CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 13 de outubro de 2022 ( 1 )

Processo C‑31/21

Eurocostruzioni Srl

contra

Regione Calabria

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Fundos estruturais — Cofinanciamento — Regulamento (CE) n.o 1685/2000 — Elegibilidade das despesas — Obrigação de prova de pagamento — Faturas pagas — Documento contabilístico de valor probatório equivalente — Construção realizada diretamente pelo beneficiário final»

1.

No presente reenvio prejudicial o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar o Regulamento (CE) n.o 1685/2000 ( 2 ) a fim de determinar o alcance da obrigação de apresentação de faturas pagas ou, se tal não for possível, de documentos contabilísticos de valor probatório equivalente que comprovem o montante das despesas efetuadas, quando o beneficiário de um auxílio cofinanciado por Fundos estruturais da União construiu um imóvel com materiais, equipamentos e mão de obra próprios.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Regulamento (CE) n.o 1260/1999 ( 3 )

2.

Os considerandos 35 e 43 têm a seguinte redação:

«(35)

Considerando que a execução descentralizada das ações dos Fundos estruturais pelos Estados‑Membros deve fornecer garantias quanto às regras e à qualidade da execução, quanto aos resultados e à sua avaliação e quanto à boa gestão financeira e ao seu controlo;

[…]

(43)

Considerando que é necessário estabelecer garantias de boa gestão financeira, assegurando que as despesas sejam justificadas e certificadas e fixando condições de pagamento ligadas ao respeito das responsabilidades essenciais em matéria de acompanhamento da programação, de controlo financeiro e de aplicação da legislação comunitária;

[…]».

3.

O artigo 30.o («Elegibilidade»), n.o 3, dispõe:

«As regras nacionais relevantes são aplicáveis às despesas elegíveis salvo se, em caso de necessidade, a Comissão estabelecer regras de elegibilidade das despesas, nos termos do n.o 2 do artigo 53.o»

4.

Nos termos do artigo 32.o («Pagamentos»), n.o 1, terceiro parágrafo:

«Os pagamentos podem assumir a forma de pagamentos por conta, de pagamentos intermédios ou de pagamentos do saldo. Os pagamentos intermédios ou do saldo serão referentes às despesas efetivamente pagas, que devem corresponder a pagamentos executados pelos beneficiários finais e justificados por faturas pagas ou documentos contabilísticos com um valor de prova equivalente.»

5.

No capítulo II, do título IV («Controlo financeiro»), o artigo 38.o («Disposições gerais»), n.o 1, prevê:

«1.   Sem prejuízo da responsabilidade da Comissão na execução do orçamento geral das Comunidades Europeias, os Estados‑Membros serão os primeiros responsáveis pelo controlo financeiro das intervenções.

Para o efeito, tomarão nomeadamente as seguintes medidas:

[…]

c)

Assegurar‑se‑ão de que as intervenções são geridas segundo o conjunto da regulamentação comunitária aplicável e de que os fundos postos à sua disposição são utilizados segundo os princípios de boa gestão financeira;

d)

Certificarão que as declarações de despesas apresentadas à Comissão são exatas e assegurar‑se‑ão de que procedem de sistemas de contabilidade baseados em documentos de prova passíveis de verificação;

[…]».

2. Regulamento n.o 1685/2000

6.

O considerando 5 enuncia:

«[…] Para certos tipos de operações, a Comissão considera ser útil, para garantir uma execução uniforme e equitativa dos Fundos estruturais na Comunidade, adotar uma série de regras comuns sobre as despesas elegíveis. A adoção de uma regra relativa a um tipo específico de operação em nada afeta a questão de saber qual o Fundo ao abrigo do qual essa operação poderá ser cofinanciada. A adoção destas regras não deve prejudicar a possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem disposições nacionais mais estritas em determinados casos a precisar […]».

7.

Nos termos do anexo («Regras de elegibilidade»), Regra n.o 1 («Despesas efetivamente pagas»), ponto 2 («Documentos comprovativos das despesas»):

«2.1.

Regra geral, os pagamentos executados pelos beneficiários finais, declarados como pagamentos intermédios e pagamentos do saldo final, devem ser comprovados pelas respetivas faturas pagas. Se tal não for possível, os pagamentos devem ser comprovados por documentos contabilísticos de valor probatório equivalente.

[…]».

B.   Direito italiano

1. Lei n.o 59 de 15 de março de 1997 ( 4 )

8.

No seu artigo 4.o, n.o 4, alínea c), prevê‑se a delegação nas Regiões de funções e missões administrativas no âmbito das políticas regionais, estruturais e de coesão da União Europeia.

2. Lei n.o 7 da Região da Calábria, de 2 de maio de 2001 ( 5 )

9.

O artigo 31.o‑C previa, no âmbito do Programa Operacional Regional (POR) Calabria 2000‑2006, aprovado pela Comissão Europeia na Decisão C(2000) 2345, de 8 de agosto de 2000, que a Região da Calábria promoveria a criação e o desenvolvimento das pequenas e médias empresas nos setores da indústria, do comércio, do artesanato, do turismo e dos serviços, através da concessão de auxílios em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 70/2001 ( 6 ).

II. Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

10.

A Regione Calabria, por Deliberação da Giunta regionale n.o 398, de 14 de maio de 2002, publicou o aviso de concurso relativo aos auxílios previstos no Programa Operacional Regional (POR) da Calábria 2000‑2006 respeitantes ao «eixo IV‑Medida 4.4.b». Esses auxílios podiam beneficiar as pequenas e médias empresas que propusessem iniciativas no setor turístico.

11.

O artigo 8.o deste concurso fazia referência ao Regulamento n.o 1685/2000 «no que respeita à elegibilidade das despesas referentes às operações cofinanciadas pelos Fundos Estruturais». Entre as despesas elegíveis encontram‑se as relativas a: 1) terrenos; 2) edifícios e instalações; 3) mobiliário e equipamento; 4) projetos e estudos.

12.

