito da PAC, prevista nos artigos 43.o a 47.o do Regulamento (UE) n.o 1307/2013 ( 74 ).

108.

Estes mecanismos de condicionalidade são variados, mas correspondem a uma lógica comum: a elegibilidade para um pagamento no âmbito do orçamento da União está sujeita ao cumprimento de certos requisitos horizontais, diferentes e suplementares relativamente aos diretamente estabelecidos pelo fundo europeu ao qual o pagamento é imputado ( 75 ).

109.

A condicionalidade financeira instituída pelo Regulamento 2020/2092 está ligada, no que respeita à execução orçamental, ao respeito do Estado de Direito, «essencial para a proteção dos outros valores fundamentais [do artigo 2.o TUE]» ( 76 ). Enquanto condição horizontal, os Estados‑Membros devem cumpri‑la na execução do orçamento da União.

110.

A condicionalidade financeira implica um nexo entre solidariedade e responsabilidade. A União transfere recursos do seu orçamento para os Estados‑Membros desde que sejam gastos de forma responsável, o que implica fazê‑lo de acordo com os valores da União, como o do Estado de Direito. Só existirá uma confiança mútua suficiente entre os Estados‑Membros quanto à dotação da própria União dos meios financeiros indispensáveis para atingir os seus objetivos se a execução do orçamento respeitar os valores da União.

111.

É manifesto que esta nova dimensão da técnica da condicionalidade tem repercussões que afetam significativamente as relações da União com os Estados‑Membros. Em resultado do mecanismo da condicionalidade, as instituições da União dispõem de poderes reforçados para fazer respeitar os valores do direito da União pelos Estados‑Membros quando intervenham na gestão do orçamento da União.

112.

Ora, o recurso à técnica da condicionalidade financeira em normas de direito derivado deve estar em conformidade com as exigências do direito primário e estar abrangido pelas competências atribuídas à União.

113.

Até à data, a jurisprudência do Tribunal de Justiça abordou sobretudo a condicionalidade ambiental aplicada aos pagamentos diretos aos agricultores ( 77 ), bem como a condicionalidade macroeconómica, que foi tratada favoravelmente no Acórdão Pringle ( 78 ).

114.

Neste último acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a condicionalidade constituía um mecanismo adequado para assegurar o respeito do direito da União e das medidas de coordenação das políticas económicas dos Estados adotadas pelas instituições da União. Afirmou igualmente que a condicionalidade macroeconómica prevista nos artigos 3.o, 12.o, n.o 1, e 13.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade (Tratado MEE) ( 79 ) assegurava a compatibilidade das atividades do MEE, nomeadamente com o artigo 125.o TFUE e com as medidas de coordenação adotadas pela União ( 80 ).

115.

Este processo e o processo C‑157/21 oferecem ao Tribunal de Justiça a possibilidade de desenvolver a sua jurisprudência relativa à condicionalidade financeira, alargando‑a a um instrumento com o qual as suas instituições, a fim de proteger o orçamento da União, incentivam o respeito, pelos Estados‑Membros, do valor Estado de Direito consagrado no artigo 2.o TUE.

116.

Após estas considerações, passarei à análise dos sucessivos fundamentos de nulidade invocados pelo Governo húngaro.

V. Primeiro fundamento de recurso: falta ou inadequação da base jurídica do Regulamento 2020/2092

A.   Argumentos das partes

117.

Segundo o Governo húngaro, embora o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, autorize o legislador da União a adotar regras financeiras relativas à execução do orçamento da União, o Regulamento 2020/2092 não contém disposições orçamentais ou financeiras.

118.

Por conseguinte, a base jurídica do regulamento não é a adequada e a União não tem competência para adotar uma norma de direito derivado com este conteúdo.

119.

Em seu entender, o Regulamento 2020/2092 permite à Comissão e ao Conselho definir o conceito de Estado de Direito e as condutas que infringem as exigências impostas por este valor da União. O mecanismo aprovado permite a aplicação de sanções que afetam estruturas fundamentais de um Estado‑Membro, relativamente às quais a União não tem competências.

120.

O artigo 322.o TFUE não abrange essas condutas e, por conseguinte, constitui uma base jurídica inadequada para o Regulamento 2020/2092, cujo âmbito de aplicação colide com o procedimento do artigo 7.o TUE.

121.

O Governo húngaro expõe ainda as diferenças entre o Regulamento 2020/2092 e outras normas financeiras e orçamentais da União com base no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

122.

Entre os elementos do Regulamento 2020/2092 que são incompatíveis com o artigo 322.o TFUE, o Governo húngaro faz referência, por um lado, aos conflitos de interesses na repartição dos fundos da União. O Regulamento 2020/2092 não contém nenhuma regra processual para os Estados‑Membros no que respeita à determinação de normas relativas aos conflitos de interesses e à sua eliminação, permitindo assim a adoção de medidas contra esses Estados com base em infrações não especificadas que vão além das exigências previstas pelo Regulamento Financeiro.

123.

Por outro lado, alega que o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092 obriga os Estados‑Membros a financiarem, através do seu próprio orçamento, os programas aos quais a União retira os seus fundos, a fim de proteger os beneficiários. Esta disposição não é conforme com as normas de execução do orçamento da União e constitui uma sanção para o Estado‑Membro que viola as exigências do Estado de Direito.

124.

Segundo o Governo húngaro, o artigo 322.o TFUE não pode servir de fundamento à imposição de obrigações sobre os orçamentos nacionais, uma vez que favorece apenas a adoção de normas relativas à execução do orçamento da União.

125.

O Parlamento e o Conselho contestam os argumentos do Governo húngaro e consideram que o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, constitui a base jurídica adequada do Regulamento 2020/2092 ( 81 ).

126.

Na opinião dessas duas instituições, o Regulamento 2020/2092 institui um mecanismo de condicionalidade orçamental (financeira) que visa assegurar o cumprimento das exigências do Estado de Direito, em consonância com os outros mecanismos de condicionalidade já existentes na União. A análise da finalidade e do conteúdo desse regulamento justificam‑no.

B.   Apreciação

127.

Começarei por recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça sobre a escolha das bases jurídicas no direito primário para adotar normas de direito derivado ( 82 ):

«[A] escolha da base jurídica de um ato da União deve assentar em elementos objetivos suscetíveis de ser objeto de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo desse ato. Se a análise do ato em causa demonstrar que ele prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma componente dupla, e se uma dessas finalidades ou componentes for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas acessória, esse ato deve ter uma única base jurídica, a saber, a que for exigida pela finalidade ou pela componente principal ou preponderante» ( 83 ).

«Além disso […] para determinar a base jurídica adequada, pode ser tido em conta o contexto jurídico em que se inscreve um novo regulamento, nomeadamente na medida em que esse contexto seja suscetível de esclarecer a finalidade da referida regulamentação» ( 84 ).

Uma vez adotada uma norma de harmonização, «o legislador da União não pode ser privado da possibilidade de adaptar este ato a qualquer alteração de circunstâncias ou a qualquer evolução dos conhecimentos, tendo em conta a missão que lhe incumbe de velar pela proteção dos interesses gerais reconhecidos pelo Tratado» ( 85 ).

128.

Em conformidade com esta jurisprudência, a análise da finalidade e do conteúdo do Regulamento 2020/2092 permitirá determinar se o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE constitui a base jurídica adequada para a sua adoção, se deveria ter sido outra ou se a União não é competente para adotar esse regulamento.

1. Finalidade do Regulamento 2020/2092

129.

Nos termos do seu artigo 1.o, o Regulamento 2020/2092 tem por objeto estabelecer «[…] as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros».

130.

Diversos considerandos do Regulamento 2020/2092 demonstram a ligação entre o respeito pelo Estado de Direito e a boa gestão financeira do orçamento da União.

O considerando 7 enuncia que «[s]empre que os Estados‑Membros executam o orçamento da União, […] o respeito pelo Estado de direito é uma condição prévia essencial para a conformidade com os princípios da boa gestão financeira consagrados no artigo 317.o […] TFUE».

O considerando 8 ( 86 ) declara que os Estados‑Membros só podem assegurar uma boa gestão financeira se as autoridades públicas agirem em conformidade com a lei, se as fraudes forem objeto de repressão penal e se houver uma fiscalização jurisdicional adequada das decisões administrativas.

O considerando 9 ( 87 ) sublinha a importância da independência judicial e dos serviços de investigação penal para fazer face a decisões ilegais e arbitrárias das autoridades públicas que sejam suscetíveis de lesar os interesses financeiros da União.

O considerando 13 reafirma que «existe […] uma relação clara entre o respeito pelo Estado de direito e a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira».

O considerando 15 insiste no facto de que «[a]s violações dos princípios do Estado de direito, em particular as que afetam o correto funcionamento das autoridades públicas e a fiscalização jurisdicional efetiva, podem lesar gravemente os interesses financeiros da União».

131.

Nos termos destes considerandos, cuja harmonia com o articulado do Regulamento 2020/2092 é inegável, considero que a finalidade deste regulamento consiste em instituir um mecanismo específico para assegurar a boa execução do orçamento da União, quando um Estado‑Membro viola os princípios do Estado de Direito que põem em risco a boa gestão dos fundos da União ou os seus interesses financeiros.

132.

Este objetivo parece‑me conforme com a escolha do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, como base jurídica do Regulamento 2020/2092 ( 88 ).

133.

O Parlamento e o Conselho alegam que a finalidade do regulamento em causa é a que resulta desses considerandos. Contestam a análise do Governo húngaro quando afirma que o Regulamento 2020/2092 visa acrescentar um procedimento complementar aos já previstos ( 89 ) para a proteção do Estado de Direito, sem que exista base jurídica para esse efeito no direito primário.

134.

É certo que o considerando 14 do Regulamento 2020/2092, lido de forma descontextualizada, parece apoiar a tese do Governo húngaro, uma vez que declara que «[o] mecanismo previsto no presente regulamento complementa estes instrumentos, protegendo o orçamento da União contra violações dos princípios do Estado de direito que afetem a sua boa gestão financeira ou a proteção dos interesses financeiros da União».

135.

Esta aparente incoerência na lógica dos considerandos do Regulamento 2020/2092 pode dever‑se ao desenvolvimento do seu processo legislativo. Como já expliquei, a proposta inicial da Comissão refletia menos a condicionalidade financeira do mecanismo previsto e tinha um maior impacto na proteção do Estado de Direito. A oposição do Conselho levou a que o texto final do Regulamento 2020/2092 se convertesse num instrumento de condicionalidade financeira, no âmbito do qual a salvaguarda do Estado de Direito opera como uma condição horizontal que os Estados têm de respeitar na execução orçamental.

136.

Por esse motivo, importa analisar em pormenor o conteúdo do Regulamento 2020/2092 para determinar se o «produto legislativo final» é efetivamente um mecanismo de condicionalidade financeira, como outros do direito da União. Se assim fosse, o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, constituiria uma base jurídica adequada, uma vez que esse regulamento seria uma norma relativa à execução orçamental.

137.

Se assim não fosse, como defende o Governo húngaro, estaríamos perante um instrumento suplementar para a proteção do Estado de Direito, de conotação orçamental, para o qual o artigo 322.o TFUE não constituiria uma base jurídica adequada e para cuja implantação a União não seria competente.

138.

Em meu entender, a finalidade do Regulamento 2020/2092 consiste em assegurar, através do mecanismo da condicionalidade, a boa execução do orçamento da União, em caso de violações dos princípios do Estado de Direito num Estado‑Membro que ponham em risco a boa gestão financeira dos fundos da União.

139.

Por conseguinte, considerada no seu todo, a finalidade do Regulamento 2020/2092 consiste na proteção do orçamento da União perante situações específicas que ameacem a sua boa execução e que representem violações do Estado de Direito. Não visa, portanto, proteger este último através de um mecanismo sancionatório.

140.

Sob este ponto de vista, o Regulamento 2020/2092 tem um objetivo equiparável ao do Regulamento Financeiro, cuja base jurídica no artigo 322.o TFUE não é contestada.

141.

Com efeito, numa declaração conjunta feita aquando da sua adoção, o Parlamento, o Conselho e a Comissão declararam a sua intenção de incluir o conteúdo do Regulamento 2020/2092 no Regulamento Financeiro, quando este for objeto de uma alteração ( 90 ).

142.

Como afirma o Conselho, a opção do legislador europeu de elaborar uma norma destinada a assegurar a execução adequada do orçamento da União em casos de violações do Estado de Direito está abrangida pelo seu poder de apreciação quando legisla.

143.

Em todo o caso, tal opção não poderá ser qualificada de manifestamente errada. O respeito dos princípios do Estado de Direito pode ser de importância fundamental para o bom funcionamento das finanças públicas e para a boa execução dos orçamentos ( 91 ).

144.

Em suma, parece‑me que o estabelecimento de um mecanismo de condicionalidade financeira ligado ao Estado de Direito constitui uma opção legislativa plausível e que se enquadra no direito primário.

2. Conteúdo do Regulamento 2020/2092

145.

Na apreciação da questão de saber se o Regulamento 2020/2092 está abrangido pelo artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, é também indispensável, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, analisar o seu conteúdo.

146.

Essa análise permitirá verificar se os elementos do Regulamento 2020/2092 são os de um verdadeiro mecanismo de condicionalidade financeira (em consonância com os já existentes no direito da União) e, por conseguinte, determinar se o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, lhe fornece uma base jurídica correta.

a) Condições para a adoção das medidas no procedimento do Regulamento 2020/2092

147.

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, «[s]ão adotadas medidas adequadas sempre que se determine, nos termos do artigo 6.o, que as violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos interesses financeiros da União».

148.

As partes no processo divergem quanto à interpretação desta disposição:

O Governo húngaro alega que institui um procedimento em três etapas no decurso do qual há que estabelecer: a) a violação do Estado de Direito; b) o risco grave e suficientemente direto para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União; e c) a necessidade de tomar medidas proporcionadas para lhe fazer face. Em seu entender, a base jurídica do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE não abrange a primeira dessas etapas.

O Parlamento e o Conselho divergem quanto a esta interpretação e consideram que o processo comporta apenas duas etapas: a) a prova de uma violação do Estado de Direito que implique diretamente um risco sério para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União; e b) a adoção de medidas para a combater. Assim, a condicionalidade só se aplicaria em relação às violações do Estado de Direito com impacto direto na execução do orçamento da União e de certa gravidade.

149.

Na minha opinião, esta última interpretação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092 é a correta. A condicionalidade financeira limita‑se às violações do Estado de Direito que tenham uma ligação suficientemente direta com a execução orçamental e que afetem ou sejam seriamente suscetíveis de afetar a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos interesses financeiros da União.

150.

A interpretação literal leva a esta conclusão, uma vez que o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, exige um nexo suficientemente direto entre a violação do Estado de Direito e a execução orçamental. Só assim é que o mecanismo de condicionalidade poderia ser ativado, de forma que o Regulamento 2020/2092 responda não a todas as violações do Estado de Direito, mas sim àquelas que tenham um nexo direto com a execução orçamental.

151.

No mesmo sentido, embora o artigo 2.o, alínea a), do Regulamento 2020/2092 forneça uma definição de Estado de Direito, fá‑lo apenas «[p]ara efeitos do presente regulamento». É verdade que esta disposição define o «Estado de Direito» de um modo geral (como valor da União consagrado no artigo 2.o do TUE) e aberto, uma vez que o relaciona com os princípios que reproduz seguidamente, mas, repito, com o alcance limitado que acabo de sublinhar.

152.

Na mesma ordem de ideias, o artigo 3.o do Regulamento 2020/2092 enumera alguns indícios de violação dos princípios do Estado de Direito «[p]ara efeitos do presente regulamento».

