DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

8 de junho de 2021 ( *1 )

«Recurso de anulação — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Acordo sobre a saída do Reino Unido da União e da Euratom — Decisão do Conselho relativa à celebração do acordo sobre a saída — Nacionais do Reino Unido — Perda da cidadania da União — Falta de afetação individual — Ato não regulamentar — Inadmissibilidade»

No processo T‑252/20,

Joshua Silver, residente em Bicester (Reino Unido), e os demais recorrentes cujos nomes figuram em anexo ( 1 ), representados por P. Tridimas, barrister, D. Harrison e A. von Westernhagen, solicitors,

recorrentes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer, R. Meyer e J. Ciantar, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do disposto no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação parcial da Decisão (UE) 2020/135 do Conselho, de 30 de janeiro de 2020, relativa à celebração do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto por: A. Kornezov, presidente, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk (relatora), G. Hesse e M. Stancu, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

Antecedentes do litígio

1

Os recorrentes, Joshua Silver e os demais recorrentes cujos nomes figuram em anexo, são nacionais do Reino Unido e residem em França e no Reino Unido.

2

Em 23 de junho de 2016, os cidadãos do Reino Unido pronunciaram‑se em referendo a favor da saída do seu país da União Europeia.

3

Em 29 de março de 2017, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte notificou o Conselho Europeu da sua intenção de sair da União, nos termos do artigo 50.o, n.o 2, TUE.

4

Em 24 de janeiro de 2020, os representantes da União e do Reino Unido assinaram o Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7; a seguir «Acordo de Saída»).

5

Em 30 de janeiro de 2020, o Conselho da União Europeia adotou a Decisão (UE) 2020/135, relativa à celebração do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 1; a seguir «decisão impugnada»). Nos termos do artigo 1.o desta decisão, o Acordo de Saída foi aprovado em nome da União e da Comunidade Europeia da Energia Atómica.

6

Em 31 de janeiro de 2020, o Reino Unido saiu da União e da Comunidade Europeia da Energia Atómica. Em 1 de fevereiro de 2020, o Acordo de Saída entrou em vigor.

Tramitação processual e pedidos das partes

7

Por petição apresentada em 23 de abril de 2020, os recorrentes interpuseram o presente recurso.

8

Por requerimento separado, apresentado em 16 de junho de 2020 na Secretaria do Tribunal Geral, dois dos recorrentes solicitaram que lhes fosse concedido o anonimato. Por Decisão de 24 de junho de 2020, o Tribunal Geral deferiu esse pedido.

9

Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de julho de 2020, o Conselho arguiu uma exceção de inadmissibilidade, nos termos do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

10

Em 8 de setembro de 2020, os recorrentes apresentaram na Secretaria do Tribunal Geral as suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade.

11

Entretanto, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de junho de 2020, a Comissão Europeia pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos do Conselho. Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 28 e 31 de agosto de 2020, os recorrentes e o Conselho deram nota de terem tomado conhecimento desse pedido de intervenção.

12

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de agosto de 2020, a British in Europe, associação de direito francês, pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos dos recorrentes. Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de dezembro de 2020, os recorrentes e o Conselho apresentaram observações sobre este pedido de intervenção.

13

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de agosto de 2020, o Plaid Cymru — The Party of Wales, partido político de direito britânico, pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos dos recorrentes. Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de dezembro de 2020, os recorrentes e o Conselho apresentaram observações sobre este pedido de intervenção.

14

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de agosto de 2020, a European Democracy Lab, associação de direito alemão, pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos dos recorrentes. Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de dezembro de 2020, os recorrentes e o Conselho apresentaram observações sobre este pedido de intervenção.

15

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de agosto de 2020, a ECIT, fundação de utilidade pública de direito belga, pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos dos recorrentes. Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de dezembro de 2020, os recorrentes e o Conselho apresentaram observações sobre este pedido de intervenção.

16

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de agosto de 2020, a European Alternatives Ltd, que se apresenta como um grupo de organizações da sociedade civil constituído por uma sociedade de direito inglês e galês, uma associação de direito francês, uma associação de direito alemão e uma associação de direito italiano, pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos dos recorrentes. Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de dezembro de 2020, os recorrentes e o Conselho apresentaram observações sobre este pedido de intervenção.

17

Por Despacho de 5 de novembro de 2020, o Tribunal Geral (Décima Secção), com fundamento no artigo 130.o, n.o 7, do Regulamento de Processo, reservou para final a apreciação da exceção de inadmissibilidade e a decisão quanto às despesas.

18

Por Decisão de 11 de novembro de 2020, o Tribunal Geral remeteu o processo à Décima Secção alargada, em conformidade com o artigo 28.o do Regulamento de Processo.

19

O Conselho apresentou a contestação em 8 de fevereiro de 2021. Em 11 de fevereiro de 2021, o presidente da Décima Secção alargada decidiu não notificar este articulado aos recorrentes.