Nos termos do artigo 9.o do referido concurso:

Relativamente aos edifícios e às instalações, as obras deviam ser quantificadas dentro dos limites da tabela de preços de 1994 (Direção Geral das Obras Públicas da Calábria), acrescidos de 15 %.

Relativamente aos elementos não previstos na tabela referida, deviam aplicar‑se os limites dos preços em vigor no mercado estimados pelo técnico projetista.

13.

Através do Decreto n.o 4457, de 20 de abril de 2004, foi concedida uma subvenção à Eurocostruzioni Srl para a construção de um hotel e das instalações desportivas conexas em Rossano (Região da Calábria, Itália). Essa empresa obteve, assim, um financiamento de capital equivalente a 47 % do investimento, o que significava receber um montante total de 4918080 euros.

14.

No Decreto n.o 4457, segundo o órgão jurisdicional de reenvio:

Indicava‑se a documentação a apresentar pelo beneficiário, prevendo, no que diz respeito às obras ( 7 ), apenas «o dever de apresentação dos respetivos documentos de contabilidade (mapa de medições e registo da contabilidade, regularmente assinados em cada página pelo diretor da obra e pelo beneficiário)» ( 8 ).

Precisava‑se (artigo 4.o) que a determinação da subvenção para as obras realizadas, dentro dos limites admitidos pelo decreto, seria efetuada «com base no mapa de medições e no registo da contabilidade, com os preços referidos no artigo 9.o, alínea b), do anúncio de concurso, mediante fiscalização prévia por parte da comissão de inspeção» ( 9 ).

15.

A Eurocostruzioni realizou as obras, adquiriu o mobiliário e forneceu à Regione Calabria o mapa de medições e o registo de contabilidade, o que lhe permitiu obter o certificado de conformidade da comissão de inspeção, após uma fiscalização das obras.

16.

A Regione Calabria pagou à Eurocostruzioni o montante de 1661638 euros, correspondente às despesas de compra de mobiliário e de equipamento que tinha comprovado pela apresentação das faturas pagas.

17.

A Eurocostruzioni pediu o pagamento do remanescente do montante devido, de 1675762,00 euros, uma vez que, na sequência da inspeção, foi reconhecido um saldo final a seu favor de 3337470,00 euros, após dedução do pagamento antecipado e do primeiro mapa da situação dos trabalhos.

18.

A Regione Calabria recusou efetuar o pagamento dos 1675762 euros pedidos, dado que a Eurocostruzioni não tinha apresentado faturas pagas ou documentos contabilísticos de valor probatório equivalente, em conformidade com a Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo, do anexo do Regulamento n.o 1685/2000, a que se referia o anúncio de concurso de 14 de maio de 2002 ( 10 ).

19.

A Eurocostruzioni apresentou um pedido de injunção para pedir o pagamento no Tribunale di Catanzaro (Tribunal de Catanzaro, Itália), julgou o pedido procedente por Sentença de 4 de abril de 2012.

20.

A Regione Calabria recorreu da sentença de primeira instância no Corte d’Appello di Catanzaro (Tribunal de Recurso de Catanzaro, Itália).

21.

Por Acórdão de 27 de outubro de 2014, o órgão jurisdicional de recurso deu razão à Regione Calabria, considerando que:

não havia que proceder a nenhuma fiscalização da execução efetiva dos trabalhos previstos, dada a avaliação positiva da comissão de inspeção e o facto de a Regione Calabria não ter apresentado objeções respeitantes aos trabalhos realizados.

Todavia, em conformidade com o anúncio de concurso, que remetia para o Regulamento n.o 1685/2000, o pagamento da subvenção devia considerar‑se sujeito à apresentação das faturas pagas ou de documentos contabilísticos de valor probatório equivalente, ainda que os trabalhos tivessem sido executados diretamente pela empresa beneficiária.

Os documentos apresentados pela Eurocostruzioni eram necessários, mas não suficientes, uma vez que, na falta das referidas faturas, não constava nenhum comprovativo do pagamento efetivo dos valores monetários correspondentes aos trabalhos realizados aos preços indicados.

A Eurocostruzioni devia ter apresentado a documentação contabilística adequada tendo em vista demonstrar as despesas em que incorreu (aquisição de materiais, aluguer de equipamentos, pagamento aos trabalhadores, subempreitada de obras a terceiros, indicação da mão de obra utilizada).

22.

Em 27 de outubro de 2015, a Eurocostruzioni interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio, alegando, inter alia, a violação do Regulamento n.o 1685/2000.

23.

No seu recurso, a Eurocostruzioni alegava que:

A Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo, do anexo do Regulamento n.o 1685/2000, na medida em que inclui a expressão «regra geral», não exige taxativamente a apresentação de uma prova de pagamento, limitando‑se a estabelecer um princípio geral.

A recusa da subvenção pela Regione Calabria com base no Regulamento n.o 1685/2000 viola os princípios da boa‑fé, da lealdade e da confiança legítima, na medida em que a empresa tinha realizado corretamente as obras previstas e tinha apresentado os documentos contabilísticos exigidos pelo decreto de concessão.

24.

Neste contexto, a Corte suprema de cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o Regulamento (CE) n.o 1685/2000 […] em especial o disposto no respetivo anexo, regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo, respeitante a “Documentos comprovativos das despesas”, ser interpretado no sentido de que impõe que a prova dos pagamentos executados pelos beneficiários finais deve necessariamente ser efetuada através de faturas pagas, mesmo no caso de o seu financiamento ter sido concedido ao beneficiário para a construção de um imóvel com materiais, ferramentas e mão de obra próprios, ou essa situação pode ser objeto de uma derrogação distinta da expressamente prevista para o caso de impossibilidade de comprovação, para o qual se exige a apresentação de “documentos contabilísticos de valor probatório equivalente”?

2)

Qual é a interpretação correta da expressão acima referida “documentos contabilísticos de valor probatório equivalente”?