153.

A interpretação sistemática do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, e de outros artigos deste leva‑me igualmente a considerar que a condicionalidade financeira só á aplicável às violações sérias do Estado de Direito com impacto direto na execução do orçamento da União.

154.

Os indícios de «violações dos princípios do Estado de direito» incluídos, a título exemplificativo, no artigo 3.o do Regulamento 2020/2092, estão circunscritos, no artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento, a domínios de ação das autoridades nacionais diretamente ligados à execução do orçamento da União.

155.

As situações previstas no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092, correspondem quer a atividades específicas de execução orçamental, quer a atividades gerais, desde que estas impliquem um controlo sobre atividades de execução orçamental.

156.

É certo que algumas atividades gerais referidas no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092 ( 92 ), consideradas isoladamente, não devem ter incidência, enquanto tais, na execução do orçamento da União, na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, nem estão automaticamente ligadas à boa gestão financeira ( 93 ) ou à proteção dos interesses financeiros da União.

157.

Ora, o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092, visa restringir a extensão das atividades de ordem geral às que, realizadas pelas autoridades nacionais, estejam ligadas à execução orçamental. É o que acontece com:

A atuação dos serviços de investigação e do Ministério Público, apenas aplicável, neste âmbito, às «violações do direito da União relativas à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União» [alínea c)].

A fiscalização jurisdicional efetiva por tribunais independentes, quando exercida no que respeita às ações ou omissões das autoridades que, simultaneamente, estejam ligadas [nos termos das alíneas a), b) e c) do mesmo número] à execução do orçamento da União [alínea d)].

A prevenção e sanção da fraude, da corrupção ou de outras violações do direito da União quando, mais uma vez, digam respeito «à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União» [alínea e)].

158.

No que respeita à regra subsidiária [alínea h)] que se refere a «[o]utras situações ou condutas, por parte das autoridades», estas só são abrangidas pelo Regulamento 2020/2092 quando «são pertinentes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União». Por conseguinte, a regra subsidiária não abrange condutas não ligadas à execução do orçamento.

159.

Na minha opinião, a técnica utilizada pelo legislador para determinar o âmbito e os requisitos de aplicação do mecanismo em causa é adequada na medida em que impõe, como condição horizontal para a boa execução do orçamento, o respeito dos princípios do Estado de Direito.

160.

As violações sérias destes princípios que permitirão aplicar o mecanismo de condicionalidade são as que resultem de atividades de execução do orçamento da União ou de atividades gerais das autoridades estatais que digam diretamente respeito a essa execução orçamental.

161.

Em todo o caso, o artigo 6.o, n.o 9, do Regulamento 2020/2092, exige que a Comissão exponha os motivos específicos e os dados factuais concretos que comprovem a existência de uma violação séria dos princípios do Estado de Direito, diretamente relacionada com a execução do orçamento. Só assim podem ser aprovadas as medidas adequadas contra o Estado‑Membro infrator.

162.

A interpretação finalista e a interpretação histórica do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092 levam‑me igualmente a concluir que a condicionalidade financeira é apenas aplicável a violações do Estado de Direito com impacto direto na execução do orçamento da União.

163.

A este respeito, insisto na utilidade de ter em consideração a evolução do processo legislativo que conduziu à adoção do Regulamento 2020/2092.

164.

Como já referi, a proposta inicial da Comissão visava sobretudo a proteção do Estado de Direito e refletia menos a condicionalidade financeira do mecanismo. A intervenção do Conselho levou a que o texto final do Regulamento 2020/2092 se pudesse converter, de modo mais claro, num instrumento de condicionalidade financeira, no âmbito do qual a salvaguarda do Estado de Direito opera como uma condição horizontal que os Estados têm de respeitar na execução orçamental.

165.

Na evolução do texto legislativo, um elemento central consistiu na inclusão, no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, da exigência de um nexo suficientemente direto ( 94 ) entre a execução orçamental e a violação dos princípios do Estado de Direito ( 95 ).

166.

A introdução deste elemento, muito criticado por alguma doutrina ( 96 ), implica uma certa redução do âmbito de aplicação da proposta inicial da Comissão. Na sua redação final, o mecanismo de condicionalidade financeira está estritamente ligado à execução do orçamento da União, a fim de não violar o artigo 7.o TUE e de que o ato normativo possa ser abrangido pela base jurídica do artigo 322.o TFUE ( 97 ).

167.

O nexo suficientemente direto assegura que o mecanismo de condicionalidade não será aplicável relativamente a qualquer violação séria do Estado de Direito, circunscrevendo‑se às que, tendo em conta essa natureza, estão estreitamente ligadas à execução orçamental ( 98 ). Este nexo deve ser estabelecido pela Comissão antes de propor medidas corretivas e não existe qualquer automatismo na sua prova, por mais séria que seja a violação dos princípios do Estado de Direito.

168.

O considerando 13 do Regulamento 2020/2092 salienta esse nexo ao enunciar que «[p]or conseguinte, existe uma relação clara entre o respeito pelo Estado de direito e a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira».

169.

Em suma, a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, à luz dos critérios hermenêuticos textual, sistemático, finalista e histórico leva‑me a considerar que este regulamento institui um mecanismo de condicionalidade financeira apenas aplicável relativamente às violações sérias do Estado de Direito com impacto direto na execução do orçamento da União. Assim entendido, o Regulamento 2020/2092 tem uma base jurídica suficiente no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

170.

Essa afirmação não é posta em causa pelo argumento do Governo húngaro relativo à (alegada) contradição entre as disposições do Regulamento Financeiro relativas aos conflitos de interesses (artigo 61.o) ( 99 ) e o artigo 3.o, alínea b), do Regulamento 2020/2092, que prevê como situação que indicia violações dos princípios do Estado de Direito, nomeadamente, o facto de as autoridades nacionais não assegurarem «a ausência de conflitos de interesses».

171.

Como salienta o Conselho, a aplicação do Regulamento 2020/2092 é subsidiária em relação à aplicação das outras normas financeiras da União. O artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, prevê que a Comissão ative o mecanismo «a menos que considere que existem outros procedimentos previstos na legislação da União que lhe permitiriam proteger mais eficazmente o orçamento da União» ( 100 ).

172.

Isto significa que o procedimento de resolução de conflitos de interesses previsto no artigo 61.o do Regulamento Financeiro é aplicável aos casos específicos e que o mecanismo do Regulamento 2020/2092 só é ativado se o funcionamento de uma autoridade do Estado‑Membro que intervenha na execução do orçamento da União for comprometido por conflitos de interesses particularmente graves.

b) Critérios de adoção das medidas no procedimento do Regulamento 2020/2092

173.

Segundo o Governo húngaro, as medidas que as instituições da União podem adotar em aplicação do Regulamento 2020/2092 são, na realidade, sanções por violação das regras do Estado de Direito e não verdadeiras «medidas» de proteção do orçamento da União. Por esse motivo, a base jurídica do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE é inadequada.

174.

Isto decorreria do considerando 18 e do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092, que enunciam critérios de modulação dessas medidas, conferindo maior importância às próprias violações (ou seja, a sua natureza, a sua duração, a sua gravidade e o seu alcance, além da «intenção» do Estado‑Membro) do que à proteção do orçamento da União.

175.

O Conselho e o Parlamento contrapõem que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092, institui uma hierarquia de critérios, dos quais salientam a proporcionalidade e «o impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos interesses financeiros da União». «A natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito», seriam fatores de apreciação subsidiária. Entende que o critério da intenção do Estado infrator, referido no considerando 18, não tem valor normativo.

176.

Na minha opinião, a redação do artigo 5.o, n.o 3, e a do considerando 18 do Regulamento 2020/2092 não coincidem totalmente. Este último parece considerar, a título subsidiário, no âmbito da adoção das medidas, o critério relativo aos «efeitos na boa gestão financeira do orçamento da União ou os interesses financeiros da União».

177.

Todavia, considero que a interpretação sistemática do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092, permite deduzir que a adoção de medidas deve ser regida, antes de mais, pela proporcionalidade e pelo impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de Direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos interesses financeiros da União. Assim, é mantida a natureza específica das medidas, que não coincide com a das sanções aplicáveis pelas violações dos princípios do Estado de Direito ( 101 ).

178.

A natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de Direito praticadas pelo Estado infrator só podem servir para determinar o impacto das suas condutas na execução do orçamento da União.

179.

Com esta interpretação, o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092, é abrangido pelo artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, porque, repito, as medidas nele previstas são de correção orçamental e não sanções ao Estado‑Membro infrator.

180.

O Governo húngaro tem dúvidas quanto à compatibilidade dessa base jurídica com o conteúdo do último período do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092 («[a]s medidas visam especificamente, na medida do possível, as ações da União afetadas pelas violações»). Assim admitir‑se‑ia uma condicionalidade «cruzada» para além da que diz respeito à proteção do orçamento da União.

181.

A admissão excecional da condicionalidade financeira «cruzada» explica‑se pelo facto de certas violações dos princípios do Estado de Direito cometidas pelas autoridades nacionais serem suscetíveis de afetar um grande número de setores, sendo que seria desproporcionado adotar medidas financeiras corretivas em todos esses setores. Como afirmou o Conselho na audiência, são igualmente possíveis situações em que as violações dos princípios do Estado de Direito sejam conhecidas após a execução plena de certos programas de despesas da União e em relação aos quais a correção financeira não seja possível. Nesse caso, essa correção poderia afetar outros programas de despesas em curso, a fim de assegurar a efetividade do mecanismo de condicionalidade ( 102 ).

182.

Assim entendida, essa admissão excecional de uma condicionalidade financeira «cruzada» (que comporta a possibilidade de não estender a correção a todos os setores afetados pelas violações do Estado de Direito ou de a alargar a despesas do orçamento da União em curso) não elimina a natureza orçamental do mecanismo e é compatível com o artigo 322.o TFUE.

c) Critérios de levantamento das medidas no procedimento do Regulamento 2020/2092

183.

O artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento 2020/2092, prevê o levantamento das medidas a pedido do Estado ou sob proposta da Comissão, quando as condições para a sua adoção desaparecerem.

184.

Isto significa que a persistência do impacto ou do risco de incidência na execução do orçamento da União é indispensável para que as medidas corretivas de condicionalidade financeira adotadas sejam mantidas.

185.

Como afirma o Conselho, quando cessa o impacto sobre a execução orçamental, as medidas corretivas são levantadas, mesmo que a violação dos princípios do Estado de Direito pelo Estado‑Membro se mantenha. Como salientou o Parlamento Europeu na audiência, a possibilidade de levantamento não existe no caso das sanções.

186.

Deste modo demonstra‑se (na realidade, confirma‑se) que o mecanismo da condicionalidade aplica correções financeiras e não sanções pelas violações dos princípios do Estado de Direito.

d) Proteção dos beneficiários no procedimento do Regulamento 2020/2092

187.

O artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092 ( 103 ), lido à luz do seu considerando 19, introduz uma garantia para os destinatários finais ou para os beneficiários dos programas de despesas financiados pelo orçamento da União.

188.

A adoção de medidas de condicionalidade financeira quando um Estado viole os princípios do Estado de Direito não deve prejudicar os beneficiários finais dos fundos que devem continuar a recebê‑los. Além disso, o Estado tem de informar regularmente a Comissão sobre o cumprimento desta obrigação.

189.

Para o Governo húngaro, o Estado‑Membro afetado deverá assumir o pagamento dos fundos aos beneficiários, em caso de correção financeira, e deverá fazê‑lo com o seu próprio orçamento. Por conseguinte, entende que o Regulamento 2020/2092 impõe obrigações aos Estados quanto ao seu orçamento nacional, possibilidade não prevista no artigo 322.o TFUE.

190.

O Conselho responde que o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092, tem efeito declarativo e não impõe ao Estado‑Membro obrigações suplementares às especificadas nas «regras setoriais ou financeiras aplicáveis». Na realidade, acrescenta apenas uma modalidade de controlo do respeito das obrigações já existentes nas regras setoriais, a fim de proteger os beneficiários de fundos do orçamento da União em caso de correções financeiras.

191.

Em meu entender, a argumentação do Governo húngaro deve ser rejeitada, uma vez que a proteção dos beneficiários prevista no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092 constitui uma medida típica e lógica no regime de gestão partilhada dos fundos do orçamento da União.

192.

Como se afirma no considerando 19 do Regulamento 2020/2092, «[…] no âmbito do regime de gestão partilhada, os pagamentos da Comissão aos Estados‑Membros são juridicamente independentes dos pagamentos efetuados pelas autoridades nacionais aos beneficiários».

193.

Dessa premissa infere‑se que as medidas adotadas ao abrigo do Regulamento 2020/2092 não afetam «as disponibilidades de fundos para pagamentos aos beneficiários em conformidade com os prazos de pagamento estabelecidos nas regras setoriais e financeiras aplicáveis […]. [A]s obrigações para com os destinatários finais ou os beneficiários estabelecidas no presente regulamento fazem parte do direito da União aplicável no que respeita à execução do financiamento em regime de gestão partilhada».

194.

Dada a dissociação entre os pagamentos da Comissão ao Estado‑Membro e os pagamentos das autoridades nacionais de gestão aos beneficiários dos programas e dos fundos financiados pelo orçamento da União, é lógico impor, como regra geral, a obrigação de os Estados manterem os pagamentos aos beneficiários, mesmo em caso de correção financeira adotada pela União.

195.

Além disso, a correção financeira perderia a sua eficácia se as autoridades nacionais pudessem exigir dos beneficiários o reembolso dos fundos recebidos ou se os fundos contratados não lhes fossem pagos, uma vez que as instituições da União aprovam uma medida de proteção do seu orçamento face à existência de violações dos princípios do Estado de Direito com impacto na sua gestão.

196.

Nestes casos, a correção financeira adotada pelas instituições da União deve ser suportada pelo Estado‑Membro infrator não devendo ser repercutida nos beneficiários dos fundos, alheios a essa violação ( 104 ).

197.

O impacto das correções financeiras só pode prejudicar as pessoas singulares e as pessoas coletivas de um Estado‑Membro quando estas são responsáveis pelas violações das normas da União que regem a atribuição dos fundos do seu orçamento, o que, repito, não ocorre na aplicação do Regulamento 2020/2092.

198.

Em contrapartida, se a responsabilidade pelas infrações é das autoridades nacionais, é a estas que cabe fazer face às consequências dos seus próprios atos, que fundamentaram as medidas corretivas ( 105 ), como acontece com a aplicação do Regulamento 2020/2092.

199.

É no mesmo espírito que se insere o artigo 103.o do Regulamento relativo a disposições comuns 2021‑2027 quando regula as correções financeiras aplicadas pelos Estados‑Membros ( 106 ). A proteção dos beneficiários finais é igualmente referida no artigo 11.o do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 ( 107 ).

200.

Em suma, a garantia prevista no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092, a favor dos beneficiários finais insere‑se sem dificuldade num mecanismo de condicionalidade financeira e está ligada à execução do orçamento da União, pelo que o artigo 322.o TFUE lhe confere cobertura suficiente.

201.

Por conseguinte, considero que o primeiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

VI. Segundo fundamento de recurso: violação do artigo 7.o TUE e violação conjugada dos artigos 4.o, n.o 1, 5.o, n.o 1, 13.o, n.o 2, TUE, e do artigo 269.o TFUE

202.

Com o seu segundo fundamento de recurso, o Governo húngaro denuncia duas violações dos Tratados:

do artigo 7.o TUE.

do artigo 269.o TFUE e do princípio do equilíbrio institucional do artigo 13.o, n.o 2, TUE.

