CONCLUSÕES DO ADVOGADO GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 24 de março de 2022 ( 1 )

Processo C‑4/21

Fédération des entreprises de la beauté

contra

Agence nationale de sécurité du médicament et des produits de santé

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Produtos cosméticos — Regulamento (CE) n.o 1223/2009 — Artigo 27.o — Cláusula de salvaguarda em caso de risco grave para a saúde humana — Medida provisória nacional que impõe a inclusão de determinadas indicações na rotulagem dos produtos cosméticos que contenham fenoxietanol — Correspondência de um funcionário da Comissão sobre a medida nacional — Ato preparatório ou decisão da Comissão — Conceito de produto cosmético para efeitos da adoção da medida provisória — Produtos cosméticos caracterizados por conterem uma determinada substância na sua composição — Artigo 28.o — Vias de recurso — Alcance da fiscalização jurisdicional sobre a medida nacional provisória»

1.

O Regulamento (CE) n.o 1223/2009 ( 2 ) prevê, como regra geral, que os Estados‑Membros não podem recusar, proibir ou restringir a disponibilização no mercado de produtos cosméticos que cumpram os requisitos desse regulamento.

2.

Todavia, esse regulamento contém uma «cláusula de salvaguarda» nos termos da qual as autoridades de um Estado‑Membro podem tomar medidas provisórias (como a sua retirada ou a limitação da sua disponibilidade) em relação a um ou a vários produtos cosméticos, em caso de risco grave para a saúde humana.

3.

A ativação da cláusula de salvaguarda implica que a Comissão declare, o mais rapidamente possível, se a medida provisória é ou não justificada, após consulta, se for caso disso, do Comité Científico da Segurança dos Consumidores (a seguir «CCSC») ( 3 ).

4.

Em França, a Agência Nacional para a Segurança dos Medicamentos e Produtos de Saúde (a seguir «ANSM») adotou uma medida provisória que impunha determinados requisitos à rotulagem dos produtos que contivessem fenoxietanol ( 4 ) e que se destinassem a crianças com idade inferior a três anos. Esses requisitos diferiam dos previstos no Regulamento n.o 1223/2009 que, por seu turno, segue os recomendados num relatório do CCSC ( 5 ).

5.

A Fédération des entreprises de la beauté (Federação de empresas da indústria cosmética; a seguir «FEBEA») pediu a anulação da decisão da ANSM no Conseil d’Etat (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), que submete ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação do Regulamento n.o 1223/2009.

I. Quadro jurídico. Direito da União. Regulamento n.o 1223/2009

6.

Os considerandos 3 e 4 têm a seguinte redação:

«(3)

O presente regulamento […] reforça determinados elementos do quadro regulamentar aplicável aos cosméticos, tais como o controlo no mercado, tendo em vista assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana.

(4)

O presente regulamento harmoniza de forma exaustiva as normas aplicáveis na Comunidade a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana.»

7.

O artigo 1.o («Âmbito e objetivo») tem a seguinte redação:

«O presente regulamento estabelece as normas que os produtos cosméticos disponíveis no mercado devem cumprir a fim de garantir o funcionamento do mercado interno e um elevado nível de proteção da saúde humana.»

8.

O artigo 2.o («Definições») dispõe:

«1.   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

“Produto cosmético”, qualquer substância ou mistura destinada a ser posta em contacto com as partes externas do corpo humano […] ou com os dentes e as mucosas bucais, tendo em vista, exclusiva ou principalmente, limpá‑los, perfumá‑los, modificar‑lhes o aspeto, protegê‑los, mantê‑los em bom estado ou corrigir os odores corporais;

b)

“Substância”, um elemento químico e os seus compostos, no estado natural ou obtidos por qualquer processo de fabrico, incluindo todos os aditivos necessários para preservar a sua estabilidade e todas as impurezas derivadas do processo utilizado, mas excluindo todos os solventes que possam ser separados sem afetar a estabilidade da substância nem alterar a sua composição;

c)

“Mistura”, uma mistura ou solução composta por duas ou mais substâncias;

[…]»

9.

O artigo 3.o («Segurança») prevê:

«Os produtos cosméticos disponibilizados no mercado devem ser seguros para a saúde humana quando usados em condições de utilização normais ou razoavelmente previsíveis […]»

10.

O artigo 10.o («Avaliação da segurança») dispõe:

«1.   A fim de demonstrar que os produtos cosméticos estão conformes com o artigo 3.o, antes de os colocar no mercado, a pessoa responsável deve certificar‑se de que foram submetidos a uma avaliação da segurança com base nas informações relevantes e que foi estabelecido, nos termos do anexo I, um relatório de segurança dos produtos cosméticos.

[…]»

11.

O artigo 11.o («Ficheiro de informações sobre o produto») dispõe:

«[…]

2.   O ficheiro de informações sobre o produto deve conter os seguintes dados e informações, que devem ser atualizados sempre que necessário:

a)

Uma descrição do produto cosmético que permita estabelecer uma associação clara entre o ficheiro de informações sobre o produto e o produto cosmético a que diz respeito;

b)

O relatório de segurança do produto cosmético a que se refere o n.o 1 do artigo 10.o;

[…]»

12.

O artigo 13.o («Notificação») prevê:

«1.   Antes da colocação de um produto cosmético no mercado, a pessoa responsável deve transmitir à Comissão, por via eletrónica, as seguintes informações:

a)

A categoria a que pertence o produto cosmético e a sua designação ou designações, que permitam a sua identificação específica;

[…]»

13.

O artigo 22.o («Controlo no mercado») dispõe:

«Os Estados‑Membros devem fiscalizar o cumprimento do disposto no presente regulamento através da realização de controlos no mercado dos produtos cosméticos nele disponibilizados. Devem efetuar verificações adequadas de produtos cosméticos e dos operadores económicos a uma escala adequada, através do ficheiro de informações sobre o produto e, se for caso disso, de verificações físicas e laboratoriais com base em amostras adequadas.

[…]»

14.

O artigo 23.o («Comunicação de efeitos indesejáveis graves») prevê:

«1.   Em caso de efeitos indesejáveis graves, a pessoa responsável e os distribuidores devem comunicar imediatamente as seguintes informações à autoridade competente do Estado‑Membro onde se produziu o efeito indesejável grave:

[…]»

15.

O artigo 24.o («Informação sobre as substâncias») dispõe:

«Em caso de sérias dúvidas quanto à segurança de uma substância presente em produtos cosméticos, a autoridade competente do Estado‑Membro em que um produto que contenha a referida substância é disponibilizado no mercado pode, mediante pedido fundamentado, solicitar à pessoa responsável que apresente uma lista de todos os produtos cosméticos pelos quais é responsável e que contenham a substância em causa […]»

16.