3)

Devem as referidas disposições do Regulamento [(CE) n.o 1685/200], em especial, ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional e regional e aos procedimentos administrativos que lhe dão execução, que preveem, no caso de o financiamento ter sido concedido ao beneficiário para a construção de um imóvel com materiais, ferramentas e mão de obra próprios, um sistema de fiscalização das despesas que são objeto do financiamento por parte da Administração Pública constituído por:

a)

uma quantificação prévia dos trabalhos com base numa tabela de preços regional relativa às obras públicas, bem como, relativamente às posições não previstas nesse documento, nos preços de mercado estimados pelo técnico projetista,

b)

uma prestação de contas subsequente, com a apresentação da contabilidade dos trabalhos, composta pelo mapa de medições e pelo registo da contabilidade, regularmente assinados, em cada página, pelo diretor da obra e pelo diretor da empresa beneficiária, bem como a verificação e a fiscalização das obras realizadas com base nos preços unitários referidos na alínea a) por parte de uma comissão de inspeção nomeada pela entidade regional competente?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

25.

O pedido de decisão prejudicial foi registado no Tribunal de Justiça em 19 de janeiro de 2021.

26.

Apresentaram observações a Eurocostruzioni, a Regione Calabria, o Governo italiano e a Comissão Europeia.

27.

O Tribunal de Justiça não considerou necessária a realização de audiência, mas pediu às partes que tomassem posição por escrito — como efetivamente fizeram — sobre os argumentos do Governo italiano relativos ao conceito de «documento contabilístico de valor probatório equivalente».

IV. Apreciação

A.   Observação preliminar

28.

O debate incide sobre a questão de saber se um operador económico que construiu um imóvel pelos seus próprios meios (materiais, equipamentos e mão de obra) pode comprovar as despesas efetuadas com «documentos contabilísticos de valor probatório equivalente [ao de uma fatura]», quando estes últimos: a) consistem no mapa de medições e no registo da contabilidade; b) foram regularmente assinados em cada página pelo diretor da obra e pelo diretor da empresa beneficiária; c) neles constam as despesas dentro do limite dos preços unitários de uma tabela geral, acrescidos de 15 %. Além disso, há que ter em consideração o facto de os serviços da Administração terem verificado e fiscalizado os trabalhos realizados pela empresa beneficiária.

29.

Antes de dirimir este debate, impõe‑se uma precisão inicial. Se o incumprimento dos requisitos de justificação impostos pelas regras da União aqui aplicáveis fosse demonstrado ( 11 ), não haveria lugar ao pagamento do montante reclamado pela Eurocostruzioni a título dos Fundos estruturais da União (respeitantes à Itália) no âmbito do Programa Operacional Regional.

30.

Ora, como salienta a Comissão, essa circunstância não impediria que a Eurocostruzioni pudesse ter direito ao pagamento do montante que pretende, se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que a legislação italiana protege essa empresa que, além de construir o hotel, respeitou as prescrições em matéria de comprovação contabilística previstas nas cláusulas que regulavam a atribuição do auxílio ( 12 ).

31.

Nesse caso, o pagamento à Eurocostruzioni seria imputável ao orçamento nacional, mas não ao orçamento da União.

B.   Admissibilidade das questões prejudiciais

32.

Segundo a Regione Calabria, a primeira questão prejudicial é inadmissível, uma vez que a aplicabilidade do Regulamento n.o 1685/2000 não teria sido questionada no órgão jurisdicional de reenvio, nem esse órgão jurisdicional pode suscitar essa questão oficiosamente, tendo em conta as características do recurso (de cassação) que é chamado a dirimir. Nesse contexto, não teria sido demonstrado o nexo entre o litígio e o Regulamento n.o 1685/2000 nem explicadas as razões para questionar o Tribunal de Justiça por via prejudicial.

33.

A objeção não pode ser acolhida. O despacho de reenvio sublinha que este incide precisamente sobre as obrigações de justificação das despesas da Eurocostruzioni, enquanto beneficiária final de um auxílio cofinanciado pelos Fundos estruturais da União. Por conseguinte, é aplicável o Regulamento n.o 1685/2000, como a própria Regione Calabria admite nas suas observações escritas (n.o 12). O órgão jurisdicional a quo explica, nesse despacho, por que razão necessita da interpretação desse regulamento. Compete‑lhe apenas a ele decidir se pode ou não introduzir esse elemento de apreciação num recurso de cassação.

34.

Além disso, a Regione Calabria considera que a terceira questão prejudicial é inadmissível, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não explicou o nexo entre o Regulamento n.o 1685/2000 e a «legislação estatal» ou a «legislação regional», à qual se refere de forma incompleta. No que respeita a esta última e à Deliberação do Conselho Regional da Região da Calábria de 14 de maio de 2002, o seu conteúdo excederia o descrito no despacho de reenvio.

35.

Mais uma vez, a objeção deve ser rejeitada. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio indicar o alcance das normas internas pertinentes e a sua relação com o direito da União. Neste processo, esse órgão jurisdicional descreveu de forma sucinta, mas suficiente, o quadro legislativo nacional e regional e referiu‑se ao anúncio de concurso relativo aos auxílios e ao decreto de concessão da subvenção pela Região da Calábria. A relação desse quadro legislativo com o da União figura no despacho de reenvio ( 13 ).

1. Primeira questão prejudicial

36.

A subvenção controvertida foi concedida em 20 de abril de 2004. Assim, são aplicáveis à justificação das despesas o Regulamento n.o 1260/1999 (regulamento de base) ( 14 ) e o Regulamento n.o 1685/2000 (regulamento de execução) ( 15 ), conforme alterado pelo Regulamento n.o 448/2004, cuja aplicação retroagiu a 5 de julho de 2003 e, para algumas disposições, a 5 de agosto de 2000.

37.

Os dois regulamentos enunciam, em nome do princípio da subsidiariedade, que «[a]s regras nacionais relevantes são aplicáveis às despesas elegíveis salvo se, em caso de necessidade, a Comissão estabelecer regras de elegibilidade das despesas […]» ( 16 ).