203.

Ao referir‑se à (alegada) violação do artigo 7.o TUE, o Governo húngaro relaciona‑a com a violação do princípio da atribuição de competências previsto no artigo 4.o, n.o 1, TUE, e no artigo 5.o, n.o 2, TUE, em razão da inadequação da base jurídica em que assenta o Regulamento 2020/2092. Na medida em que repete, deste modo, argumentos relativos ao primeiro fundamento de recurso, remeto para o que já expus a propósito dos mesmos.

A.   Primeira parte do segundo fundamento: violação do artigo 7.o TUE

1. Argumentos das partes

204.

O Governo húngaro alega que o procedimento do Regulamento 2020/2092 mais não é do que uma concretização do procedimento previsto no artigo 7.o TUE, o que não é permitido por esta disposição nem por qualquer outra do direito primário. Entende que duas das três etapas daquele procedimento coincidem com as do mecanismo do artigo 7.o TUE, cujas condições de lançamento são mais estritas do que as aplicáveis à adoção de medidas com base no regulamento impugnado.

205.

Na opinião do Governo húngaro, o objetivo do Regulamento 2020/2092 coincide com o do artigo 7.o TUE, uma vez que visa reprimir as violações dos princípios do Estado de Direito através da aplicação de sanções. Isso é evidenciado pela inexistência de um verdadeiro mecanismo de condicionalidade; pela falta de nexo real entre as violações dos princípios do Estado de Direito e do orçamento da União; pela ligação das medidas com as aplicáveis às violações do Estado de Direito mais do que com o orçamento da União; pela consideração da intenção do Estado‑Membro enquanto elemento pertinente; e pelo facto de o levantamento das medidas estar relacionado com o fim das violações.

206.

O Parlamento e o Conselho contestam estes argumentos, alegando que o mecanismo do Regulamento 2020/2092 é independente do procedimento do artigo 7.o TUE, prossegue objetivos diferentes e é regulado por normas diferentes. O seu objetivo consiste em proteger o orçamento da União e não na punição das violações do Estado de Direito. Os pressupostos para a adoção das medidas e a sua tipologia divergem dos do artigo 7.o TUE.

2. Apreciação

207.

Para determinar se o Regulamento 2020/2092 institui um procedimento compatível com o do artigo 7.o TUE, importa, antes de mais, clarificar a questão de saber se este último constitui o único meio de que dispõe a ordem jurídica da União para proteger o valor Estado de Direito.

a) Não exclusividade do artigo 7.o TUE para a proteção do Estado de Direito

208.

Em meu entender, o artigo 7.o TUE não autoriza o legislador da União a instituir, através de normas de direito derivado, outro mecanismo análogo, ainda que material e processualmente menos exigente, que tenha o mesmo objetivo de proteção do Estado de Direito e que aplique sanções semelhantes.

209.

Ora, isso não significa que a proteção do Estado de Direito possa apenas ser assegurada pelo artigo 7.o TUE ( 108 ). Nada obsta a que essa proteção seja assegurada através de outros instrumentos diferentes do previsto no artigo 7.o TUE desde que as suas características essenciais sejam distintas das deste.

210.

Como sublinha o Conselho, os princípios do Estado de Direito têm um valor estrutural na ordem jurídica da União, pelo que a sua violação é suscetível de a afetar de forma grave ( 109 ). Por esse motivo, o Tribunal de Justiça, nomeadamente na sua jurisprudência sobre a independência dos juízes ( 110 ) e sobre mandados de detenção europeus e de entrega ( 111 ), sublinhou os valores do artigo 2.o TUE e admitiu a aptidão de normas de direito derivado para os proteger, independentemente das previsões do artigo 7.o TUE. Justificou igualmente com a proteção do Estado de Direito o reconhecimento da legitimidade ativa de Estados terceiros para interpor recursos de anulação ( 112 ).

211.

No que respeita aos mandados de detenção e de entrega, quando o Conselho Europeu e o Conselho não tenham adotado as decisões referidas no artigo 7.o TUE, mas existam elementos que revelam falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial no Estado‑Membro de emissão, a autoridade judiciária de execução pode recusá‑los, se existirem motivos sérios e comprovados para acreditar que, em caso de entrega a este último Estado‑Membro, a pessoa procurada correrá um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo, garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta ( 113 ).

212.

Assinala‑se assim que, nessas situações, o Tribunal de Justiça utiliza um dos princípios do Estado de Direito para identificar uma exceção à detenção e à entrega da pessoa procurada, não abrangida pelo procedimento previsto no artigo 7.o TUE.

213.

Algo semelhante ocorre com a proteção da independência dos juízes nacionais encarregados de aplicar o direito da União, cuja defesa foi assumida pelo Tribunal de Justiça invocando, novamente, o valor do Estado de Direito ( 114 ), mesmo quando não se tenha recorrido ao artigo 7.o TUE.

214.

O respeito por um Estado‑Membro dos valores referidos no artigo 2.o TUE constitui uma condição para o gozo dos direitos que decorrem da aplicação dos Tratados a esse Estado‑Membro. Um Estado‑Membro não pode, portanto, alterar a sua legislação de modo a implicar uma regressão da proteção do valor do Estado de Direito, concretizado, nomeadamente, pelo artigo 19.o TUE. Os Estados‑Membros devem evitar qualquer regressão, à luz deste valor, da sua legislação em matéria de organização da justiça, abstendo‑se de adotar regras que venham a prejudicar a independência dos juízes ( 115 ).

215.

Estes exemplos da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a proteção do valor Estado de Direito revelam que as normas emanadas das instituições da União que visam reagir, em domínios específicos (e não necessariamente através do mecanismo do artigo 7.o TUE), contra violações desse valor com impacto na gestão orçamental são compatíveis com o direito primário.

216.

Quando essas violações afetam a execução do orçamento da União pelos Estados‑Membros, insisto, nada impede o legislador da União de aprovar uma norma (como o Regulamento 2020/2092) para preservar esse orçamento, sem que por isso entre em conflito ou contorne a aplicação de artigo 7.o TUE.

b) Comparação do procedimento do artigo 7.o TUE com o do Regulamento 2020/2092

217.

A análise do Regulamento 2020/2092 ajuda a esclarecer se o procedimento que institui corresponde a um verdadeiro mecanismo de condicionalidade financeira, em consonância com os já existentes no direito da União, ou se constitui um instrumento destinado a punir as violações dos princípios do Estado de Direito semelhante ao do artigo 7.o TUE.

218.

Procedi a essa análise, no que respeita à base jurídica do Regulamento 2020/2092, no âmbito da apreciação do fundamento de anulação anterior. Dessa análise deduzo a rejeição dos argumentos do Governo húngaro relativos à natureza da condicionalidade, que, em seu entender, se destina mais a combater as violações do Estado de Direito do que a proteger o orçamento da União.

219.

Completarei agora a minha exposição referindo‑me à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às diferenças entre os mecanismos de condicionalidade financeira ( 116 ) e as ações por incumprimento, que, por analogia, fornecem alguns elementos de apreciação válidos no caso em apreço. Esses dois processos são independentes um do outro, pois prosseguem finalidades diferentes e regem‑se por regras diferentes.

220.

Entre essas diferenças, destacam‑se as seguintes:

No âmbito das ações intentadas ao abrigo do artigo 258.o TFUE, a Comissão é livre de desistir da prossecução da ação, caso o Estado‑Membro tenha posto termo ao alegado incumprimento, ao passo que tal não ocorre, por exemplo, no processo de apuramento das contas do FEOGA pelo que a Comissão não beneficia de um poder de apreciação que lhe permita derrogar as regras que regulam esta repartição de encargos ( 117 ).

No âmbito do processo de apuramento das contas do FEOGA, a Comissão tem a obrigação de proceder a uma correção financeira caso as despesas cujo financiamento é pedido não tenham sido efetuadas em conformidade com as regras da União. Essa correção evita que sejam imputados ao FEOGA montantes que não serviram para o financiamento do objetivo prosseguido pela regulamentação da União em causa e, por conseguinte, não constitui uma sanção ( 118 ).

Os procedimentos de suspensão ou de redução da participação financeira via fundos estruturais da União a favor de ações nacionais são distintos do regulado no artigo 258.o TFUE, a cujos trâmites não estão sujeitos. O facto de a Comissão decidir não intentar uma ação por incumprimento ou desistir da sua prossecução não implica que esteja impossibilitada de suspender ou de reduzir o apoio da União para uma ação nacional, nomeadamente quando uma ou várias das condições que esse financiamento devia satisfazer não foram respeitadas. Para isso, é necessário que a Comissão adote uma decisão que deve ter em conta a ação por incumprimento intentada nos termos do artigo 258. TFUE ou a declaração desse incumprimento pelo Tribunal de Justiça ( 119 ).

Diversamente do início de uma ação por incumprimento, a decisão de suspensão ou de redução do financiamento da União constitui um ato lesivo para o seu destinatário, suscetível de recurso para os órgãos jurisdicionais da União ( 120 ).

221.

Esta jurisprudência foi utilizada para legitimar cláusulas de condicionalidade que condicionavam o pagamento de fundos do orçamento da União ao cumprimento de obrigações horizontais, como o bom funcionamento dos sistemas nacionais de gestão e de controlo dos fundos, que contribuíam para a boa gestão financeira do orçamento da União. O mesmo acontece em presença de falhas sistémicas no funcionamento das autoridades nacionais de execução do orçamento da União ( 121 )

222.

À luz desta jurisprudência, importa verificar se o mecanismo do artigo 7.o TUE é distinto do instituído pelo Regulamento 2020/2092.

223.

No que respeita à adoção das medidas, o artigo 7.o TUE subordina‑a à verificação da existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos valores referidos no artigo 2.o TUE. Todavia, o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092 abrange apenas as violações dos princípios do Estado de Direito, por um Estado‑Membro, que afetem ou sejam seriamente suscetíveis de afetar de forma direta a boa gestão financeira do orçamento ou a proteção dos interesses financeiros da União.

224.

O limiar do artigo 7.o TUE é mais exigente do que o do Regulamento 2020/2092, uma vez que requer a existência de uma violação grave e persistente de qualquer um dos valores do artigo 2.o (não apenas do Estado de Direito).

225.

O artigo 7.o TUE não exige um nexo suficientemente direto com um domínio específico do direito da União, ao contrário do Regulamento 2020/2092 que implica a ligação da violação do Estado de Direito à execução do orçamento da União. Por conseguinte, a aplicação do Regulamento 2020/2092 é muito mais limitada do que a do artigo 7.o TUE.

226.

O mecanismo do Regulamento 2020/2092, no que respeita às condições de adoção das medidas, assemelha‑se a outros instrumentos de condicionalidade financeira e de execução orçamental, e não ao do artigo 7.o TUE. A semelhança com os primeiros e não com este traduz‑se, por exemplo:

No Regulamento Financeiro, cujo artigo 131.o, n.o 3, permite a suspensão do pagamento de fundos se se demonstrar, ou seja necessário verificar, que a execução do compromisso jurídico foi objeto de irregularidades, fraudes ou incumprimento de obrigações, ou quando as irregularidades, as fraudes ou o incumprimento das obrigações ponham em causa a fiabilidade ou a eficácia dos sistemas de controlo interno de uma pessoa ou entidade que executa fundos da União ou a legalidade e a regularidade das transações subjacentes.

No Regulamento relativo a disposições comuns 2021‑2027, que prevê em termos semelhantes a possibilidade de suspensão de pagamentos (artigo 97.o, n.o 1) e de se proceder a correções financeiras (artigo 104.o, n.o 1).

227.

Também no que respeita à condicionalidade macroeconómica do Regulamento 2021/241, as medidas corretivas são adotadas, nos termos do seu artigo 10.o, «[…] caso o Conselho decida, nos termos do artigo 126.o, n.o 8 ou n.o 11, do TFUE, que um Estado‑Membro não tomou medidas eficazes para corrigir o seu défice excessivo, exceto se tiver determinado a existência de uma recessão económica grave que afete a União no seu conjunto […]».

228.

No que respeita aos tipos de medidas, o Regulamento 2020/2092 está novamente mais próximo dos mecanismos de condicionalidade do Regulamento Financeiro e de outras normas da União do que do procedimento previsto no artigo 7.o TUE.

229.

O artigo 7.o TUE prevê, no seu n.o 3, que o Conselho pode decidir suspender «alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em causa». As medidas à disposição do Conselho para este efeito vão muito além das ligadas à execução do orçamento da União, previstas no artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092 ( 122 ). Estas últimas (suspensões de programas, de autorizações e de pagamentos, entre outras) são as que são típicas do direito da União sobre a execução orçamental.

230.

Quanto aos critérios de seleção das medidas, os do Regulamento 2020/2092 coincidem, globalmente, com os da regulamentação financeira da União e afastam‑se do procedimento previsto no artigo 7.o TUE, cujo n.o 3 prevê que, no âmbito da adoção das medidas, o Conselho terá em conta as suas eventuais consequências nos direitos e obrigações das pessoas singulares e coletivas.

231.

Quanto a este ponto, remeto para a análise do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092, que expus no âmbito do fundamento anterior, no que respeita ao princípio da proporcionalidade enquanto critério de modulação das medidas, conjuntamente com os da natureza, da gravidade e da frequência das irregularidades, bem como das suas consequências financeiras para o orçamento da União.

232.

Nas normas financeiras da União encontram‑se igualmente estes mesmos critérios e o da ligação à regularidade da despesa ( 123 ). O procedimento de condicionalidade macroeconómica do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, além do critério da proporcionalidade, inclui outros critérios específicos, de natureza social ou económica ( 124 ).

233.

Quanto ao levantamento das medidas, o artigo 7.o, n.o 4, TUE, prevê que o Conselho pode decidir alterar ou revogar as medidas tomadas ao abrigo do n.o 3, se se alterar a situação que motivou a sua imposição.

234.

O artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento 2020/2092 aplica um critério semelhante, mas relacionado com o facto de as violações dos princípios do Estado de Direito terem impacto na boa execução do orçamento da União. Só nesse caso é que o levantamento das medidas de correção financeira está subordinado à reversão dessas violações pelo Estado‑Membro ( 125 ).

235.

A mesma lógica encontra‑se no artigo 10.o, n.o 6, do Regulamento 2021/241. As normas financeiras gerais da União seguem uma configuração semelhante para o levantamento das medidas, quando há uma suspensão provisória ou uma correção financeira provisória ( 126 ).

236.

Em suma, as condições de adoção, os tipos de medidas, os critérios de seleção e os critérios de levantamento das medidas aproximam o mecanismo do Regulamento 2020/2092 das regras financeiras da União e afastam‑no do procedimento previsto no artigo 7.o TUE.

237.

Por conseguinte, considero que a primeira parte do segundo fundamento do recurso deve ser julgada improcedente.

B.   Segunda parte do segundo fundamento de recurso: violação do princípio do equilíbrio institucional e do artigo 269.o TFUE

1. Argumentos das partes

238.

Segundo o Governo húngaro, o Regulamento 2020/2092 viola o princípio do equilíbrio institucional previsto no artigo 13.o, n.o 2, TUE e no artigo 269.o TFUE no que respeita à competência do Tribunal de Justiça.

239.

O Governo húngaro considera que o procedimento do Regulamento 2020/2092, mais fácil, mais rápido e mais eficaz do que o do artigo 7.o TUE para punir as violações dos princípios do Estado de Direito, altera o equilíbrio institucional subjacente a este último e, por conseguinte, o do artigo 13.o TUE, em detrimento do Estado‑Membro em causa. Além disso, institui uma fiscalização sem limitação por parte do Tribunal de Justiça, muito mais intensa do que a do artigo 269.o TFUE.