O artigo 25.o («Incumprimento por parte da pessoa responsável») tem a seguinte redação:

«1.   […] as autoridades competentes devem exigir que a pessoa responsável tome todas as medidas adequadas […] sempre que se verificar o incumprimento de um dos seguintes requisitos:

[…]

5.   A autoridade competente deve tomar todas as medidas adequadas para proibir ou restringir a disponibilização no mercado de um produto cosmético ou para proceder à sua retirada do mercado ou à sua recolha nas seguintes situações:

a)

Sempre que sejam necessárias ações imediatas em caso de risco grave para a saúde humana; ou

b)

Sempre que a pessoa responsável não tome todas as medidas adequadas dentro do prazo referido no n.o 1.

[…]»

17.

O artigo 27.o («Cláusula de salvaguarda») prevê:

«1.   No caso dos produtos que cumprem os requisitos enunciados no n.o 1 do artigo 25.o, sempre que uma autoridade competente verificar, ou tenha motivos razoáveis para recear que um ou vários produtos cosméticos disponibilizados no mercado apresentem ou possam apresentar um risco grave para a saúde humana, deve tomar todas as medidas provisórias apropriadas para garantir que o referido produto ou produtos em causa sejam retirados, recolhidos ou que a sua disponibilidade seja limitada de outro modo.

2.   A autoridade competente deve comunicar imediatamente à Comissão e às autoridades competentes dos demais Estados‑Membros as medidas tomadas e todas as informações que lhes serviram de base.

Para efeitos da aplicação do primeiro parágrafo, deve usar‑se o sistema de troca rápida de informação previsto no n.o 1 do artigo 12.o da Diretiva 2001/95/CE.

São aplicáveis os n.os 2, 3 e 4 do artigo 12.o da Diretiva 2001/95/CE.

3.   A Comissão determina, logo que possível, se as medidas provisórias referidas no n.o 1 são ou não justificadas. Para o efeito, consulta, sempre que possível, os interessados, os Estados‑Membros e o CCSC.

4.   Se as medidas provisórias forem justificadas, aplica‑se o disposto no n.o 1 do artigo 31.o

5.   Se as medidas provisórias não forem justificadas, a Comissão informa desse facto os Estados‑Membros, e a autoridade competente em causa deve revogar essas medidas.»

18.

Nos termos do artigo 28.o («Boas práticas administrativas»):

«1.   Qualquer decisão tomada nos termos dos artigos 25.o e 27.o deve expor os motivos exatos em que se baseia. A pessoa responsável é notificada dessa decisão pela autoridade competente no mais breve prazo, com a indicação das vias de recurso abertas pela legislação do Estado‑Membro em causa e do prazo no qual estes recursos podem ser interpostos.

[…]»

19.

O artigo 31.o («Alteração dos anexos») dispõe:

«1.   Sempre que se verificar um risco potencial para a saúde humana, decorrente da utilização de determinadas substâncias nos produtos cosméticos, que deva ser tratado a nível comunitário, a Comissão pode, após consulta do CCSC, alterar em conformidade os anexos II a VI. […]

[…]»

II. Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

A.   Antecedentes

20.

Em setembro de 2012, a Comissão recebeu uma avaliação dos riscos apresentada pela ANSM, nos termos da qual a concentração máxima autorizada (de 1 %) de fenoxietanol com vista à sua utilização como conservante devia ser reduzida para 0,4 % nos produtos cosméticos para crianças com idade inferior a três anos e o fenoxietanol não devia ser utilizado em produtos cosméticos destinados à área da fralda ( 6 ).

21.

Em 6 de outubro de 2016, o CCSC emitiu um relatório no qual considerou ser segura a utilização do fenoxietanol como conservante com uma concentração máxima de 1,0 %, independentemente da faixa etária alvo.

22.

Em dezembro de 2017, a ANSM reuniu um comité científico especializado temporário que avalizou a proposta formulada por esta autoridade em setembro de 2012.

B.   Decisão da ANSM de 13 de março de 2019 (a seguir «decisão controvertida»)

23.

Em 13 de março de 2019, a ANSM aplicou a cláusula de salvaguarda do artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009, estabelecendo condições especiais para a disponibilização, em França, de produtos cosméticos não enxaguados e que contivessem fenoxietanol.

24.

Na decisão controvertida, a ANSM impôs, a título provisório, que a rotulagem dos «produtos cosméticos não enxaguados» ( 7 ) e que contivessem fenoxietanol, excluindo os desodorizantes, produtos para a barba e produtos de maquilhagem, indicasse que os mesmos não podiam ser utilizados nas nádegas de crianças com idade igual ou inferior a três anos ( 8 ).

C.   Procedimento na Comissão

25.

Em 10 de maio de 2019, a ANSM comunicou a decisão controvertida à Comissão.

26.

Em 27 de novembro de 2019, um funcionário da Comissão ( 9 ) enviou ao Diretor‑Geral da ANSM uma mensagem de correio eletrónico (a seguir «carta do chefe de unidade») indicando‑lhe, nomeadamente ( 10 ), que a medida provisória, sendo aplicável a uma categoria de produtos e não a um produto ou a produtos específicos, não estava abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009.

27.

Em 6 de dezembro de 2019, o Diretor‑Geral da ANSM refutou a análise constante da carta do chefe de unidade e concluiu que manteria, a título provisório, a decisão controvertida, enquanto aguardava que a Comissão tomasse uma medida em conformidade com o artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009.

D.   Tramitação do processo no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional)

28.

Em 8 de abril de 2019, a FEBEA interpôs recurso no Conseil d’Etat (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) com vista a obter a declaração de nulidade da decisão controvertida.

29.

Na opinião da FEBEA, a medida provisória violava o Regulamento n.o 1223/2009 dado que impunha, sem que estivessem preenchidas as condições de aplicação do seu artigo 27.o, uma obrigação de rotulagem que esse regulamento não prevê. Por conseguinte, violava o artigo 9.o, relativo à livre circulação dos produtos cosméticos.

30.

Para decidir sobre esse recurso, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) considera que é indispensável determinar:

Se a carta do chefe de unidade constitui uma decisão da Comissão, na aceção do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009, ou um simples ato preparatório.

No caso de a carta do chefe de unidade constituir um ato preparatório desprovido de efeitos jurídicos, qual é o âmbito da competência do órgão jurisdicional em relação à decisão controvertida.

Se o artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009 permite a adoção de medidas provisórias para uma categoria de produtos cosméticos que contenham a mesma substância.

31.

Tendo em vista dissipar as suas dúvidas, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) submeteu ao Tribunal de Justiça seis questões prejudiciais das quais, por indicação do Tribunal de Justiça, apenas abordarei as três primeiras:

«1)

Deve a carta de 27 de novembro de 2019 do chefe da unidade […] da Comissão Europeia ser considerada um ato preparatório da decisão pela qual a Comissão determina se uma medida provisória de um Estado‑Membro é ou não justificada com fundamento no artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1223/2009 […], tendo em conta a formulação dessa carta bem como a ausência de qualquer elemento que sugira que o agente signatário dispõe de competências delegadas para adotar uma decisão em nome da Comissão, ou deve ser considerada uma decisão que exprime a posição final da Comissão?