38.

Fazendo uso desta possibilidade, a Comissão aprovou regras comuns relativas à elegibilidade das despesas através do Regulamento n.o 1685/2000 ( 17 ). Por força dessas regras, os Estados‑Membros deviam conformar‑se com o regime comum de justificação previsto pelo Regulamento n.o 1685/2000, a não ser que decidisse utilizar, a título excecional, um regime nacional mais rigoroso.

39.

O órgão jurisdicional a quo não indica que o Estado italiano tenha instaurado um regime nacional mais estrito, facto que é confirmado pelo governo desse país ( 18 ). Por conseguinte, a justificação das despesas efetuadas pela Eurocostruzioni é regulada pelo Regulamento n.o 1685/2000.

40.

Como já referi, com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo, do anexo do Regulamento n.o 1685/2000:

Impõe que a prova dos pagamentos executados pelo beneficiário final, que construiu um imóvel com materiais, ferramentas e mão de obra próprios, deve necessariamente ser efetuada com faturas pagas.

Ou permite que, no mesmo contexto e na impossibilidade de apresentar as faturas, na mesma prova, sejam apresentados documentos contabilísticos de valor probatório equivalente.

41.

O artigo 32.o do Regulamento n.o 1260/1999 distingue entre a gestão financeira dos pagamentos por conta ( 19 ) e a dos pagamentos intermédios e dos pagamentos do saldo. No que respeita a estes últimos, no seu n.o 1, terceiro parágrafo, dispõe que «serão referentes às despesas efetivamente pagas, que devem corresponder a pagamentos executados pelos beneficiários finais e justificados por faturas pagas ou documentos contabilísticos com um valor de prova equivalente».

42.

Assim, os pagamentos do saldo final (qualidade dos reclamados no presente processo pela Eurocostruzioni) exigem uma justificação contabilística prévia das despesas efetivamente pagas pelo beneficiário do auxílio.

43.

Esta mesma exigência é retomada na Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo, do anexo do Regulamento n.o 1685/2000, aplicável às operações cofinanciadas pelos Fundos estruturais, cuja redação já transcrevi e que agora recordo: «Regra geral, os pagamentos executados pelos beneficiários finais, declarados como pagamentos intermédios e pagamentos do saldo final, devem ser comprovados pelas respetivas faturas pagas. Se tal não for possível, os pagamentos devem ser comprovados por documentos contabilísticos de valor probatório equivalente».

44.

A letra das duas disposições acima referidas não deixa margem para dúvidas:

A regra geral consiste em que o beneficiário tem de comprovar as despesas pelas faturas pagas.

A exceção consiste em que, quando «não for possível» comprovar as despesas pelas faturas pagas, tal pode ser feito por «documentos contabilísticos de valor probatório equivalente». Esta última possibilidade é, repito, excecional e, por esse motivo, de interpretação estrita.

45.

O contexto em que se inserem estas duas disposições vai no mesmo sentido. Disso é testemunho o considerando 43 do Regulamento n.o 1260/1999 ( 20 ), que milita a favor de uma leitura restritiva da Regra n.o 1 do anexo do Regulamento n.o 1685/2000.

46.

O objetivo da boa gestão financeira, que inspira a gestão dos Fundos estruturais ( 21 ), corrobora esta linha interpretativa. Nos termos do artigo 38.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1260/1999, os Estados‑Membros serão os primeiros responsáveis pelo controlo financeiro das intervenções e, para o efeito, tomarão nomeadamente as seguintes medidas:

«— c)

Assegurar‑se‑ão de que as intervenções são geridas segundo o conjunto da regulamentação comunitária aplicável e de que os fundos postos à sua disposição são utilizados segundo os princípios de boa gestão financeira;

— d)

Certificarão que as declarações de despesas apresentadas à Comissão são exatas e assegurar‑se‑ão de que procedem de sistemas de contabilidade baseados em documentos de prova passíveis de verificação» (o sublinhado é meu).

47.

O Tribunal de Justiça declarou que o sistema instituído pelo artigo 32.o do Regulamento n.o 1260/1999 assim como pela Regra n.o 1 do anexo do Regulamento n.o 1685/2000, assenta no princípio do reembolso das despesas, que têm de ser justificadas e certificadas ( 22 ).

48.

O facto de o beneficiário do auxílio ter construído o imóvel com os seus próprios meios não o dispensa do regime de justificação instituído pelos Regulamentos n.o 1260/1999 e n.o 1685/2000.

49.

Se, pelo facto de o ter realizado com os seus próprios meios, sem recurso a terceiros, o beneficiário estiver impossibilitado de apresentar faturas comprovativas da construção de um imóvel, sendo a apreciação dessa impossibilidade da competência do órgão jurisdicional nacional, compete a esse beneficiário, em todo o caso, comprovar as despesas efetuadas através de documentos contabilísticos de valor probatório equivalente ao de uma fatura paga ( 23 ).

50.

Por conseguinte, não há uma via intermédia. O artigo 32.o do Regulamento n.o 1260/1999 e a Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo do anexo do Regulamento n.o 1685/2000 não admitem outro meio de prova das despesas para além das faturas pagas ou, se a sua apresentação se revelar impossível, dos documentos contabilísticos de valor probatório equivalente. O mesmo se aplica quando o beneficiário do auxílio construiu um imóvel com materiais, ferramentas e mão de obra próprios.

51.

Diferente é a questão que consiste em saber se, entre esses documentos contabilísticos de valor probatório equivalente se podem incluir os que, em especial, são objeto de controvérsia no âmbito do presente litígio. Estes últimos são abordados no âmbito da terceira questão prejudicial.

2. Segunda questão prejudicial

52.

A segunda questão incide sobre o significado da expressão «documentos contabilísticos de valor probatório equivalente», utilizado — mas não definido — nos Regulamentos n.o 1260/1999 e n.o 1685/2000. O seu sentido também não é explicitado nos regulamentos que os substituíram.

