CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 31 de março de 2022 ( 1 )

Processo C‑45/21

Banka Slovenije,

Interveniente:

Državni zbor Republike Slovenije (Assembleia Nacional da República da Eslovénia)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Ustavno sodišče Republike Slovenije (Tribunal Constitucional da República da Eslovénia)]

«Reenvio prejudicial — Estabilidade do sistema financeiro — Recuperação e resolução de instituições de crédito no interesse público — Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) — Banco Central Nacional (BCN) como autoridade de resolução — Redução e cancelamento de instrumentos de capital no âmbito da recuperação e resolução soberana de uma instituição de crédito — Princípio “no creditor worse off” — Responsabilidade do BCN — Indemnização, pelo BCN, dos acionistas e dos credores afetados — Artigo 123.o TFUE — Proibição do financiamento monetário dos Estados — Regulamento (CE) n.o 3603/93 — Artigo 130.o TFUE — Princípio da independência dos bancos centrais — Publicação e acesso a documentos no âmbito da resolução de uma instituição de crédito em 2013 e 2014 — Diretivas 2006/48/CE e 2013/36/CE — Aplicabilidade material»

I. Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial suscita questões que estão na intersecção entre a política monetária europeia e a resolução bancária. Em substância, está em causa a questão de saber se os encargos com o financiamento da resolução, caso sejam suportados por um banco central nacional (a seguir «BCN»), na qualidade de autoridade de resolução, são suscetíveis de dar origem à violação da proibição do financiamento monetário dos Estados prevista no artigo 123.o TFUE ou de prejudicar a independência dos bancos centrais garantida pelo artigo 130.o TFUE.

2.

Até à data, o Tribunal de Justiça debruçou‑se sobre a proibição do financiamento monetário dos Estados sobretudo no contexto das medidas de política monetária do Banco Central Europeu (a seguir «BCE») ( 2 ). Contudo, em termos muito gerais, o artigo 123.o TFUE proíbe que o BCE ou os respetivos BCN financiem obrigações dos Estados‑Membros para com terceiros ( 3 ).

3.

O processo principal diz respeito ao regime jurídico anterior à instituição de um Mecanismo Único de Resolução no plano da União, em 2014, e à consequente introdução de um fundo de resolução no plano da União ( 4 ). Naquela data, competia ao banco central esloveno Banka Slovenije, nos termos da legislação nacional, a recuperação e a resolução dos bancos na Eslovénia, cuja insolvência representasse um risco para a estabilidade do sistema financeiro ( 5 ).

4.

No entanto, à luz do anterior regime jurídico esloveno, não existia nenhum mecanismo de financiamento dos custos da resolução bancária. Em contrapartida, atualmente, uma lei entrada em vigor no final de 2019 obriga o Banka Slovenije, com efeitos retroativos, a indemnizar com recursos próprios, em determinadas circunstâncias, os acionistas e os credores dos bancos afetados por uma medida de recuperação ou de resolução tomada por uma autoridade pública em 2013 e 2014.

5.

O Banka Slovenije entende que tal constitui uma violação da proibição decorrente do artigo 123.o TFUE. Além disso, uma vez que os créditos em causa podem ser muito consideráveis, o mesmo receia que a sua independência financeira seja posta em causa.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

1.   Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

6.

O artigo 123.o, n.o 1, TFUE prevê a denominada proibição do financiamento monetário dos Estados e tem o seguinte teor:

«É proibida a concessão de créditos sob a forma de descobertos ou sob qualquer outra forma pelo [BCE] ou pelos bancos centrais nacionais dos Estados‑Membros, adiante designados por “bancos centrais nacionais”, em benefício de instituições, órgãos ou organismos da União, governos centrais, autoridades regionais, locais, ou outras autoridades públicas, outros organismos do setor público ou empresas públicas dos Estados‑Membros, bem como a compra direta de títulos de dívida a essas entidades, pelo [BCE] ou pelos [BCN].»

7.

O artigo 131.o TFUE dispõe o seguinte:

«Cada um dos Estados‑Membros assegurará a compatibilidade da respetiva legislação nacional, incluindo os estatutos do seu [BCN], com os Tratados e com os Estatutos do SEBC e do BCE.»

8.

O artigo 127.o TFUE estabelece o seguinte:

«1.   O objetivo primordial do Sistema Europeu de Bancos Centrais, adiante designado “SEBC”, é a manutenção da estabilidade dos preços. Sem prejuízo do objetivo da estabilidade dos preços, o SEBC apoiará as políticas económicas gerais na União […].

2.   As atribuições fundamentais cometidas ao SEBC são:

a definição e execução da política monetária da União,

a realização de operações cambiais compatíveis com o disposto no artigo 219.o

a detenção e gestão das reservas cambiais oficiais dos Estados‑Membros,

a promoção do bom funcionamento dos sistemas de pagamentos.

[…]

5.   O SEBC contribuirá para a boa condução das políticas desenvolvidas pelas autoridades competentes no que se refere à supervisão prudencial das instituições de crédito e à estabilidade do sistema financeiro.

6.   O Conselho, por meio de regulamentos adotados de acordo com um processo legislativo especial, por unanimidade, e após consulta ao Parlamento Europeu e ao Banco Central Europeu, pode conferir a este último atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e outras instituições financeiras, com exceção das empresas de seguros.»

9.

O artigo 282.o, n.o 3, TFUE prevê o seguinte:

«O [BCE] tem personalidade jurídica. Só ele tem o direito de autorizar a emissão do euro. É independente no exercício dos seus poderes e na gestão das suas finanças. As instituições, órgãos e organismos da União, bem como os Governos dos Estados‑Membros, respeitam esta independência.»

2.   Estatutos do SEBC e do BCE

10.

O Protocolo (n.o 4) relativo aos Estatutos do Sistema Europeu dos Bancos Centrais e ao Banco Central Europeu (a seguir «Estatutos do SEBC e do BCE) ( 6 ) estabelece o seguinte, no seu artigo 14.o‑4:

«Os bancos centrais nacionais podem exercer outras funções, além das referidas nos presentes Estatutos, salvo se o Conselho do BCE decidir, por maioria de dois terços dos votos expressos, que essas funções interferem com os objetivos e atribuições do SEBC. Cabe aos bancos centrais nacionais a responsabilidade e o risco pelo exercício dessas funções, que não são consideradas funções do SEBC.»

11.

O artigo 28.o destes Estatutos prevê o seguinte:

«28.o‑1.   O capital do BCE é de 5000 milhões de euros. Este capital pode ser aumentado por decisão do Conselho do BCE, tomada pela maioria qualificada prevista no artigo 10.o‑3, nos limites e condições definidos pelo Conselho de acordo com o procedimento previsto no artigo 41.o

28.o‑2.   Os bancos centrais nacionais são os únicos subscritores e detentores do capital do BCE. A subscrição é efetuada de acordo com a tabela de repartição estabelecida de acordo com o disposto no artigo 29.o

[…]»

12.

O artigo 32.o dos Estatutos do SEBC e do BCE dispõe o seguinte:

«32.o‑1.   Os proveitos que resultem para os bancos centrais nacionais do exercício das atribuições do SEBC relativas à política monetária (adiante designados por “proveitos monetários”) serão repartidos no final de cada exercício de acordo com o disposto no presente artigo.

32.o‑2.   O montante dos proveitos monetários de cada banco central nacional é igual ao montante dos respetivos proveitos anuais resultantes dos ativos detidos em contrapartida das notas em circulação e das responsabilidades decorrentes dos depósitos constituídos pelas instituições de crédito. Esses ativos devem ser individualizados pelos bancos centrais nacionais de acordo com orientações a fixar pelo Conselho do BCE.

[…]»

13.

Nos termos do artigo 33.o‑1 destes estatutos, o lucro líquido do BCE remanescente após a realização de um determinado valor será distribuído ao BCN proporcionalmente à tabela de capital da sua participação. O artigo 3.o‑2 prevê que, na eventualidade de o BCE registar perdas, estas podem ser cobertas pelo fundo de reserva geral do BCE e, se necessário, por decisão do Conselho do BCE, pelos proveitos monetários do exercício financeiro correspondente, proporcionalmente e até aos montantes repartidos entre os bancos centrais nacionais, de acordo com o disposto no artigo 32.o‑5.

14.

O artigo 35.o‑3 dos Estatutos do SEBC e do BCE prevê o seguinte:

«O BCE está sujeito ao regime de responsabilidade previsto no artigo 340.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Os bancos centrais nacionais estão sujeitos aos regimes de responsabilidade previstos nas respetivas legislações nacionais.»

3.   Regulamento n.o 3603/93

15.

O artigo 1.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 3603/93 ( 7 ) define o conceito de «créditos sob qualquer outra forma» constante do artigo 123.o TFUE como «qualquer financiamento de obrigações do setor público em relação a terceiros».

4.   Diretiva 2001/24

16.

A Diretiva 2001/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de abril de 2001, relativa ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito (a seguir «Diretiva 2001/24») ( 8 ) é, segundo o seu artigo 1.o, n.o 1, «aplicável às instituições de crédito e às suas sucursais criadas num Estado‑Membro que não o da sede estatutária, tal como definidas nos primeiro e terceiro pontos do artigo 1.o da Diretiva 2000/12/CE [ ( 9 )], sem prejuízo das condições e isenções previstas no n.o 3 do artigo 2.o da referida diretiva».

17.

Nos termos do artigo 2.o da Diretiva 2001/24, tanto se pode entender por «autoridades competentes» na aceção desta diretiva as autoridades na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 40, do Regulamento n.o 575/2013 ( 10 ), como também as autoridades de resolução na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 18, da Diretiva 2014/59 ( 11 ).

18.

O artigo 33.o da Diretiva 2001/24 estabelece o seguinte:

«Todas as pessoas incumbidas de receber ou prestar informações no âmbito dos processos de informação ou de consulta previstos nos artigos 4.o, 5.o, 8.o, 9.o, 11.o e 19.o estão vinculadas ao sigilo profissional, de acordo com as regras e condições previstas no artigo 30.o da Diretiva 2000/12/CE [ ( 12 )], com exceção das autoridades judiciárias, às quais se aplicarão as disposições nacionais em vigor.»

19.

Os processos previstos nos artigos 4.o, 5.o, 8.o, 9.o, 11.o e 19.o dizem respeito à informação e consulta prestadas às autoridades de outros Estados‑Membros ou Estados terceiros onde se encontre uma sucursal de uma instituição de crédito que seja objeto de uma medida de saneamento ou de liquidação no Estado‑Membro da sua sede estatutária.

5.   Diretiva 2006/48 (CRD III)

20.

A Diretiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício (a seguir «Diretiva 2006/48») ( 13 ) estabelece, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, «regras relativas ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício, bem como à sua supervisão prudencial».

21.

Para efeitos desta diretiva, entende‑se por «autoridades competentes», na aceção do seu artigo 4.o, n.o 4, «as autoridades nacionais habilitadas, nos termos de uma lei ou regulamento, a controlar as instituições de crédito».

22.

O artigo 44.o, da mesma diretiva previa o seguinte, enquanto primeira disposição da secção «Troca de informações e segredo profissional»:

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer que todas as pessoas que exerçam ou tenham exercido uma atividade para as autoridades competentes, bem como os revisores de contas ou peritos mandatados pelas mesmas autoridades, fiquem sujeitos a segredo profissional.

As informações confidenciais que tais pessoas recebam a título profissional não podem ser divulgadas a nenhuma pessoa ou autoridade, exceto de forma sumária ou agregada e de modo a que as instituições de crédito individuais não possam ser identificadas, sem prejuízo dos casos que relevem do foro penal.

Contudo, nos casos relativos a instituições de crédito que tenham sido declaradas em estado de falência ou cuja liquidação compulsiva tenha sido ordenada judicialmente, as informações confidenciais que não digam respeito a terceiros implicados em tentativas de recuperação da instituição podem ser divulgadas no âmbito de processos do foro cível ou comercial.

2.   O disposto no n.o 1 não obsta a que as autoridades competentes dos diferentes Estados‑Membros procedam às trocas de informações previstas na presente diretiva e noutras diretivas aplicáveis às instituições de crédito. Tais informações ficam abrangidas pelo segredo profissional referido no n.o 1.»

23.

O artigo 158.o da Diretiva 2006/48 dispunha o seguinte:

«1.   A Diretiva 2000/12/CE, tal como alterada pelas diretivas que constam da parte A do anexo XIII, é revogada, sem prejuízo das obrigações dos Estados‑Membros relativamente aos prazos de transposição das referidas diretivas que constam da Parte B do anexo XIII.

2.   As remissões para a diretiva revogada devem entender‑se como sendo feitas para a presente diretiva e devem ler‑se nos termos da tabela de correspondência que consta do anexo XIV.»

6.   Diretiva 2013/36 (CRD IV)

24.

A Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (a seguir «Diretiva 2013/36») ( 14 ) regula, nos termos do seu artigo 1.o, o acesso à atividade das instituições de crédito, bem como os poderes de supervisão e os instrumentos de supervisão das instituições de crédito.

25.

O artigo 3.o, n.o 1, ponto 36, da Diretiva 2013/36 remete para o artigo 4.o, n.o 1, ponto 40, do Regulamento n.o 575/2013, para definir «autoridade competente» ( 15 ).

26.

O artigo 4.o, n.o 7, da Diretiva 2013/36 estabelece o seguinte:

«Os Estados‑Membros asseguram que as funções de supervisão nos termos da presente diretiva e do Regulamento (UE) n.o 575/2013 e quaisquer outras funções das autoridades competentes sejam distintas e independentes das funções relativas à resolução. Os Estados‑Membros informam do facto a Comissão e a EBA, indicando qualquer eventual repartição de funções.»

27.

O artigo 53.o, n.o 1, desta diretiva contém uma norma no essencial idêntica à obrigação de sigilo prevista no artigo 44.o, n.o 1, da Diretiva 2006/48. O n.o 3 da referida disposição tem o seguinte teor:

«O n.o 1 não obsta a que as autoridades competentes publiquem os resultados dos testes de esforço realizados nos termos do artigo 100.o da presente diretiva ou do artigo 32.o do Regulamento (UE) n.o 1093/2010 [ ( 16 )] ou que transmitam o resultado dos testes de esforço à EBA para efeitos de publicação dos resultados de testes de esforço à escala da União.»

28.

O artigo 59.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 dispõe o seguinte:

«Não obstante o disposto no artigo 53.o, n.o 1, e no artigo 54.o, os Estados‑Membros podem autorizar, ao abrigo de disposições legais nacionais, a divulgação de certas informações a outros serviços das respetivas administrações centrais responsáveis pela legislação em matéria de supervisão de instituições, instituições financeiras ou empresas de seguros, bem como aos inspetores mandatados por tais serviços.

Contudo, essas informações só podem ser divulgadas caso tal se revele necessário por motivos de supervisão prudencial, prevenção ou resolução de situações de insolvência de instituições. Sem prejuízo do n.o 2 do presente artigo, as pessoas com acesso às informações ficam sujeitas a requisitos de sigilo profissional no mínimo equivalentes aos previstos no artigo 53.o, n.o 1.

[…]»

29.

De acordo com o seu artigo 163.o, a Diretiva 2013/36 revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014.

B. Direito esloveno

1.   ZBan‑1

30.

A Zakon o bančništvu (Lei do Setor Bancário, a seguir «ZBan‑1») prevê no seu artigo 235.o‑A que o Banka Slovenije, na qualidade de autoridade de resolução, pode ordenar a redução ou o cancelamento de passivos elegíveis de uma instituição de crédito em dificuldades, se tal for do interesse público, para impedir a insolvência desta instituição e, por conseguinte, garantir a estabilidade do sistema financeiro na sua globalidade.

31.

O artigo 261.o‑A, n.o 5, da ZBan‑1 estabelece o denominado princípio «no creditor worse off» (a seguir «princípio NCWO»), segundo o qual uma medida ao abrigo do artigo 253.o‑A da ZBan‑1 não pode deixar os acionistas ou os credores em pior situação do que estariam em caso de insolvência da instituição em causa.

32.

Nos termos do artigo 350.o‑A, n.o 1, da ZBan‑1, os acionistas e credores de uma instituição de crédito podem exigir, nas condições previstas no artigo 223.o‑A da ZBan‑1, uma indemnização pelos danos que tenham sofrido com uma medida de resolução ou de saneamento ordenada pelo Banka Slovenije. O artigo 223.o‑A prevê que se considere que o Banka Slovenije atuou com negligência se o mesmo ou as pessoas cuja atuação lhe seja imputável, na data da decisão, não pudessem considerar, de forma justificada, que a decisão era legal, devido a factos ou circunstâncias de que tivessem conhecimento ou que tivessem a obrigação de conhecer.

2.   ZPSVIKOB

a)   Disposições relativas à indemnização a titulares de instrumentos de capital cancelados ou reduzidos

33.

A Zakon o postopku sodnega in izvensodnega varstva nekdanjih imetnikov kvalificiranih obveznosti bank (Lei do Procedimento de Proteção Judicial e Extrajudicial de Antigos Titulares de Passivos Bancários Elegíveis, a seguir «ZPSVIKOB») prevê normas relativas à aplicação dos direitos de indemnização que os investidores numa instituição de crédito podem reclamar ao abrigo do artigo 350.o‑A, n.o 1, da ZBan‑1, devido às medidas de saneamento e resolução ordenadas pelo Banka Slovenije em 2013 e 2014.

34.

Nos termos do artigo 31.o da ZPSVIKOB, este direito de indemnização existe nos casos em que o Banka Slovenije não consiga provar que a medida era necessária, no interesse público, na aceção do artigo 253.o‑A da ZBan‑1, ou em que o princípio NCWO consagrado no artigo 261.o‑A, n.o 5, da ZBan‑1 não tenha sido respeitado.

35.

A ZPSVIKOB prevê ainda, nos seus artigos 4.o a 7.o, a possibilidade de indemnização fixa exclusivamente para determinados pequenos investidores de uma instituição de crédito cujos instrumentos de capital tenham sido cancelados ou reduzidos. De acordo com estas normas, os investidores cujo rendimento anual ilíquido não ultrapasse um determinado montante ( 17 ), podem exigir uma indemnização de 80 % do valor nominal dos seus instrumentos de capital (até ao máximo de 20000 euros), sem necessitarem de fazer prova de que, em caso de insolvência da respetiva instituição de crédito, teriam recebido o mesmo valor. Acresce que, por força do artigo 350.o‑A em conjugação com o artigo 261.o‑A da ZBan‑1, está excluída a indemnização no montante igual ao valor da insolvência.

36.

Quanto ao financiamento dos dois tipos de indemnização, o artigo 40.o da ZPSVIKOB prevê, em primeiro lugar, que o Banka Slovenije deve criar reservas especiais para este fim. Estas são alimentadas pelos proveitos obtidos pelo Banka Slovenije a partir de 1 de janeiro de 2019 (definido como o excedente das receitas em relação às despesas), 25 % dos quais, normalmente, nos termos do artigo 50.o, n.o 1, da Zakon o Banka Slovenije (Lei sobre o Banka Slovenije, a seguir «ZBS‑1»), são canalizados para o orçamento de Estado esloveno e 75 % dos quais são utilizados para a constituição das reservas gerais.

37.

Nos termos da ZPSVIKOB, se o montante dos pagamentos das indemnizações ultrapassar o montante das reservas especiais assim constituídas, as reservas gerais constituídas até 1 de janeiro de 2019 podem ser utilizadas pelo Banka Slovenije para o financiamento. No entanto, estas só podem ser afetadas até um montante mínimo de 50 %.

38.

Por último, a fim de cobrir um valor eventualmente em falta, a ZPSVIKOB prevê a possibilidade de o Estado esloveno conceder um crédito intercalar ao Banka Slovenije. Por seu turno, o reembolso deste crédito é realizado a partir de proveitos futuros do Banka Slovenije, pelo que estes continuam a não poder ser utilizados para a constituição das reservas gerais, até ao reembolso integral, em contradição com as disposições da ZBS‑1.

b)   Disposições relativas à publicação e ao acesso a documentos

39.

Os artigos 10.o e 22.o da ZPSVIKOB preveem que o Banka Slovenije deve publicar no seu sítio Internet determinados documentos, sob a forma de resumos, ou deve permitir a potenciais demandantes num litígio relativo a uma indemnização ou aos seus mandatários o acesso aos mesmos num espaço de dados virtual. Os documentos consistem, em especial, nas conclusões dos testes de esforço que tenham sido realizados junto de uma instituição de crédito resolvida, nos relatórios sobre a qualidade dos ativos dessa instituição (análise da qualidade dos ativos, Asset Quality Review, a seguir «relatórios AQR») e na avaliação dos ativos que servem de base para a decisão de resolução.

III. Matéria de facto e processo principal

40.

No processo principal, a pedido do Banka Slovenije, o Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional, Eslovénia) procede à fiscalização abstrata da constitucionalidade de algumas normas da ZPSVIKOB e da ZBan‑1.

41.

Estes atos legislativos regulam os requisitos materiais e a reclamação judicial da responsabilidade e de indemnizações a que podem ter direito os acionistas e os credores de instituições de crédito, cujos instrumentos de capital tenham sido reduzidos ou cancelados nos anos 2013 e 2014 pelas medidas ordenadas pelo Banka Slovenije no exercício da sua função de autoridade de resolução. Por um lado, prevê‑se uma indemnização pela violação através destas medidas do princípio NCWO e, por outro, uma indemnização fixa a determinados pequenos investidores. Nos termos da ZPSVIKOB, o Banka Slovenije é o sujeito passivo destes direitos.

42.

A lei referida em último lugar prevê ainda disposições relativas à publicação ou ao acesso a documentos, em especial, relativos aos testes de esforço, aos relatórios AQR e às avaliações dos ativos e dos passivos das instituições de crédito em causa, que facilitem a prova dos requisitos da indemnização.

43.

O legislador publicou a ZPSVIKOB, no final de 2019, como reação a um acórdão anterior do Tribunal Constitucional. Nesse acórdão o Tribunal considerou que as possibilidades de indemnização ou os requisitos processuais para a reivindicação da mesma ao abrigo do anterior regime jurídico esloveno eram insuficientes e, por conseguinte, inconstitucionais.

44.

O Banka Slovenije entende que as disposições relativas ao seu dever de indemnizar os titulares de instrumentos de capital cancelados ou reduzidos, designadamente, violam a proibição do financiamento monetário dos Estados, prevista no artigo 123.o TFUE, e o princípio da independência financeira dos bancos centrais, decorrente do artigo 130.o TFUE. Com efeito, a indemnização aos acionistas ou credores das instituições de crédito incumpridoras é uma obrigação objetiva do Estado. Este não pode transferir para um BCN a resolução de instituições de crédito incumpridoras, que implica necessariamente este tipo de intervenções, sem o respetivo financiamento. O financiamento dos pagamentos das indemnizações previsto pela ZPSVIKOB leva a que as reservas gerais do Banka Slovenije sejam afetadas de uma forma que põe em causa o exercício das suas funções de direito da União no quadro do SEBC.

45.

No entender do Governo esloveno, o artigo 123.o TFUE não foi violado, uma vez que as indemnizações foram prioritariamente pagas a partir dos proveitos obtidos pelo Banka Slovenije, uma parte dos quais já seria, de qualquer forma, numa situação normal, canalizada para o orçamento de Estado. Além disso, o montante mínimo fixado das reservas gerais que não pode ser ultrapassado constitui uma salvaguarda suficiente contra a ameaça à independência financeira do Banka Slovenije. Se este for ultrapassado, o crédito intercalar do Estado esloveno poderá corrigir a situação.

46.

No que diz respeito à publicação ou à acessibilidade de determinados documentos elaborados relativamente às medidas de resolução ou que serviram de base às mesmas, o Banka Slovenije defende que estas violam os deveres de sigilo decorrentes das Diretivas 2006/48 e 2013/36. Além disso, o conhecimento do teor destes documentos não é necessário para a efetiva reclamação judicial por parte dos acionistas e dos credores afetados. Em contrapartida, no entender do Governo esloveno, as disposições pertinentes destas diretivas não são aplicáveis no processo principal, nem em razão do tempo nem em razão da matéria.

IV. Pedido de decisão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

47.

Neste contexto, o Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) decidiu suspender o processo e submeter ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o TFUE, as seguintes questões prejudiciais:

1.

Devem o artigo 123.o [TFUE] e o artigo 21.o [dos Estatutos do SEBC e do BCE] ser interpretados no sentido de que proíbem que um [BCN] membro do [SEBC] tenha uma responsabilidade indemnizatória, a efetivar através de recursos próprios, em relação aos anteriores titulares de instrumentos financeiros cancelados, cujo cancelamento foi por aquele decidido no exercício da sua competência, conferida por lei, para adotar medidas extraordinárias no interesse público de modo a prevenir ameaças à estabilidade do sistema financeiro, caso se conclua, no âmbito de processos judiciais posteriores, que, no contexto desse cancelamento de instrumentos financeiros, não foi respeitado o princípio segundo o qual nenhum titular de um instrumento financeiro deve, devido a uma medida extraordinária, ficar numa situação pior do que aquela em que se encontraria se tal medida não tivesse sido executada, caso em que, nesse contexto o [BCN] é responsável: (1) pelo prejuízo que teria sido possível prever com base nos factos e nas circunstâncias tal como se apresentavam à data da decisão do banco central e de que este tinha ou devia ter conhecimento, e (2) pelo prejuízo que decorra da atuação de pessoas que agiram no exercício dessas competências do banco central e segundo instruções deste último, mas que, não obstante, tendo em conta os factos e as circunstâncias de que tinham ou deviam ter tido conhecimento em conformidade com os poderes recebidos, não agiram com a diligência de uma pessoa experiente e prudente?