2)

Caso se deva considerar que a carta de 27 de novembro de 2019 é um ato preparatório da decisão pela qual a Comissão determina se uma medida provisória de um Estado‑Membro é ou não justificada com fundamento no artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1223/2009, pode o órgão jurisdicional nacional, quando é interpelado a respeito da legalidade de uma medida provisória adotada por uma autoridade nacional com fundamento no n.o 1 desse artigo, enquanto aguarda a decisão da Comissão, decidir se a medida provisória é conforme com o referido artigo e, em caso afirmativo, até que ponto e em que domínios, ou deve, desde que a Comissão não a declare injustificada, considerar a medida provisória conforme com o referido artigo?

3)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, deve o artigo 27.o do Regulamento (CE) n.o 1223/2009 ser interpretado no sentido de que permite a adoção de medidas provisórias aplicáveis a uma categoria de produtos que contêm a mesma substância?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

32.

O pedido de decisão prejudicial foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de janeiro de 2021.

33.

Apresentaram observações escritas a FEBEA, os Governos francês e grego, e a Comissão Europeia. Com exceção do Governo grego, todos participaram na audiência realizada em 20 de janeiro de 2022.

IV. Apreciação

A.   Primeira questão prejudicial

34.

A primeira questão, relativa à natureza jurídica da carta do chefe de unidade (ato preparatório ou decisão definitiva), deve ser lida em conjugação com o artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009.

35.

Apreciada nesta perspetiva, a questão consiste em saber se, na aceção desse artigo, a carta do chefe de unidade pode ser entendida como a reação ou a resposta oficial da Comissão à medida provisória da ANSM.

36.

Todos os intervenientes neste reenvio prejudicial (nomeadamente os dois principais interlocutores, a saber, a ANSM, representada pelo Governo francês, e a Comissão) estão de acordo quanto ao facto de a carta do chefe de unidade não ter a natureza de decisão da Comissão.

37.

Se a ANSM tivesse considerado essa carta uma decisão definitiva da Comissão, o Governo francês poderia ter interposto recurso de anulação da mesma, com fundamento no artigo 263.o TFUE. Não só não o fez como, em 6 de dezembro de 2019, a ANSM informou a Comissão de que mantinha a medida provisória, enquanto aguardava a adoção por esta instituição de uma decisão em conformidade com o artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009.

38.

Em especial, a Comissão contesta a natureza de decisão dessa carta e considera‑a um mero ato preparatório. Baseia‑se em argumentos que compartilho:

A carta do chefe de unidade não está em conformidade, nem no cabeçalho, nem no corpo do texto, com o formato de uma decisão. Embora emane de um serviço desta instituição, não indica que tenha sido emitida ao abrigo de um poder decisório da Comissão exercido no âmbito das suas competências ou por delegação.

Quanto ao seu conteúdo, constitui a opinião desse funcionário sobre o alcance do artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009, à qual se segue um convite às autoridades francesas para reexaminarem a medida provisória.

A carta deixa a porta aberta para que a ANSM apresente novas provas científicas que demonstrem que a utilização do fenoxietanol deve ser restringida, com vista a seguir o procedimento habitual.

Para reconsiderar o parecer do CCSC, acrescenta a carta do chefe de unidade, «deve ser enviado à Comissão Europeia um ficheiro contendo os novos dados relevantes».

39.

Resulta claramente desses elementos de apreciação que a carta do chefe de unidade não equivale à decisão que a Comissão é chamada a tomar nos termos do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009.

40.

Recordo que, em aplicação dessa disposição, a Comissão informa a autoridade nacional se a sua medida provisória é ou não justificada. Ora, na carta do chefe de unidade não se afirma expressamente que a decisão controvertida seja injustificada. Também não se exige à autoridade nacional que revogue a medida provisória, como dispõe o artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1223/2009, para os casos de falta de justificação.

41.

A carta do chefe de unidade, repito, limita‑se a sugerir às autoridades nacionais que reapreciassem a medida provisória e, se o considerarem oportuno, enviem novos dados científicos que permitam a revisão do parecer do CCSC sobre o fenoxietanol.

42.

Além disso, como sublinha o Governo francês, nem o chefe de unidade está habilitado a tomar decisões em nome da Comissão, nem a sua carta indica a base regulamentar, o que não é conforme com o imperativo de segurança jurídica exigido aos atos destinados a produzir efeitos jurídicos. A força obrigatória destes últimos decorre precisamente de uma disposição do direito da União que deve ser indicada como fundamento jurídico ( 11 ).

43.

Em suma, o artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que uma carta como a do chefe de unidade, na qual não se indica formalmente à ANSM se a medida provisória tomada ao abrigo do artigo 27.o, n.o 1, do mesmo regulamento, é ou não justificada, não pode ser qualificada de decisão definitiva da Comissão.

B.   Segunda questão prejudicial

44.

A segunda questão parte da hipótese (correta) de que a carta do chefe de unidade não exprime a decisão da Comissão. Uma vez assente esta premissa, a dúvida do órgão de reenvio incide sobre os poderes do órgão jurisdicional nacional chamado a verificar a legalidade da medida provisória no recurso que lhe foi submetido.

45.

O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) pretende saber se se pode pronunciar, e em que termos, enquanto aguarda uma decisão da Comissão sobre esta medida provisória, ao abrigo do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009.

46.

A resposta à primeira parte desta (dupla) questão não é difícil. A garantia da defesa judicial dos interessados, a nível nacional, encontra‑se refletida no artigo 28.o do Regulamento n.o 1223/2009. Esta disposição dispõe que qualquer decisão tomada nos termos dos artigos 25.o e 27.o deve ser objeto de notificação, no mais breve prazo, à «pessoa responsável […] com a indicação das vias de recurso abertas pela legislação do Estado‑Membro em causa e do prazo no qual estes recursos podem ser interpostos» ( 12 ).

47.

Por conseguinte, a expressão «vias de recurso» do artigo 28.o do Regulamento n.o 1223/2009 indica que o órgão jurisdicional nacional é competente para rever a decisão de medidas provisórias tomada pelas autoridades do seu país em aplicação do artigo 27.o, n.o 1, do mesmo regulamento, se a sua legislação interna o permitir.

48.

A segunda parte da questão prejudicial centra‑se na delimitação dos poderes do órgão jurisdicional nacional que decide do recurso contra as medidas provisórias.

49.

O Tribunal de Justiça já se pronunciou em processos semelhantes, em que a norma da União atribuía competência às autoridades nacionais para a adoção de medidas provisórias e deixava a apreciação definitiva para as instituições da União.

50.