53.

Para a Comissão, essa expressão diz respeito aos comprovativos de pagamento que a própria Comissão reconhece e aceita quando, em conformidade com as disposições fiscais e contabilísticas de um Estado‑Membro, não há que emitir uma fatura para um desembolso de dinheiro ( 24 ).

54.

Na sua opinião, constituiriam documentos de prova, autênticos e fiáveis, suscetíveis de demonstrar, à semelhança das faturas pagas, a realidade das despesas efetuadas ( 25 ).

55.

Concordo com a Comissão quanto ao facto de a comprovação das despesas, a este título (isto é, quando for impossível apresentar as faturas pagas), poder ser verificada através de documentos contabilísticos admitidos pelo direito nacional de um Estado‑Membro, quando sejam suscetíveis de representar fielmente as despesas efetivamente realizadas.

56.

Entre esses documentos figurariam, por exemplo:

Os documentos contabilísticos comprovativos da utilização de uma percentagem das despesas gerais indivisíveis, das contribuições em espécie ou das despesas de amortização ( 26 ). Estes três elementos não podem ser faturados diretamente em relação a um projeto e devem poder ser‑lhe indiretamente imputados.

Os documentos comprovativos dos salários dos trabalhadores que intervieram na execução do projeto, bem como da parte proporcional das despesas gerais efetuadas (arrendamento, luz, aquecimento ou telecomunicações) ( 27 ).

57.

Todavia, o Governo italiano propõe uma interpretação mais ampla do conceito aqui em litígio, que permitiria abranger as hipóteses de realização de uma obra ou de um projeto por meios próprios. Na sua opinião:

O valor probatório de uma fatura decorre do facto de ter sido emitida por uma pessoa que tem um interesse contrário ao de quem a invoca como elemento comprovativo de uma despesa.

Se esta mesma lógica fosse aplicável aos documentos contabilísticos de valor probatório equivalente, só seria possível aceitar como tais os que contêm declarações de terceiros. Por isso, o conceito tornar‑se‑ia «demasiado restrito e difícil de aplicar» às despesas efetuadas por um dono de obra que a realiza com os seus próprios meios.

Para ultrapassar essa dificuldade, poderia recorrer‑se ao ponto 1.7 da Regra n.o 1 do anexo do Regulamento n.o 1685/2000, que prevê a comprovação das contribuições em espécie ( 28 ).

Assim, os meios próprios utilizados pelo dono da obra poderiam ser comprovados de forma análoga às contribuições em espécie, desde que o seu valor fosse certificado por um profissional qualificado e independente ou por um organismo oficial autorizado.

58.

O Tribunal de Justiça pediu às partes no litígio e à Comissão que se pronunciassem sobre a interpretação proposta pelo Governo italiano. Em resposta a esse pedido:

A Eurocostruzioni considera‑a aceitável. A quantificação prévia dos trabalhos com base numa tabela de preços regional e a prestação de contas subsequente com a apresentação da contabilidade dos trabalhos (mapa de medições e registo da contabilidade) constitui uma documentação suscetível de revisão contabilística e de avaliação independente, realizada no presente processo pela comissão de inspeção designada pela Administração Regional. Essa comissão pode ser considerada um profissional qualificado e independente ou um organismo oficial autorizado, na aceção do anexo, Regra n.o 1, ponto 1.7, alínea d), do Regulamento n.o 1685/2000.

A Região da Calábria recusa‑a. Na sua opinião, a aplicação, por analogia, da comprovação das contribuições em espécie aos meios próprios fornecidos pelo dono de uma obra exige a fiscalização contabilística por um profissional qualificado e independente ou por um organismo oficial autorizado. Essa fiscalização só é possível se o dono da obra dispuser dos documentos comprovativos das despesas, o que não acontece no presente processo.

A Comissão é igualmente contrária à interpretação defendida pelo Governo italiano, dado que limitaria a possibilidade de considerar «documentos contabilísticos de valor probatório equivalente» os provenientes de organismos terceiros de fiscalização com poder de certificação, o que constitui uma restrição injustificada.

59.

Pela minha parte, considero que a interpretação preconizada pelo Governo italiano flexibiliza excessivamente o regime de comprovação previsto na Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo do anexo do Regulamento n.o 1685/2000. Nessa mesma medida, não utiliza critérios hermenêuticos restritivos, mas sim extensivos, para aplicar a isenção controvertida.

60.

Como já referi, a possibilidade de comprovação com «documentos contabilísticos de valor probatório equivalente» constitui uma exceção à qual só se pode recorrer quando a apresentação de faturas devidamente pagas for inexequível. Uma interpretação como a sugerida pelo Governo italiano não é conforme com o artigo 32.o do Regulamento n.o 1260/1999 e com a Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo, do anexo do Regulamento n.o 1685/2000.

61.

A possibilidade de comprovar a construção por meios próprios de uma obra recorrendo à certificação do valor da contribuição por um profissional qualificado e independente ou por um organismo oficial autorizado possibilitaria a duplicação na contabilização de despesas ou a ocorrência de eventuais fraudes na comprovação necessária para a receção de dinheiro dos Fundos estruturais da União.

62.

De resto, como alega a Comissão, tal interpretação limitaria injustificadamente a possibilidade de apresentar «documentos contabilísticos de valor probatório equivalente» aos emitidos por profissionais ou organismos oficiais de fiscalização contabilística. Exigência semelhante encontra‑se apenas prevista no anexo, Regra n.o 1, ponto 1.7, alínea d), do Regulamento n.o 1685/200, para o contributo em terrenos ou em imóveis e não é aplicável às outras contribuições em espécie. Não vejo motivo para alargar a referida limitação às contribuições dos donos de obras financiadas por Fundos estruturais da União realizadas com meios próprios.

63.

Os princípios da boa execução financeira e do reembolso das despesas, que valem para a União nesta matéria, militam a favor da rejeição da interpretação defendida pelo Governo italiano.