240.

O Parlamento e o Conselho contestam estes argumentos. Na sua opinião, o procedimento do Regulamento 2020/2092 não viola o princípio do equilíbrio institucional, sendo semelhante ao utilizado noutras regras financeiras da União. Além disso, a limitação da fiscalização do Tribunal de Justiça prevista no artigo 269.o TFUE não tem de ser aplicada aos mecanismos de condicionalidade financeira.

2. Apreciação

241.

O Governo húngaro apresenta duas razões que entende conduzirem à anulação do Regulamento 2020/2092: a) a relativa à criação de um procedimento decisório paralelo ao do artigo 7.o TUE, que prejudica o equilíbrio institucional nele fixado e o artigo 13.o, n.o 2, TUE; e b) a incompatibilidade da fiscalização jurisdicional ilimitada do Tribunal de Justiça sobre as medidas adotadas ao abrigo do Regulamento 2020/2092 com a significativamente mais restrita prevista no artigo 269.o TFUE.

a) Procedimento decisório do Regulamento 2020/2092 em comparação com o do artigo 7.o TUE

242.

O artigo 7.o TUE institui um sistema rígido de adoção de decisões com regras de votação específicas ( 127 ). Os trâmites divergem consoante se verifique um simples risco de violação grave dos valores do artigo 2.o TUE ou a existência desta.

243.

Na primeira situação (risco de violação):

A proposta é apresentada por um terço dos Estados‑Membros, pelo Parlamento Europeu ou pela Comissão.

O Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode declarar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2.o por parte de um Estado‑Membro. Antes de proceder a essa declaração, o Conselho deve ouvir o Estado‑Membro em questão e pode dirigir‑lhe recomendações, deliberando segundo o mesmo processo.

244.

Na segunda situação (existência de violação):

O Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, sob proposta de um terço dos Estados‑Membros ou da Comissão Europeia, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode declarar a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos valores referidos no artigo 2.o, após ter convidado esse Estado‑Membro a apresentar as suas observações sobre a questão.

Se tiver sido verificada a existência dessa violação, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode decidir suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em causa. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode posteriormente decidir alterar ou revogar as medidas tomadas se se alterar a situação que motivou a imposição dessas medidas.

245.

Por conseguinte, o artigo 7.o TUE prevê duas votações no Conselho, uma por maioria de quatro quintos e outra por maioria qualificada, e outra votação, esta por unanimidade, no Conselho Europeu, sem que o Estado‑Membro em causa nelas possa participar. É um procedimento facultativo e sem previsão de prazos para as suas diferentes etapas. Desenvolve‑se principalmente no Conselho, com exceção da proposta fundamentada da iniciativa de um terço dos Estados‑Membros, do Parlamento ou da Comissão.

246.

O Regulamento 2020/2092 afasta‑se deste esquema e aproxima‑se das ações previstas no artigo 258.o TFUE:

A iniciativa é da responsabilidade exclusiva da Comissão, que a aciona se constatar que existem motivos razoáveis para considerar que as condições previstas no artigo 4.o do Regulamento 2020/2092 estão preenchidas.

A Comissão envia ao Estado‑Membro «uma notificação escrita que indique os elementos factuais e os motivos específicos em que as suas constatações se basearam» (artigo 6.o, n.o 1).

No prazo a ser fixado pela Comissão, o Estado‑Membro «fornece as informações necessárias e pode formular observações», em que «pode propor a adoção de medidas corretivas para dar resposta às constatações indicadas na notificação da Comissão» (artigo 6.o, n.o 5).

A Comissão avaliará a informação recebida e as observações do Estado‑Membro, bem como a adequação das medidas corretivas. Caso «tencione apresentar uma proposta [ao Conselho], dá […] ao Estado‑Membro a oportunidade de apresentar as suas observações, em particular no que respeita à proporcionalidade das medidas previstas» (artigo 6.o, n.os 6 e 7).

Se a Comissão mantiver a sua intenção, apresenta ao Conselho uma proposta com vista a uma decisão de execução, indicando os motivos específicos e os dados factuais em que as suas constatações se basearam (artigo 6.o, n.o 9).

O Conselho adota a decisão de execução da proposta da Comissão, ou, deliberando por maioria qualificada, pode alterá‑la «e adotar o texto assim alterado por meio de uma decisão de execução» (artigo 6.o, n.o 11).

247.

Por conseguinte, no Regulamento 2020/2092 existe uma etapa preliminar gerida pela Comissão que inclui duas rondas de consultas com o Estado em causa, de forma análoga à das ações por incumprimento. O procedimento é obrigatório para a Comissão e são fixados prazos em todas as suas etapas. Existe uma votação no Conselho, por maioria qualificada, em que intervém o Estado em causa.

248.

Em comparação com o procedimento do artigo 7.o TUE, o do Regulamento 2020/2092 é menos rígido e permite, nos termos que acabam de ser expressos, a adoção de medidas corretivas com maior facilidade.

249.

O Conselho considera que este procedimento respeita o princípio do equilíbrio institucional e que é semelhante ao utilizado para outros atos orçamentais da União com base nos artigos 317.o, segundo parágrafo, e 291.o, n.o 2, TFUE.

250.

Todavia, este argumento depara‑se com duas dificuldades relativas à atribuição de poderes de execução ao Conselho e à intervenção do Conselho Europeu em situações excecionais.

251.

A atribuição de poderes de execução ao Conselho deve‑se à «importância dos efeitos financeiros das medidas adotadas nos termos do [Regulamento 2020/2092]» ( 128 ). Ora, não é certo que seja conforme com o artigo 317.o TFUE, por força do qual é apenas a Comissão que executa o orçamento da União em cooperação com os Estados‑Membros e sob sua própria responsabilidade.

252.

Pode um ato normativo como o Regulamento 2020/2092, que tem como base jurídica o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, e que estabelece normas financeiras de execução do orçamento da União, dotar o Conselho da competência para executar essas normas? A jurisprudência do Tribunal de Justiça ajuda a responder a esta questão ( 129 ). É possível distinguir, como alegou o Conselho na audiência, entre a execução orçamental em sentido estrito (execução de autorizações de despesa), que o artigo 317.o TFUE atribui à Comissão, e a execução orçamental em sentido amplo, prevista no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), quando se refere às normas financeiras relativas à elaboração e à execução do orçamento. Estas últimas enquadram a ação posterior da Comissão na execução das autorizações de despesa. Quanto a essas normas financeiras, não há reserva em benefício da Comissão no artigo 322.o TFUE. Por conseguinte, é possível a participação do Conselho na execução das normas financeiras relativas à adoção e à aplicação do orçamento, pela via do artigo 291.o TFUE, na medida em que essa intervenção se justifique ( 130 ), como faz neste caso o considerando 20 do Regulamento 2020/2092.

253.

Com efeito, o artigo 291.o TFUE, que se insere na epígrafe do TFUE consagrada aos «atos jurídicos da União», prevê:

Nos termos do seu n.o 1, os Estados‑Membros tomam todas as medidas de direito interno necessárias à execução dos atos juridicamente vinculativos da União.

Nos termos do seu n.o 2, «[q]uando sejam necessárias condições uniformes de execução dos atos juridicamente vinculativos da União, estes conferirão competências de execução à Comissão ou, em casos específicos devidamente justificados […] ao Conselho».

254.

Esta disposição autoriza a dotar tanto a Comissão como o Conselho de poderes de execução normativa que, na sua falta, seriam dos Estados‑Membros. Uma das situações específicas em que podem ser exigidas condições uniformes de execução para atribuir a competência ao Conselho é a que diz respeito à execução orçamental, entendida em sentido amplo.

255.

Como alega o Conselho, outras normas financeiras da União conferem‑lhe igualmente competências de execução orçamental. É o caso do artigo 19.o, n.os 6, 7, 8, 11 e 13, do Regulamento relativo a disposições comuns 2021‑2027, que confere ao Conselho o poder de adotar medidas de execução no mecanismo de condicionalidade macroeconómica que institui. O mesmo acontece no Regulamento 2021/241, nos termos do qual:

«A proposta da Comissão de uma decisão de suspensão das autorizações é considerada adotada pelo Conselho, salvo se o Conselho decidir, por meio de um ato de execução, rejeitar a referida proposta, deliberando por maioria qualificada, no prazo de um mês a contar da apresentação da proposta da Comissão» (artigo 10.o, n.o 3).

«Sob proposta da Comissão, o Conselho aprova, por meio de uma decisão de execução, a avaliação do plano de recuperação e resiliência apresentado pelo Estado‑Membro […]» (artigo 20.o).

256.

Por conseguinte, pode admitir‑se que o mecanismo da condicionalidade financeira do Regulamento 2020/2092 corresponde a um desses «casos específicos devidamente justificados» que permitem a atribuição de poderes de execução ao Conselho.

257.

Quanto à participação do Conselho Europeu no processo decisório do Regulamento 2020/2092, encontra‑se apenas prevista no seu considerando 26 ( 131 ) e não foi incluída no seu articulado (apesar de ter sido referida no compromisso do Conselho Europeu de dezembro de 2020). Uma vez que os considerandos devem fundamentar de forma concisa o conteúdo posterior do dispositivo de um ato (isto é, do seu articulado), não têm efeito jurídico ( 132 ) na medida em que vão além dessa função.

258.

Essa intervenção do Conselho Europeu (que assume a forma de um travão de emergência durante o processo de decisão do Regulamento 2020/2092) não respeitaria o direito primário se tivesse efeitos jurídicos vinculativos ( 133 ), uma vez que nenhuma regra dos Tratados lhe confere tais poderes ( 134 ).

259.

A Comissão aceita a intervenção do Conselho Europeu porque se trata de «um debate político que não implica uma etapa formal do processo nem a participação do Conselho Europeu na execução do orçamento, e não deve tornar o mecanismo ineficaz, uma vez que o poder de decisão do Conselho e o papel da Comissão não são afetados» ( 135 ).

260.

Assim entendida, e partindo da premissa de que a intervenção política do Conselho Europeu não figura no articulado do Regulamento 2020/2092 nem pode interferir no processo decisório que este prevê, as objeções do Governo húngaro contra a intervenção do Conselho Europeu são inoperantes.

b) Eventual violação do artigo 269.o TFUE

261.

Para o Governo húngaro, as medidas do Regulamento 2020/2092 estão sujeitas à fiscalização jurisdicional plena do Tribunal de Justiça, que se pode pronunciar sobre o mérito das decisões adotadas e não apenas no que se refere «à observância das disposições processuais». Em contrapartida, o artigo 269.o TFUE limita a estas últimas a impugnação dos atos do Conselho Europeu ou do Conselho adotados no âmbito do artigo 7.o TUE.

262.

A premissa implícita nesta parte do fundamento consiste no facto de, na realidade, o mecanismo do Regulamento 2020/2092 coincidir com o do artigo 7.o TUE. Pelas razões expostas até agora, creio que esta premissa não é correta, o que compromete todo o desenvolvimento subsequente da argumentação do Governo húngaro.

263.

O duplo nível de fiscalização jurisdicional num caso (artigo 263.o TFUE) e no outro (artigo 269.o TFUE) é incontestável, uma vez que o Tribunal de Justiça:

Conserva a sua competência geral para fiscalizar a legalidade dos atos que a Comissão e o Conselho adotam em aplicação do Regulamento 2020/2092 e que sejam objeto de recurso de anulação. É o que resulta nomeadamente do artigo 263.o TFUE (no que respeita às decisões que impõem medidas corretivas) e do artigo 265.o TFUE (no que respeita às eventuais omissões da Comissão na tramitação do processo).

Dispõe, em conformidade com o artigo 269.o TFUE, de uma competência limitada à violação das regras processuais, e não das regras substantivas, quando é interposto recurso de anulação dos atos adotados pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho com base no artigo 7.o TUE.

264.

O Tribunal de Justiça especificou alguns pontos do procedimento do artigo 7.o TUE no Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento ( 136 ). Declarou, nomeadamente, que:

O artigo 269.o TFUE visa apenas os atos do Conselho e do Conselho Europeu adotados no âmbito do processo previsto no artigo 7.o TUE, mas não as resoluções do Parlamento, aprovadas ao abrigo do mesmo artigo ( 137 ).

Essas resoluções do Parlamento estão sujeitas à «competência geral reconhecida ao Tribunal de Justiça […] pelo artigo 263.o TFUE, para efeitos de fiscalizar a legalidade dos atos das instituições da União» ( 138 ).

Como o artigo 269.o TFUE comporta uma limitação à competência geral do Tribunal de Justiça, deve ser interpretado de forma restritiva ( 139 ).

265.

Em especial, tendo em conta as diferenças entre os dois procedimentos, nada impede que os atos da Comissão e do Conselho em aplicação do Regulamento 2020/2092 sejam submetidos à plena fiscalização da legalidade (ou seja, sem restrições) do Tribunal de Justiça, por força do artigo 263.o TFUE, e não à mais limitada prevista no artigo 269.o TFUE, que é apenas aplicável, a título excecional, aos atos adotados em conformidade com o artigo 7.o TUE.

266.

Por conseguinte, a segunda parte do segundo fundamento do recurso deve ser julgada improcedente.

VII. Terceiro fundamento de recurso: violação do princípio da segurança jurídica

A.   Argumentos das partes

267.

O Governo húngaro alega que o conceito de Estado de Direito em que se baseia o Regulamento 2020/2092 é abstrato, não pode ser objeto de definição uniforme no direito da União e deve ser concretizado pelas ordens jurídicas de cada Estado‑Membro. Entende que o artigo 2.o, alínea a), do Regulamento 2020/2092, amplia esse conceito e prejudica a segurança jurídica.

268.

Além disso, os «aspetos» sobre os quais o conceito de Estado de Direito é precisado no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092 (que expõe alguns dos domínios em que as violações podem ocorrer) são expressos de forma aberta e abstrata, em violação das exigências de segurança jurídica.

269.

Essa mesma irregularidade estender‑se‑ia a outras disposições do Regulamento 2020/2092 [artigo 4.o, n.o 1, e n.o 2, alínea h); artigo 5.o, n.o 3; artigo 6.o, n.os 3 e 8.o], o que implica um elevado grau de insegurança jurídica.

270.

O Parlamento e o Conselho contestam estes argumentos, considerando que a definição do Estado de Direito para efeitos da aplicação do Regulamento 2020/2092 é válida e respeita a segurança jurídica, bem como as outras condições de aplicação do mecanismo da condicionalidade.

B.   Apreciação

271.

Começarei por recordar que, segundo o Tribunal de Justiça:

O princípio da segurança jurídica «exige, por um lado, que as regras jurídicas sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os particulares, em especial quando possam ter consequências desfavoráveis para os indivíduos e para as empresas. O referido princípio exige, em particular, que uma regulamentação permita aos interessados conhecer com exatidão a extensão das obrigações que lhes impõe e que estes possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade» ( 140 ).

Esse princípio «se impõe com especial rigor quando se trate de uma regulamentação suscetível de ter consequências financeiras» ( 141 ).

«Quando, porém, um certo de grau de incerteza quanto ao sentido e ao âmbito de uma norma jurídica é inerente a esta, devemo‑nos limitar […] a examinar se o ato jurídico em causa sofre de uma ambiguidade tal que impeça esse Estado‑Membro de ultrapassar, com um grau suficiente de certeza, as suas eventuais dúvidas quanto ao âmbito ou ao sentido do regulamento impugnado» ( 142 ).

As exigências do princípio da segurança jurídica não «podem ser entendidas no sentido de que impõem que uma norma que utiliza um conceito jurídico abstrato mencione as diferentes hipóteses concretas em que a mesma é suscetível de ser aplicável, na medida em que todas estas hipóteses não podem ser previamente determinadas pelo legislador» ( 143 ).