O Acórdão Monsanto e o. ( 13 ) foi proferido no contexto do Regulamento (CE) n.o 1829/2003 ( 14 ), que segue um esquema paralelo ao do Regulamento n.o 1223/2009.

51.

O artigo 34.o do Regulamento n.o 1829/2003 prevê a adoção de medidas de emergência sempre que um produto autorizado por esse regulamento seja suscetível de constituir um risco grave para a saúde humana, a saúde animal ou o ambiente. Perante tal situação e as circunstâncias do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 178/2002/CE), ( 15 ) o Estado‑Membro pode tomar medidas de proteção provisórias e informa imediatamente os outros Estados‑Membros e a Comissão.

52.

A este respeito, o Tribunal de Justiça fez as seguintes declarações no Acórdão Monsanto e o.:

«[À] luz da economia do sistema previsto pelo Regulamento n.o 1829/2003 e do seu objetivo de evitar disparidades artificiais na assunção de um risco grave, a avaliação e a gestão de um risco grave e aparente competem, em última instância, exclusivamente à Comissão e ao Conselho, sujeito ao controlo do juiz da União» ( 16 ).

«[N]a fase da adoção e da aplicação, pelos Estados‑Membros, das medidas de emergência a que se refere o artigo 34.o do referido regulamento, enquanto não for adotada uma decisão a este respeito a nível da União, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a fiscalizar a legalidade de semelhantes medidas nacionais são competentes para apreciar a legalidade dessas medidas à luz dos requisitos materiais previstos no artigo 34.o do Regulamento n.o 1829/2003 e dos requisitos processuais estabelecidos no artigo 54.o do Regulamento n.o 178/2002 […]» ( 17 ).

«Para efeitos da adoção de medidas de emergência, o artigo 34.o do Regulamento n.o 1829/2003 impõe aos Estados‑Membros que verifiquem, além da urgência, a existência de uma situação suscetível de apresentar um risco importante que manifestamente ponha em perigo a saúde humana, a saúde animal ou o ambiente» ( 18 ).

«Pelo contrário, quando […] uma decisão tenha sido adotada a nível da União, as apreciações de facto e de direito relativas a esse caso, constantes dessa decisão, impõem‑se a todos os órgãos do Estado‑Membro destinatário dessa decisão, em conformidade com o artigo 288.o TFUE, incluindo os órgãos jurisdicionais daquele chamados a apreciar a legalidade das medidas adotadas a nível nacional» ( 19 ).

53.

Considero que estas considerações são transponíveis para a interpretação do Regulamento n.o 1223/2009, cujo artigo 27.o, n.o 1, permite que a autoridade competente do Estado‑Membro «verifi[que], ou tenha motivos razoáveis para recear que um ou vários produtos cosméticos disponibilizados no mercado apresentem ou possam apresentar um risco grave para a saúde humana». Perante tal circunstância, essa autoridade pode tomar «as medidas provisórias apropriadas para garantir que o referido produto ou produtos em causa sejam retirados, recolhidos ou que a sua disponibilidade seja limitada de outro modo».

54.

Uma vez tomada uma decisão dessa natureza, o órgão jurisdicional nacional chamado a decidir conserva a sua plena jurisdição para se pronunciar sobre o recurso enquanto a Comissão não tiver tomado a decisão prevista no artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009.

55.

Se, pelo contrário, a Comissão tiver tomado essa decisão, que vincula todas as autoridades do Estado‑Membro enquanto não for anulada pelo Tribunal de Justiça, o litígio no órgão jurisdicional nacional fica sem objeto.

56.

Assim, enquanto a Comissão não tiver decidido no sentido acima indicado, cabe ao órgão jurisdicional nacional avaliar ( 20 ) se a autoridade que tomou a medida provisória respeitou tanto os requisitos materiais do artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009 como os requisitos processuais que este mesmo regulamento e, claro está, as normas nacionais aplicáveis preveem:

Quanto aos requisitos materiais, o órgão jurisdicional nacional poderá verificar se a medida provisória está suficientemente fundamentada, para os efeitos cautelares que lhe são próprios, na existência de um risco grave e se é proporcionada ao objetivo de proteção da saúde humana contra esse risco ( 21 ).

Quanto aos requisitos processuais, cabe igualmente ao órgão jurisdicional nacional verificar a forma como foram aplicadas as normas que delimitam a competência do órgão administrativo e o procedimento utilizado. É nomeadamente obrigado a verificar se, além das disposições nacionais, foram respeitadas as regras processuais do Regulamento n.o 1223/2009 [que a medida tenha sido notificada à Comissão e aos outros Estados‑Membros (artigo 27.o, n.o 2), e que tenham sido seguidas as boas práticas administrativas referidas no artigo 28.o].

57.

Ao decidir, em qualquer um dos sentidos possíveis, enquanto aguarda o exercício, pela Comissão, da sua competência nos termos do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2007 ( 22 ), o órgão jurisdicional nacional não interfere no exercício dessa competência exclusiva da Comissão:

Se anular a medida provisória, a situação jurídica que a medida tinha alterado voltará a ter plena vigência, pelo que não ocorre nenhuma alteração do statu quo anterior. Desaparece assim a restrição à circulação dos produtos cosméticos que estão em conformidade com o Regulamento n.o 1223/2009.

Se, pelo contrário, o órgão jurisdicional nacional confirmar que a medida provisória era, no plano cautelar, conforme com as exigências materiais e processuais das normas aplicáveis (tanto nacionais como da União), a Comissão mantém a sua capacidade para decidir se era ou não justificada.

58.

Como já recordei, a decisão final da Comissão impõe‑se a todos os órgãos do Estado‑Membro enquanto o Tribunal de Justiça não a anular. Por conseguinte, a intervenção prévia do órgão jurisdicional nacional não é incompatível com a intervenção posterior da Comissão.

59.

Ao contrário do que alega a Comissão ( 23 ), uma decisão jurisdicional nacional que anule a decisão de medidas provisórias não inibe a ação da própria Comissão mais do que o faria a retirada ou a revogação dessas medidas que, por sua própria iniciativa, seria efetuada pela autoridade competente do Estado‑Membro.

60.

Se a autoridade nacional, por si própria ou em execução do acórdão de um órgão jurisdicional, tornar sem efeitos a sua decisão sobre a adoção da medida provisória, a Comissão já não terá de se pronunciar sobre a justificação da medida (porque esta desapareceu), mas isso em nada afeta as suas próprias competências para avaliar os riscos inerentes à utilização de uma substância nos produtos cosméticos e para agir em conformidade.

61.

Em suma, enquanto a Comissão não exerça a competência que lhe é conferida pelo artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009, o órgão jurisdicional nacional pode anular ou manter, com a natureza cautelar que lhes é própria, as medidas provisórias da autoridade nacional.

C.   Terceira questão prejudicial

62.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009 permite a adoção de medidas provisórias relativamente a uma categoria de produtos que contenham a mesma substância.