3. Terceira questão prejudicial

64.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o Regulamento n.o 1685/2000 se opõe a uma legislação nacional e regional e aos procedimentos administrativos subsequentes que, em caso de financiamento concedido ao beneficiário para a construção de um imóvel com materiais, ferramentas e mão de obra próprios, prevê um sistema de fiscalização das despesas que consiste em:

uma quantificação prévia dos trabalhos com base numa tabela de preços regional relativa às obras públicas, bem como, relativamente às posições não previstas nesse documento, nos preços de mercado estimados pelo técnico projetista;

uma «prestação de contas subsequente, com a apresentação da contabilidade dos trabalhos, composta pelo mapa de medições e pelo registo da contabilidade, regularmente assinados, em cada página, pelo diretor da obra e pelo diretor da empresa beneficiária»; e

a verificação e a fiscalização das obras realizadas com base nos preços unitários referidos na tabela de preços regional, por parte de uma comissão de inspeção nomeada pela entidade regional competente.

65.

Abordarei a questão assim colocada, em primeiro lugar, numa perspetiva geral, a saber, à margem das vicissitudes particulares da subvenção concedida à Eurocostruzioni, para depois analisar os detalhes desta última, a fim de fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta tão útil quanto possível.

a) Compatibilidade, em abstrato, da regra nacional com o Regulamento n.o 1685/2000

66.

Sem prejuízo da apreciação a que proceda o órgão jurisdicional de reenvio, o método de fiscalização das despesas que descreve na sua terceira questão prejudicial parece decorrer não tanto diretamente de uma lei nacional ou regional, mas sim do decreto de concessão da subvenção atribuída ( 29 ).

67.

O problema respeitante à questão de saber se este sistema é conforme com o Regulamento n.o 1685/2000 consiste em conhecer com exatidão o conteúdo dos dois documentos (ou seja, o «mapa de medições e [o] registo da contabilidade») ( 30 ) exigidos para comprovar as despesas de construção, quando esta é executada pelo beneficiário que utiliza os seus próprios meios.

68.

Numa primeira abordagem, posso concordar com a Comissão e com a Região da Calábria, quanto ao facto de, por si só, esses dois documentos não terem um valor probatório equivalente ao de uma fatura.

69.

Com efeito, se o mapa de medições e o registo de contabilidade se limitam a relatar o andamento das diferentes fases dos trabalhos ( 31 ) e apenas para esses fins são regularmente «assinados em cada página» pelo diretor da obra e pelo diretor da empresa beneficiária, não seriam suficientes para provar na forma devida os valores monetários relativos ao conjunto da construção do hotel.

70.

Em contrapartida, se o «registo da contabilidade» da empresa beneficiária permitisse conhecer, de modo fiável e detalhado, as despesas que pagou a título de salários aos seus trabalhadores ou a título de materiais de construção, por exemplo e entre outras rubricas de custos análogas, considero que não seria difícil qualificar esse registo da contabilidade de documento de valor probatório equivalente ao de uma fatura.

71.

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar esses aspetos e decidir, com base na sua própria apreciação, em que medida esses dois documentos contabilísticos são suscetíveis de representar fielmente as despesas pagas pela empresa beneficiária do auxílio, quando a emissão de faturas pagas não seja objetivamente possível.

72.

No que respeita à verificação, por uma comissão de inspeção nomeada pela entidade regional, das obras realizadas, recorrendo simplesmente a uma tabela preestabelecida de preços, não penso que constitua um método apto a fiscalizar que, num caso particular, as despesas efetuadas correspondem efetivamente às que constam, enquanto parâmetros abstratos de cálculo, nessa tabela.

b) Comprovação, em concreto, das despesas suportadas pela Eurocostruzioni

73.

O órgão jurisdicional de reenvio parece aceitar que as obras financiadas (um hotel em Rossano) foram efetivamente realizadas pela Eurocostruzioni em conformidade com o projeto aprovado e que o respeitavam em termos quantitativos e qualitativos. Por conseguinte, exclui a eventual existência de uma execução deficiente ou de fraude na realização de um projeto cofinanciado por Fundos estruturais.

74.

Segundo as informações constantes dos autos, a obra subvencionada foi executada e, além disso, a Eurocostruzioni recebeu os fundos destinados ao mobiliário porque apresentou as faturas pagas relativas à sua aquisição, em conformidade com o anúncio de concurso de 14 de maio de 2002 e com o decreto de concessão de 20 de abril de 2004.

75.

As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito à comprovação das outras despesas do dono da obra, devido ao facto de ter construído o imóvel com material, ferramentas e mão de obra próprios, como foi já referido. A Eurocostruzioni não apresentou faturas pagas relativas a essas despesas.

76.

Considero que a primeira questão a esclarecer consistiria em saber se, como defende a Região da Calábria, a comprovação dessas despesas era realmente possível com faturas pagas.

77.

Se a emissão das faturas devidamente pagas não fosse possível, a aplicação do artigo 32.o do Regulamento n.o 1260/1999 e da Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo, do anexo do Regulamento n.o 1685/2000 permitiria, a título de exceção, a prova das despesas com documentos contabilísticos de valor probatório equivalente a essas faturas ( 32 ).

78.

Em particular, os documentos que integram a verificação e a fiscalização das obras, realizadas por uma comissão de inspeção nomeada pela entidade regional, como já referi, não comprovariam fielmente e de forma suficiente as despesas efetuadas, se se limitassem a aplicar estimativas segundo uma tabela-padrão que não tem relação direta e objetiva com essas despesas, mas sim com parâmetros abstratos.

79.

Por conseguinte, esses documentos, por si só, não representam fielmente as operações efetuadas na realidade, não refletem o valor acrescentado conferido pela empresa ao projeto nem afastam a possibilidade de duplicação.

80.

Por último, importa recordar que o artigo 8.o do anúncio de concurso de 14 de maio de 2002 (a que se refere o Tribunal de Recurso na parte final do seu Acórdão de 27 de outubro de 2014) excluía da subvenção as despesas relativas aos encargos internos dos processos (de construção), bem como as despesas não orçamentadas e os pagamentos em dinheiro.