2.

Devem o artigo 123.o [TFUE] e o artigo 21.o [dos Estatutos do SEBC e do BCE] ser interpretados no sentido de que proíbem que um [BCN] membro do [SEBC] pague, com recursos próprios, indemnizações pecuniárias especiais a uma parte dos anteriores titulares de instrumentos financeiros cancelados (segundo o critério da situação patrimonial) devido ao cancelamento dos instrumentos que foram decididos pelo referido banco no exercício da sua competência, conferida por lei, para adotar medidas extraordinárias no interesse público de modo a prevenir ameaças à estabilidade do sistema financeiro, casos em que, nesse contexto, para receber a indemnização basta que o instrumento financeiro tenha sido cancelado, não sendo relevante a questão de saber se foi violado o princípio segundo o qual nenhum titular de um instrumento financeiro deve, devido a uma medida extraordinária, ficar numa situação pior do que aquela em que se encontraria se tal medida não tivesse sido executada?

3.

Devem o artigo 130.o [TFUE] e o artigo 7.o [dos Estatutos do SEBC e do BCE] ser interpretados no sentido de que obstam a que se imponha a um [BCN] o pagamento de indemnizações por danos sofridos na sequência do exercício das suas competências legais, num montante tal que seja suscetível de prejudicar a capacidade do referido banco para cumprir eficazmente as suas atribuições? São relevantes, a este respeito, para concluir que foi violado o princípio da independência financeira do banco central nacional, os pressupostos legais com base nos quais é imputada a referida responsabilidade?

4.

Devem os artigos 53.o a 62.o da [Diretiva 2013/36] ou os artigos 44.o a 52.o da [Diretiva 2006/48], que protegem a confidencialidade das informações confidenciais recebidas ou geradas no âmbito da supervisão prudencial dos bancos, ser interpretados no sentido de que estas duas diretivas protegem igualmente a confidencialidade das informações recebidas ou geradas no âmbito da execução de medidas destinadas à recuperação de bancos para garantir a estabilidade do sistema financeiro, quando os riscos para a solvabilidade e a liquidez dos bancos não podiam ser eliminados com as medidas usuais de supervisão prudencial, tendo, contudo, essas medidas sido consideradas medidas de saneamento na aceção da [Diretiva 2001/24]?

5.

Em caso de resposta afirmativa à [quarta questão prejudicial], devem os artigos 53.o a 62.o da [Diretiva 2013/36] ou os artigos 44.o a 52.o da [Diretiva 2006/48], relativos à proteção das informações confidenciais recebidas ou conhecidas no âmbito da supervisão prudencial, ser interpretados no sentido de que, para a proteção que oferecem, é relevante a [Diretiva 2013/36], temporalmente posterior, mesmo quando se trate de informações confidenciais recebidas ou geradas no período de aplicação da [Diretiva 2006/48], quando essas informações devessem ter sido divulgadas durante o período de aplicação da [Diretiva 2013/36]?

6.

Em caso de resposta afirmativa à [quarta questão prejudicial], deve o artigo 53.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da [Diretiva 2013/36] (e o artigo 44.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da [Diretiva 2006/48], em função da resposta à questão anterior) ser interpretado no sentido de que já não são informações confidenciais, sujeitas ao dever de sigilo profissional, as informações de que um [BCN] dispõe enquanto órgão de supervisão e que se tornaram públicas num determinado momento posterior após terem sido geradas ou as informações que poderiam estar sujeitas ao dever de sigilo profissional mas que remontam a cinco ou mais anos e que, por conseguinte, se considera, em princípio, que, pelo decurso do tempo, constituem informações históricas e perderam, por isso, o seu caráter confidencial? No caso de informações históricas que remontam a cinco ou mais anos, a manutenção do estatuto de confidencialidade depende da questão de saber se esta pode ser justificada por motivos diferentes da situação comercial dos bancos sujeitos a vigilância ou de outras empresas?

7.

Em caso de resposta afirmativa à [quarta questão prejudicial], deve o artigo 53.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da [Diretiva 2013/36] [e o artigo 44.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da [Diretiva 2006/48], em função da resposta à [quinta questão prejudicial]] ser interpretado no sentido de que permite que os documentos confidenciais que não digam respeito a terceiros que tenham tentado recuperar uma instituição de crédito e juridicamente relevantes para efeitos da decisão do órgão jurisdicional no âmbito do processo de responsabilidade civil instaurado contra o órgão competente para a supervisão prudencial, sejam automaticamente divulgados, mesmo antes do início do processo judicial, a todos os potenciais demandantes no processo e aos seus mandatários, sem ser instaurado um processo específico para decidir sobre a legalidade da divulgação de cada documento individual a cada pessoa legitimada e sem ser efetuada uma ponderação dos interesses em jogo em cada caso concreto, incluindo no caso de informações relativas a instituições de crédito que não estão em situação de insolvência ou de liquidação compulsiva, mas que beneficiaram de auxílios estatais no processo em que foram cancelados os instrumentos financeiros dos acionistas e credores subordinados das instituições de crédito?

8.

Em caso de resposta afirmativa à [quarta questão prejudicial], deve o artigo 53.o, n.o 1, segundo parágrafo, da [Diretiva 2013/36] [e o artigo 44.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/48/CE, em função da resposta à [quinta questão prejudicial]] ser interpretado no sentido de que permite a publicação na Internet em modo acessível a todos os documentos confidenciais ou a resumos desses documentos que não digam respeito a terceiros que tenham tentado recuperar a instituição de crédito e juridicamente relevantes para efeitos da decisão do órgão jurisdicional no âmbito do processo de responsabilidade civil instaurado contra o órgão competente para a supervisão prudencial, no caso de informações relativas a instituições de crédito que não estão em situação de insolvência ou de liquidação compulsiva, mas que beneficiaram de auxílios estatais no processo em que foram cancelados os instrumentos financeiros dos acionistas e credores subordinados das instituições de crédito, quando esteja previsto que, no âmbito da publicação na Internet em causa, todas as informações confidenciais sejam ocultadas?

48.

No âmbito do processo no Tribunal de Justiça, apresentaram observações escritas acerca destas questões o Banka Slovenije, o Governo esloveno, o BCE e a Comissão Europeia. Estes intervenientes também estiveram representados na audiência realizada a 18 de janeiro de 2022.

V. Apreciação jurídica

49.

Através da sua primeira e segunda questões prejudiciais, o Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) pretende, em primeiro lugar, apurar se o regime indemnizatório previsto na ZPSVIKOB e na ZBan‑1 viola a proibição do financiamento monetário dos Estados decorrente do artigo 123.o TFUE. Em seguida, a terceira questão prejudicial diz respeito à admissibilidade deste regime tendo em conta o princípio da independência dos bancos centrais consagrado no artigo 130.o TFUE e no artigo 7.o dos Estatutos do SEBC e do BCE. Por último, pretende‑se esclarecer, através da quarta a oitava questões prejudiciais, se a obrigação prevista na ZPSVIKOB, de publicar ou disponibilizar o acesso a determinados documentos é compatível com as Diretivas 2006/48 e 2013/36.

50.

Deve considerar‑se que a primeira a terceira questões prejudiciais estão relacionadas entre si quanto ao seu conteúdo. Com efeito, a proibição do financiamento monetário dos Estados tem uma ligação estreita com o princípio da independência dos bancos centrais e acompanha‑o de formas diferentes.

51.

Neste contexto, na primeira parte das presentes conclusões analisar‑se‑ão conjuntamente a primeira a terceira questões prejudiciais (v. A.), sendo em primeiro lugar abordado o princípio da independência e, em seguida, a proibição do financiamento monetário dos Estados. Em seguida, procederei, na segunda parte, à análise da quarta a oitava questões prejudiciais (v. B.).

A. Quanto à primeira a terceira questões prejudiciais

1.   Quanto à violação do princípio da independência do SEBC consagrado no artigo 130.o TFUE (terceira questão prejudicial)

52.

Com a sua terceira questão prejudicial, que deverá ser analisada em primeiro lugar, o Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) pretende, no essencial, saber se o mecanismo de financiamento previsto no artigo 40.o da ZPSVIKOB para o pagamento de indemnizações é suscetível de pôr em causa a independência dos bancos centrais.

53.

Em concreto, o artigo 40.o da ZPSVIKOB prevê que todos os proveitos obtidos a partir de 1 de janeiro de 2019 até à decisão jurisdicional relativa aos pagamentos de indemnizações sejam, em primeiro lugar, utilizados para a constituição de reservas especiais. Deste modo, o Estado esloveno, por um lado, prescinde da sua parte nos proveitos, prevista no artigo 50.o, n.o 1, da ZBS‑1 (ou seja, até 25 %), por outro, os proveitos restantes até àquela data não são utilizados para a constituição de reservas gerais. Em segundo lugar, as reservas gerais já constituídas até 1 de janeiro de 2019 também são aplicadas para o financiamento dos pagamentos de indemnizações, até ao limite de 50 %, se as reservas especiais constituídas até à decisão jurisdicional não forem suficientes. Em terceiro lugar, o valor eventualmente em falta é financiado por um crédito intercalar por parte do Estado esloveno. Por seu turno, o reembolso é realizado a partir dos proveitos obtidos pelo Banka Slovenije no período subsequente, que, deste modo, também não poderão ser utilizados para a constituição das reservas gerais até à liquidação do crédito ( 18 ).

54.

O princípio da independência regulado no artigo 130.o TFUE e reiterado no artigo 7.o dos Estatutos do SEBC e do BCE proíbe o BCE e os BCN ou qualquer membro dos respetivos órgãos de decisão de solicitar ou receber instruções, designadamente, dos Governos dos Estados‑Membros e proíbe estes Governos de procurarem influenciar os membros dos órgãos de decisão dos BCN no exercício das suas funções.

55.

O Tribunal de Justiça salientou que a proteção do BCE de influência externa na implementação da sua política monetária, postulada no artigo 130.o TFUE, é, designadamente, garantida pelo facto de o BCE dispor de recursos e de um orçamento próprios ( 19 ). Neste sentido, também resulta dos trabalhos preparatórios desta norma que a independência não tem apenas uma dimensão funcional, institucional e pessoal mas também tem uma dimensão financeira ( 20 ).

56.

Esta relação é evidente. Se um banco central depender da disponibilização de recursos financeiros por parte de um Governo, existe naturalmente o perigo de este apoio ser concedido, explicita ou implicitamente, mediante determinadas condições impostas à política monetária desse banco central e, por conseguinte, pôr em causa a sua independência ( 21 ).

57.

Os autores dos tratados tinham este perigo em mente. Por conseguinte, foi estabelecido no artigo 282.o, n.o 3, TFUE que o BCE dispõe de um orçamento próprio que não é alimentado com recursos da União. Pelo contrário, os artigos 28.o a 33.o dos Estatutos do SEBC e do BCE preveem regras sobre o capital próprio, as reservas cambiais e os proveitos do BCE que asseguram que este último tem capacidade para financiar as suas funções e, deste modo, não depende financeiramente nem dos órgãos da União nem dos Governos dos Estados‑Membros. Nos termos do artigo 28.o‑1 dos Estatutos do SEBC e do BCE, os detentores do seu capital não são os Estados‑Membros, mas os BCN. O BCE pode aumentar o capital próprio pago pelos BCN por decisão própria (v. artigo 28.o‑1 dos Estatutos). Na eventualidade de ocorrerem perdas, o BCE também não está dependente de outros organismos públicos (v. em especial artigo 33.o‑2 dos Estatutos).

58.

A independência do BCE e dos BCN não é um fim em si mesmo, mas destina‑se a assegurar que estes conseguem realizar as suas funções de forma correta e eficaz e, assim, garantir a capacidade de funcionamento do SEBC ( 22 ).

59.

Por conseguinte, no entender do BCE, o artigo 130.o TFUE indicia que os BCN também devem estar em condições, no que diz respeito aos seus recursos financeiros, de realizar com toda a independência as funções que lhes foram conferidas pelo direito da União e as obrigações do quadro do SEBC.

a)   Necessidade de capacidade financeira suficiente dos BCN para o cumprimento de determinadas obrigações no quadro do SEBC

60.

Neste contexto, o BCE sublinha em especial a obrigação dos BCN, imposta pelo artigo 28.o‑2 dos Estatutos do SEBC e do BCE, de contribuírem para um eventual aumento do capital do BCE. O órgão jurisdicional de reenvio também parece considerar que a utilização de todos os proveitos futuros do Banka Slovenije e de 50 % das suas reservas gerais para financiar os pagamentos de indemnizações poderá levar a que o mesmo deixe de dispor dos recursos suficientes para o cumprimento desta obrigação.