63.

A Comissão e a FEBEA optam por uma resposta negativa: esse artigo apenas autorizaria a adoção de medidas provisórias em relação a um produto cosmético específico tal como tenha sido comercializado, isto é, disponibilizado no mercado. A autoridade nacional só poderia atuar relativamente a um produto apresentado no mercado com uma marca ou com uma designação comercial determinada.

64.

Os Governos francês e grego contestam essa interpretação invocando argumentos com os quais, no essencial, concordo. Todavia, reconheço que ambas as teses dispõem de argumentos de apoio sólidos.

65.

A minha análise partirá do conceito de produto cosmético para se centrar, seguidamente, no objetivo do Regulamento n.o 1223/2009. Por último, debruçar‑me‑ei sobre os argumentos da Comissão relativos ao sistema de troca rápida de informação com as autoridades nacionais.

1. Conceito de produto cosmético

66.

O artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1223/2009, define o produto cosmético como «qualquer substância ou mistura destinada a ser posta em contacto com as partes externas do corpo humano […], tendo em vista, exclusiva ou principalmente, limpá‑los, perfumá‑los, modificar‑lhes o aspeto, protegê‑los, mantê‑los em bom estado ou corrigir os odores corporais».

67.

Segundo o Tribunal de Justiça, essa definição «assenta em três critérios cumulativos, ou seja, em primeiro lugar, a natureza do produto em causa (substância ou mistura de substâncias), em segundo lugar, a parte do corpo humano com a qual esse produto é destinado a ser posto em contacto e, em terceiro lugar, o objetivo prosseguido pela utilização do dito produto» ( 24 ).

68.

Desses critérios, o mais relevante para este litígio é o primeiro ( 25 ). O produto cosmético consiste, precisamente, numa substância ( 26 ) ou numa mistura de substâncias ( 27 ). Por conseguinte, a associação entre o produto cosmético e as substâncias ou misturas que o constituem é inegável.

69.

Aspeto diferente diz respeito ao facto de o produto ser apresentado no mercado através de elementos extrínsecos, estranhos à sua própria natureza, como os sinais (marcas) que o distinguem na vida comercial ou a denominação que lhe foi dada pelo seu fabricante.

70.

Por conseguinte, a ligação clara entre produto e substância apoiaria, em princípio, a tese defendida pelos Governos francês e grego.

71.

Todavia, é verdade que algumas disposições do Regulamento n.o 1223/2009 seriam, à primeira vista, suscetíveis de favorecer a interpretação preconizada pela FEBEA e pela Comissão, uma vez que sugerem que o produto é identificado pela sua designação:

O artigo 13.o, n.o 1, relativo à notificação que a pessoa responsável deve transmitir no que respeita à colocação de um produto cosmético no mercado, refere «[a] categoria a que pertence o produto cosmético e a sua designação ou designações, que permitam a sua identificação específica» ( 28 ).

O artigo 23.o prevê a notificação pela pessoa responsável e pelos distribuidores, «[e]m caso de efeitos indesejáveis graves», da «designação do produto cosmético em causa, que permita a sua identificação específica».

72.

Considero que a interpretação destas disposições, lidas em conjugação com o artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009, não conduz inevitavelmente à limitação do âmbito deste último aos produtos singulares (isto é, individuais) tal como surgem no mercado munidos dos seus sinais distintivos ou da sua designação comercial. Tentarei explicar que o objetivo da disposição, no contexto desse regulamento, favorece a outra solução, sempre com base na redação do conceito de produto cosmético.

2. Objetivos do Regulamento n.o 1223/2009

73.

Como declarou o Tribunal de Justiça, «[r]esulta de uma leitura conjunta das disposições do Regulamento n.o 1223/2009, nomeadamente do seu artigo 1.o, lidas à luz dos seus considerandos 3 e 4, que este regulamento visa harmonizar exaustivamente as regras em vigor na União, a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana» ( 29 ).

74.

Na âmbito da prossecução desses objetivos, «[o]s Estados‑Membros não podem […] recusar, proibir ou restringir a disponibilização no mercado de produtos cosméticos que cumpram os requisitos do presente regulamento» ( 30 ), mas podem tomar medidas de salvaguarda como as que estão em causa neste litígio.

75.

A proteção da saúde humana, que funciona como limite à livre circulação dos produtos, permeia todo o Regulamento n.o 1223/2009 ( 31 ). Nele podem distinguir‑se dois níveis de atuação:

A regulamentação dos cosméticos, que compete exclusivamente à Comissão, com vista a assegurar a unidade do mercado e, simultaneamente, a saúde dos consumidores. Neste nível, procura‑se estabelecer a priori quais os produtos cosméticos (e, portanto, que substâncias) são admissíveis e em que condições ( 32 ).

A fiscalização do mercado (capítulo VII do regulamento) pelas autoridades nacionais, que justifica a eventual adoção de medidas provisórias (capítulo VIII do regulamento) a fim de preservar, a posteriori, a saúde humana face a riscos graves.

76.

A autoridade nacional exerce as funções de fiscalização do mercado, para cujo efeito deve dispor das informações adequadas. As pessoas responsáveis e os distribuidores devem comunicar‑lhe nomeadamente a existência de efeitos indesejáveis graves num produto cosmético (artigos 22.o e 23.o do Regulamento n.o 1223/2009).

77.

Nos termos do artigo 24.o do Regulamento n.o 1223/2009, quando existam sérias dúvidas quanto à segurança de uma substância presente num produto cosmético, a autoridade do Estado‑Membro em que esse produto é disponibilizado no mercado «pode […] solicitar à pessoa responsável que apresente uma lista de todos os produtos cosméticos pelos quais é responsável e que contenham a substância em causa» ( 33 ).

78.

Essa previsão do Regulamento n.o 1223/2009 conduz logicamente a que a autoridade nacional disponha de informações que digam respeito não apenas a um produto individual, mas à «lista» de produtos que contenham a mesma substância.

79.

Saber em que medida esta «lista» equivale a um «grupo» ou a uma «categoria» de produtos parece‑me constituir uma questão mais semântica do que real. O que importa é que a fiscalização da autoridade nacional, quer oficiosamente ( 34 ), quer pela comunicação das pessoas responsáveis ou dos distribuidores, pode revelar determinadas dúvidas quanto à segurança de uma substância contida num ou em diversos produtos cosméticos.

80.

A autoridade nacional estará assim em condições de identificar um conjunto (chame‑se lista, grupo ou categoria) de produtos cosméticos que, pela inclusão de uma dada substância na sua composição, poderiam afetar negativamente a saúde humana. Se assim é no que respeita ao artigo 24.o, por razão idêntica também será relativamente ao artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009.

81.