V. Conclusão

81.

Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) nos seguintes termos:

O artigo 32.o do Regulamento (CE) n.o 1260/1999 do Conselho, de 21 de junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais, e a Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo, do anexo do Regulamento (CE) n.o 1685/2000 da Comissão, de 28 de julho de 2000, relativo às regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1260/1999 do Conselho no que diz respeito à elegibilidade das despesas no âmbito das operações cofinanciadas pelos Fundos estruturais,

devem ser interpretados no sentido de que:

a)

admitem, como regra geral, que as despesas podem ser comprovadas através de faturas devidamente pagas e, excecionalmente, se a sua apresentação se revelar impossível, mediante documentos contabilísticos de valor probatório equivalente, mesmo quando o beneficiário tenha construído um imóvel com materiais, ferramentas e mão de obra próprios;

b)

o conceito de «documentos contabilísticos de valor probatório equivalente» abrange os que, a esse título, o direito nacional do Estado‑Membro de execução admita, quando são suscetíveis de representar fielmente as despesas efetuadas na realidade;

c)

não podem ser qualificados de documentos contabilísticos de valor probatório equivalente a faturas devidamente pagas os que se limitam a incluir o mapa de medições e os simples registos da contabilidade, exceto se for possível identificar, de modo fiável e detalhado, as despesas pagas a título de salários aos seus trabalhadores ou de materiais de construção, entre outras rubricas de custos análogos, circunstância que compete ao órgão jurisdicional nacional determinar;

d)

a fiscalização das obras realizadas efetuada por uma comissão administrativa de inspeção não comprova fielmente e de forma suficiente as despesas pagas, se se limitar a aplicar estimativas segundo uma tabela-padrão que não tem relação direta e objetiva com essas despesas, mas sim com parâmetros abstratos.


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Regulamento da Comissão, de 28 de julho de 2000, relativo às regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1260/1999 do Conselho no que diz respeito à elegibilidade das despesas no âmbito das operações cofinanciadas pelos Fundos estruturais (JO 2000, L 193, p. 39), na sua versão alterada pelo Regulamento (CE) n.o 448/2004 da Comissão, de 10 de março de 2004, que altera o Regulamento (CE) n.o 1685/2000 relativo às regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1260/1999 do Conselho no que diz respeito à elegibilidade das despesas no âmbito das operações cofinanciadas pelos fundos estruturais e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1145/2003 (JO 2004, L 72, p. 66).

( 3 ) Regulamento do Conselho, de 21 de junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais (JO 1999, L 161, p. 1).

( 4 ) Legge 15 marzo 1997, n.o 59, Delega al Governo per il conferimento di funzioni e compiti alle regioni ed enti locali, per la riforma della pubblica amministrazione e per la semplificazione amministrativa (Lei que delega no Governo a atribuição de funções e missões às Regiões e às entidades locais para a reforma da Administração Pública e para a simplificação administrativa). A delegação foi implementada posteriormente pelo Decreto Legislativo n.o 123 (Disposizioni per la razionalizzazione degli interventi di sostegno pubblico alle imprese, a norma dell’articolo 4, comma 4, lettera c), della legge 15 marzo 1997, n.o 59), de 31 de março de 1998 (Disposições para a racionalização das medidas de apoio público a favor das empresas, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, alínea c), da Lei n.o 59, de 15 de março de 1997).

( 5 ) Legge regionale 2 maggio 2001, n.o 7. Disposizioni per la formazione del bilancio annuale 2001 e pluriennale 2001/2003 della Regione Calabria (Legge finanziaria) (Lei no 7 da Região da Calábria, relativa às disposições para a formação do balanço anual 2001 e plurianual 2001/2003) du 2 mai 2001.

( 6 ) Regulamento da Comissão, de 12 de janeiro de 2001, relativo à aplicação dos artigos 87.o e 88.o do Tratado CE aos auxílios estatais a favor das pequenas e médias empresas (JO 2001, L 10, p. 33).

( 7 ) Entenda‑se, as realizadas pelo próprio.

( 8 ) Despacho de reenvio, n.o 3.6.

( 9 ) Ibidem.

( 10 ) O artigo 2.o («Processo e regulamentação de referência») desse anúncio referia‑se especificamente aos Regulamentos n.o 1260/1999 e n.o 1685/2000.

( 11 ) Ou seja, o artigo 32.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1260/1999 e a Regra n.o 1, ponto 2, primeiro parágrafo, do anexo do Regulamento n.o 1685/2000.

( 12 ) Isto é, pelas constantes na Deliberação da Giunta regionale de Calabria de 14 de maio de 2002 e no Decreto de Concessão de 20 de abril de 2004. Os argumentos da Eurocostruzioni relativos à violação dos princípios da boa‑fé, da lealdade e da confiança legítima poderiam, eventualmente ser invocáveis, sendo caso disso, relativamente ao direito italiano e os órgãos jurisdicionais desse país terão de se pronunciar sobre os mesmos.

( 13 ) Estas considerações não são postas em causa pelos elementos que desenvolverei no âmbito da análise da terceira questão prejudicial quanto ao mérito.

( 14 ) Esta norma de base foi substituída pelo Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho, de 11 de julho de 2006, que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1260/1999 (JO 2006, L 210, p. 25), por sua vez revogado pelo Regulamento (UE) n.o 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 320).

( 15 ) Esta norma foi substituída pelo Regulamento (CE) n.o 1828/2006 da Comissão, de 8 de dezembro de 2006, que prevê as normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1083/2006 que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão e do Regulamento (CE) n.o 1080/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (JO 2006, L 371, p. 1), alterado em diversas ocasiões.