A observância do imperativo da segurança jurídica deve ser ponderada com outros interesses públicos ( 144 ).

272.

Embora o conceito de Estado de Direito enquanto valor da União consagrado no artigo 2.o TUE seja amplo, nada se opõe a que o legislador da União o precise num domínio material específico, como o da execução orçamental, para efeitos da instituição de um mecanismo de condicionalidade financeira.

273.

O conceito de Estado de Direito tem um significado autónomo na ordem jurídica da União. Não se pode deixar aos direitos nacionais dos Estados‑Membros a fixação dos seus contornos, dado o risco que isso implicaria para a sua aplicação uniforme. Embora não tenha até agora sido objeto de um desenvolvimento legislativo sistemático, provavelmente não haveria qualquer obstáculo a que o pudesse ser, nos domínios das competências próprias da União.

274.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça contribuiu para o desenvolvimento do valor Estado de Direito, como já referi, no que respeita às suas implicações para uma tutela jurisdicional efetiva ou para a independência dos juízes. Os seus ensinamentos são suscetíveis de facilitar ao legislador da União indicações que permitam precisar esse valor em normas de direito derivado. Foi o que sucedeu com o Regulamento 2020/2092.

275.

No âmbito da sua fiscalização da legalidade, o Tribunal de Justiça é chamado a verificar se a definição do Estado de Direito constante do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento 2020/2092, bem como os indícios de violações (artigo 3.o) e os exemplos de violações dos princípios que este engloba (artigo 4.o, n.o 2), cumprem as exigências do princípio da segurança jurídica.

276.

Na definição do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento 2020/2092 existem três elementos:

O Estado de Direito é um valor da União consagrado no artigo 2.o TUE.

Inclui sete princípios jurídicos: o princípio da legalidade, que pressupõe um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista; o princípio da segurança jurídica; o princípio da proibição da arbitrariedade dos poderes executivos; o princípio da tutela jurisdicional efetiva, incluindo o acesso à justiça, por tribunais independentes e imparciais, inclusive no que diz respeito aos direitos fundamentais; o princípio da separação de poderes; e o princípio da não discriminação e da igualdade perante a lei.

Estes princípios devem ser interpretados «à luz dos outros valores e princípios da União consagrados no artigo 2.o do TUE».

277.

Esta definição que, repito, é feita unicamente para efeitos do Regulamento 2020/2092, retoma o conceito do artigo 2.o TUE e desenvolve‑o com a especificação dos sete princípios que o legislador inclui. Estes baseiam‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça e nos trabalhos da Comissão ( 145 ) que, por seu turno, decorrem dos elementos do Estado de Direito identificados por instâncias internacionais, como a Comissão de Veneza ( 146 ).

278.

A caracterização do Estado de Direito por referência aos princípios supramencionados satisfaz as exigências mínimas de clareza, precisão e previsibilidade impostas pelo princípio da segurança jurídica. Os Estados‑Membros têm um nível de conhecimento suficiente das obrigações que deles decorrem, tanto mais que se considera que, na sua maioria, foram desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

279.

É certo que estes princípios têm um grau inevitável de abstração e não é possível ao legislador identificar todos os casos em que serão aplicáveis. Tal circunstância, comum a qualquer norma jurídica que concretiza um princípio de direito, não é, por si só, suscetível de pôr em causa as exigências da segurança jurídica. Compete ao intérprete concretizar a sua aplicação numa situação particular.

280.

A identificação, no artigo 3.o do Regulamento 2020/2092, de algumas situações que podem «indiciar violações dos princípios do Estado de direito» (o facto de se pôr em risco a independência do poder judicial, o facto de não se sancionarem decisões arbitrárias ou ilegais de autoridades públicas ou o facto de se limitar a disponibilidade e eficácia dos mecanismos de recurso) demonstra o esforço do legislador em facilitar a aplicação dos princípios do Estado de Direito e reforçar a segurança jurídica.

281.

O mesmo se deve dizer relativamente ao artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092, que contém uma lista indicativa de elementos suscetíveis de implicar violações dos princípios do Estado de Direito.

282.

Essa lista visa delimitar as violações dos princípios do Estado de Direito suscetíveis de implicar a adoção das medidas de condicionalidade do Regulamento 2020/2092, quando exista um nexo direto com a execução do orçamento da União.

283.

A alínea h) dessa enumeração refere‑se a «[o]utras situações ou condutas, por parte das autoridades que são pertinentes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União». Como já referi, a sua inclusão é lógica e o alcance dos seus termos não afeta a segurança jurídica mais do que qualquer outra cláusula semelhante. Esta cláusula impõe‑se devido à impossibilidade de pormenorizar exaustivamente o catálogo das condutas dos Estados‑Membros suscetíveis de violar os princípios do Estado de Direito no âmbito da execução do orçamento da União.

284.

O artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092, limita a sua aplicação a um domínio material de competência da União, como a execução do seu orçamento. Deste modo, confere segurança jurídica aos Estados‑Membros, permitindo‑lhes conhecer ex ante sobre que «aspetos» da sua ação opera a condicionalidade financeira por violações dos princípios do Estado de Direito, limitada à execução do orçamento da União.

285.

Em meu entender, a utilização de conceitos relativamente indeterminados no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092, não implica uma ambiguidade contrária às exigências do princípio da segurança jurídica. Os que adota são conceitos amplamente utilizados noutras normas da União, nomeadamente no domínio financeiro. A sua clarificação suplementar competirá à prática administrativa da Comissão ( 147 ) e do Conselho no âmbito da execução do Regulamento 2020/2092, sob fiscalização posterior do Tribunal de Justiça.

286.

O Governo húngaro acrescenta aos que acabo de analisar outros artigos do Regulamento 2020/2092 que, em seu entender, violam igualmente o princípio da segurança jurídica.

287.

Em primeiro lugar, refere o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, que prevê medidas corretivas quando «[…] as violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos interesses financeiros da União».

288.

Para o Governo húngaro, a possibilidade de adoção de medidas em caso de risco sério alargaria a aplicação do Regulamento 2020/2092 a situações incertas ou não demonstradas. Além disso, conferiria à Comissão competência para propor a adoção de medidas arbitrárias, desligadas da execução do orçamento da União, em contradição com as exigências de segurança jurídica.

289.

Todavia, não me parece que se possa concordar com estes argumentos. A previsão de medidas não apenas para situações em que existam violações comprovadas dos princípios do Estado de Direito diretamente ligadas à execução do orçamento da União, mas também para situações em que exista um risco sério de que essas violações possam acontecer, não gera insegurança jurídica.

290.

Como exporei na resposta ao quarto fundamento do recurso, é habitual nas disposições financeiras e orçamentais da União que sejam tidas em conta tanto as violações já ocorridas como o risco sério ou a suscetibilidade séria de ocorrerem.

291.

Se se seguisse a tese do Governo húngaro, qualquer norma jurídica dificilmente poderia considerar como pressuposto de facto um risco ou uma suscetibilidade, conceitos que, por si mesmos, evocam o futuro em termos não inteiramente previsíveis ( 148 ).

292.

Em segundo lugar, o Governo húngaro reitera que a referência feita no artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do Regulamento 2020/2092, a «[o]utras situações ou condutas, por parte das autoridades que são pertinentes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União» é incompatível com o princípio da segurança jurídica. Já expliquei por que razão não concordo com este argumento.

293.

Em terceiro lugar, o Governo húngaro considera que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092, viola o princípio da segurança jurídica, ao não precisar devidamente o tipo e o alcance das medidas corretivas que podem ser tomadas contra o Estado‑Membro e ao não garantir a existência de um nexo direto entre estas e as violações dos princípios do Estado de Direito.

294.

Recordo que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092, autoriza a adoção de medidas proporcionadas ao impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de Direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos interesses financeiros da União. Para a sua aprovação, são tidas em conta a natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações desses princípios.

295.

Não vejo nenhuma incompatibilidade com o princípio da segurança jurídica neste modo de determinação do tipo e do alcance das medidas. Como salienta o Parlamento, a eficácia do mecanismo da condicionalidade financeira assenta no poder conferido à Comissão de propor as medidas corretivas adequadas às especificidades de cada caso concreto. Em todo o caso, a Comissão deve justificar e fundamentar as medidas que propõe ao Conselho e estas estão sujeitas à fiscalização jurisdicional do Tribunal de Justiça.

296.

Quanto à (alegada) inexistência de nexo direto entre as violações e as medidas corretivas, devido ao facto de que, em conformidade com o último período do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092, «[a]s medidas visam especificamente, na medida do possível ( 149 ), as ações da União afetadas pelas violações», a argumentação do Governo húngaro parece‑me, novamente, pouco convincente.

297.

Não vejo nessa disposição nenhuma incompatibilidade com o princípio da segurança jurídica, uma vez que há situações em que não é possível, ex ante, prever quais as respostas que melhor corresponderão às condutas ilícitas. É lógico que a Comissão e o Conselho beneficiem da possibilidade de adotar medidas corretivas, incluindo as «cruzadas» nos termos já referidos ( 150 ), desde que o justifiquem de forma adequada e com a fiscalização posterior do Tribunal de Justiça.

298.

Em quarto lugar, o Governo húngaro alega que o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do Regulamento 2020/2092, viola o princípio da segurança jurídica, uma vez que não define de forma suficientemente precisa as informações que a Comissão deve ter em conta no âmbito das suas avaliações.

299.

Este argumento também deve ser rejeitado. A Comissão deve demonstrar as violações dos princípios do Estado de Direito e a proporcionalidade das medidas corretivas que considera adequadas para reverter essas violações. Parece‑me lógico que, para esse efeito, possa recolher informações junto de todas as fontes de que dispõe, como prevê o artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092. Se o Estado infrator considerar que essas informações não são corretas, dispõe de duas rondas de consultas para as contestar perante a Comissão, antes de esta propor medidas ao Conselho.

300.

Em face destas considerações, o terceiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

VIII. Fundamentos de anulação parcial de diversas disposições do Regulamento 2020/2092

301.

Com o quarto a nono fundamentos do seu recurso, o Governo húngaro pede a anulação de diversas disposições do Regulamento 2020/2092 utilizando argumentos que, na sua maioria, reproduzem os invocados nos três primeiros fundamentos de anulação.

302.

Para o Tribunal de Justiça, a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis da parte restante do ato. Esse pressuposto não está preenchido quando a anulação parcial de um ato tenha por efeito alterar a sua essência ( 151 ).

303.

De acordo com esta jurisprudência, o quarto fundamento do recurso do Governo húngaro, em que pede a anulação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, é inadmissível, uma vez que esta disposição corresponde à essência do próprio regulamento, na medida em que fixa as condições de adoção das medidas corretivas devido às violações dos princípios do Estado de Direito que tenham um nexo direto com a execução do orçamento da União. Sem este artigo, o Regulamento 2020/2092 não poderia ser aplicado.

304.

O mesmo raciocínio é válido para o sétimo e oitavo fundamentos, em que o Governo húngaro pede a anulação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092, que fixa os critérios para a adoção das medidas corretivas. Um mecanismo de condicionalidade financeira sem possibilidade de aplicação de medidas corretivas, por falta de critérios, seria inútil, pelo que esse artigo é essencial para a execução do regulamento impugnado.

305.

Em todo o caso, analisarei todos os fundamentos de anulação parcial, incluindo os três que me parecem inadmissíveis, para o caso de o Tribunal de Justiça considerar que deve conhecer de mérito.

A.   Quarto fundamento de recurso: artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092

1. Argumentos das partes

306.

Segundo o Governo húngaro, o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, na medida em que autoriza a adoção de medidas corretivas em caso de risco sério para a boa gestão financeira ou para os interesses financeiros da União, viola os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica.

307.

Acrescenta que admitir tal possibilidade, não prevista noutras normas financeiras da União, dispensaria a Comissão da obrigação de proceder a uma avaliação objetiva para prova do nexo de uma violação dos princípios do Estado de Direito com a execução do orçamento da União.

308.

O Parlamento e o Conselho contestam esta argumentação do Governo húngaro.

2. Apreciação

309.

O artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, autoriza a adoção de medidas corretivas sempre que «[…] as violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro […] são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos interesses financeiros da União» ( 152 ).

310.

Outras regras financeiras da União preveem medidas análogas, tanto para as situações em que as violações ocorreram como para aquelas em que existe um risco de que venham a ocorrer. Servem como exemplos:

O artigo 63.o, n.o 2, segundo e quarto parágrafos, do Regulamento Financeiro, que diz respeito à gestão partilhada entre a União e os Estados‑Membros e impõe a estes Estados controlos ex ante, incluindo verificações no local de amostras de operações representativas e/ou baseadas no risco. Além disso, «[n]o âmbito da sua avaliação dos riscos e em conformidade com as regras setoriais, a Comissão acompanha os sistemas de gestão e controlo estabelecidos nos Estados‑Membros. Nas suas atividades de auditoria, a Comissão […] tem em conta o nível de risco avaliado em conformidade com as regras setoriais».

O artigo 104.o do Regulamento relativo a disposições comuns 2021‑2027 dispõe que «[a] Comissão efetua correções financeiras reduzindo o apoio dos Fundos ao programa, se concluir que [e]xiste uma deficiência grave que pôs em risco o apoio dos Fundos já pago ao programa».

O Regulamento Financeiro (artigos 135.o a 143.o) estabelece um sistema de deteção precoce para excluir da atribuição de fundos do orçamento da União os requerentes e beneficiários que se encontrem em situações que constituam um risco para os interesses financeiros da União.

311.

Ter apenas em conta as violações já consumadas (das regras da União) e não o risco sério de que ocorram é incompatível com a boa gestão financeira do orçamento da União, prevista no artigo 317.o TFUE. Uma boa gestão financeira implica remediar as violações já cometidas, mas também ponderar a suscetibilidade (na medida em que seja séria e credível) de que essas violações venham a ocorrer e tenham consequências financeiras indesejáveis.

312.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça confirma a utilização do critério do risco sério para adotar, em relação aos Estados‑Membros, correções financeiras ou outras medidas protetoras do orçamento da União, quando esses Estados aplicam controlos insuficientes, sem que seja necessário provar uma perda real e efetiva ( 153 ).

313.

No Regulamento 2020/2092, a apreciação do risco sério de violações de um princípio do Estado de Direito diretamente ligado à execução orçamental, enquanto critério para a adoção de medidas corretivas, parece‑me particularmente pertinente, tendo em conta a natureza horizontal do mecanismo da condicionalidade.

314.

Por si só, as falhas generalizadas das autoridades nacionais quanto à observância dos princípios do Estado de Direito no que respeita ao orçamento são suscetíveis de constituir um risco para a boa gestão deste e para os interesses financeiros da União.

315.

O artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092, abrange as violações seriamente suscetíveis de afetar o orçamento ou os interesses financeiros da União. Respeita, assim, as exigências do princípio da proporcionalidade, uma vez que as medidas de reação perante uma situação de risco devem corresponder à intensidade deste e ao seu impacto no orçamento ou nos interesses financeiros da União. Isto é corroborado pelo artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento 2020/2092.

316.

Contrariamente ao que alega o Governo húngaro, não se estabelece uma espécie de presunção de risco que dilua o nexo entre as violações dos princípios do Estado de Direito e a execução do orçamento da União. A Comissão não está dispensada, em nenhum momento, da sua obrigação de provar a existência da suscetibilidade ou do risco que, insisto, deve ser sério, real e não puramente hipotético.

317.