20

Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de fevereiro de 2021, o Conselho convidou o Tribunal Geral a examinar, no presente processo, a oportunidade de suspender o processo ao abrigo do artigo 69.o, alínea d), do Regulamento de Processo, até o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre os pedidos de decisão prejudicial registados sob as referências C‑673/20 e C‑32/21, ou de declinar a sua competência, nos termos do artigo 128.o do mesmo regulamento, para que o Tribunal de Justiça pudesse decidir conjuntamente sobre o presente recurso e sobre esses pedidos de decisão prejudicial. Por carta apresentada na Secretaria em 17 de fevereiro de 2021, os recorrentes pediram para tomar conhecimento da contestação a fim de poderem apresentar observações sobre a oportunidade de uma suspensão ou de uma declinação de competência. Em 22 de fevereiro de 2021, o presidente da Décima Secção alargada decidiu dar conhecimento aos recorrentes dos n.os 42 e 61 do referido articulado. Por carta apresentada na Secretaria em 10 de março de 2021, os recorrentes apresentaram observações sobre a oportunidade de uma suspensão ou de uma declinação de competência. Por Decisão de 15 de março de 2021, o presidente da Décima Secção alargada decidiu não suspender a instância.

21

Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a decisão impugnada, na medida em que «os priva […] do seu estatuto de cidadão[s] da União e dos direitos que o mesmo lhes confere»;

condenar Conselho nas despesas.

22

No âmbito da exceção de inadmissibilidade, o Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

julgar o recurso inadmissível;

condenar os recorrentes nas despesas.

Questão de direito

Quanto à sugestão de declinação da competência

23

Ao abrigo do artigo 54.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando forem submetidos ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal Geral processos com o mesmo objeto, que suscitem o mesmo problema de interpretação ou ponham em causa a validade do mesmo ato, o Tribunal Geral pode, ouvidas as partes, suspender a instância até que seja proferido o acórdão do Tribunal de Justiça ou, em caso de recursos interpostos ao abrigo do artigo 263.o TFUE, declinar a sua competência para que o Tribunal possa decidir desses recursos.

24

Resulta desta disposição que o Tribunal Geral só pode declinar a sua competência num processo se tiverem sido interpostos recursos de anulação tanto no Tribunal de Justiça como no Tribunal Geral.

25

Ora, no caso em apreço, o Conselho sugere ao Tribunal Geral que decline a sua competência para que o Tribunal de Justiça se possa pronunciar sobre o presente recurso juntamente com dois pedidos de decisão prejudicial (n.o 20, supra).

26

Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode declinar a sua competência no presente processo.

Quanto à possibilidade de decidir por despacho

27

Nos termos do artigo 130.o, n.os 1 e 7, do Regulamento de Processo, se o demandado o pedir, o Tribunal Geral pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade sem dar início à discussão do mérito da causa. Em aplicação do artigo 130.o, n.o 6, deste regulamento, o Tribunal Geral pode decidir iniciar a fase oral do processo relativamente à exceção de inadmissibilidade.

28

Segundo a jurisprudência, a possibilidade de julgar um recurso inadmissível por despacho fundamentado e, portanto, sem a realização de uma audiência, não está excluída pelo facto de o Tribunal Geral ter anteriormente proferido um despacho que reserve para final o conhecimento de uma exceção com fundamento no artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo (v., neste sentido, Despacho de 19 de fevereiro de 2008, Tokai Europe/Comissão, C‑262/07 P, não publicado, EU:C:2008:95, n.os 26 a 28).

29

No caso em apreço, embora tenha decidido, por Despacho de 5 de novembro de 2020, reservar para final o conhecimento da exceção de inadmissibilidade arguida pelo Conselho, o Tribunal Geral considera‑se agora suficientemente informado pelas peças processuais para decidir por despacho sobre essa exceção.

Quanto à exceção de inadmissibilidade

30

O Conselho alega que o recurso é inadmissível na medida em que os recorrentes não têm legitimidade para impugnar a decisão em causa. Com efeito, em primeiro lugar, os recorrentes não são destinatários dessa decisão. Em segundo lugar, a referida decisão não lhes diz individualmente respeito. Em terceiro lugar, a decisão impugnada, por um lado, necessita de medidas de execução e, por outro, não constitui um ato regulamentar.

31

Os recorrentes contestam a exceção de inadmissibilidade, alegando, por um lado, que a decisão impugnada lhes diz direta e individualmente respeito e, por outro, que esta decisão é um ato regulamentar que lhes diz diretamente respeito e não necessita de medidas de execução.

32

Há que recordar que, segundo o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas no primeiro e segundo parágrafos deste artigo, um recurso de anulação contra três tipos de atos, a saber, em primeiro lugar, os atos de que seja destinatária; em segundo lugar, os atos que lhe digam direta e individualmente respeito; e, em terceiro lugar, os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

33

No caso em apreço, a legitimidade dos recorrentes deve ser apreciada apenas à luz da decisão impugnada. No entanto, há que observar que a fiscalização da legalidade que deve ser assegurada pelo juiz da União numa decisão de celebração de um acordo internacional é suscetível de abranger a legalidade da referida decisão à luz do próprio conteúdo do acordo internacional em causa (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK, C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 51 e jurisprudência referida). Daqui resulta que, para a apreciação da legitimidade dos recorrentes, há que ter em consideração a natureza e o conteúdo do Acordo de Saída.