Os mecanismos de reação postos à disposição das autoridades nacionais pelo Regulamento n.o 1223/2009 correspondem a dois cenários diferentes:

No primeiro, fiscaliza‑se se o produto cosmético é conforme com os requisitos do Regulamento n.o 1223/2009, para os quais remete o seu artigo 25.o, n.o 1. A autoridade nacional pode dirigir‑se à pessoa responsável para que tome todas as medidas adequadas ( 35 ) ou ordene a sua retirada do mercado ou a sua recolha, sempre que se verificar o incumprimento de um dos seus requisitos ( 36 ).

No segundo cenário, a que se refere o artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009, «um ou vários produtos cosméticos disponibilizados no mercado» cumprem os requisitos desse regulamento ( 37 ), mas as autoridades nacionais consideram que, não obstante, apresentam um risco grave para a saúde humana pelo que decidem limitar a sua difusão ou condicionar a sua utilização.

82.

Neste segundo cenário (que é o que aqui interessa), a autoridade nacional que deteta o risco grave para a saúde em um ou em vários produtos cosméticos, embora conformes com os requisitos do Regulamento n.o 1223/2009, está a pôr em evidência, implicitamente, uma eventual anomalia do próprio regulamento (nomeadamente dos seus anexos). Por conseguinte, esta eventual anomalia adquire uma dimensão à escala da União e a autoridade nacional coopera lealmente com a Comissão quando a informa da sua existência.

83.

Assim, a intervenção da autoridade nacional só pode ser provisória, enquanto se aguarda a confirmação pela Comissão de que o requisito do Regulamento n.o 1223/2009 eventualmente inadequado continua a ser correto (caso em que a autoridade nacional deve revogar a sua medida provisória, que não seria justificada) ou, pelo contrário, deve ser alterado (caso em que a Comissão confirma que a medida provisória era justificada e que há que seguir as diligências do artigo 31.o do próprio regulamento).

84.

A lógica da cooperação entre a autoridade nacional e a Comissão, inerente ao Regulamento n.o 1223/2009, explica o facto de, se as medidas provisórias forem justificadas, o artigo 27.o, n.o 4, remeter para o artigo 31.o, n.o 1, porque está ligada à verificação de «um risco potencial para a saúde humana, decorrente da utilização de determinadas substâncias nos produtos cosméticos, que deva ser tratado a nível comunitário» ( 38 ).

85.

Se assim for, o que pode ser evidenciado pela autoridade nacional perante a Comissão, para que esta decida definitivamente, é o risco que resulta, para a saúde humana, da utilização de determinadas substâncias nos produtos cosméticos. Por conseguinte, é mais coerente com o objetivo do Regulamento n.o 1223/2009 que as medidas provisórias autorizadas pelo seu artigo 27.o, n.o 1, possam ser alargadas não apenas a um produto específico, identificado pela sua marca e pela sua designação comercial, mas sim a vários produtos ( 39 ) agrupados em função da substância que contenham. Se esses produtos criam riscos para a saúde, é precisamente porque contêm esta substância.

86.

Esta interpretação, repito, é coerente com a metodologia do procedimento de revisão dos anexos que a Comissão deve aplicar, nos termos do artigo 31.o do Regulamento n.o 1223/2009, se a medida provisória for considerada justificada.

87.

Quando esse procedimento de revisão tenha sido desencadeado na sequência da intervenção da autoridade nacional considerada justificada e se destine a prevenir os riscos decorrentes da «utilização de determinadas substâncias nos produtos cosméticos» (no plural) ( 40 ), é razoável que essa autoridade nacional tenha podido ponderar os riscos associados a uma categoria de produtos que coincidem quanto ao facto de conterem a mesma substância, alegadamente perigosa para a saúde humana.

88.

Os artigos 27.o e 31.o do Regulamento n.o 1223/2009 referem‑se ao produto cosmético, que, como já recordei, o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), define como uma substância ou uma mistura de substâncias. Por conseguinte, nada impede que se caracterize uma categoria de produtos devido à presença, nesses produtos, de uma determinada substância.

89.

Esta solução, insisto, parece‑me ser a mais compatível com a conciliação dos objetivos do regulamento e com a sua interpretação sistemática. A aplicação de uma medida provisória a uma categoria de produtos cosméticos que tenham elementos comuns é suscetível de assegurar, mais eficazmente, um nível adequado de proteção da saúde humana. No confronto dos diferentes interesses expressos no texto do Regulamento n.o 1223/2009 prevalece esse desígnio.

90.

Em minha opinião, três argumentos suplementares corroboram esta tese:

Por um lado, evita‑se uma eventual discriminação resultante da seleção de determinados formatos comerciais para fazer incidir unicamente sobre eles os efeitos da medida restritiva. O facto de esta última se basear na presença de uma substância na composição de vários produtos impede, além disso, que a concorrência possa ser falseada no mercado uma vez que o critério é objetivo e atinge da mesma maneira todos os produtores e distribuidores ( 41 ).

Por outro lado, como argumenta o Governo francês, os produtos cosméticos (diferentemente dos medicamentos) não são objeto de uma autorização prévia à sua entrada no mercado, pelo que as autoridades nacionais não podem identificar de modo exaustivo os que contêm uma substância determinada. Na audiência, constatou‑se que nem a formulação‑quadro prevista no artigo 13.o do Regulamento n.o 1223/2009, nem o ficheiro de informações do fabricante a que se refere o seu artigo 11.o, constituem elementos eficazes que permitam à autoridade nacional saber detalhadamente, em qualquer momento, quais as substâncias, e em que proporção, se encontram nos produtos disponibilizados no mercado.

Por último, deve evitar‑se que a interpretação de uma norma jurídica conduza a situações absurdas. Sob este ponto de vista, a adoção da medida de salvaguarda para um grupo ou para uma categoria de produtos, caracterizados pela presença de uma substância comum a todos esses produtos, evita a necessidade de se individualizar todos os produtos individuais que se encontrem em tal situação. Se se aceitasse a tese da FEBEA e da Comissão, a autoridade nacional teria de remeter para a Comissão tantas decisões quanto os produtos individuais em causa (suscetíveis de serem contabilizados em centenas) ( 42 ) com a mesma substância, mas diferenciados apenas pela sua marca ou pela sua designação comercial ( 43 ).

91.

É certo que uma medida de salvaguarda decidida com base na presença de uma substância numa categoria de produtos cosméticos poderia afetar a livre circulação destes de uma forma mais intensa do que outra medida aplicada a um único produto específico. Por conseguinte, a preocupação da Comissão é legítima, a fim de evitar a fragmentação do mercado interno e de proteger a harmonização plena deste setor.

92.

Ora, a interpretação do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009 que preconizo não viola os requisitos de harmonização, cujo respeito é assegurado tanto pelas vias de recurso previstas no seu artigo 28.o como pela competência da Comissão para, sendo caso disso, declarar injustificada a medida nacional.

93.