Nestas condições, o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2020/2092 é compatível com o princípio da segurança jurídica, pelo que o quarto fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

B.   Quinto fundamento de recurso: artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do Regulamento 2020/2092

318.

Para o Governo húngaro, o artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do Regulamento 2020/2092, não fornece uma definição precisa das situações em que podem ser cometidas violações dos princípios do Estado de Direito. Entende que, ao referir‑se, sem detalhes adicionais, a «[o]utras situações ou condutas, por parte das autoridades», a disposição viola o princípio da segurança jurídica.

319.

O fundamento deve ser julgado improcedente pelas razões expostas na resposta ao terceiro fundamento.

C.   Sexto fundamento de recurso: violação do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092

1. Argumentos das partes

320.

Segundo o Governo húngaro, o mandato do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092 (em substância, o de o Estado‑Membro contra o qual são tomadas medidas continuar a financiar os beneficiários finais dos programas):

É incompatível com a base jurídica desse regulamento, uma vez que a obrigação tem impacto nos orçamentos dos Estados‑Membros.

Viola as disposições do direito da União em matéria de défice orçamental e o princípio da igualdade entre os Estados‑Membros.

321.

O Parlamento e o Conselho contestam esta argumentação, reiterando, como já fizeram no âmbito do primeiro fundamento do recurso, que o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092, não impõe nenhuma obrigação adicional às já existentes e é indispensável para assegurar a proteção dos direitos adquiridos pelos beneficiários. Além disso, sublinham que a responsabilidade de alcançar os objetivos em matéria de défice orçamental incumbe ao Estado‑Membro, em conformidade com as suas próprias opções legislativas, sob reserva de respeitar as normas da União (entre as quais o próprio Regulamento 2020/2092).

2. Apreciação

322.

Quanto à compatibilidade do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2020/2092, com a base jurídica do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, já me pronunciei no âmbito da análise do primeiro fundamento do recurso.

323.

Quanto à (in)compatibilidade dessa disposição com as normas da União relativas ao controlo dos défices orçamentais excessivos, não concordo com a análise do Governo húngaro.

324.

Cada Estado‑Membro (sobretudo se não pertencer à zona euro) tem capacidade para elaborar e controlar os seus orçamentos, devendo apenas respeitar os limites que o direito da União estabelece. O Regulamento 2020/2092 não interfere na liberdade de os Estados‑Membros, dentro desses limites, determinarem as suas próprias opções orçamentais relativas a receitas e a despesas públicas.

325.

No exercício desse poder orçamental, é certo que o Estado‑Membro deve assumir os custos das correções financeiras impostas no âmbito do Regulamento 2020/2092 e, nomeadamente, as que decorrem da obrigação de respeitar a exigência de continuar a financiar os beneficiários finais dos programas.

326.

Quanto à (alegada) maior facilidade dos grandes Estados em assumir esta obrigação, a igualdade entre os Estados‑Membros não é posta em causa quando o Regulamento 2020/2092 impõe a todos os Estados um dever idêntico de manter o financiamento dos beneficiários finais.

327.

Além disso, o financiamento recebido do orçamento da União por um Estado‑Membro está geralmente relacionado com o peso económico e com a população desse Estado, enquanto fatores relevantes. Os Estados com menor peso económico e população serão beneficiários de programas da União de modo proporcional às suas características específicas. Por conseguinte, as correções financeiras relativas a violações dos princípios do Estado de Direito irão afetá‑los nessa mesma medida.

328.

O facto de o Estado, independentemente do seu peso económico e da sua população, ser contribuinte líquido ou beneficiário líquido dos fundos da União não altera esta situação. Logicamente, os beneficiários líquidos de fundos do orçamento da União estão proporcionalmente mais expostos ao mecanismo da condicionalidade financeira do que os contribuintes líquidos, mas este facto é inevitável e não gera qualquer discriminação entre os Estados‑Membros.

329.

Por conseguinte, o sexto fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

D.   Sétimo fundamento de recurso: artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do Regulamento 2020/2092

330.

Para o Governo húngaro, o artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do Regulamento 2020/2092 (nos termos do qual «[a] natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito são devidamente tidos em conta») é incompatível com a base jurídica do regulamento e com o artigo 7.o TUE. Considera que esta previsão não está relacionada com o orçamento ou os interesses financeiros da União e que, além disso, lhe falta a precisão exigida pelo princípio da segurança jurídica.

331.

Estes argumentos devem ser rejeitados pelos motivos invocados no âmbito da análise do primeiro e terceiro fundamentos.

E.   Oitavo fundamento de recurso: artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do Regulamento 2020/2029

332.

O Governo húngaro alega que o artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do Regulamento 2020/2092 («[a]s medidas visam especificamente, na medida do possível, as ações da União afetadas pelas violações»), não garante a existência de uma relação direta entre a violação dos princípios do Estado de Direito constatada concretamente e as medidas a adotar. Na sua opinião, a disposição viola tanto o princípio da proporcionalidade como o princípio da segurança jurídica.

333.

A improcedência deste fundamento resulta dos argumentos desenvolvidos no âmbito da análise do primeiro e terceiro fundamentos.

F.   Nono fundamento de recurso: artigo 6.o, n.os 3 e 8, do Regulamento 2020/2092

334.

O Governo húngaro considera que o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do Regulamento 2020/2092 (nos termos do qual a Comissão tem em conta as «informações pertinentes provenientes das fontes disponíveis, incluindo as decisões, conclusões e recomendações das instituições da União, de outras organizações internacionais pertinentes e de outras instituições reconhecidas») viola o princípio da segurança jurídica, uma vez que não define de forma adequada as referências e as fontes a utilizar.

335.

A improcedência deste fundamento resulta dos argumentos desenvolvidos no âmbito da análise do terceiro fundamento.

IX. Quanto às despesas

336.

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e o Conselho pedido a condenação da Hungria e sendo esta vencida, há que condená‑la nas despesas.

337.

Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a Comissão Europeia, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Polónia, a República da Finlândia e o Reino da Suécia suportarão as suas próprias despesas.

X. Conclusão

338.

Atendendo a estas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que:

1)

Indefira o pedido incidental do Conselho de não serem tidas em conta as passagens da petição da Hungria e dos seus anexos que referem, reproduzem o conteúdo ou refletem a análise efetuada no parecer do Serviço Jurídico do Conselho (documento 13593/18 do Conselho) de 25 de outubro de 2018.

2)

Julgue improcedentes os primeiro, segundo e terceiro fundamentos do recurso interposto pela Hungria contra o Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2020, relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União, em que se pede a sua anulação.

3)

Declare inadmissíveis o quarto, sétimo e oitavo fundamentos e julgue improcedentes o quinto, sexto e nono fundamentos do recurso, em que se pede, a título subsidiário, a anulação dos artigos 4.o, n.o 1, 4.o, n.o 2, alínea h), 5.o, n.o 2, 5.o, n.o 3, penúltimo período, 5.o, n.o 3, último período, e 6.o, n.os 3 e 8, do Regulamento 2020/2092.

4)

Condene a Hungria a suportar, além das suas próprias despesas, as do Parlamento Europeu e do Conselho.

5)

Condene a Comissão Europeia, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Polónia, a República da Finlândia e o Reino da Suécia nas suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) No processo C‑157/21, Polónia/Parlamento e Conselho, a República da Polónia apresenta um pedido idêntico. Nesta mesma data, apresento as minhas conclusões nos dois processos.

( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2020, relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União (JO 2020, L 433I, p. 1).

( 4 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

( 5 ) Em aplicação do artigo 16.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, a Hungria pediu que o processo fosse remetido à Grande Secção.

( 6 ) Artigo do Político, de 29 de outubro de 2018.

( 7 ) Documento identificado pelo Conselho com o número ST 13593 2018 INIT. Os n.os 1 a 8 contêm a introdução e a exposição do quadro jurídico e da matéria de facto, mas omitem a análise jurídica. São públicos desde 18 de dezembro de 2020: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST 13593 2018‑INIT/es/pdf. V., a este respeito, Acórdão do Tribunal Geral de 21 de abril de 2021, Pech/Conselho (T‑252/19, EU:T:2021:203, n.os 2 a 4).

( 8 ) O Tribunal Geral foi confrontado com um pedido semelhante. Despacho de 20 de maio de 2020, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (T‑526/19, EU:T:2020:210), atualmente em recurso e no qual existem Conclusões do advogado‑geral M. Bobek de 6 de outubro de 2021Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (C‑348/20 P, EU:C:2021:831).

( 9 )

( 10 ) Decisão do Conselho, de 1 de dezembro de 2009, que adota o seu Regulamento Interno (JO 2009, L 325, p. 35). Nos termos do seu artigo 6.o, n.o 2, «[o] Conselho ou o Coreper podem autorizar a apresentação em tribunal de cópias ou extratos de documentos do Conselho que não tenham sido ainda facultados ao público de acordo com as disposições em matéria de acesso do público aos documentos».

( 11 ) Artigo 5.o: «[q]uando um Estado‑Membro apresenta um pedido ao Conselho, este é tratado em conformidade com os artigos 7.o e 8.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 e com as disposições pertinentes do presente anexo. Em caso de recusa total ou parcial de acesso, o requerente é informado de que um eventual pedido confirmativo deve ser enviado diretamente ao Conselho».

( 12 ) Nota do Conselho de 10 de abril de 2018, relativa ao tratamento de documentos a nível interno do Conselho, em https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST‑7695‑2018‑INIT/pt/pdf.

( 13 ) Ponto 20: «[o]s documentos “LIMITE” não podem ser facultados ao público sem que tenha sido tomada uma decisão nesse sentido por funcionários devidamente autorizados do Conselho, pelas administrações nacionais dos Estados‑Membros (cf. ponto 21) ou, se necessário, pelo Conselho, nos termos do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 e do Regulamento Interno do Conselho».

Ponto 21: «[n]ão é permitido ao pessoal de nenhuma instituição ou órgão da UE, que não seja o Conselho, decidir autonomamente facultar documentos “LIMITE” ao público sem consultar previamente o Secretariado‑Geral do Conselho (SGC). O pessoal das administrações nacionais dos Estados‑Membros deverá consultar o SGC antes de tomar tal decisão, a menos que seja evidente que o documento em questão pode ser divulgado, nos termos do artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001».

Ponto 22: «[o] conteúdo dos documentos “LIMITE” apenas pode ser publicado em sítios Internet seguros ou em plataformas baseadas na web aprovadas pelo Conselho ou com acesso protegido (como o Portal dos Delegados)».

( 14 ) Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia (C‑457/18, EU:C:2020:65; a seguir «Acórdão Eslovénia/Croácia», n.o 67); e Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438; a seguir «Despacho Hungria/Parlamento», n.os 9, 12 e 13).

( 15 ) Acórdão Eslovénia/Croácia, n.o 66, com referência ao Despacho Hungria/Parlamento, n.os 8 e 9.

( 16 ) Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374; a seguir «Acórdão Suécia e Turco/Conselho», n.o 42).

( 17 ) Ibidem, n.o 36.

( 18 ) V., neste sentido, Acórdãos Suécia e Turco/Conselho, n.o 38 a 44; de 3 de julho de 2014, Conselho/in’t Veld (C‑350/12 P, EU:C:2014:2039, n.o 96); e o Despacho Hungria/Parlamento, n.o 11.

( 19 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018 (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.os 73 a 75); e Despacho Hungria/Parlamento, n.o 13.

( 20 ) Acórdão Eslovénia/Croácia, n.o 70.

( 21 ) Despacho Hungria/Parlamento, n.o 14; e Acórdão Eslovénia/Croácia, n.o 68.

( 22 ) Acórdão Suécia e Turco/Conselho, n.o 54.

( 23 ) Ibidem, n.o 59.

( 24 ) Ibidem, n.os 62 a 66.

( 25 ) Ibidem, n.os 68 e 69.

( 26 ) Uma destas decisões de recusa do Conselho é a que o Tribunal Geral anulou no Acórdão de 21 de abril de 2021, Pech/Conselho (T‑252/19, EU:T:2021:203).

( 27 ) Despacho Hungria/Parlamento, n.o 14; e Acórdão Eslovénia/Croácia, n.o 68. Como também expliquei, o Regulamento Interno do Conselho e as suas diretrizes gerais relativas ao acesso aos seus documentos remetem para o Regulamento n.o 1049/2001.

( 28 ) N.o 38 das presentes conclusões.

( 29 ) O Conselho não teve de se pronunciar sobre o parecer do seu Serviço Jurídico na audiência.

( 30 ) Acórdão Suécia e Turco/Conselho, n.o 67.

( 31 ) Ibidem, n.o 59. No mesmo número acrescenta‑se: «[d]e facto, é sobretudo a falta de informação e de debate que é suscetível de fazer nascer dúvidas no espírito dos cidadãos, não só quanto à legalidade de um ato isolado mas também quanto à legitimidade de todo o processo decisório».

( 32 ) Acórdão Suécia e Turco/Conselho, n.os 68 e 71.

( 33 ) Ibidem, n.o 57.

( 34 ) Ibidem, n.o 69.

( 35 ) Ibidem, n.o 64.

( 36 ) V. Louis, J.‑V., «Respect de l’État de droit et protection des finances de l’Union», Cahiers de droit européen, 2020, n.o 1, pp. 3 a 20; e Baraggia, A. e Bonelli, M., «Linking Money to Values: the new Rule of Law Regulation and its constitutional challenges», German Law Journal, na imprensa.

( 37 ) A Hungria é um dos principais beneficiários per capita de fundos estruturais da União com um montante de 25424713942 euros no QFP 2014 a 2020 (2532 euros por habitante) e com uma percentagem elevada dos investimentos públicos do país cofinanciados pela União, segundo os dados da Comissão disponíveis em https://cohesiondata.ec.europa.eu/countries/HU. A República da Polónia destaca‑se como um dos principais beneficiários de fundos estruturais da União, uma vez que recebeu 89990274817 euros (2262 euros por habitante) no QFP 2014 a 2020, segundo os dados da Comissão disponíveis em https://cohesiondata.ec.europa.eu/countries/PL.

( 38 ) Documento COM(2014) 158 final, de 11 de março de 2014, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho: Um novo quadro da UE para reforçar o Estado de direito.

( 39 ) O Parecer do Serviço Jurídico do Conselho n.o 10296/14, de 27 maio de 2014, critica essa Comunicação da Comissão, quando afirma que o respeito do Estado de Direito só pode ser objeto de uma ação por parte das instituições no âmbito do procedimento do artigo 7.o TUE ou se existir outra competência material específica.

( 40 ) Documento COM(2019) 163 final, de 3 de abril de 2019, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho: Prosseguir o reforço do Estado de Direito na União. Ponto da situação e eventuais medidas futuras; Documento COM(2019) 343 final, de 17 de julho de 2019, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões: Reforçar o Estado de Direito na União. Plano de Ação.

( 41 ) V., para os anos 2020 e 2021, Documento COM(2020) 580 final, de 30 de setembro de 2020, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Relatório de 2020 sobre o Estado de Direito. Situação na União Europeia; bem como documento COM(2021) 700 final, de 20 de julho de 2021, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Relatório de 2021 sobre o Estado de Direito. Situação na União Europeia.

( 42 ) Documento COM(2018) 324 final, de 2 de maio de 2018, Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados‑Membros.

( 43 ) V. Parecer n.o 1/2018 do Tribunal de Contas sobre a proposta, de 2 de maio de 2018, de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados‑Membros (JO 2018, C 291, p. 1).

( 44 ) Documento EUCO 10/20, anexo, n.os 22 e 23, Conclusões do Conselho Europeu de 21 de julho de 2020.