34

Importa começar por observar que os recorrentes não são destinatários, nem da decisão impugnada nem do Acordo de Saída. Daqui resulta que não dispõem de um direito ao recurso com fundamento no artigo 263.o, quarto parágrafo, primeiro segmento de frase, TFUE, o que, aliás, não contestam.

35

Nestas condições, importa examinar se os recorrentes dispõem de um direito ao recurso com base num ou noutro dos casos previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo e terceiro segmentos da frase, TFUE.

Quanto à legitimidade dos recorrentes à luz do artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo segmento de frase, TFUE

36

Importa recordar que os requisitos da afetação direta, por um lado, e da afetação individual, por outro, previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo segmento de frase, TFUE são cumulativos (v. Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 75 e 76 e jurisprudência referida).

37

Nas circunstâncias do caso em apreço, há que examinar, em primeiro lugar, se está preenchido o segundo requisito, relativo à afetação individual dos recorrentes.

38

A este respeito, importa recordar que resulta de jurisprudência constante que, para se considerar que um ato de que não é destinatária lhe diz individualmente respeito, uma pessoa singular ou coletiva deve ser afetada por esse ato em razão de determinadas qualidades que lhe são específicas ou de uma situação de facto que a caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑a, por isso, de forma análoga à do destinatário dessa decisão (Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 223, e de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 93).

39

Por conseguinte, a possibilidade de determinar, com maior ou menor precisão, o número ou mesmo a identidade dos sujeitos jurídicos a quem se aplica uma medida não implica de modo nenhum que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito, desde que essa aplicação seja efetuada em virtude de uma situação objetiva de direito ou de facto definida pelo ato em causa (Acórdãos de 22 de novembro de 2001, Antillean Rice Mills/Conselho, C‑451/98, EU:C:2001:622, n.o 52, e de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 94).

40

Do mesmo modo, a circunstância de um ato normativo poder ter efeitos concretos diferentes para os diversos sujeitos jurídicos a quem se aplica não é suscetível de os caracterizar relativamente a todas as outras pessoas afetadas, uma vez que a aplicação desse ato se efetua em virtude de uma situação objetivamente determinada (Acórdão de 22 de fevereiro de 2000, ACAV e o./Conselho, T‑138/98, EU:T:2000:45, n.o 66, e Despacho de 3 de dezembro de 2008, RSA Security Ireland/Comissão, T‑227/06, EU:T:2008:547, n.o 59).

41

Contudo, o facto de uma disposição ter, pela sua natureza e pelo seu alcance, caráter geral, uma vez que se aplica à generalidade dos interessados, não exclui, porém, a possibilidade de afetar individualmente alguns deles (Acórdãos de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 58, e de 23 de abril de 2009, Sahlstedt e o./Comissão, C‑362/06 P, EU:C:2009:243, n.o 29).

42

Com efeito, quando um ato diz respeito a um grupo de pessoas que estavam identificadas ou eram identificáveis no momento em que esse ato foi adotado, em função de critérios próprios aos membros do grupo, esse ato pode dizer individualmente respeito a essas pessoas, na medida em que fazem parte de um círculo restrito. Tal pode ser o caso, nomeadamente, quando o referido ato altera os direitos adquiridos por essas pessoas antes da sua adoção (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM, C‑125/06 P, EU:C:2008:159, n.os 71 e 72 e jurisprudência referida, e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.o 59).

43

No caso em apreço, os recorrentes alegam, em substância, que a decisão impugnada lhes diz direta e individualmente respeito na medida em que os priva do seu estatuto de cidadãos da União e dos direitos associados a esse estatuto.

44

Mais concretamente, para justificar a sua afetação individual, os recorrentes explicam, em primeiro lugar, que fazem parte de um círculo fechado constituído pelas pessoas que tinham a qualidade de nacionais do Reino Unido e, portanto, a qualidade de cidadãos da União, no momento da entrada em vigor do Acordo de Saída e da decisão impugnada.

45

Segundo os recorrentes, o caráter «fechado» desse círculo de pessoas resulta do facto de os seus membros serem todos identificados ou identificáveis no momento da entrada em vigor do Acordo de Saída e da decisão impugnada e de nenhum novo membro poder ser adicionado posteriormente ao referido círculo. Com efeito, as pessoas que adquiram a qualidade de nacionais do Reino Unido após a saída deste Estado da União não podem invocar o estatuto de cidadãos da União.