Por último, as medidas de salvaguarda à disposição das autoridades nacionais são compatíveis com a possibilidade de a Comissão recorrer ao artigo 31.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1223/2009, quando considere existirem «imperativos de urgência» relativamente a uma substância autorizada pelos anexos do mesmo regulamento.

94.

Esta possibilidade ao alcance da Comissão, repito, não exclui as iniciativas das autoridades nacionais, que podem detetar e reagir mais rapidamente a um eventual risco grave para a saúde humana de um produto disponibilizado no seu território. O valor acrescentado do mecanismo previsto no artigo 27.o do regulamento, que complementa o do artigo 31.o, n.o 1, consiste precisamente em dotar essas autoridades de instrumentos eficazes (imediatamente executórios) de natureza provisória, salvaguardando simultaneamente a unidade do mercado interno dos produtos cosméticos, deixando a última palavra nas mãos da Comissão.

3. Sistema de troca rápida de informação

95.

Nos termos do artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1223/2009, «[p]ara efeitos da aplicação do primeiro parágrafo, deve usar‑se o sistema de troca rápida de informação previsto no n.o 1 do artigo 12.o da Diretiva 2001/95/CE [ ( 44 )]».

96.

A Comissão sublinha que a troca rápida de informação por intermédio desse sistema (denominado «RAPEX») se aplica apenas a medidas individuais, para um produto específico, e não a medidas gerais, para uma ou várias categorias de produtos.

97.

Em apoio da sua tese, a Comissão invoca a Decisão de Execução (UE) 2019/417 ( 45 ), nomeadamente o seu n.o 4.4, da parte I do seu anexo, nos termos do qual «[o]s atos de aplicação geral adotados a nível nacional e destinados a impedir ou restringir a comercialização e a utilização de uma ou mais categorias de produtos de consumo, descritas em termos genéricos […] não devem ser notificados à Comissão através da aplicação RAPEX».

98.

Todavia, a mesma disposição acrescenta que «[t]odas as medidas nacionais deste tipo aplicáveis apenas a categorias de produtos definidas em termos genéricos, tais como todos os produtos em geral ou todos os produtos que têm a mesma finalidade — e não a (categorias de) produtos especificamente identificados pela sua marca, aspeto específico, produtor, comerciante, nome do modelo ou número, etc. — são objeto de notificação à Comissão ao abrigo da Diretiva (UE) 2015/1535 […] [ ( 46 )]».

99.

Ora, quando a ANSM proferiu a decisão controvertida, que comunicou à Comissão através da aplicação RAPEX, não introduziu restrições «aplicáveis apenas a categorias de produtos definidas em termos genéricos», mas sim a um tipo preciso de produtos identificados, de forma específica, por conterem fenoxietanol.

V. Conclusão

100.

Atendendo ao exposto, proponho que se responda à primeira, segunda e terceira questões prejudiciais do Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) nos seguintes termos:

«1)

O artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos, deve ser interpretado no sentido de que uma carta de um funcionário da Comissão, dirigida à autoridade nacional que tomou uma medida provisória nos termos do artigo 27.o, n.o 1, desse regulamento, não constitui a “decisão” da Comissão prevista no artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009 se, entre outros elementos, não indicar expressamente se essa medida provisória é, ou não, justificada.

2)

Enquanto a Comissão não tiver adotado a decisão prevista no artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre um recurso das medidas provisórias tomadas pela autoridade nacional competente com base nesse mesmo artigo 27.o, n.o 1, pode avaliar a sua conformidade com as regras materiais e processuais tanto do direito da União como do direito nacional.

3)

O artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009 permite que a autoridade nacional competente adote medidas provisórias aplicáveis a uma categoria de produtos cosméticos que contenham a mesma substância.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, sobre os produtos cosméticos (JO 2009, L 342, p. 59).

( 3 ) O CCSC foi instituído nos termos da Decisão 2008/721/CE da Comissão, de 5 de agosto de 2008, que cria uma estrutura consultiva de comités científicos e de peritos no domínio da segurança dos consumidores, da saúde pública e do ambiente e que revoga a Decisão 2004/210/CE (JO 2008, L 241, p. 21).

( 4 ) «O fenoxietanol é um conservante de largo espetro que tem uma excelente atividade contra uma vasta gama de bactérias […], leveduras e bolores. É igualmente utilizado como solvente e, devido às suas propriedades, é utilizado em misturas com outros agentes conservantes», segundo o Relatório CCSC/1575/16 que refiro na nota seguinte.

( 5 ) Relatório CCSC/1575/16 sobre o fenoxietanol, de 6 de outubro de 2016, n.o 3.2. em https://ec.europa.eu/health/scientific_committees/consumer_safety/docs/sccs_o_195.pdf].

( 6 ) Desde 26 de novembro de 2012, a ANSM recomendava no seu sítio Internet a não utilização de fenoxietanol nos produtos cosméticos destinados a serem utilizados nas nádegas de crianças com idade inferior a três anos.

( 7 ) Nos termos do preâmbulo dos anexos II a VI do Regulamento n.o 1223/2009, «[p]ara efeitos do disposto nos anexos II a VI, entende‑se por “[p]roduto não enxaguado” […] um produto cosmético que se destina a permanecer em contacto prolongado com a pele, o sistema piloso ou as mucosas».

( 8 ) Essa obrigação devia ser cumprida o mais tardar nove meses a contar da data de publicação dessa decisão no sítio Web da ANSM.

( 9 ) Tratava‑se do chefe da unidade «Tecnologias para os Consumidores, Ambiente e Saúde» da Direção‑Geral do Mercado Interno, da Indústria, do Empreendedorismo e das PME.

( 10 ) V. n.os 38 e segs. das presentes conclusões.

( 11 ) N.os 35 e 36 das suas observações escritas, referindo o Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR-15) (C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 55): «tal referência explícita [a uma disposição dos Tratados] é […] indispensável quando, na falta dela, os interessados e o Tribunal de Justiça são deixados na incerteza quanto à base jurídica precisa».

( 12 ) O sublinhado é meu. A «pessoa responsável» encontra‑se definida no artigo 4.o do Regulamento n.o 1223/2009.

( 13 ) Acórdão de 8 de setembro de 2011 (C‑58/10 a C-68/10, EU:C:2011:553; a seguir «Acórdão Monsanto e o.»).

( 14 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados (JO 2003, L 268, p. 1).

( 15 ) Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1).

( 16 ) Acórdão Monsanto e o., n.o 78.

( 17 ) Ibidem, n.o 79.

( 18 ) Ibidem, dispositivo, ponto 3.

( 19 ) Ibidem, n.o 80.

( 20 ) Nada obsta a que o órgão jurisdicional, se tiver dúvidas sobre a interpretação do direito da União, se dirija ao Tribunal de Justiça no decurso do processo de revisão das medidas provisórias, como é salientado no Acórdão Monsanto e o. no seu n.o 79. Com efeito, foi o que aconteceu no presente litígio.