61.

No entanto, na prática, o aumento de capital é realizado através de uma transferência TARGET e não através de recursos efetivos dos BCN ( 23 ). Trata‑se (a sigla TARGET representa «Trans‑European Automated Real‑time Gross settlement Express Transfer System») do sistema de pagamentos escriturais entre os bancos centrais (e os bancos comerciais) do Eurosistema. Em termos simplificados, este sistema assenta em contas mantidas pelos BCN do Eurosistema junto do BCE. A cada transferência transfronteiriça, o balanço da conta dos BCN do respetivo Estado‑Membro junto do BCE sobe ou desce, consoante o banco comercial do Estado‑Membro é o beneficiário ou o ordenante desta transferência. Porém, contrariamente ao que sucede no caso dos bancos comerciais, as contas dos BCN do Eurosistema não podem ser compensadas no final do dia de negociação. Assim, no final do dia pode existir uma dívida de um BCN perante o BCE.

62.

No caso de um aumento de capital, tal significa que mesmo quando já se encontra registado um passivo de um BCN em relação a um BCE no sistema TARGET, este sofre simplesmente um aumento devido à respetiva transferência para efeitos do aumento de capital. No entanto, o BCN não tem efetivamente de pagar ou compensar este montante com recurso aos seus próprios meios, por exemplo, aos seus proveitos. Consequentemente, na prática, a utilização dos proveitos de um BCN para fins como o que está em causa no processo principal não prejudica a sua capacidade de cumprir a sua obrigação de aumento do capital do BCE, resultante do artigo 28.o‑2 dos Estatutos do SEBC e do BCE ( 24 ). Com efeito, pelo contrário, o montante necessário para o aumento de capital surge pela criação de moeda.

63.

O passivo TARGET que assim é eventualmente criado é inscrito no passivo do balanço do respetivo BCN. Porém, ao mesmo, tempo, o ativo regista uma subida de valor no montante da participação no BCE do BCN em causa, que sofreu um aumento no valor correspondente à mesma ( 25 ). Assim, ocorre apenas uma extensão do balanço. Se o BCN em causa detiver um saldo TARGET, o aumento de capital constituirá apenas uma troca de ativos para a mesma (saldo TARGET em troca da participação no BCE).

64.

O cumprimento das outras obrigações financeiras dos BCN, referidas pelo BCE, nomeadamente, a obrigação, ao abrigo do artigo 30.o‑4 dos Estatutos do SEBC e do BCE de, a pedido, realizar novas contribuições em ativos de reserva ou de, nos termos do artigo 33.o‑2 dos mesmos, compensar as perdas, em bom rigor, não depende de o BCN possuir fundos próprios suficientes.

65.

Por um lado, não resulta do pedido de decisão prejudicial que as reservas cambiais do Banka Slovenije podem ser utilizadas para financiar os pagamentos de indemnizações ( 26 ). O Governo esloveno também confirmou, na audiência, que não é esse o caso.

66.

Por outro lado, a obrigação de compensação de perdas prevista no artigo 33.o‑2 dos Estatutos do SEBC e do BCE só existe no montante máximo dos proveitos monetários a repartir ( 27 ). Nos termos do artigo 32.o‑1 dos Estatutos, no final de cada exercício, os proveitos monetários de todos os BCN são agregados, numa primeira fase, sendo, em seguida, numa segunda fase, repartidos aos BCN de acordo com um esquema específico que representa a sua participação no BCE (v. artigo 32.o‑5 dos Estatutos). As perdas registadas pelo BCE serão previamente deduzidas dos proveitos monetários a repartir, em conformidade com o artigo 32.o‑5, em conjugação com o artigo 33.o‑2 dos Estatutos. Em contrapartida, não existe nenhuma outra obrigação de compensação de perdas por parte dos BCN, eventualmente a partir dos seus recursos próprios ( 28 ).

b)   Necessidade de capacidade financeira suficiente para a credibilidade e fiabilidade do SEBC

67.

O ponto que, em meu entender é decisivo, tendo em conta a independência dos BCN, é antes pelo contrário o seguinte: através do mecanismo de financiamento previsto no artigo 40.o da ZPSVIKOB o Banka Slovenije será desprovido, durante muitos anos, dos seus plenos poderes de decisão relativamente à utilização dos seus recursos e, consequentemente, da possibilidade de assegurar reservas no montante por ele considerado adequado.

68.

Desta forma, por um lado, o Governo pura e simplesmente chama a si um direito de decisão que era anteriormente exercido com total independência pelo BCN.

69.

Mas, por outro lado, existem fortes razões para defender que um BCN deve poder decidir, sob a sua própria responsabilidade, o montante das reservas que constitui. Com efeito, esta decisão expressa a avaliação do risco por parte do BCN relativamente às suas operações de política monetária.

70.

As reservas gerais constituem provisões para os riscos financeiros inevitavelmente associados a estas operações ( 29 ). Se um banco central entender, por exemplo, que, por motivos de política monetária, as vendas de títulos são necessárias, designadamente, para retirar liquidez do mercado, fá‑lo‑á, ainda que tal possa dar origem a prejuízos. O mesmo se dirá em relação às vendas de divisas, eventualmente necessárias para a regulação da taxa de câmbio, mas que podem acarretar prejuízos numa situação de valorização da própria moeda. Contudo, ao mesmo tempo, nessas situações, o BCN procurará constituir preventivamente reservas mais elevadas para mitigar os prejuízos.

71.

Consequentemente, um montante adequado de reservas com capacidade para mitigar os eventuais prejuízos decorrentes das operações de política monetária indicia que o BCN em causa previu os efeitos das suas medidas e os tem sob controlo.

72.

No entanto, o artigo 40.o da ZPSVIKOB impede o Banka Slovenije de constituir novas reservas durante vários anos e prevê, inclusivamente, que as mesmas possam ser afetadas até ao valor de 50 %. Tal implica o risco de, em caso de ocorrência de prejuízos relacionados com operações de política monetária, o valor líquido do capital próprio ser inferior ao seu capital social ou ser até negativo.

73.

Esta situação é problemática por, pelo menos, três ordens de razões.

74.

Em primeiro lugar, é prejudicial, tendo em conta a função exemplar de um banco central para o setor bancário que, por seu turno, se vê obrigado a cumprir regras de capital próprio cada vez mais exigentes.

75.

Em segundo lugar, a mesma pode causar a impressão nos mercados de que o BCN procedeu a uma avaliação errada dos efeitos das suas medidas de política monetária ou que deixou de os controlar. Em todo o caso, pelo disposto no artigo 40.o da ZPSVIKOB, o Banka Slovenije perde de facto o controlo sobre a absorção adequada dos eventuais prejuízos.

76.

Neste contexto, o BCE sublinha, com razão, que a apresentação de um capital próprio reduzido ou até negativo, durante um período de tempo prolongado, pode prejudicar a credibilidade e a fiabilidade dos BCN e, por conseguinte, do SEBC na sua globalidade. Contudo, nos modernos sistemas monetários «fiat», ou seja, nos sistemas monetários em que a moeda não é baseada no valor de determinadas mercadorias, como por exemplo, do ouro, a confiança na capacidade dos bancos centrais para garantir a estabilidade dos preços mediante a adoção de medidas de política monetária controladas e eficazes é essencial.

77.

O BCE aborda neste ponto muito concretamente a relação que pode ser constituída entre um capital próprio fraco de um banco central e a sua capacidade para prosseguir o objetivo de garantia da estabilidade dos preços com eficácia e com total independência, ou seja, tendo apenas em conta aspetos de política monetária ( 30 ).

78.

Com efeito, um banco central que, através de uma limitação por força da lei da sua capacidade de constituir reservas suficientes, for levado a uma situação em que apresente, durante um período de tempo alargado, um capital próprio muito baixo ou negativo, poderá ver‑se obrigado a realizar operações de política monetária a fim de obter receitas, para contrariar a impressão de instabilidade e manter a confiança dos mercados. Tais medidas têm frequentemente tendências inflacionistas ( 31 ). Em termos muito simplificados, o aumento da inflação aumentaria a necessidade de dinheiro em numerário por parte da população, o que aumentaria as receitas do banco central, devido à emissão do mesmo. Contudo, tal seria manifestamente contrário ao objetivo prioritário de garantia da estabilidade dos preços.

79.

Com efeito, os BCN do Eurosistema têm uma menor margem de apreciação própria na utilização dos seus mecanismos de política monetária, uma vez que as decisões fundamentais são estabelecidas pelo BCE. Contudo, o mais tardar, se vários Estados‑Membros puserem em causa a solidez financeira dos seus BCN, através de tais normas legislativas, o BCE, por seu turno, poderá encontrar‑se novamente perante o referido conflito de objetivos, entre a garantia da estabilidade dos preços e o aumento das receitas para o SEBC. Pelo menos, poderá surgir a impressão de que a margem de apreciação do BCE em matéria de política monetária é determinada ou limitada por normas legislativas nacionais tais como o artigo 40.o da ZPSVIKOB. Todavia, existem indícios empíricos de que o grau de confiança do público na capacidade de um banco central para garantir a estabilidade dos preços depende, em larga medida, da perceção de independência do banco central ( 32 ).

80.

Caso contrário, restaria a alternativa de requerer medidas de recapitalização ao Governo do Estado‑Membro em causa. É evidente que estas ajudas podem estar associadas a condições e, por conseguinte, ao risco de influência da política sobre a política monetária ( 33 ).

81.

Em terceiro lugar, a insuficiência de recursos próprios de um BCN do Eurosistema pode até, em última instância, conduzir a um problema de liquidez. Com efeito, os BCN do Eurosistema têm, contrariamente aos outros bancos centrais, a particularidade de a sua possibilidade de criação de moeda ser limitada por força do artigo 128.o, n.o 1, TFUE, uma vez que qualquer emissão de euros está sujeita a autorização do BCE. O artigo 40.o da ZPSVIKOB prevê apenas a utilização do excedente de receitas para o financiamento dos pagamentos de indemnizações, depois de deduzidas todas as despesas. No entanto, se, durante um período de tempo prolongado, as receitas forem inferiores às despesas e as reservas restantes já se tiverem esgotado, o Banka Slovenije não pode simplesmente emitir mais moeda, por exemplo, para cobrir os seus custos de exploração e de administração, por força do artigo 128.o, n.o 1, TFUE. Nesse caso, se o BCE interviesse ou autorizasse a emissão adicional de moeda para este efeito, tal seria, por seu turno, problemático sob vários aspetos em termos de reputação.

82.

Por conseguinte, uma norma como a do artigo 40.o da ZPSVIKOB pode prejudicar a independência e, deste modo, a capacidade de funcionamento do BCN.

c)   Conclusão

83.

Em face do exposto, os artigos 130.o TFUE e 7.o dos Estatutos do SEBC e do BCE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional relativa à utilização do lucro de um BCN que impede totalmente o BCN, durante vários anos, de alimentar as suas reservas gerais e segundo a qual, além disso, as reservas já existentes deste BCN podem ser utilizadas até um determinado montante para o financiamento de funções de serviço público. Com efeito, tal legislação acarreta o risco de, em caso de ocorrência de prejuízos relacionados com operações de política monetária, o valor líquido do capital próprio deste BCN cair abaixo do montante do seu capital social ou chegar a ser negativo, durante um período de tempo prolongado.

2.   Quanto à proibição do financiamento monetário dos Estados decorrente do artigo 123.o TFUE (primeira e segunda questões prejudiciais)

84.

Tendo em conta as considerações precedentes, importa agora analisar se se deve considerar que a obrigação do Banka Slovenije de indemnizar os investidores dos bancos resolvidos ou objeto de recuperação imposta pelo Estado, com os seus recursos próprios, constitui também uma violação da proibição do financiamento monetário dos Estados.

85.

Nos termos do artigo 123.o TFUE, é proibida a «concessão de créditos sob a forma de descobertos ou sob qualquer outra forma» pelo BCE ou pelos BCN em benefício de governos centrais, autoridades regionais, locais, ou outras autoridades públicas, outros organismos do setor público ou empresas públicas dos Estados‑Membros. O artigo 1.o, n.o 1, alínea b), ii), do Regulamento n.o 3603/93 define o conceito de «créditos sob qualquer outra forma» como «qualquer financiamento de obrigações do setor público em relação a terceiros».

86.

Tendo em conta esta definição de financiamento monetário dos Estados, importa analisar, em primeiro lugar, se as indemnizações que o Banka Slovenije deve, por força da ZBan‑1 e da ZPSVIKOB, em determinadas circunstâncias, eventualmente pagar aos acionistas e aos credores de instituições de crédito incumpridoras constituem «obrigações do setor público em relação a terceiros» [v., a este respeito, a)].

87.