46

Além disso, os recorrentes alegam que o estatuto de cidadão da União tem caráter permanente e, em princípio, irrevogável e que lhes foi conferido antes da adoção da decisão impugnada. Por conseguinte, esta decisão priva‑os de um direito adquirido que é específico e exclusivo dos membros do círculo fechado a que pertencem.

47

Em segundo lugar, os recorrentes alegam que a perda do seu estatuto de cidadão da União e dos direitos relativos a esse estatuto diz individualmente respeito a cada um deles. A este propósito, invocam as consequências que teria a perda do estatuto de cidadãos da União e dos direitos associados a esse estatuto, em especial para aqueles que já exerceram o seu direito de livre circulação. Invocam, nomeadamente:

a aquisição de uma casa em França, de uma residência permanente efetiva ou prevista nesse Estado‑Membro e da necessidade de aí beneficiar de um seguro de doença (quatro recorrentes);

o exercício, no passado, do direito de petição ao Parlamento Europeu (uma recorrente);

o exercício de uma atividade profissional em França (um recorrente);

os estudos universitários concluídos no passado ou previstos no futuro na Alemanha e projetos de atividade profissional nesse Estado‑Membro (dois recorrentes);

a presença de membros da família ou amigos em França ou na Alemanha (três recorrentes).

48

Em terceiro lugar, os recorrentes convidam o Tribunal Geral a apreciar amplamente o requisito da afetação individual. Com efeito, este requisito deve ser interpretado à luz do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Além disso, o presente processo diz respeito ao princípio da democracia e afeta o cerne da identidade constitucional da União.

49

Em quarto lugar, os recorrentes consideram que a questão da sua afetação individual, em especial no que respeita à existência de um direito adquirido, está associada à do caráter permanente e irrevogável do estatuto de cidadão da União e não pode ser decidida sem um exame do mérito da causa.

50

Antes de mais, há que constatar que a argumentação dos recorrentes para demonstrar a sua legitimidade ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo segmento de frase, TFUE assenta na premissa de que a decisão impugnada implica a «perda» ou a «privação» do seu estatuto de cidadão da União e dos direitos associados a esse estatuto.

51

A este respeito, é verdade que nem a decisão impugnada nem o Acordo de Saída procedem expressamente à retirada aos nacionais do Reino Unido do estatuto de cidadão da União e dos direitos associados a esse estatuto.

52

No entanto, resulta claramente dos termos e da economia do Acordo de Saída — nomeadamente do sexto parágrafo do preâmbulo, do artigo 2.o, alíneas b) a d), do artigo 10.o, n.o 1, alíneas a) a d), e, em geral, de toda a parte II, intitulada «Direitos dos cidadãos» — que este acordo trata os nacionais do Reino Unido, incluindo os que eram cidadãos da União à data de saída do Reino Unido da União, como pessoas que não têm, ou já não têm a partir dessa data, a qualidade de cidadãos da União. Assim, o referido acordo não prevê a manutenção do estatuto de cidadão da União para os nacionais do Reino Unido nem da totalidade dos direitos associados a esse estatuto.

53

Ora, importa sublinhar que, incontestavelmente, a perda ou a não manutenção do estatuto de cidadão da União é suscetível de afetar de forma considerável os direitos do nacional de um Estado‑Membro que sai da União (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 64). Os nacionais desse Estado‑Membro, expatriados noutro Estado‑Membro, são tanto ou mais suscetíveis de ser afetados pela saída da União do Estado‑Membro de que são originários, devido aos vínculos criados, por vezes de longa data, tanto do ponto de vista pessoal como profissional e económico (Despacho de 16 de junho de 2020, Walker e o./Parlamento e Conselho, T‑383/19, não publicado, EU:T:2020:269, n.o 41).

54

No entanto, no que respeita ao requisito da afetação individual e em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 38, cabe aos recorrentes justificar que a decisão impugnada, na medida em que os priva do seu estatuto de cidadão da União e dos direitos associados a esse estatuto, lhes diz respeito em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma análoga aos destinatários.

55

A este respeito, em primeiro lugar, é pacífico que o Acordo de Saída, nomeadamente na medida em que não prevê a manutenção do estatuto de cidadão da União dos nacionais do Reino Unido, se aplica a todos os nacionais desse Estado e tem, assim, alcance geral.

56

Daqui resulta que a decisão impugnada, que introduz o Acordo de Saída no ordenamento jurídico da União, constitui, ela própria, um ato de alcance geral e, desse modo, diz respeito aos recorrentes em razão da sua qualidade objetiva de nacionais do Reino Unido.

57

Em segundo lugar, as circunstâncias invocadas pelos recorrentes, acima mencionadas nos n.os 44 a 46 e relativas à pertença a um grupo de pessoas que adquiriram o estatuto de cidadão da União em razão da sua qualidade de nacionais do Reino Unido, não permitem considerar que os recorrentes façam parte de um círculo restrito de pessoas, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 42.