( 21 ) Na audiência, a FEBEA reiterou que não existia nenhum risco grave no presente caso, como demonstraria a sequência temporal das decisões tomadas pelas autoridades francesas, questão que deverá ser decidida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

( 22 ) A competência para a decisão final é reservada à Comissão, como é o caso no Regulamento n.o 1829/2003, que prevê um mecanismo dual em relação à adoção de medidas cautelares (artigo 34.o), mas atribui competência exclusiva à Comissão (artigo 10.o) para a alteração ou a revogação das autorizações.

( 23 ) N.os 36 e 37 das suas observações escritas.

( 24 ) Acórdão de 3 de setembro de 2015, Colena (C‑321/14, EU:C:2015:540, n.o 19), referida no Acórdão de 17 de dezembro de 2020, A.M. (C‑667/19, EU:C:2020:1039, n.o 24).

( 25 ) O segundo critério tem aqui menos importância, uma vez que a medida provisória da ANSM visa expressamente uma zona corporal (as nádegas) das crianças com idade inferior a três anos.

( 26 ) O artigo 2.o, n.o 1, alínea b), define «substância» como «um elemento químico e os seus compostos, no estado natural ou obtidos por qualquer processo de fabrico», com algumas precisões.

( 27 ) O artigo 2.o, n.o 1, alínea c), entende por «mistura»«uma mistura ou solução composta por duas ou mais substâncias». As versões linguísticas que consultei (espanhola, francesa, inglesa, alemã, italiana, portuguesa e romena) corroboram esta definição, parcialmente tautológica.

( 28 ) De modo análogo, mas no que respeita ao distribuidor, os n.os 3 e 4 preveem essa «identificação específica», em relação a determinados produtos cosméticos já introduzidos no mercado em 11 de julho de 2013.

( 29 ) Acórdão de 17 de dezembro de 2020, A.M. (C‑667/19, EU:C:2020:1039, n.o 27), que remete para o Acórdão 12 de abril de 2018, Fédération des entreprises de la beauté (C‑13/17, EU:C:2018:246, n.os 23 a 25) e jurisprudência aí referida.

( 30 ) Artigo 9.o do Regulamento n.o 1223/2009.

( 31 ) A invocação da saúde humana e da segurança é reiterada no preâmbulo do Regulamento n.o 1223/2009.

( 32 ) Esta regulamentação está logicamente sujeita a uma constante evolução, que se traduz nas alterações frequentes dos anexos do Regulamento n.o 1223/2009. A Comissão pode alterá‑los, nos termos do seu artigo 31.o, sempre que: a) «se verificar um risco potencial para a saúde humana, decorrente da utilização de determinadas substâncias nos produtos cosméticos, que deva ser tratado a nível comunitário»; b) seja necessário adaptar esses anexos «ao progresso técnico e científico»; e c) «se afigure necessário, a fim de garantir a segurança dos produtos cosméticos colocados no mercado».

( 33 ) O sublinhado é meu.

( 34 ) O artigo 22.o prevê o controlo «através do ficheiro de informações sobre o produto». O artigo 11.o diz respeito a este ficheiro e especifica o conteúdo obrigatório que deve ser fornecido à autoridade competente do Estado‑Membro onde o ficheiro se encontra.

( 35 ) O n.o 5 do artigo 25.o do Regulamento n.o 1223/2009 confere poderes à autoridade nacional para tomar «todas as medidas adequadas para proibir ou restringir a disponibilização no mercado de um produto cosmético ou para proceder à sua retirada do mercado ou à sua recolha» em duas situações: a) «[s]empre que a pessoa responsável não tome todas as medidas adequadas dentro do prazo referido no n.o 1»; e b) «[s]empre que sejam necessárias ações imediatas em caso de risco grave para a saúde humana».

( 36 ) A sua enumeração [alíneas a) a l) do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009] é muito detalhada.

( 37 ) Considerando 58 do Regulamento n.o 1223/2009: «[a] fim de contemplar os produtos cosméticos que, embora cumpram o disposto no presente regulamento, possam comprometer a saúde humana, deverá introduzir‑se um procedimento de salvaguarda».

( 38 ) O sublinhado é meu.

( 39 ) O Governo francês sublinha que o artigo 27.o do Regulamento n.o 1223/2009 inclui a expressão no plural («um ou vários produtos»), em substituição do singular que figurava no artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 76/768/CEE do Conselho, de 27 de julho de 1976, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO 1976, L 262, p. 169). Na sua resposta à Comissão de 6 de dezembro de 2019, a ANSM já tinha sublinhado a alteração da redação da disposição.

( 40 ) Artigo 31.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1223/2009.

( 41 ) Relativamente aos produtos já presentes no mercado, existe o risco de arbitrariedade se, na falta de elementos suficientes, forem selecionadas determinadas versões disponibilizadas no mercado e não outras de composição idêntica, mas sob designações ou marcas diferentes. No que respeita aos produtos que vão ser disponibilizados no mercado, é preferível por razões de segurança jurídica que a medida da autoridade nacional abranja categorias de produtos com elementos comuns: uma vez publicada, os fabricantes esperarão razoavelmente a decisão da Comissão para saberem o que devem respeitar no que refere ao produto que contenha a substância em causa. Em todo o caso, é uma situação transitória que a Comissão deve esclarecer, proferindo, logo que possível, a decisão prevista no artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1223/2009.

( 42 ) Na mesma ordem de ideias, a ANSM tinha indicado à Comissão, na sua carta de 6 de dezembro de 2019 (n.o 2.1.), que seria «materialmente impossível», no plano operacional, «notificar tantas medidas provisórias quantos os produtos afetados pela presença da substância em causa».

( 43 ) Como foi destacado na audiência: perante o facto de, num Estado‑Membro, poderem existir centenas de formas disponibilizadas no mercado de produtos cosméticos de um único tipo de aplicação, a Comissão não apresentou outra solução senão a (desnecessariamente onerosa para si e para as autoridades nacionais) de emitir centenas de medidas de salvaguarda simultâneas. A gestão de centenas de ficheiros para produtos que contêm a mesma substância, quando apenas um é suficiente para atingir o objetivo prosseguido, constitui uma evidência de interpretação ad absurdum de uma norma jurídica.

( 44 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de dezembro de 2001, relativa à segurança geral dos produtos (JO 2002, L 11, p. 4).

( 45 ) Decisão de Execução da Comissão de 8 de novembro de 2018, que estabelece orientações para a gestão do Sistema de Troca Rápida de Informação da União Europeia (RAPEX), estabelecido ao abrigo do artigo 12.o da Diretiva 2001/95/CE, relativa à segurança geral dos produtos e do seu sistema de notificação (JO 2019, L 73, p. 121).

( 46 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de setembro de 2015, relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 2015, L 241, p. 1).