Em segundo lugar, tendo em conta que o financiamento ocorre através dos proveitos do Banka Slovenije, que, normalmente, já seriam canalizados para o orçamento de Estado, pelo menos, em parte, importa analisar se tal consubstancia um «financiamento» por um BCN, proibido, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), ii), do Regulamento n.o 3603/93 [v., a este respeito, b)].

a)   Quanto ao conceito de «obrigações do setor público em relação a terceiros»

88.

A ZBan‑1 e a ZPSVIKOB preveem dois tipos de pagamentos de indemnizações: em primeiro lugar, a indemnização aos investidores de um banco do valor insolvente dos seus instrumentos de capital, caso se venha a concluir que o princípio NCWO não foi respeitado na redução ou cancelamento dos mesmos, por falta de diligência do Banka Slovenije (primeira questão prejudicial) ( 34 ). Recorde‑se que, nos termos deste princípio, nenhum investidor deve, devido à intervenção do Estado, que consiste na resolução, ficar numa situação pior do que aquela em que se encontraria se tivesse sido realizado um processo de insolvência normal. Os investidores demandantes alegam, por outras palavras, nos processos de indemnização que correm termos perante os órgãos jurisdicionais eslovenos, que com a insolvência dos bancos resolvidos teriam recebido mais do que receberam no âmbito da resolução ou do saneamento pelo Banka Slovenije.

89.

Em segundo lugar, prevê‑se uma indemnização fixa para os investidores com menor rendimento, correspondente a 80 % do valor nominal dos instrumentos de capital, num montante máximo de indemnização de 20000 euros, sendo irrelevante que fosse ou não possível obter este valor na insolvência (segunda questão prejudicial) ( 35 ).

90.

Quanto à questão de saber se estas obrigações de pagamento constituem «obrigações do setor público em relação a terceiros», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), ii), do Regulamento n.o 3603/93, todos os intervenientes no processo, ainda que com conclusões diferentes, defenderam que é determinante saber se está em causa a responsabilidade objetiva ou fundada na culpa. Com efeito, na medida em que a responsabilidade está associada a uma obrigação do Banka Slovenije, os créditos resultantes da mesma são obrigações «próprias» deste último e não «obrigações do setor público em relação a terceiros».

91.

No entender do Governo esloveno, a responsabilidade de um BCN por violações de deveres rege‑se, de acordo com o artigo 35.o‑3 dos Estatutos do SEBC e do BCE, exclusivamente pelas respetivas legislações nacionais. O mesmo alega ainda que, aliás, tanto esta disposição como também o artigo 340.o, terceiro parágrafo, TFUE preveem, quanto ao BCE, que este último é responsável perante terceiros pelos danos causados por si próprio ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

92.

A Comissão considera que o mesmo também se aplica no caso de a responsabilidade fundada na culpa ser desencadeada pelo exercício de funções de serviço público nacional, uma vez que é ao BCN que cabe, por força do artigo 14.o‑4 dos Estatutos do SEBC e do BCE, «a responsabilidade e o risco» pelo exercício dessas funções.

93.

O Banka Slovenije e o BCE não contestaram expressamente esta argumentação. No entanto, defenderam que no caso das obrigações de pagamento controvertidas não estava, em todo o caso, em causa a responsabilidade fundada na culpa, mas antes a responsabilidade objetiva.

94.

Quanto à indemnização fixa, tal parece pacífico. Contudo, também é pacífico que a obrigação de indemnização nos termos do princípio NCWO está associada, de lege lata, à falta de diligência do Banka Slovenije e, por conseguinte, a um elemento de culpa. No entanto, o Banka Slovenije e o BCE alegam, no essencial, que a obrigação de indemnização nos termos do princípio NCWO decorre diretamente do direito fundamental de propriedade consagrado no artigo 17.o, n.o 1, da Carta e, por esse motivo, também não pode, de lege ferenda, ser subordinado a um elemento de culpa. Consequentemente, trata‑se, em todo o caso, de uma «obrigação do setor público em relação a terceiros», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), ii), do Regulamento n.o 3603/93.

1) Irrelevância do facto de a responsabilidade depender de um elemento de culpa

95.

Porém, conforme irei expor em seguida, para a questão relativa à violação do artigo 123.o TFUE é irrelevante se a obrigação de pagamento do BCN é ou não reconduzível à violação de um dever próprio seu.

96.

Pelo contrário, a qualificação como obrigação «própria» do BCN ou como «obrigação do setor público», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), ii), do Regulamento n.o 3603/93, pode depender exclusivamente de saber se a responsabilidade está associada ao exercício das funções de um BCN no quadro do SEBC ou ao exercício de outras funções públicas, na aceção do artigo 14.o‑4 dos Estatutos do SEBC ou do BCE ( 36 ).

97.

Caso contrário, um Estado‑Membro poderia subtrair‑se às suas obrigações financeiras, transferindo para o seu BCN, no interesse público, funções extremamente necessárias, mas particularmente intrusivas e dispendiosas ( 37 ). Tal aplica‑se precisamente às funções relacionadas com riscos de responsabilidade e, em especial, quando a responsabilidade é desde logo espoletada pela falta de diligência ou até pelo caráter objetivo da responsabilidade.

98.

Com a transferência destas funções para qualquer outro organismo público, o Estado acabaria por responder pelos danos eventualmente causados, mas no caso da transferência para um BCN, as obrigações daí resultantes seriam, em princípio, neutras para os cofres do Estado, devido à estrita separação entre o orçamento do Estado e o orçamento do banco central ( 38 ). Conforme acima exposto, os orçamentos separados constituem um elemento essencial para garantir a independência dos bancos centrais ( 39 ). Em consequência, o encargo para o orçamento do banco central não pode ser equiparado ao encargo para os cofres do Estado.

99.

Além disso, esse encargo para o próprio BCN é incompatível com o sentido e o objetivo do artigo 123.o TFUE, que proíbe toda e qualquer assistência financeira do SEBC a um Estado‑Membro ( 40 ). Assim, a transferência de outras funções públicas para um BCN sem o correspondente financiamento deve, em princípio, ser considerada como um apoio financeiro do Estado‑Membro em causa, se estas funções tiverem tipicamente custos associados que, na sequência da transferência, passem a ter de ser suportados pelo BCN e não pelo Estado‑Membro.

100.

O mesmo resulta do artigo 14.o‑4 dos Estatutos do SEBC e do BCE, segundo o qual os BCN assumem funções nacionais sob sua responsabilidade e riscos próprios. Esta disposição nada refere acerca de quem deve suportar financeiramente a atividade, mas estabelece apenas a quem a mesma é imputável. Por conseguinte, o artigo 14.o‑4 estabelece ainda, expressamente, que as funções exercidas por um BCN sob sua responsabilidade e risco próprios «não são consideradas funções do SEBC».

2) O financiamento da resolução como outra função pública na aceção do artigo 14.o‑4 dos Estatutos do SEBC e do BCE

101.

O saneamento por intervenção do Estado e a resolução ordenada de bancos não consubstanciam uma função de um BCN no quadro do SEBC, mas uma outra função pública ( 41 ). As funções do SEBC encontram‑se taxativamente descritas no artigo 127.o TFUE e consistem, essencialmente, na implementação da política monetária da União ( 42 ).

102.

As medidas de resolução e saneamento ordenadas pelo Banka Slovenije em 2013 e 2014 ainda deviam, naquela altura, ser consideradas como funções puramente nacionais, uma vez que foram implementadas antes da harmonização das disposições relativas à resolução bancária no plano da União, instituída pelo Regulamento n.o 806/2014 e pela Diretiva 2014/59.

103.

Mas a resolução bancária também não deveria ser qualificada como função do SEBC, após a instituição da união bancária. Nos termos do artigo 127.o, n.o 5, TFUE, o SEBC contribui para a boa condução das políticas desenvolvidas pelas autoridades competentes no que se refere à estabilidade do sistema financeiro.

104.

Porém, daí não se pode inferir que a resolução bancária constitui uma função do SEBC. Tal resulta desde logo da redação do artigo 127.o, n.o 5, TFUE, segundo o qual o SEBC apoia «as autoridades competentes» na boa condução destas políticas e não é, ele próprio, responsável por estas políticas. Para este efeito, o artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2014/59 permite que os Estados‑Membros, à luz do regime jurídico atual, designem os seus BCN como autoridade de resolução ( 43 ). No entanto, esta disposição esclarece que, nesse caso, os BCN serão investidos de competências administrativas públicas.

105.

Assim, o disposto nos artigos 127.o, n.o 5, TFUE e 3.o, n.o 3, da Diretiva 2014/59 indicia apenas que a transferência destas funções para um BCN, em princípio, não interfere com os objetivos e atribuições do SEBC (v. artigo 14.o‑4, segundo período, dos Estatutos do SEBC e do BCE). Contudo, não é a transferência da função de resolução bancária para um BCN que a transforma numa função do SEBC. Aliás, no plano da União, a competência para a resolução não é do BCE, mas de uma agência especificamente criada para esse fim, o Conselho de Resolução (Single Resolution Board, abreviadamente, «SRB») ( 44 ).

106.

Consequentemente, em 2013 e 2014, o Banka Slovenije, na qualidade de autoridade de resolução, exerceu uma outra função pública na aceção do artigo 14.o‑4 dos Estatutos do SEBC e do BCE. Esta não é uma função do SEBC e, por conseguinte, deve, em princípio, ser financiada pelos Estados‑Membros.

107.

O requisito da suficiência do financiamento assume relevância, em particular, no contexto em que o saneamento ou a resolução de um banco estão inevitavelmente associados a intervenções significativas nos direitos de propriedade dos seus acionistas e credores. Assim, o antigo direito esloveno também fazia depender a medida de saneamento, com utilização de dinheiros públicos, da redução e da transformação dos instrumentos de capital relevantes ( 45 ).

108.

Ao mesmo tempo, a Lei de 2019 prevê agora, por um lado, a obrigação de indemnização fixa em benefício de determinados investidores, nos termos dos artigos 4.o a 7.o da ZPSVIKOOB. Por outro lado, segundo a ZBan‑1 e a ZPSVIKOB, o Banka Slovenije é responsável pelas violações do princípio NCWO, sendo a falta de diligência nos termos do artigo 223.o‑A da ZBan‑1 suficiente para esta responsabilidade se verificar. Segundo esta norma, a mesma existe quando o dano (ou seja, aqui, a violação do princípio NCWO) é consequência da desconsideração de factos e circunstâncias que o Banka Slovenije conhecia ou devia conhecer aquando da sua decisão.

109.

A falta de diligência assim definida pode, porém, ocorrer com relativa rapidez sempre que seja detetada a violação do princípio NCWO.

110.

O alcance das necessárias redução e transformação de instrumentos de capital é definido antes da decisão de resolução de um banco, com base numa avaliação dos seus ativos e passivos. No âmbito desta avaliação, também se procurará apurar o valor que, num cenário de insolvência, seria atribuído aos ativos e passivos. No entanto, na maior parte dos casos, esta avaliação deve ser realizada sob uma pressão extrema em termos de tempo, sendo que, na maior parte das vezes, a própria resolução é feita num fim de semana, e deve ser limitada aos ativos e passivos mais importantes do banco. Assim, não está afastada a possibilidade de uma avaliação realizada após a resolução, tendo em conta todos os dados disponíveis, chegar à conclusão de que determinados instrumentos de capital obteriam um valor mais elevado num cenário de insolvência. Nesta situação, aplica‑se o princípio NCWO ( 46 ).

111.

Assim, o Estado‑Membro também deve certamente contar com a ocorrência de uma tal situação de responsabilidade. Com a transferência para um qualquer outro organismo do Estado‑Membro, o orçamento de Estado acabaria por ser onerado com estes pagamentos. Só com a sua designação como autoridade de resolução é que o Banka Slovenije é colocado na situação de ter de pagar as respetivas indemnizações com os seus próprios recursos. Esta situação torna‑se ainda mais evidente no caso da obrigação de prestação de uma indemnização fixa, nos termos dos artigos 4.o a 7.o da ZPSVIKOB.

3) Conclusão intercalar

112.

À luz das considerações acima expostas, os dois tipos de pagamentos de indemnizações devem ser considerados «obrigações do setor público em relação a terceiros», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), ii), do Regulamento n.o 3603/93.

4) A título subsidiário: do artigo 17.o, n.o 1, da Carta não resulta uma obrigação objetiva dos Estados‑Membros de indemnização ao abrigo do princípio NCWO com recurso a fundos públicos

113.

Contudo, caso o Tribunal de Justiça chegue à conclusão de que a questão da existência de uma «obrigação do setor público em relação a terceiros» depende, efetivamente, de saber se a responsabilidade do BCN é fundada na culpa ou se se baseia numa obrigação objetiva, salienta‑se o seguinte: contrariamente ao que afirma o BCE, o Tribunal de Justiça ainda não declarou, expressamente, que o artigo 17.o, n.o 1, da Carta exige imprescindivelmente o cumprimento do princípio NCWO.