( 45 ) V. Rubio, E., Rule of Law Conditionalitywhat could an acceptable compromise look like?, Institut Jacques Delors Policy Brief, outubro 2020; Dimitrovs, A., e Droste, H., «Conditionality Mechanism: What’s In It?», VerfBlog, 2020/12/30, https://verfassungsblog.de/conditionality‑mechanism‑whats‑in‑it/.

( 46 ) Documento EUCO 22/20, n.o 2, Conclusões do Conselho Europeu de 11 de dezembro de 2020. V. críticas a essas conclusões de Beramdane, A., «Conditionnalité budgétaire ou conditionnalité de l’État de droit?», Revue du droit de l’Union européenne, 2021, n.o 1, p. 155; Scheppele, K. L., Pech, L. e Platon, S., «Compromising the Rule of Law while Compromising on the Rule of Law», VerfBlog, 2020/12/13, https://verfassungsblog.de/compromising‑the‑rule‑of‑law‑while‑compromising‑on‑the‑rule‑of‑law/; e de Alemanno, A. e Chamon, M, «To Save the Rule of Law you Must Apparently Break It», VerfBlog, 2020/12/11, https://verfassungsblog.de/to‑save‑the‑rule‑of‑law‑you‑must‑apparently‑break‑it/, para quem o Conselho Europeu agiu ultra vires.

( 47 ) V. análise pormenorizada em Editorial Comments, «Compromising (on) the general conditionality mechanism and the rule of law», Common Market Law Review, 2021, n.o 2, pp. 267 a 284.

( 48 ) Esta afirmação está em consonância com a conceção do regulamento como um instrumento de condicionalidade orçamental diferente do mecanismo de proteção do Estado de Direito.

( 49 ) O Parlamento manifestou a sua oposição a este compromisso e criticou a Comissão por aceitar a necessidade de criar diretrizes para a aplicação do Regulamento 2020/2092 e por condicionar a adoção destas ao acórdão do Tribunal de Justiça sobre os eventuais recursos de anulação do referido regulamento. V. Resolução do Parlamento Europeu, de 8 de julho de 2021, sobre a criação de diretrizes para a aplicação do regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União (2021/2071(INI)). Em dezembro de 2021, as diretrizes ainda não foram adotadas, pelo que a aplicação do regulamento se encontra de facto suspensa.

( 50 ) Quanto a esta última afirmação, v. nota 53 das presentes conclusões.

( 51 ) Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de dezembro de 2020, sobre o Quadro Financeiro Plurianual 2021‑2027, o Acordo Interinstitucional, o Instrumento de Recuperação da UE e o Regulamento relativo ao Estado de Direito (2020/2923(RSP), nomeadamente, n.o 4.

( 52 ) Considerando 7 do Regulamento do Conselho, de 14 de dezembro de 2020, que cria um Instrumento de Recuperação da União Europeia para apoiar a recuperação na sequência da crise da COVID‑19 (JO 2020, L 433I, p. 23). V., igualmente, artigo 8.o do Regulamento 2021/241.

( 53 ) O considerando 15 do Regulamento 2020/2092 enuncia que «[a]s violações dos princípios do Estado de direito, em particular as que afetam o correto funcionamento das autoridades públicas e a fiscalização jurisdicional efetiva, podem lesar gravemente os interesses financeiros da União. Tal pode acontecer em consequência de violações pontuais dos princípios do Estado de direito, e mais ainda em consequência de violações generalizadas ou decorrentes de práticas ou omissões recorrentes por parte das autoridades públicas ou de medidas gerais adotadas por essas autoridades». Note‑se que, numa posição dissonante, nos termos das Conclusões do Conselho Europeu de 11 de dezembro de 2020, «[o] regulamento não diz respeito às deficiências generalizadas». Esta constatação não está em conformidade com o que é enunciado nesse considerando pelo que não pode ter impacto na interpretação do Regulamento 2020/2092.

( 54 ) Em 20 de outubro de 2021, o Presidente do Parlamento Europeu pediu ao Serviço Jurídico dessa instituição que preparasse uma petição contra a Comissão Europeia por não aplicação do Regulamento 2020/2092. Essa petição está na origem da ação por omissão C‑657/21, Parlamento Europeu/Comissão, pendente no Tribunal de Justiça.

( 55 ) Para o QFP 2021‑2027, trata‑se da Decisão (UE, Euratom) 2020/2053 do Conselho, de 14 de dezembro de 2020, relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia e que revoga a Decisão 2014/335/UE, Euratom (JO 2020, L 424, p. 1).

( 56 ) V. Lenaerts, K. e Adam, S., «La solidarité, valeur commune aux États membres et principe fédératif de l’Union européenne», Cahiers de droit européen, 2021, n.o 2, pp. 307 a 417.

( 57 ) Regulamento (UE, Euratom) 2020/2093 do Conselho, de 17 de dezembro de 2020, que estabelece o quadro financeiro plurianual para o período de 2021 a 2027 (JO 2020, L 433I, p. 11).

( 58 ) Este instrumento habilita a Comissão, a título excecional, a contrair temporariamente, em nome da União, empréstimos nos mercados de capitais no valor máximo de 750 mil milhões de euros, dos quais um máximo de 360 mil milhões a utilizar na concessão de empréstimos e um montante máximo de 390 mil milhões para cobrir despesas, servindo estes dois montantes exclusivamente para fazer face às consequências da crise provocada pela COVID‑19. Como já afirmei nas minhas Conclusões de 18 de março de 2021, Alemanha/Polónia (C‑848/19, EU:C:2021:218, nota 43), constitui o maior esforço de solidariedade realizado pela União na sua história.

( 59 ) O artigo 310.o, n.o 5, TFUE, prevê que «[o] orçamento é executado de acordo com o princípio da boa gestão financeira. Os Estados‑Membros cooperam com a União a fim de assegurar que as dotações inscritas no orçamento sejam utilizadas de acordo com esse princípio».

( 60 ) Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1296/2013 (UE) n.o 1301/2013 (UE) n.o 1303/2013, (UE) n.o 1304/2013 (UE) n.o 1309/2013 (UE) n.o 1316/2013 (UE) n.o 223/2014 e (UE) n.o 283/2014, e a Decisão n.o 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1) (a seguir «Regulamento Financeiro»).

( 61 ) O artigo 63.o do Regulamento Financeiro prevê que, «[c]aso a Comissão execute o orçamento em regime de gestão partilhada, as tarefas de execução do orçamento são delegadas nos Estados‑Membros. A Comissão e os Estados‑Membros respeitam os princípios da boa gestão financeira, da transparência e da não discriminação, e garantem a notoriedade da ação da União na gestão dos fundos da União. Para o efeito, a Comissão e os Estados‑Membros cumprem as suas respetivas obrigações de controlo e de auditoria e assumem as responsabilidades delas decorrentes, estabelecidas no presente regulamento. São previstas disposições complementares nas regras setoriais».

( 62 ) Nos Estados Unidos, as instituições federais utilizaram, nas suas relações com os Estados federados e com as entidades locais, a condicionalidade financeira para subordinar a concessão dos fundos do orçamento federal ao respeito, nomeadamente, da proibição da segregação racial na educação e nos locais de trabalho, ao estabelecimento de um salário mínimo, à criação de uma administração pública independente ou à determinação de uma velocidade máxima nas autoestradas de todo o país. O fundamento desta condicionalidade financeira federal encontra‑se no artigo I, secção 8, cláusula 1, da Constituição americana (the Spending Clause of the Constitution), que confere ao Congresso poder «to lay and collect Taxes, […] to […] provide for the […] general Welfare of the United States»). O Tribunal Supremo americano fixou as condições de utilização desta condicionalidade nomeadamente nos Acórdãos, South Dakota v. Dole, 483 U.S. 203 (1987), e NFIB v. Sebelius, 567 U.S. 519 (2012). V. Yeh, Brian T., The Federal Government’s Authority to Impose Conditions on Grant Funds, Congressional Research Service, 2017, em https://sgp.fas.org/crs/misc/R44797.pdf; e Margulies, P., «Deconstructing Sanctuary Cities: The Legality of Federal Grant Conditions That Require State and Local Cooperation on Immigration Enforcement», Wash. & Lee L. Rev. 2018, p. 1507.

( 63 ) V. Viță, V., «Revisiting the Dominant Discourse on Conditionality in the EU: The Case of EU Spending Conditionality», Cambridge Yearbook of European Legal Studies, 2017, pp. 116 a 143.

( 64 ) V. Viță, V., Conditionalities in Cohesion Policy, Research for REGI Committee, European Parliament, Policy Department for Structural and Cohesion Policies, Bruxelas, 2018.

( 65 ) Regulamento (UE) 2021/1060 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de junho de 2021, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu Mais, ao Fundo de Coesão, ao Fundo para uma Transição Justa e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura e regras financeiras aplicáveis a esses fundos e ao Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, ao Fundo para a Segurança Interna e ao Instrumento de Apoio Financeiro à Gestão das Fronteiras e à Política de Vistos (JO 2021, L 231, p. 159; a seguir «Regulamento relativo a disposições comuns 2021‑2027»). Este regulamento reforça os mecanismos de condicionalidade já previstos para o QFP 2014‑2020 no Regulamento (UE) n.o 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 320).

( 66 ) Por outro lado, o anexo IV contém as «condições habilitadoras temáticas aplicáveis ao FEDER, ao FSE+ e ao Fundo de Coesão […]».

( 67 ) Decisão de 26 de novembro de 2009, relativa à celebração, pela Comunidade Europeia, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (JO 2010, L 23, p. 35).

( 68 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, sobre prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconómicos (JO 2011, L 306, p. 25).

( 69 ) Regulamento do Conselho, de 18 de fevereiro de 2002, que estabelece um mecanismo de apoio financeiro a médio prazo às balanças de pagamentos dos Estados‑Membros (JO 2002, L 53, p. 1).

( 70 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, relativo ao reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados‑Membros da área do euro afetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira (JO 2013, L 140, p. 1).

( 71 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (JO 2021, L 57, p. 17).

( 72 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2021, que cria, no âmbito do Fundo de Gestão Integrada das Fronteiras, o Instrumento de Apoio Financeiro à Gestão das Fronteiras e à Política de Vistos (JO 2021, L 251, p. 48).

( 73 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de julho de 2021, relativo ao mecanismo de crédito ao setor público ao abrigo do Mecanismo para uma Transição Justa (JO 2021, L 274, p. 1).

( 74 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.o 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 608).

( 75 ) Por exemplo, o respeito pelo Estado‑Membro das exigências de equilíbrio macroeconómico condiciona a receção de pagamentos dos fundos estruturais, como o FEDER ou o FSE.

( 76 ) Considerando 6 do Regulamento 2020/2092.

( 77 ) Da jurisprudência relativa à condicionalidade ambiental nos pagamentos diretos aos agricultores, podem ser referidos os Acórdãos de 27 de janeiro de 2021, De Ruiter (C‑361/19, EU:C:2021:71, n.os 31 a 41); e de 25 de julho de 2018, Teglgaard e Fløjstrupgård (C‑239/17, EU:C:2018:597, n.os 42 e segs.). No Acórdão de 7 de agosto de 2018, Argo Kalda Mardi talu (C‑435/17, EU:C:2018:637, n.o 39), afirma‑se que, «[s]egundo o artigo 93.o deste último regulamento [n. 1306/2013], as normas em matéria de boas condições agrícolas e ambientais fazem parte das regras de condicionalidade que, tal como previsto no artigo 91.o do referido regulamento, devem ser respeitadas sob pena de uma sanção administrativa. Estas normas são definidas a nível nacional, estão enumeradas no Anexo II do mesmo regulamento e dizem respeito, nomeadamente, ao domínio do ambiente».

( 78 ) Acórdão de 27 de novembro 2012 (C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 69): «[…] a rigorosa condicionalidade a que está sujeita a concessão de uma assistência financeira pelo mecanismo de estabilidade, por força n.o 3 do artigo 136.o TFUE, que constitui a disposição que é objeto da revisão do Tratado FUE, visa assegurar que, no seu funcionamento, este mecanismo respeitará o direito da União, incluindo as medidas tomadas pela União no âmbito da coordenação das políticas económicas dos Estados‑Membros».

( 79 ) Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade entre o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República da Estónia, a Irlanda, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a República de Chipre, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, Malta, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Eslovénia, a República Eslovaca e a República da Finlândia, celebrado em Bruxelas, em 2 de fevereiro de 2012.

( 80 ) Acórdão de 27 de novembro 2012, Pringle (C‑370/12, EU:C:2012:756, n.os 111 e 112). Os n.os 154 a 156 referiam‑se à ação da Comissão no âmbito do Tratado MEE para monitorizar a observância da condicionalidade que acompanha o instrumento de assistência financeira. Estas mesmas referências foram feitas no Acórdão de 20 de setembro de 2016, Mallis e Malli/Comissão e BCE (C‑105/15 P, EU:C:2016:702, n.o 54).

( 81 ) A seguir, para evitar repetições, darei por adquirido que os Estados que intervieram na audiência (com exceção, logicamente, da Hungria e da República da Polónia), bem como a Comissão, concordam com as posições do Parlamento e do Conselho.

( 82 ) Acórdãos de 8 de dezembro de 2020, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑626/18, EU:C:2020:1000, n.os 43 a 47); de 8 de dezembro de 2020, Hungria/Parlamento e Conselho (C‑620/128, EU:C:2020:1001, n.os 38 a 42); e de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho (C‑482/17, EU:C:2019:1035).

( 83 ) Acórdão de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho (C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.o 31).

( 84 ) Ibidem, n.o 32.

( 85 ) Ibidem, n.o 38.

( 86 )

( 87 )

( 88 ) V. Martín Rodríguez, P., El Estado de Derecho en la Unión Europea, Marcial Pons, Madrid, 2021, p. 131, para quem «o artigo 322.o TFUE fornece uma base jurídica mais do que suficiente para o estabelecimento dessa condicionalidade financeira, que, aliás, já existia a propósito de conteúdos substantivos específicos do Estado de Direito […]».

( 89 ) O mecanismo europeu de proteção do Estado de Direito, o quadro dos indicadores de justiça na União Europeia, o processo por incumprimento e o processo previsto no artigo 7.o TUE.

( 90 ) Esta declaração conjunta tem a seguinte redação: «Sem prejuízo do direito de iniciativa da Comissão, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão acordam em ponderar a possibilidade de incluir o conteúdo do presente regulamento no Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de julho de 2018 (“Regulamento Financeiro”) aquando da sua próxima revisão». V. seu texto no anexo ao documento COM/2020/843 final, de 14 de dezembro de 2020, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu em conformidade com o artigo 294.o, n.o 6, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia relativa à posição do Conselho sobre a adoção de um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União.

( 91 ) V., nesse sentido, o Parecer n.o 1/2018 do Tribunal de Contas sobre a proposta, de 2 de maio de 2018, de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de Direito nos Estados‑Membros (JO 2018, C 291, p. 1, n.os 10 e 11).

( 92 ) As das alíneas c) («[o] correto funcionamento dos serviços de investigação e do Ministério Público»), d) («[a] fiscalização jurisdicional efetiva, por tribunais independentes») e e) («[a] prevenção e sanção da fraude, incluindo a fraude fiscal, da corrupção ou de outras violações do direito da União»).

( 93 ) Nos termos do artigo 2.o, n.o 59, do Regulamento Financeiro, a «boa gestão financeira» significa «a execução do orçamento de acordo com os princípios de economia, de eficiência e de eficácia».