( 16 ) Artigo 30.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1260/1999. Nos termos do considerando 41 desse regulamento, «segundo o princípio da subsidiariedade e na falta de regras comunitárias, é conveniente que sejam aplicadas às despesas elegíveis as regras nacionais pertinentes, que podem ser estabelecidas pela Comissão quando se revelem necessárias para garantir uma aplicação uniforme e equitativa dos Fundos estruturais na Comunidade».

( 17 ) O seu considerando 5 enuncia: «[…] [p]ara certos tipos de operações, a Comissão considera ser útil, para garantir uma execução uniforme e equitativa dos Fundos estruturais na Comunidade, adotar uma série de regras comuns sobre as despesas elegíveis […]. A adoção destas regras não deve prejudicar a possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem disposições nacionais mais estritas em determinados casos a precisar».

( 18 ) N.o 28 das suas observações escritas.

( 19 ) O n.o 2 do artigo 32.o prevê que, aquando da primeira autorização, a Comissão efetuará um pagamento por conta à autoridade de pagamento, que representa 7 % da participação dos Fundos na intervenção em causa. Esse pagamento por conta é logicamente permitido sem exigir nenhum comprovativo contabilístico prévio de despesas por parte do beneficiário. V. nesse sentido Acórdão de 24 de novembro de 2005, Itália/Comissão (C‑138/03, C‑324/03 e C‑431/03, EU:C:2005:714, a seguir «Acórdão Itália/Comissão», n.os 47 a 49).

( 20 )

( 21 ) V. considerandos 35 e 43 do Regulamento n.o 1260/1999.

( 22 ) Acórdão Itália/Comissão, n.os 44 a 46. Neste último afirma‑se que «[…] em princípio, a elegibilidade, para a contribuição dos Fundos estruturais, das despesas efetuadas pelos organismos nacionais esteja subordinada à apresentação, aos serviços da Comissão, de uma prova da sua utilização no quadro do projeto financiado pela União Europeia. Tal prova pode traduzir‑se em faturas pagas ou, se isso se revelar impossível, em documentos contabilísticos de valor probatório equivalente».

( 23 ) A Comissão considera que, numa situação como essa, o beneficiário teria podido fazer a prova das despesas, por exemplo com faturas de compra de material ou com folhas de vencimento dos trabalhadores. Além disso, poderia ter apresentado documentos contabilísticos de valor probatório equivalente para despesas relativamente às quais não lhe é possível dispor de faturas, como as contribuições em espécie ou as correspondentes à amortização ou à depreciação de bens utilizados na execução da obra.

( 24 ) No âmbito do IVA, a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), prevê a utilização das faturas como meio de obtenção da dedução do IVA e regula alguns dos elementos e características que devem ter, embora remetendo, no que respeita aos outros, para os direitos dos Estados‑Membros. V., entre outros, Acórdãos de 15 de setembro de 2016, Senatex (C‑518/14, EU:C:2016:691, n.os 28 e 29); de 21 de novembro de 2018, Vădan (C‑664/16, EU:C:2018:933, n.os 39 e 40); e de 11 de novembro de 2021, Ferimet (C‑281/20, EU:C:2021:910, n.os 26 a 28).

( 25 ) Decisão 97/324/CE da Comissão, de 23 de abril de 1997, que altera as decisões que aprovam os quadros comunitários de apoio, os documentos únicos de programação e os programas de iniciativa comunitária adotadas em relação à Irlanda (Apenas faz fé o texto em língua inglesa) (JO 1997, L 146, p. 15).

«Ficha n.o 4: […] Precisões sobre a noção de custos reais

[…]

3. Por “documento contabilístico de valor probatório equivalente” entende‑se, no caso em que a emissão de uma fatura não é exigida segundo as regras fiscais e contabilísticas nacionais, qualquer documento introduzido para comprovar que o registo contabilístico representa fielmente a realidade e está em conformidade com o direito contabilístico em vigor.

[…]»

( 26 ) V., no Regulamento n.o 1303/2013, artigo 68.o sobre a comprovação dos custos indiretos, bem como artigo 69.o sobre comprovação das contribuições em espécie que consistam no fornecimento de obras, bens, serviços, terrenos e imóveis, cujo pagamento em dinheiro comprovado mediante fatura ou outro documento de valor probatório equivalente não tenha sido efetuado, bem como dos custos de amortização.

( 27 ) Nos termos do Regulamento n.o 1685/2000, anexo, Regra n.o 1, ponto 1.8, «[a]s despesas gerais são despesas elegíveis, desde que se baseiem nos custos reais incorridos com a execução da operação cofinanciada pelos Fundos estruturais e sejam imputadas à operação numa base pro rata ou segundo qualquer outro método de cálculo equitativo e devidamente justificado».

( 28 ) Nos termos do Regulamento n.o 1685/2000, anexo, Regra n.o 1, ponto 1.7, «[a]s contribuições em espécie são despesas elegíveis, desde que estejam preenchidas as seguintes condições:

a) Corresponderem a um contributo em terrenos ou em imóveis, em bens de equipamento ou materiais, em atividades profissionais ou de investigação ou em trabalho voluntário não remunerado;

b) Não serem realizadas no âmbito das medidas de engenharia financeira referidas nas regras 8, 9 e 10;

c) O seu valor poder ser objeto de avaliação e auditoria por entidades independentes;

d) No caso de um contributo em terrenos ou em imóveis, o seu valor deve ser certificado por um avaliador qualificado independente ou por um organismo oficial devidamente autorizado para o efeito;

e) No caso de trabalho voluntário não remunerado, o valor do trabalho prestado é determinado em função do tempo consagrado e da taxa horária ou diária normal para o trabalho realizado;

f) No caso de despesas relativas às regras 4, 5 e 6, o seu conteúdo deva ser respeitado.»

( 29 ) Tal resulta do n.o 3.6 do despacho de reenvio.

( 30 ) No original italiano, «libretto delle misure» e «registro della contabilità».

( 31 ) É o que parece indicar o Tribunal de Recurso no seu Acórdão de 27 de outubro de 2014.

( 32 ) Remeto para os n.os 69 a 71 destas conclusões.