114.

O princípio NCWO assenta no raciocínio segundo o qual, em caso de (provável) insolvência de um banco sem a intervenção do Estado, a insolvência do mesmo é a única alternativa. Por outras palavras, em todo o caso, nesta situação, aos instrumentos de capital dos seus acionistas e credores já não cabe um valor de mercado superior ao valor da insolvência ( 47 ). Neste sentido, o Tribunal de Justiça declarou que a redução ou o cancelamento de instrumentos de capital de um banco (provavelmente) insolvente, respeitando, simultaneamente, o princípio NCWO, não constituem uma ingerência injustificada no direito de propriedade dos acionistas afetados ( 48 ).

115.

Contudo, daqui não se pode concluir, a contrario, que existe necessariamente uma ingerência injustificada se este princípio não for respeitado.

116.

A ingerência assim tão grave no direito de propriedade, normalmente, requer uma indemnização adequada ( 49 ). Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») ( 50 ), em casos específicos, uma indemnização abaixo do valor de mercado também pode ser adequada, por razões de interesse geral ( 51 ). Em certos casos, tais ponderações do interesse geral podem, sem dúvida, ser tidas em conta no âmbito de uma resolução de um banco. Especialmente, porque, caso contrário, será a generalidade das pessoas a ter de suportar estes encargos, e não os investidores do banco, apesar de só estes últimos terem beneficiado dos seus proveitos, nos períodos de sucesso económico. Além disso, a capacidade de ação dos organismos estatais poderia ser indevidamente limitada, se os mesmos tivessem necessariamente de indemnizar, em todos os casos, pelo valor de insolvência, os investidores de um banco cujo colapso pudesse acarretar consequências graves para a economia.

117.

Neste sentido, o direito da União prevê, entretanto, ou seja, no âmbito do novo regime jurídico subsequente à instituição da união bancária, que os investidores de um banco objeto de resolução podem exigir uma indemnização ao abrigo do princípio NCWO. No entanto, esta não é financiada por fundos públicos, mas a partir de recursos do Fundo Único de Resolução, o qual é alimentado pelas contribuições dos próprios bancos comerciais ( 52 ).

118.

Em conclusão, do artigo 17.o, n.o 1, da Carta não resulta uma obrigação objetiva de um Estado‑Membro, ou seja, permanente e independente da violação de algum dever de indemnização ao abrigo do princípio NCWO com recursos públicos. Consequentemente, por este motivo, esta indemnização não constitui uma «obrigação do setor público em relação a terceiros».

119.

Pelo contrário, a qualificação das indemnizações devidas ao abrigo do direito esloveno como «obrigações do setor público em relação a terceiros» deve‑se à circunstância de estas obrigações resultarem exclusivamente da transferência de uma outra função pública, nomeadamente, a de resolução de um banco, para o BCN, sem o respetivo financiamento ( 53 ).

b)   Quanto à fonte de financiamento

120.

No entanto, numa fase seguinte, coloca‑se a questão de saber se todo o financiamento desta obrigação com recursos do BCN implica a violação do artigo 123.o TFUE.

121.

Neste contexto, o Governo esloveno parece defender que só o financiamento direto através da criação de moeda viola a proibição de financiamento monetário dos Estados decorrente do artigo 123.o TFUE. Contudo, nos termos do artigo 40.o da ZPSVIKOB, os pagamentos de indemnizações são financiados pelos proveitos (definidos como excedente das receitas em relação às despesas) do Banka Slovenije ( 54 ).

122.

Os proveitos de um banco central provêm das suas operações de política monetária. Nos termos do artigo 18.o‑1 dos Estatutos do SEBC e do BCE, estas são realizadas exclusivamente a fim de alcançarem os objetivos referidos no artigo 127.o TFUE, ou seja, prioritariamente para garantia da estabilidade dos preços. Deste modo, os proveitos podem resultar, em especial, da emissão de moeda ou das receitas dos juros obtidas com as operações de refinanciamento ( 55 ), mas também de receitas de transações de valores mobiliários ou de operações em divisas. Nem o artigo 123.o TFUE nem o Regulamento n.o 3603/93 estabelecem expressamente se a utilização destes recursos para fins orçamentais deve ou não ser considerada um financiamento de Estado proibido.

123.

Porém, neste contexto, a Comissão também sublinhou o facto de uma parte dos proveitos do Banka Slovenije, utilizados por este último para a constituição das reservas especiais, ser, normalmente, canalizada para o orçamento de Estado. Desta forma, suscita‑se a questão legítima de se pode ser relevante para a admissibilidade do mecanismo indemnizatório saber se a parte dos proveitos do BCN em causa é diretamente utilizada para o pagamento das respetivas indemnizações ou se o é apenas depois de canalizada para o orçamento de Estado.

124.

A utilização de uma parte dos proveitos do BCN para financiar despesas gerais do Estado é prática comum em quase todos os Estados‑Membros da União ( 56 ). Assemelha‑se à utilização de excedentes de coimas ou multas para fins orçamentais. Em princípio, não é considerada uma violação da proibição do financiamento monetário dos Estados, uma vez que os lucros são apenas um «produto acessório» das medidas de política monetária de um BCN e não o resultado de uma atividade económica do Estado com fins lucrativos ( 57 ).

125.

No entanto, a possibilidade de utilização destes proveitos pelo Estado não pode ser desviada do seu objetivo. Caso contrário, poderia, em última análise, conduzir à evasão da proibição de financiamento monetário dos Estados ( 58 ).

126.

Presume‑se o desvio do objetivo quando os objetivos de política monetária passam para segundo plano a fim de serem realizados objetivos de financiamento. No entanto, é precisamente a este resultado que conduz a norma do artigo 40.o da ZPSVIKOB.

127.

Com efeito, nos termos da mesma, não é apenas a parte dos proveitos normalmente canalizada para o orçamento de Estado que é utilizada para fins de financiamento e, deste modo, para fins que não os de política monetária, mas, em particular, também a parte destinada à constituição das reservas gerais. Com efeito, conforme já foi demonstrado, em última instância, a criação de reservas suficientes também se destina à obtenção de capacidade de ação em matéria de política monetária e, por conseguinte, à capacidade de funcionamento de um banco central ( 59 ). Isto é especialmente relevante numa situação como a presente, em que, além disso, as reservas já constituídas podem ser utilizadas para fins de financiamento até ao montante de 50 % e, consequentemente, deixam de poder ser utilizadas para fins de absorção de prejuízos ( 60 ).

128.

Em termos muito gerais, as operações de política monetária não podem visar a obtenção de receitas, mas devem contribuir para alcançar os objetivos do artigo 127.o TFUE. Contudo, no presente caso, a norma do artigo 40.o da ZPSVIKOB poderia criar um incentivo ou, em casos extremos, a pressão política para a utilização dos mecanismos de política monetária com fins lucrativos e deixar os motivos de política monetária em segundo plano. Com efeito, pelas razões acima expostas, o BCN tem interesse em repor o mais rapidamente possível a sua liberdade de decisão relativamente à utilização dos seus proveitos, a fim de constituir reservas ( 61 ).

129.

Deste modo, a proibição do financiamento monetário dos Estados também assegura a independência do SEBC ( 62 ). Com efeito, esta proibição não se destina apenas a garantir uma certa disciplina orçamental dos Estados‑Membros ( 63 ). Pelo contrário, pretende‑se, por um lado, com a mesma impedir que os Governos dos Estados‑Membros aumentem a base monetária com as suas decisões de política fiscal e, desde modo, possam eventualmente influenciar a política monetária do SEBC ( 64 ). No entanto, por outro lado, quando se exclui o acesso total dos Governos dos Estados‑Membros aos recursos dos BCN, também se impede que os Governos comprometam assim a independência financeira do seu banco central.

130.

Por conseguinte, em conclusão, a utilização dos proveitos pelo BCN é desviada do seu objetivo por uma norma como a do artigo 40.o da ZPSVIKOB ( 65 ). Tal consubstancia um desvio à proibição prevista no artigo 123.o TFUE.

c)   Conclusão

131.

Em face do exposto, o artigo 123.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual um BCN, na qualidade de autoridade de resolução, é obrigado a pagar aos investidores de uma instituição de crédito, cujos instrumentos de capital tenham sido reduzidos ou cancelados na sequência de uma medida de recuperação ou de resolução ordenada pelo mesmo, uma indemnização financiada da seguinte forma: em primeiro lugar, são utilizados todos os proveitos obtidos pelo referido BCN a partir de uma determinada data, bem como uma parte das reservas já constituídas, e, caso estes sejam insuficientes, é concedido um crédito pelo Estado‑Membro em causa, cujo reembolso também será feito com recurso a todos os proveitos futuros do BCN, até ser atingido o valor do montante em dívida.

Tal é o caso, tanto quando a obrigação de indemnização nos termos do direito nacional é desencadeada pela violação do denominado princípio «no creditor worse off», que se pode reconduzir à violação do dever de diligência, como também quando esta obrigação existe objetivamente em relação a um determinado grupo de investidores, sem que seja necessário fazer prova da violação do princípio acima referido ou da falta de diligência do BCN.

B. Quanto à quarta a oitava questões prejudiciais

132.

Com as suas quarta a oitava questões prejudiciais, o Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) pretende, em última análise, saber, se, em especial, o artigo 44.o, n.o 1, da Diretiva 2006/48 ou a norma que lhe sucedeu e que, no essencial, tem o mesmo teor, consagrada no artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, são contrários ao disposto nos artigos 10.o a 22.o da ZPSVIKOB.

133.

Estas últimas disposições obrigam o Banka Slovenije a publicar, total ou parcialmente, na Internet, ou a tornar acessíveis a potenciais demandantes num litígio relativo a indemnização, num espaço de dados virtual, determinados documentos e informações que serviram de base à sua decisão de redução ou cancelamento de instrumentos de capital no quadro das medidas de resolução e saneamento ordenadas em 2013 e 2014. Em concreto, estão em causa as conclusões dos testes de esforço e os relatórios relativos às Asset Quality Reviews (AQR), que foram realizados antes da resolução ou do saneamento das instituições de crédito, bem como as avaliações dos seus ativos e passivos, com base nos quais o Banka Slovenije decidiu o alcance concreto do cancelamento ou da redução dos instrumentos de capital.

134.

A publicação das informações respeitantes ao banco em causa, na Internet, é realizada, de acordo com as informações do órgão jurisdicional de reenvio, de forma agregada, mediante ocultação de todos os dados pessoais, informações confidenciais e segredos comerciais, mas mediante a identificação da instituição de crédito, e é acessível a todos. O acesso ao espaço de dados virtual é concedido a todos os potenciais demandantes num litígio relativo a indemnização e aos seus mandatários, ou seja, em concreto, aos (antigos) titulares dos instrumentos de capital reduzidos ou cancelados. Para tanto, os dados pessoais são ocultados, as informações confidenciais e os segredos comerciais são identificados como tais.

1.   Quanto à aplicabilidade material das Diretivas 2006/48 e 2013/36

135.

A Diretiva 2006/48, também conhecida como «CRD III» (em inglês, Capital Requirements Directive), continha normas relativas ao acesso à atividade das instituições de crédito, bem como à sua supervisão prudencial. Foi substituída, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, pela Diretiva 2013/36, ou «CRD IV».

136.

O artigo 44.o da Diretiva 2006/48 ou o artigo 53.o da Diretiva 2013/36 são aplicáveis à atividade das autoridades a quem o direito nacional tenha atribuído as funções de supervisão ( 66 ) e estabelecem o caráter confidencial de determinadas informações obtidas por estas autoridades no exercício da sua atividade de supervisão.

a)   Inaplicabilidade direta às medidas de saneamento e de liquidação, na aceção da Diretiva 2001/24

137.

De acordo com o pedido de decisão prejudicial, o Banka Slovenije já tinha assumido a função de supervisão bancária na vigência da Diretiva 20065/48. No entanto, as medidas extraordinárias ordenadas em 2013 e 2014, por força das quais foram utilizados os documentos e as informações aqui em causa, não constituem medidas prudenciais. Pelo contrário, no entender unânime do órgão jurisdicional de reenvio e de todos os intervenientes no processo, as medidas em causa devem ser consideradas medidas de saneamento ou de liquidação na aceção da Diretiva 2001/24, ordenadas pelo Banka Slovenije no exercício (em paralelo) da sua função de autoridade de resolução ao abrigo do artigo 2.o da Diretiva 2001/24. Por conseguinte, os atores acima referidos também concordam que as disposições das Diretivas 2006/48 e 2013/36 não são diretamente aplicáveis a esta atividade do Banka Slovenije.

138.

Aliás, tanto o Banka Slovenije como a Comissão sublinham que pelo menos uma parte das informações cuja publicação ou disponibilização estão previstas nos artigos 10.o a 22.o da ZPSVIKOB, apresentam uma relação material com a supervisão bancária.