( 94 ) O Acórdão de 6 de novembro de 2014, Itália/Comissão (C‑385/13 P, EU:C:2014:2350, n.os 68 e 69), prevê a necessidade de uma relação suficientemente direta entre uma alegada violação do direito da União, pelo Estado‑Membro beneficiário, e a medida que é objeto do financiamento solicitado, enquanto elemento que permite à Comissão ordenar a suspensão dos pagamentos de fundos estruturais ao Estado‑Membro.

( 95 ) Martín Rodríguez, P., op. cit., p. 133, sublinha igualmente que a chave interpretativa do Regulamento 2020/2092 reside na exigência de que essa violação afete «de forma suficientemente direta».

( 96 ) O editorial da European Papers, 2020, n.o 5, pp. 1101 a 1104, qualifica de probatio diabólica para a Comissão o requisito de demonstrar que a violação do Estado de Direito diz exclusivamente respeito à proteção dos interesses financeiros da União. Acrescenta que esse requisito «will presumably render inoperative the conditionality mechanism» e que o Regulamento 2020/2092 «appears to be doomed to fail» se for apenas aplicável às condutas dos Estados que afetem a boa gestão financeira do orçamento da União.

( 97 ) Nas Conclusões do Conselho Europeu de 11 de dezembro de 2020, n.o 2, alínea e), reafirma‑se que «o nexo de causalidade entre essas violações e as consequências negativas para os interesses financeiros da União terá de ser suficientemente direto e devidamente estabelecido. A mera constatação da existência de uma violação do Estado de direito não é suficiente para desencadear o mecanismo».

( 98 ) O Conselho Europeu de 11 de dezembro de 2020 nas suas conclusões, n.o 2, alínea h), vai mais longe do que o texto do regulamento ao afirmar que, «[s]e tais informações e constatações [em que a Comissão baseie a sua avaliação], seja qual for a sua origem, forem utilizadas para efeitos do regulamento, a Comissão assegurará que a sua pertinência e utilização sejam determinadas exclusivamente à luz do objetivo de proteger os interesses financeiros da União visado pelo regulamento».

( 99 ) Nos termos do artigo 61.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro, «[p]ara efeitos do n.o 1, existe um conflito de interesses caso o exercício imparcial e objetivo das funções de um interveniente financeiro ou de outra pessoa, a que se refere o n.o 1, se veja comprometido por motivos familiares, afetivos, de afinidade política ou nacional, de interesse económico, ou por qualquer outro interesse pessoal direto ou indireto».

( 100 ) Nas Conclusões do Conselho Europeu de 11 de dezembro de 2020, n.o 2, alínea d), declarou‑se que «[a] aplicação do mecanismo respeitará o seu caráter subsidiário. Só serão ponderadas medidas nos termos do mecanismo se outros procedimentos previstos no direito da União, inclusive nos termos do Regulamento Disposições Comuns, do Regulamento Financeiro ou dos procedimentos de infração estabelecidos no Tratado, não permitirem uma proteção mais eficaz do orçamento da União».

( 101 ) V., por analogia, jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual «[…] a obrigação de restituir um benefício indevidamente recebido através de uma prática irregular não constitui uma sanção, mas antes a simples consequência da constatação de que as condições exigidas para a obtenção do benefício resultante da regulamentação da União não foram respeitadas, tornando indevido o benefício concedido» [Acórdãos de 1 de outubro de 2020, Elme Messer Metalurgs (C‑743/18, EU:C:2020:767, n.o 64); e de 26 de maio de 2016, Județul Neamț e Județul Bacău (C‑260/14 e C‑261/14, EU:C:2016:360, n.o 50 e jurisprudência aí referida)].

( 102 ) Se o Tribunal de Justiça não aceitasse esta abordagem, devido à fragilidade do nexo com a violação do Estado de Direito, deveria anular apenas a expressão «na medida do possível» do artigo 5.o, n.o 3, in fine, do Regulamento 2020/2092 (que não tem natureza substancial), de modo que a sua redação se limitasse a prever que «as medidas visam especificamente as ações da União afetadas pelas violações».

( 103 ) V. a sua transcrição no n.o 11 das presentes conclusões.

( 104 ) Para defender os beneficiários, o Conselho invoca a proteção dos seus direitos adquiridos e da sua confiança legítima, bem como o princípio segundo o qual a atuação contra a violação de uma obrigação não pode implicar outra violação.

( 105 ) No que respeita à gestão dos fundos do FEDER, o Tribunal de Justiça declarou que assim deveria ser mesmo que a recuperação dos montantes não fosse possível, «[…] sempre que se prove que essa impossibilidade é a consequência de erro ou negligência da parte desse Estado‑Membro» [Acórdão de 1 de outubro de 2020, Elme Messer Metalurgs (C‑743/18, EU:C:2020:767, n.o 71)].

( 106 ) Quanto à regulamentação anterior e à jurisprudência relativa às correções financeiras, v. Guillem Carrau, J., «Las correcciones financieras en materia de fondos estructurales», Revista Aragonesa de Administración Pública, 2018, n.o 51, pp. 281 a 319.

( 107 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 352/78 (CE) n.o 165/94 (CE) n.o 2799/98 (CE) n.o 814/2000 (CE) n.o 1290/2005 e (CE) n.o 485/2008 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 549). O seu artigo 11.o prevê: «Salvo disposição expressa em contrário estabelecida no direito da União, os pagamentos relativos aos financiamentos previstos no presente regulamento são efetuados na íntegra aos beneficiários».

( 108 ) V., neste sentido, Martín Rodríguez, P., op.cit., pp. 99 a 101.

( 109 ) V. Rossi, L. S., «La valeur juridique des valeurs. L’article 2 TUE: relations avec d’autres dispositions de droit primaire de l’UE et remèdes juridictionnels», Revue trimestrielle de droit européen, 2020, n.o 3, pp. 639 a 657.

( 110 ) O Tribunal de Justiça afirma que «a União agrupa Estados que aderiram livre e voluntariamente aos valores comuns atualmente referidos no artigo 2.o TUE, que respeitam esses valores e que estão empenhados em promovê‑los. Decorre, em especial, do artigo 2.o TUE que a União se funda em valores, como o Estado de direito, que são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada, designadamente, pela justiça. A este respeito, cumpre salientar que a confiança mútua entre os Estados‑Membros e, designadamente, os seus órgãos jurisdicionais assenta na premissa fundamental segundo a qual os Estados‑Membros partilham de uma série de valores comuns em que a União se funda, como precisado nesse artigo» [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596 n.o 50); de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.os 42 e 43); e de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 160)].

( 111 ) Acórdão de 17 de dezembro 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.os 57 e 58); e de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 71 e 72). O Tribunal de Justiça recorre à proteção do Estado de Direito para identificar um fundamento suplementar de recusa da execução deste tipo de mandados.

( 112 ) Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro) (C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.os 48 a 50).

( 113 ) Acórdão de 17 de dezembro 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 69).

( 114 ) Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596 n.o 58); e de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 51).

( 115 ) Segundo o Tribunal de Justiça, a «exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que é inerente à missão de julgar, faz parte do conteúdo essencial do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo previsto no artigo 47.o da Carta, que reveste importância essencial enquanto garante da proteção de todos os direitos que o direito da União confere aos litigantes e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente do valor do Estado de direito». Acórdãos de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596, n.os 51 e 58); de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 51); e de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 162).

( 116 ) Como o processo de apuramento das contas do FEOGA ou os procedimentos de suspensão ou de supressão de apoios estruturais.

( 117 ) Acórdãos de 11 de janeiro de 2001, Grécia/Comissão (C‑247/98, EU:C:2001:4, n.o 13); e de 7 de fevereiro de 1979, França/Comissão (15/76 e 16/76, EU:C:1979:29, n.os 27 e 28).

( 118 ) O processo de apuramento das contas tem como objetivo não só verificar a realidade e a legalidade das despesas, mas também a correta repartição, entre os Estados‑Membros e a União, dos encargos financeiros que resultam da política agrícola comum. V. Acórdão de 11 de janeiro de 2001, Grécia/Comissão (C‑247/98, EU:C:2001:4, n.os 13 e 14).

( 119 ) Acórdão de 25 de outubro de 2007, Komninou e o./Comissão (C‑167/06 P, EU:C:2007:633, n.o 52); Despacho de 11 de julho de 1996, An Taisce e WWF UK/Comissão (C‑325/94 P, não publicado, EU:C:1996:293, n.o 23). V. também Acórdão do Tribunal Geral de 26 de fevereiro de 2013, Espanha/Comissão (T‑65/10, T‑113/10 e T‑138/10, EU:T:2013:93, n.o 109).

( 120 ) Despacho de 11 de julho de 1996, An Taisce e WWF UK/Comissão (C‑325/94 P, não publicado, EU:C:1996:293, n.o 24).

( 121 ) Acórdãos de 2 de abril de 2020, Comissão/Espanha (C‑406/19 P EU:C:2020:276, n.os 49 e 50); e de 15 de outubro de 2014, Dinamarca/Comissão (C‑417/12 P, EU:C:2014:2288, n.os 81 a 83).

( 122 ) A suspensão da aprovação de um ou mais programas ou alteração dessa suspensão; a suspensão das autorizações; a redução das autorizações, nomeadamente através de correções financeiras ou transferências para outros programas de despesas; a redução do pré‑financiamento; a interrupção dos prazos de pagamento; e a suspensão dos pagamentos.

( 123 ) Segundo o considerando 70 do Regulamento relativo a disposições comuns 2021‑2027, nas medidas para salvaguardar os interesses financeiros e o orçamento da União (interromper os prazos dos pagamentos, suspender pagamentos intercalares e aplicar correções financeiras), «a Comissão deverá respeitar o princípio da proporcionalidade, tendo em conta a natureza, gravidade e frequência das irregularidades, assim como as suas implicações financeiras para o orçamento da União».

( 124 ) O artigo 10.o, n.o 4, do Regulamento 2021/241 dispõe que «[o] âmbito e o nível da suspensão das autorizações ou dos pagamentos a aplicar devem ser proporcionados, respeitar a igualdade de tratamento entre Estados‑Membros e ter em conta a situação económica e social do Estado‑Membro em causa, em especial o nível de desemprego, o nível de pobreza ou exclusão social no Estado‑Membro em causa em comparação com a média da União e o impacto da suspensão na economia desse Estado‑Membro».

( 125 ) Na prática, o Estado‑Membro deve renunciar aos fundos do orçamento da União ou pôr termo às suas violações dos princípios do Estado de Direito com impacto na execução do orçamento da União.

( 126 ) V. artigo 63.o, n.o 8, in fine, do Regulamento Financeiro.

( 127 ) Nos termos do artigo 7.o, n.o 5, TUE, «[a]s regras de votação aplicáveis, para efeitos do presente artigo, ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho são estabelecidas no artigo 354.o [TFUE]».

( 128 ) Considerando 20 do Regulamento 2020/2092.

( 129 ) V. Acórdão de 24 de outubro de 1989, Comissão/Conselho (16/88, EU:C:1989:397, n.os 15 a 18).

( 130 ) Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «o Conselho está obrigado a justificar devidamente, em função da natureza e do conteúdo do ato de base a adotar ou a alterar, uma exceção à regra segundo a qual é à Comissão que compete, em princípio, exercer esta competência [Acórdão de 1 de março de 2016, National Iranian Oil Company/Conselho (C‑440/14 P, EU:C:2016:128, n.o 60) e jurisprudência aí referida].»

( 131 ) Nos termos do considerando 26 do Regulamento 2020/2092, «[o] procedimento […] deverá respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade de tratamento dos Estados‑Membros e deverá ser conduzido em conformidade com uma abordagem imparcial e baseada em dados factuais. Se, a título excecional, o Estado‑Membro em causa considerar que existem violações graves dos princípios referidos, pode solicitar ao presidente do Conselho Europeu que submeta a questão à apreciação do Conselho Europeu seguinte. Em tais circunstâncias excecionais, não deverá ser tomada qualquer decisão sobre as medidas até que o Conselho Europeu tenha debatido a questão. Este processo não pode, em regra, demorar mais de três meses após a Comissão ter apresentado a sua proposta ao Conselho».

( 132 ) O Tribunal de Justiça afirmou em várias ocasiões, que os considerandos de um ato da União não têm valor jurídico vinculativo e não poderão ser utilmente invocados para derrogar as próprias disposições desse ato nem para interpretar essas disposições em sentido manifestamente contrário à sua redação. V., neste sentido, Acórdãos de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão (C‑10/18 P, EU:C:2020:149 n.o 44); de 2 de abril de 2009, Tyson Parketthande (C‑134/08, EU:C:2009:229, n.o 16); e de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 76).

( 133 ) Também não produziria efeitos jurídicos o compromisso do Conselho Europeu refletido no Documento EUCO 22/20, Conclusões do Conselho Europeu de 11 de dezembro de 2020, n.o 2, alínea j), que afirma: «Caso o Estado‑Membro em causa apresente um pedido conforme previsto no considerando 26 do regulamento, o presidente do Conselho Europeu inscreverá esse ponto na ordem do dia do Conselho Europeu. O Conselho Europeu procurará formular uma posição comum sobre a questão».

( 134 ) V., a este respeito, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 148), em que se afirma: «[p]or outro lado, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE permite que o Conselho adote medidas por maioria qualificada, tal como fez o Conselho ao adotar a decisão impugnada. O princípio do equilíbrio institucional proíbe que o Conselho Europeu altere essa regra de voto impondo ao Conselho, através de conclusões tomadas nos termos do artigo 68.o TFUE, uma regra de voto por unanimidade».

( 135 ) Documento COM(2020) 843 final, de 14 de dezembro de 2020, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu em conformidade com o artigo 294.o, n.o 6, TFUE relativa à posição do Conselho sobre a adoção de um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União, p. 3.

( 136 ) Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento (C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 30).

( 137 ) Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento (C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 32).

( 138 ) Ibidem, n.o 33.

( 139 ) Ibidem, n.o 31.

( 140 ) Acórdão de 29 de abril de 2021, Banco de Portugal e o. (C‑504/19, EU:C:2021:335, n.o 51).

( 141 ) Ibidem, n.o 52.

( 142 ) Acórdão de 14 de abril de 2005, Bélgica/Comissão (C‑110/03, EU:C:2005:223, n.o 31).

( 143 ) Acórdão de 20 de julho de 2017, Marco Tronchetti Provera e o. (C‑206/16, EU:C:2017:572, n.o 42).

( 144 ) Acórdão de 30 de abril de 2020, Nelson Antunes da Cunha (C‑627/18, EU:C:2020:321, n.o 45).

( 145 ) Documento COM(2014) 158 final, Comunicação da Comissão «Um novo quadro da UE para reforçar o Estado de direito», anexo I.

( 146 ) Comissão Europeia para a Democracia através do Direito (Comissão de Veneza) do Conselho da Europa.

( 147 ) Na audiência, a Comissão informou que está a preparar um projeto de orientações com vista a facilitar a aplicação do Regulamento 2020/2092, segundo uma técnica amplamente utilizada noutros domínios (por exemplo, no domínio dos auxílios de Estado).

( 148 ) O artigo 7.o TUE diz respeito ao «risco […] de violação grave dos valores referidos no artigo 2.o».

( 149 ) O sublinhado é meu.

( 150 ) N.o 181 e nota 102 das presentes conclusões.

( 151 ) Acórdãos de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret (C‑295/07 P, EU:C:2008:707, n.os 105 e 106); e de 24 de maio de 2005, França/Parlamento e Conselho (C‑244/03, EU:C:2005:299, n.os 12 e 13).

( 152 ) O sublinhado é meu.

( 153 ) Acórdão de 7 de outubro de 2004, Espanha/Comissão (C‑153/01, EU:C:2004:589, n.os 66 e 67).