58

Com efeito, em primeiro lugar, a decisão impugnada, na medida em que priva os nacionais do Reino Unido do estatuto de cidadão da União e dos direitos associados a esse estatuto, foi adotada tendo em conta a sua qualidade objetiva de pessoas com a nacionalidade de um Estado‑Membro que sai da União (n.o 56, supra) e, além disso, sem tomar em consideração as especificidades das suas situações individuais, pelo que essa decisão não diz especificamente respeito aos referidos nacionais (v., por analogia, Acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.os 66 e 67, e Despacho de 20 de maio de 2020, Nord Stream/Parlamento e Conselho, T‑530/19, EU:T:2020:213, n.o 64). Daqui resulta que a decisão impugnada, como os próprios reconhecem, diz respeito aos recorrentes da mesma forma que a todos os demais nacionais do Reino Unido. Por conseguinte, o «círculo fechado» que invocam resulta da própria natureza do sistema estabelecido pela decisão impugnada (v., por analogia, Acórdãos de 10 de julho de 1996, Weber/Comissão, T‑482/93, EU:T:1996:97, n.o 65, e de 6 de junho de 2013, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, T‑279/11, EU:T:2013:299, n.os 84 e 89).

59

Nestas condições, e em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 39, as circunstâncias, por um lado, de o número, ou mesmo a identidade, das pessoas que fazem parte do «círculo fechado» invocado pelos recorrentes poderem ser determinados com maior ou menor precisão e, por outro, de esse círculo já não poder ser alargado após a entrada em vigor da decisão impugnada não são, em si mesmas, suscetíveis de fazer com que essa decisão diga individualmente respeito a essas pessoas.

60

Em segundo lugar, contrariamente ao que alegam os recorrentes, o estatuto de cidadão da União e os direitos associados a esse estatuto não podem ser qualificados como direitos «específicos» ou «exclusivos». Com efeito, no momento da saída do Reino Unido da União, todos os nacionais desse Estado, então membro da União, eram titulares do referido estatuto e dos direitos associados a esse estatuto. Por conseguinte, a situação dos membros do «círculo fechado» invocado pelos recorrentes não pode ser equiparada à da recorrente no processo que deu origem ao Acórdão de 18 de maio de 1994, Codorniu/Conselho (C‑309/89, EU:C:1994:197, n.os 21 e 22), a qual estava impedida de utilizar uma marca registada, constitutiva de um direito de propriedade individual e exclusivo por natureza (v., neste sentido e por analogia, Despacho de 23 de novembro de 2015, Beul/Parlamento e Conselho, T‑640/14, EU:T:2015:907, n.o 48).

61

Daqui resulta que não assiste razão aos recorrentes quando sustentam que a decisão impugnada os privou de um direito adquirido com caráter específico ou exclusivo. Ora, a mera existência de um direito adquirido ou de um direito subjetivo, cujo alcance ou exercício seja potencialmente afetado pelo ato controvertido, não basta para individualizar o titular do referido direito quando outras pessoas possam ter direitos análogos e, portanto, encontrar‑se na mesma situação que esse titular (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2011, Enviro Tech Europe e Enviro Tech International/Comissão, T‑291/04, EU:T:2011:760, n.o 116 e jurisprudência referida).

62

Em terceiro lugar, os diferentes elementos invocados, a título pessoal, por cada um dos recorrentes e enumerados acima no n.o 47 são, quando muito, suscetíveis de demonstrar os efeitos concretos, diversos e eventualmente importantes que pode ter para cada um deles a alegada perda do estatuto de cidadão da União e dos direitos associados a esse estatuto. Em contrapartida, nenhum destes elementos é suscetível de demonstrar que a perda desse estatuto e dos direitos que lhe estão associados teria para eles consequências tão particulares e tão específicas que os individualizariam em relação a qualquer outra pessoa, como se fossem destinatários, na aceção da jurisprudência acima recordada no n.o 38.

63

Em quarto lugar, no que respeita ao argumento dos recorrentes segundo o qual o requisito da afetação individual deve ser interpretado em sentido amplo, há que recordar que o artigo 47.o da Carta não tem por objeto alterar o sistema de fiscalização jurisdicional previsto pelos Tratados, nomeadamente as normas relativas à admissibilidade dos recursos interpostos diretamente nos tribunais da União. Assim, os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE devem ser interpretados à luz do direito fundamental de tutela jurisdicional efetiva, sem que, no entanto, esses requisitos, expressamente previstos pelo referido Tratado, sejam afastados. (v. Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 97 e 98 e jurisprudência referida; Acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.os 43 e 44).

64

Ora, a tutela conferida pelo artigo 47.o da Carta não exige que um particular possa, de forma incondicional, interpor recurso de anulação de atos que não lhe digam individualmente respeito.