139.

Nesta medida, resulta do artigo 48.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/48, em conjugação com o segundo parágrafo da mesma disposição, ou do artigo 59.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2013/36 que as informações protegidas num contexto prudencial não perdem esta proteção quando são transmitidas ou utilizadas num contexto de resolução. Com efeito, as primeiras disposições preveem que a transmissão às autoridades de resolução é permitida, devendo ser assegurado que, neste caso, também exista uma proteção para estas informações que seja pelo menos equivalente à dos artigos 44.o da Diretiva 2006/48 ou 63.o da Diretiva 2013/36.

140.

No presente caso, deve ser feita a distinção entre a avaliação dos ativos e passivos para determinação do alcance necessário da redução e do cancelamento de instrumentos de capital, por um lado, e os testes de esforço e as AQR, por outro.

141.

A avaliação é uma fase processual essencial e típica quando é ordenada uma medida de saneamento ou de resolução por intervenção estatal ( 67 ). Conforme já foi concluído, estas medidas não são materialmente abrangidas pelas Diretivas 2006/48 e 2013/36 ( 68 ).

142.

Em contrapartida, é certo que os testes de esforço e as AQR regulares são instrumentos prudenciais ( 69 ). Considerados conjuntamente, fala‑se aqui do denominado «Comprehensive Assessment» (avaliação completa), cujas conclusões se destinam normalmente a criar transparência sobre a resiliência de um banco e, deste modo, a reforçar a confiança no setor financeiro. Por conseguinte, o dever de sigilo decorrente do artigo 53.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 não obsta, no entanto, precisamente, a que os testes de esforço sejam publicados, nos termos do seu n.o 3.

143.

Além disso, é possível retirar da decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, no que diz respeito às medidas extraordinárias de 2013 e 2014, que a Eslovénia realizou os testes de esforço e as AQR, relevantes para o presente caso, a pedido da Comissão, apenas para preparar as medidas de saneamento (as quais, no essencial, consistiram numa recapitalização estatal) e para a autorização das mesmas à luz do direito dos auxílios de Estado ( 70 ). Assim, parece não existir uma situação em que as informações recolhidas num contexto prudencial na aceção do artigo 48.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/48 ou do artigo 59.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2013/36 tenham sido transmitidas à autoridade de resolução.

b)   Aplicabilidade das Diretivas 2006/48 e 2013/36 por remissão?

144.

Contudo, o artigo 33.o da Diretiva 2001/24 relativa ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito contém uma remissão para o sigilo profissional «de acordo com as regras e condições previstas no artigo 30.o da [Diretiva 2000/12]», a qual, nos termos da disposição transitória do artigo 158.o, n.o 2, da Diretiva 2006/48 que substituiu a Diretiva 2000/12, deve entender‑se como sendo feita para os artigos 44.o e seguintes da mesma. Uma vez que a Diretiva 2006/48, por seu turno, foi revogada pela Diretiva 2013/36, esta remissão deve ler‑se como uma remissão para os artigos 53.o e seguintes da Diretiva 2013/36 (v. artigo 163.o da Diretiva 2013/36).

145.

O Banka Slovenije deduz daí que, em especial, o artigo 53.o da Diretiva 2013/36 também é aplicável às medidas de saneamento e liquidação na aceção da Diretiva 2001/24.

146.

No entanto, conforme o Tribunal de Justiça já declarou, a Diretiva 2001/24 não pretende harmonizar a legislação nacional em matéria de saneamento e liquidação de instituições de crédito ( 71 ). Pelo contrário, esta diretiva pretende apenas regular o reconhecimento mútuo destas medidas nos Estados‑Membros ( 72 ). Neste sentido, o artigo 33.o desta diretiva refere‑se, desde logo, de acordo com a sua redação, apenas a informações no âmbito dos processos de informação ou de consulta, trocadas entre as autoridades dos diferentes Estados‑Membros, destinadas precisamente ao reconhecimento mútuo destas medidas. Porém, tanto quanto se vislumbra do pedido de decisão prejudicial, as informações controvertidas no processo principal não têm qualquer relação com tais processos transfronteiriços.

147.

Contrariamente à supervisão bancária, relativamente à qual já foram estabelecidas regras uniformes desde o ano 2000 ( 73 ), a resolução bancária só foi harmonizada pela Diretiva 2014/59 em 2014 ou, seguidamente, pelo Regulamento n.o 806/2014 e, assim, já após a adoção das medidas relevantes para o presente processo.

148.

Consequentemente, a remissão feita pelo artigo 33.o da Diretiva 2001/24 não pode ser entendida no sentido de que ordena a confidencialidade de todas as informações relacionadas com uma medida de saneamento ou resolução anteriormente exclusivamente sujeita ao direito nacional. Com efeito, na vigência da Diretiva 2001/24 não estava, precisamente, prevista a harmonização dos requisitos destas medidas.

c)   Aplicabilidade da Diretiva 2006/48 em caso de exercício da atividade de supervisão e resolução pela mesma autoridade?

149.

Por último, neste contexto, os argumentos da Comissão quanto à aplicabilidade da Diretiva 2006/48 também devem ser rejeitados. Esta defendeu, no processo perante o Tribunal de Justiça, que a mera circunstância de a Eslovénia, na vigência da Diretiva 2006/48, ter transferido a função de resolução bancária, que não é abrangida por esta diretiva, para a mesma autoridade, que também exercia a função de supervisão bancária, regulada pela Diretiva 2006/48, permite concluir que esta diretiva também é aplicável à atividade de resolução bancária.

150.

No entanto, não é isso que a Diretiva 2006/48 prevê. Embora não imponha, contrariamente às diretivas que lhe sucederam ( 74 ), uma separação institucional estrita entre a supervisão bancária e a resolução bancária, tal não significa que as mesmas regras se apliquem à supervisão bancária e à resolução bancária, em especial, não no contexto em que, na vigência da Diretiva 2006/48, a resolução bancária nem sequer estava harmonizada no plano do direito da União ( 75 ).

151.

Da simples transferência de funções de resolução para a autoridade de supervisão também não se pode concluir que, em matéria de resolução de instituições de crédito, o Estado‑Membro em causa pretendeu submeter‑se ao regime jurídico harmonizado aplicável às autoridades de supervisão. Pelo contrário, tal entendimento pressuporia que os órgãos jurisdicionais deste Estado‑Membro declarassem que o Estado‑Membro em causa também pretende vincular‑se às disposições da diretiva numa matéria que não está abrangida pelo âmbito de aplicação da mesma ( 76 ). No presente caso, está em causa o contrário, uma vez que o Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) questiona precisamente o Tribunal de Justiça sobre se as diretivas em matéria de supervisão bancária, no período anterior à instituição da união bancária e à harmonização da resolução bancária que a mesma implica, também eram aplicáveis à atividade das autoridades de resolução dos Estados‑Membros.

d)   Conclusão

152.

Em face do exposto, os artigos 44.o da Diretiva 2006/48 e 53.o da Diretiva 2013/36 não são aplicáveis às conclusões dos testes de esforço nem aos relatórios relativos à AQR de uma instituição de crédito, realizados para efeitos de adoção de uma medida de saneamento ou de liquidação na aceção da Diretiva 2001/24 e sob vigência exclusiva da mesma, nem à avaliação dos ativos e dos passivos dessa instituição de crédito, realizada neste contexto.

153.

À luz dessa conclusão, não há necessidade de responder à quinta a oitava questões prejudiciais.

2.   Quanto à relevância da publicação ou disponibilização dos documentos em causa para o exercício efetivo dos direitos dos (antigos) titulares de instrumentos de capital reduzidos ou cancelados

154.

Esta conclusão está em conformidade com os requisitos estabelecidos pelo TEDH para a proteção da propriedade. Este último declarou, na sua decisão no processo Pintar e o. c. Eslovénia, que o regime jurídico esloveno anterior à publicação ou à entrada em vigor da ZPSVIKOB, no que diz respeito aos direitos dos (antigos) titulares de instrumentos de capital reduzidos ou cancelados, constitui uma violação da vertente processual do direito de propriedade, resultante do artigo 1.o do Protocolo Adicional n.o 1 à CEDH.

155.

No entender do TEDH, a confidencialidade das informações e dos documentos, com base na qual foi adotada a decisão relativa à redução e ao cancelamento dos instrumentos de capital em causa naquele processo, não permitiu que estas pessoas compreendessem as circunstâncias em que tinha ocorrido a ingerência no seu direito de propriedade e os motivos nos quais a mesma se baseou ( 77 ).

156.

Porém, o conhecimento destas circunstâncias e destes motivos era necessário para a eventual interposição de recurso contra a ingerência no direito de propriedade. O TEDH sublinha que, especialmente, as conclusões do teste de esforço e os relatórios relativos às AQR eram informações decisivas neste sentido ( 78 ).

VI. Conclusão

157.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional, Eslovénia) nos seguintes termos:

1.

Os artigos 130.o TFUE e 7.o do Protocolo n.o 4 relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional relativa à utilização do lucro de um BCN que impede totalmente o BCN, durante vários anos, de alimentar as suas reservas gerais e segundo a qual, além disso, as reservas já existentes deste BCN podem ser utilizadas até um determinado montante para o financiamento de funções de serviço público. Com efeito, tal legislação acarreta o risco de, em caso de ocorrência de prejuízos relacionados com operações de política monetária, o valor líquido do capital próprio deste BCN cair abaixo do montante do seu capital social ou chegar a ser negativo, durante um período de tempo prolongado.

2.

O artigo 123.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual um BCN, na qualidade de autoridade de resolução, é obrigado a pagar aos investidores de uma instituição de crédito, cujos instrumentos de capital tenham sido reduzidos ou cancelados na sequência de uma medida de recuperação ou de resolução ordenada pelo mesmo, uma indemnização financiada da seguinte forma: em primeiro lugar, são utilizados todos os proveitos obtidos pelo referido BCN a partir de uma determinada data, bem como uma parte das reservas já constituídas, e, caso estes sejam insuficientes, é concedido um crédito pelo Estado‑Membro em causa, cujo reembolso também será feito com recurso a todos os proveitos futuros do BCN, até ser atingido o valor do montante em dívida.

Tal é o caso, tanto quando a obrigação de indemnização nos termos do direito nacional é desencadeada pela violação do denominado princípio «no creditor worse off», que se pode reconduzir à violação do dever de diligência, como também quando esta obrigação existe objetivamente em relação a um determinado grupo de investidores, sem que seja necessário fazer prova da violação do princípio acima referido ou da falta de diligência do BCN.

3.

Os artigos 44.o da Diretiva 2006/48/CE e 53.o da Diretiva 2013/36/UE devem ser interpretados no sentido de que não são aplicáveis às conclusões dos testes de esforço nem aos relatórios relativos à análise da qualidade dos ativos (Asset Quality Review) de uma instituição de crédito, realizados para efeitos de adoção de uma medida de saneamento ou de liquidação na aceção da Diretiva 2001/24/UE e sob vigência exclusiva da mesma, nem à avaliação dos ativos e dos passivos dessa instituição de crédito, realizada neste contexto.


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) Em especial, nos Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400), e de 11 de dezembro de 2018, Weiss e o. (C‑493/17, EU:C:2018:1000).

( 3 ) V. artigo 1.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 3603/93 que especifica as definições necessárias à aplicação das proibições enunciadas no artigo 104.o e no n.o 1 do artigo 104.o‑B do Tratado [atuais artigos 123.o e 125.o TFUE] (a seguir «Regulamento n.o 3603/93») (JO 1993, L 332, p. 1).

( 4 ) V. artigos 67.o e segs. do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (a seguir «Regulamento n.o 806/2014») (JO 2014, L 225, p. 1).

( 5 ) A compatibilidade da configuração destas competências com o direito da União, em especial com o direito de propriedade consagrado no artigo 17.o, n.o 1, da Carta, já foi objeto de um processo no Tribunal de Justiça, que deu origem ao Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570).

( 6 ) JO 2016, C 202, p. 230.

( 7 ) V. referência na nota 3.

( 8 ) JO 2001, L 125, p. 15.

( 9 ) V., quanto às referências à Diretiva 2000/12/CE, igualmente, n.o 23 das presentes conclusões.

( 10 ) Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1). Segundo o mesmo, entende‑se por autoridade competente «uma autoridade pública ou um organismo oficialmente reconhecido pelo direito nacional habilitado, por força do direito nacional, a supervisionar as instituições no contexto do sistema de supervisão vigente nesse Estado‑Membro».

( 11 ) Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (a seguir «Diretiva 2014/59») (JO 2014, L 173, p. 190).

( 12 ) Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de março de 2000, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício (JO 2000, L 126, p. 1) (a seguir «Diretiva 2000/12»). V., quanto à relevância das referências à Diretiva 2000/12 após a sua revogação, infra, n.o 23 das presentes conclusões.

( 13 ) JO 2006, L 177, p. 1.