65

Por outro lado, a circunstância, alegada pelos recorrentes, de o presente processo dizer respeito ao princípio da democracia e afetar o cerne da identidade constitucional da União é, em si mesma, irrelevante para apreciar se os mesmos recorrentes preenchem o requisito da afetação individual. Com efeito, os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE aplicam‑se a qualquer recurso de anulação, sem distinção das questões de mérito invocadas. De resto, o contexto factual do presente processo difere do contexto, muito específico, do processo que deu origem ao Acórdão de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166, n.os 32 a 37), citado pelos recorrentes, no qual estava em causa o direito ao recurso de uma formação política não representada no Parlamento contra atos do Parlamento relativos à concessão de créditos para a preparação das eleições europeias e em cuja adoção tinham participado formações políticas rivais representadas no Parlamento.

66

Em quinto lugar, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a questão da sua afetação individual pode, no caso em apreço, ser decidida sem se proceder a um exame do mérito da causa e, em especial, sem examinar se o estatuto de cidadão da União tem caráter permanente e irrevogável.

67

Nestas condições, há que considerar que a decisão impugnada não diz individualmente respeito aos recorrentes. Por conseguinte, sem que seja necessário examinar se esta decisão lhes diz diretamente respeito, não têm legitimidade à luz do artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo segmento de frase, TFUE.

Quanto à legitimidade dos recorrentes à luz do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro segmento de frase, TFUE

68

Importa recordar que os requisitos ligados, em primeiro lugar, à natureza regulamentar do ato impugnado, em segundo lugar, à afetação direta dos recorrentes e, em terceiro lugar, à inexistência de medidas de execução previstas no artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro segmento de frase, TFUE são cumulativos (v., neste sentido, Despacho de 19 de novembro de 2020, Buxadé Villalba e o./Parlamento, T‑32/20, não publicado, EU:T:2020:552, n.o 30 e jurisprudência referida).

69

Nas circunstâncias do caso em apreço, há que examinar, antes de mais, se está preenchido o primeiro requisito, relativo ao caráter regulamentar da decisão impugnada.

70

Importa recordar que o conceito de «atos regulamentares», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceira parte, TFUE, tem um alcance mais limitado do que o de «atos», utilizado no primeiro e segundo segmentos do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE. Por conseguinte, este conceito não esgota a totalidade dos atos de alcance geral, reportando‑se antes a uma categoria mais restrita de atos dessa natureza (Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 58).

71

Por conseguinte, o conceito de «atos regulamentares», por um lado, visa atos de alcance geral e, por outro, não abrange os atos legislativos (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 60 e 61).

72

No caso em apreço, em primeiro lugar, as partes estão justamente de acordo em considerar que a decisão impugnada é um ato não legislativo de alcance geral.

73

Com efeito, por um lado, é pacífico que a decisão impugnada é um ato de alcance geral (n.o 56, supra).

74

Por outro lado, há que recordar que um ato jurídico só pode ser qualificado de ato legislativo da União se for adotado com base numa disposição dos Tratados que se refira expressamente ao processo legislativo ordinário ou ao processo legislativo especial (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 62). No caso em apreço, a decisão impugnada foi adotada com fundamento no artigo 50.o, n.o 2, TUE. Ora, deve notar‑se que, embora esta disposição especifique que o acordo que estabelece as condições de saída de um Estado‑Membro é celebrado em nome da União pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação pelo Parlamento, a mesma não se refere expressamente ao processo legislativo ordinário nem ao processo legislativo especial. Daqui resulta que a decisão impugnada não pode ser qualificada de ato legislativo.

75

Em segundo lugar, as partes estão em desacordo quanto às consequências a retirar do facto de a decisão impugnada ser um ato não legislativo de alcance geral. Segundo os recorrentes, esta decisão só pode ser um ato regulamentar. Segundo o Conselho, a referida decisão não é um ato legislativo nem um ato regulamentar.

76

A este respeito, há que observar que, no Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625), o Tribunal de Justiça não declarou que o conceito de «atos regulamentares» abrangia todos os atos não legislativos de alcance geral.

77

É certo, deve recordar‑se, que, num acórdão ulterior, o Tribunal de Justiça afastou expressamente a interpretação segundo a qual existem atos não legislativos de alcance geral que não se enquadram no conceito de «atos regulamentares», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceira parte, TFUE. Consequentemente, o Tribunal de Justiça declarou que este conceito abrangia todos os atos não legislativos de alcance geral (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.os 24 e 28).

78

Todavia, há que salientar que, no processo que deu origem ao Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873), o ato controvertido era uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado. Apesar de ter um alcance geral pelo facto de se pronunciar sobre regimes nacionais, esta decisão apresentava um caráter marcadamente administrativo e tinha, aliás, sido adotada apenas pela Comissão, sem intervenção do Conselho e do Parlamento. Neste contexto, a tese então defendida pela Comissão de que a referida decisão era um ato não legislativo de alcance geral que não se enquadrava no conceito de «atos regulamentares» não encontrava fundamento na letra, na génese ou na finalidade do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro segmento de frase, TFUE, como o Tribunal de Justiça salientou nos n.os 24 a 27 desse acórdão.

79

Em contrapartida, o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de examinar se as decisões que aprovam a celebração de um acordo internacional, e em especial as decisões que aprovam a celebração de um acordo que estabelece as condições de saída de um Estado‑Membro, devem ser qualificadas de atos regulamentares, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro segmento de frase, TFUE.

80

Nestas circunstâncias, há que examinar se o conceito de «atos regulamentares» abrange igualmente tais decisões.

81

A este respeito, em primeiro lugar, importa salientar que, tal como qualquer acordo internacional celebrado pela União, um acordo que estabeleça as condições de saída de um Estado‑Membro vincula as instituições desta e prevalece sobre os atos que aprovam (v., por analogia, Acórdão de 13 de janeiro de 2015, Conselho e Comissão/Stichting Natuur en Milieu e Pesticide Action Network Europe, C‑404/12 P e C‑405/12 P, EU:C:2015:5, n.o 44 e jurisprudência referida).

82

Resulta desta primazia dos acordos internacionais celebrados pela União sobre os textos de direito derivado que o Acordo de Saída ocupa, na hierarquia das normas, um grau hierárquico superior ao de outros atos de alcance geral, tanto legislativos como regulamentares.

83

Daqui resulta que a decisão impugnada introduz no ordenamento jurídico da União normas, contidas no Acordo de Saída, que prevalecem sobre os atos legislativos e regulamentares e que, por conseguinte, não têm, elas próprias, caráter regulamentar.

84

Em segundo lugar, tendo em conta o seu processo de adoção e à semelhança de outros acordos internacionais celebrados pela União, o Acordo de Saída pode ser considerado, no plano externo, o equivalente a um ato legislativo no plano interno [v., neste sentido e por analogia, Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017, EU:C:2017:592, n.o 146].

85

Com efeito, o Acordo de Saída foi celebrado em nome da União pelo Conselho, após aprovação pelo Parlamento, segundo o procedimento previsto no artigo 50.o, n.o 2, TUE. Na medida em que este processo faz intervir o Conselho e o Parlamento, aproxima‑se dos processos legislativos ordinário e especiais definidos no artigo 289.o, n.os 1 e 2, TFUE e mencionados no artigo 21.o, n.os 2 e 3, no artigo 22.o, n.os 1 e 2, no artigo 23.o, segundo parágrafo, no artigo 24.o, primeiro parágrafo, no artigo 25.o, segundo parágrafo, e no artigo 228.o, n.o 4, TFUE, com base nos quais estas duas instituições podem adotar disposições relativas aos direitos inerentes ao estatuto de cidadão da União. Além disso, contrariamente ao que sustentam os recorrentes, os cidadãos da União que são nacionais do Estado‑Membro que sai participam na adoção da decisão da celebração de um acordo que estabelece as condições de saída desse Estado, uma vez que o artigo 50.o TUE não prevê a exclusão de nenhum deputado europeu na aprovação desse acordo pelo Parlamento.

86

Daqui resulta que a decisão impugnada introduz no ordenamento jurídico da União normas, contidas no Acordo de Saída, que se caracterizam por ter uma legitimidade democrática particularmente elevada, à semelhança das que figuram num ato legislativo. Ora, é precisamente a legitimidade democrática particularmente elevada da legislação adotada segundo um processo que prevê a participação do Conselho e do Parlamento que justifica a não flexibilização dos requisitos de interposição de recursos de anulação pelos particulares contra atos legislativos (v., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:21, n.o 38).

87

Por outro lado, em várias versões linguísticas do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro segmento de frase, TFUE, o conceito de «atos regulamentares» evoca mais os atos do poder executivo do que os do poder legislativo (v., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:21, n.o 41). Ora, uma decisão que aprova a celebração de um acordo internacional ou de um acordo que estabelece as condições de saída de um Estado‑Membro, como a decisão impugnada, não pode ser equiparada a um ato do poder executivo.

88

Em terceiro lugar, seria incoerente e paradoxal flexibilizar as condições em que os particulares podem interpor um recurso de anulação da decisão impugnada, qualificando‑a de ato regulamentar. Com efeito, essa flexibilização teria como consequência que os particulares poderiam mais facilmente contestar uma determinada norma jurídica quando figura num acordo internacional, como o Acordo de Saída, e que é, em seguida, introduzida no ordenamento jurídico da União através de uma decisão que aprova a celebração do acordo em causa, como a decisão impugnada, do que quando a mesma norma jurídica consta de um ato legislativo com idêntico conteúdo e ocupa um grau inferior na hierarquia das normas.

89

Em quarto lugar, resulta da génese do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro segmento de frase, TFUE que os autores do Projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa e, em seguida, os do Tratado de Lisboa não tiveram especificamente por intenção flexibilizar os requisitos de admissibilidade dos recursos interpostos por particulares contra as decisões que aprovam a celebração de um acordo internacional, tais como, nomeadamente, as decisões que aprovam a celebração de um acordo que estabelece as condições de saída de um Estado‑Membro. Em especial, os trabalhos preparatórios do projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa — nomeadamente do seu artigo III‑365.o, n.o 4, cujo conteúdo foi reproduzido em termos idênticos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE — não deixam transparecer que os referidos autores pretenderam que essas decisões fossem qualificadas de «atos regulamentares», na aceção destes dois artigos.