( 14 ) JO 2013, L 176, p. 338.

( 15 ) V. nota 10 das presentes conclusões.

( 16 ) Regulamento (UE) n.o 1093/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/78/CE da Comissão.

( 17 ) Designadamente, no total de 18278,16 euros.

( 18 ) V., a este respeito, desde logo, n.os 36 e segs. das presentes conclusões.

( 19 ) V. Acórdão de 10 de julho de 2003, Comissão/BCE (C‑11/00, EU:C:2003:395, n.o 132).

( 20 ) V. Relatório do Comité Monetário sobre a União Económica e Monetária após a conclusão da primeira fase, de 23 de julho de 1990 (Krägenau, Europäische Wirtschafts‑ und Währungsunion, 1.a ed. 1993, doc. 36, n.o 36), bem como Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Comissão/BCE (C‑11/00, EU:C:2002:556, n.o 154).

( 21 ) V. Cukierman, Central Bank Finances and Independence — How Much Capital Should a CB Have?, Tel Aviv University, 2006, p. 3.

( 22 ) V., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2003, Comissão/BCE (C‑11/00, EU:C:2003:395, n.os 130, 134); de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 40); e de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 46).

( 23 ) V., p. ex., artigo 1.o, n.o 3, da Decisão do BCE, de 13 de dezembro de 2010, relativa à realização do aumento de capital do Banco Central Europeu pelos bancos centrais nacionais dos Estados‑Membros cuja moeda é o euro (BCE/2010/27) (JO 2011, L 11, p. 54).

( 24 ) Langer, in: Siekmann (ed.), EWU‑Kommentar, Vorbemerkungen zu Art. 28‑33 der Satzung des ESZB und der EZB, n.o 9.

( 25 ) Langer, in: Siekmann (ed.), EWU‑Kommentar, Vorbemerkungen zu Art. 28‑33 der Satzung des ESZB und der EZB, n.o 10.

( 26 ) Parece ser igualmente de excluir que o Banka Slovenije, através do mecanismo de financiamento da ZPSVIKOB, possa ser levado a vender reservas cambiais por motivos que não sejam de política monetária e, por conseguinte, deixe de poder cumprir as suas obrigações decorrentes do artigo 30.o‑4. Com efeito, nos termos do artigo 31.o dos Estatutos do SEBC e do BCE, estas transações estão sujeitas a autorização prévia do BCE.

( 27 ) Ou seja, dos proveitos da circulação monetária e das receitas dos juros obtidas com as operações principais de refinanciamento realizadas com os bancos comerciais.

( 28 ) Siekmann, Die Einstandspflicht der Bundesrepublik Deutschland für die Deutsche Bundesbank und die Europäische Zentralbank, Institute for Monetary and Financial Stability Working Paper Series No. 120 (2017), p. 10; Langer, in: Siekmann (ed.), EWU‑Kommentar, Art. 33 der Satzung des ESZB und der EZB, n.o 9.

( 29 ) V., quanto ao BCE, artigo 33.o‑2 dos Estatutos do SEBC e do BCE. V., a este respeito, igualmente, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 125).

( 30 ) Dado que, normalmente, um banco central consegue produzir os seus próprios meios de pagamento, o capital próprio negativo não deve ser equiparado à insolvência. Por conseguinte, a questão de saber se os bancos centrais necessitam sequer de capital próprio é controvertida, v., a este respeito, Adler/Castro/Tovat/Kramer, Does Central Bank Capital Matter for Monetary Policy?, IMF Working Paper, Issue 60 (2012), p. 3 e segs.; Siekmann, Die Einstandspflicht der Bundesrepublik Deutschland für die Deutsche Bundesbank und die Europäische Zentralbank, Institute for Monetary and Financial Stability Working Paper Series No. 120 (2017), p. 34. No entanto, os BCN do Eurosistema só possuem esta competência de forma condicionada; v., a este respeito, infra, n.o 81 das presentes conclusões.

( 31 ) V. Bindseil/Manzanares/Weller, The Role of Central Bank Capital Revisited, ECB Working Paper Series No. 392, setembro de 2004, p. 27; Cukiermann, Central Bank Finances and Independence — How Much Capital Should a CB Have?, Tel Aviv University, 2006, p. 7; Johnson/Zelmer, Implications of New Accounting Standards for the Bank of Canada’s Balance Sheet, Bank of Canada Discussion Paper 2007‑2, p. 16.

( 32 ) Bindseil/Manzanares/Weller, The Role of Central Bank Capital Revisited, ECB Working Paper Series No. 392, setembro de 2004, p. 24.

( 33 ) V., a este respeito, igualmente, Cukiermann, Central Bank Finances and Independence — How Much Capital Should a CB Have?, Tel Aviv University, 2006, pp. 3 e segs.

( 34 ) V., quanto aos requisitos desta responsabilidade, n.os 31, 32 e 34 das presentes conclusões.

( 35 ) V., a este respeito, n.o 35 das presentes Conclusões.

( 36 ) A prática corrente do BCE também vai no mesmo sentido; v. por todos Convergence Report June 2016, p. 30; Convergence Report June 2020, p. 31; e parecer CON/2015/22, n.os 2.3.1. e segs.

( 37 ) Imagine‑se desde logo o caso, que se admite ser improvável, em que um Estado‑Membro incumbe o seu BCN a construção e operação de infraestruturas, tais como rodovias, ferrovias ou aeroportos.

( 38 ) Embora, no presente caso, o Estado esloveno prescinda provisoriamente da sua parte nos proveitos do Banka Slovenije e, deste modo, de recursos para o seu orçamento, tal é apenas uma componente do mecanismo de financiamento. V., a este respeito, infra, n.os 122 e segs. das presentes conclusões.

( 39 ) V., em especial, n.os 55 a 57 das presentes conclusões.

( 40 ) Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle (C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 132); de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 95); e de 11 de dezembro de 2018, Weiss e o. (C‑493/17, EU:C:2018:1000, n.o 103).

( 41 ) A resolução ordenada ou o saneamento por ordem do Estado de bancos é do interesse público, uma vez que as insolvências dos bancos podem ter efeitos negativos graves tanto no sistema financeiro como também na economia real por causa das funções sistémicas dos bancos e, por conseguinte, devem ser evitados na medida do possível; v., p. ex., considerandos 1 e 2 da Diretiva 2014/59 e as minhas Conclusões no processo Banco de Portugal e o. (C‑504/19, EU:C:2020:943, n.o 1).

( 42 ) V. Acórdão de 27 de novembro de 2012, Pringle (C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 94).

( 43 ) Atualmente, os BCN de 15 Estados‑Membros (também) assumem as funções de autoridade nacional de resolução, v. https://www.eba.europa.eu/about‑us/organisation/resolution‑committee/resolution‑authorities.

( 44 ) Aliás, tampouco deve a supervisão bancária ser considerada uma função do SEBC, após a instituição da união bancária, apesar de o BCE assumir em parte esta função no âmbito do mecanismo unitário de supervisão. Com efeito, as funções de supervisão devem ser estritamente separadas das funções de política monetária; v., p. ex., considerandos 65 e 66 do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (a seguir «Regulamento n.o 1024/2013») (JO 2013, L 287 p. 63). Também se deve separar estritamente a supervisão bancária da resolução bancária; v. artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2014/59.

( 45 ) V., a este respeito, Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 26).

( 46 ) V., quanto ao significado e ao funcionamento das diferentes avaliações, em pormenor, as minhas Conclusões nos processos Aeris Invest/SRB e Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/SRB (C‑874/19 P e C‑934/19 P, EU:C:2021:563, n.os 57 a 68, e 74 a 78).

( 47 ) V., a este respeito, em detalhe, as minhas Conclusões no processo Aeris Invest/SRB e Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/SRB (C‑874/19 P e C‑934/19 P, EU:C:2021:563, n.os 112 a 118).

( 48 ) Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 78 e 79), e de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE (C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.os 73 e 74).

( 49 ) Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Direitos de usufruto sobre terrenos agrícolas) (C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 87).

( 50 ) Uma vez que o artigo 17.o da Carta corresponde ao artigo 1.o do Protocolo Adicional n.o 1 à CEDH, esta última disposição deve, nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, ser tomada em consideração como limiar de proteção mínima; v. Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Direitos de usufruto sobre terrenos agrícolas) (C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 72).

( 51 ) V., a este respeito, TEDH, Acórdão de 25 de março de 1999, Papachelas/Grécia (CE:ECHR:1999:0325JUD003142396, § 48).

( 52 ) V. artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014.

( 53 ) V. n.os 96 e segs. e a conclusão no n.o 112 das presentes conclusões.

( 54 ) V., a este respeito, em detalhe, desde logo, n.o 53 das presentes conclusões.

( 55 ) Estes são os denominados proveitos monetários; v. artigo 32.o‑2 dos Estatutos do SEBC e do BCE.

( 56 ) No caso do BCE, o artigo 33.o‑.1, alínea b), dos Estatutos do SEBC e do BCE prevê que o remanescente do lucro líquido após a constituição de reservas será distribuído aos BCN proporcionalmente às participações que tiverem realizado.

( 57 ) Siekmann, Die Verwendung des Gewinns der EZB und der Bundesbank, Institute for Monetary and Financial Stability, Working Paper No. 3 (2006), pp. 13 e 14.

( 58 ) V., quanto à proibição de evasão, considerando 7, do Regulamento n.o 3603/93 e Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 101).

( 59 ) V., a este respeito, em detalhe, n.os 77 e segs. das presentes conclusões.

( 60 ) V., a este respeito, n.os 70 e segs. das presentes conclusões.

( 61 ) V., a este respeito, em especial, n.os 78 e 79 das presentes conclusões.

( 62 ) V., a este respeito, desde já, aflorando o tema, n.o 50 das presentes conclusões.

( 63 ) V., quanto a este aspeto, Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 100), e de 11 de dezembro de 2018, Weiss e o. (C‑493/17, EU:C:2018:1000, n.o 107).

( 64 ) É o que se verifica, apesar de a política monetária do SEBC, contrariamente a um entendimento mais difundido, não visar, em primeira linha, a gestão da base monetária ou da quantidade de moeda, mas a estabilidade dos preços; v., a este respeito, designadamente, Deutsche Bundesbank, Die Rolle von Banken, Nichtbanken und Zentralbank im Geldschöpfungsprozess, Monatsbericht April 2017, p. 28.

( 65 ) Normalmente, o BCE, nos seus relatórios de convergência anuais, tendo em conta a proibição do financiamento monetário dos Estados, considera crítico que se preveja desde logo, antecipadamente, a utilização de valores fixos ou dos proveitos ainda não realizados para determinados fins orçamentais; v. Convergence Report June 2016, p. 31; e Convergence Report June 2020, p. 33.

( 66 ) V. artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2006/48 ou artigo 1.o, n.o 1, ponto 36, da Diretiva 2013/36.

( 67 ) V., no contexto do regime jurídico atualmente em vigor, artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014 e artigo 36.o da Diretiva 2014/59. V., quanto ao significado desta avaliação no quadro de uma resolução, desde logo, n.o 110 das presentes conclusões e as referências na nota 46.

( 68 ) V. n.os 135 e 137 das presentes conclusões.

( 69 ) V., designadamente, artigo 100.o da Diretiva 2013/36.

( 70 ) V. considerando 9 da Decisão da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, relativa ao auxílio estatal SA.33229 (2012/C) (ex 2011/N) — Reestruturação do NLB — Eslovénia, que a Eslovénia planeia conceder ao Nova Ljubljanska banka d.d. (JO 2014, L 246, p. 28). V., a este respeito, igualmente, TEDH, Acórdão de 14 de setembro de 2021, Pintar e o. c. Eslovénia (CE:ECHR:2021:0914JUD004996914, §§ 7 e 9).

( 71 ) Acórdãos de 24 de outubro de 2013, LBI (C‑85/12, EU:C:2013:697, n.o 39), e de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 104).

( 72 ) Acórdãos de 24 de outubro de 2013, LBI (C‑85/12, EU:C:2013:697, n.o 39), e de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 104).

( 73 ) Em especial, pela Diretivas 2000/21, 2006/48 e 2013/36, já referidas.

( 74 ) V. artigo 4.o, n.os 1 e 7, da Diretiva 2013/36, e artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2014/59.

( 75 ) Aliás, em meu entender, este é o motivo pelo qual a Diretiva 2006/48 não refere a resolução bancária e, por conseguinte, também não prevê a separação institucional da atividade de supervisão.

( 76 ) V., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.os 53 e 56).

( 77 ) TEDH, Acórdão de 14 de setembro de 2021, Pintar e o. c. Eslovénia (CE:ECHR:2021:0914JUD004996914, § 107).

( 78 ) TEDH, Acórdão de 14 de setembro de 2021, Pintar e o. c. Eslovénia (CE:ECHR:2021:0914JUD004996914, §§ 99 e 100).