90

Nestas condições, o conceito de «atos regulamentares» na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceira parte, TFUE deve ser interpretado no sentido de que não abrange as decisões que aprovam a celebração de um acordo internacional, como, em especial, as decisões que aprovam a celebração de um acordo que estabelece as condições de saída de um Estado‑Membro.

91

Por conseguinte, a decisão impugnada não pode ser qualificada de ato regulamentar, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceira parte, TFUE.

92

Esta conclusão não é posta em causa pelos restantes argumentos dos recorrentes.

93

Em primeiro lugar, a circunstância de a decisão impugnada ter sido publicada no Jornal Oficial da União Europeia sob o título «Atos não legislativos» não implica que essa decisão seja necessariamente um ato regulamentar. Daqui resulta que esta publicação não era suscetível de induzir em erro os particulares quanto às possibilidades de recurso de que dispunham contra a referida decisão.

94

Em segundo lugar, a qualificação da decisão impugnada como um ato de alcance geral que não é nem legislativo nem regulamentar não contraria os princípios da segurança jurídica e da tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, estes princípios não podem ser interpretados no sentido de que proscrevem a clarificação gradual das normas de admissibilidade dos recursos através de interpretações jurisprudenciais, desde que estas sejam razoavelmente previsíveis (v., por analogia, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 167 e jurisprudência referida). Ora, no caso em apreço, a interpretação do conceito de «atos regulamentares» adotada no n.o 90 era razoavelmente previsível, tendo em conta as especificidades das decisões que aprovam a celebração de um acordo internacional, como, em especial, as decisões que aprovam a celebração de um acordo que estabelece as condições de saída de um Estado‑Membro.

95

Em terceiro lugar, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, conforme consagrado no artigo 47.o da Carta, não exige que os particulares possam, de forma incondicional, interpor recursos de anulação diretamente no órgão jurisdicional da União contra atos de alcance geral que não se enquadrem no conceito de «atos regulamentares» (v., por analogia, no que respeita aos atos legislativos, Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 105, e de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.o 66).

96

Resulta do exposto, sem que seja necessário examinar se a decisão impugnada diz diretamente respeito aos recorrentes e se necessita de medidas de execução, que estes últimos não têm legitimidade à luz do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro segmento de frase, TFUE.

97

Daqui decorre que assiste razão ao Conselho em sustentar que os recorrentes não têm legitimidade. Deve, portanto, a exceção de inadmissibilidade ser julgada procedente e o presente recurso declarado inadmissível.

Quanto aos pedidos de intervenção

98

Nos termos do artigo 142.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a intervenção perde o seu objeto quando a petição seja declarada inadmissível. No caso em apreço, sendo o recurso julgado inadmissível, não há que conhecer dos pedidos de intervenção apresentados pela Comissão, pela British in Europe, pelo Plaid Cymru — The Party of Wales, pela European Democracy Lab, pela ECIT e pela European Alternatives Ltd.

Quanto às despesas

99

Em primeiro lugar, nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes ficado vencidos, há que condená‑los a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho, em conformidade com o pedido deste último, com exceção das relativas aos pedidos de intervenção.

100

Em segundo lugar, nos termos do artigo 144.o, n.o 10, do Regulamento de Processo, caso seja posto termo à instância no processo principal antes de ser proferida uma decisão sobre o pedido de intervenção, o requerente da intervenção e as partes principais suportam as suas próprias despesas relativas ao pedido de intervenção. No caso em apreço, os recorrentes, o Conselho, a Comissão, a British in Europe, o Plaid Cymru — The Party of Wales, a European Democracy Lab, a ECIT e a European Alternatives Ltd suportarão as suas próprias despesas relativamente aos pedidos de intervenção.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

 

1)

O recurso é julgado inadmissível.

 

2)

Não há que decidir sobre os pedidos de intervenção da Comissão Europeia, da British in Europe, do Plaid Cymru — The Party of Wales, da European Democracy Lab, da ECIT e da European Alternatives Ltd.

 

3)

Joshua Silver e os demais recorrentes cujos nomes figuram em anexo são condenados a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho da União Europeia, com exceção das relativas aos pedidos de intervenção.

 

4)

Joshua Silver e os demais recorrentes cujos nomes figuram em anexo, o Conselho, a Comissão, a British in Europe, o Plaid Cymru — The Party of Wales, a European Democracy Lab, a ECIT e a European Alternatives Ltd suportarão as suas próprias despesas relativamente aos pedidos de intervenção.

 

Feito no Luxemburgo, em 8 de junho de 2021.

O secretário

E. Coulon

O presidente

A. Kornezov


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( 1 ) A lista dos demais recorrentes é anexada apenas à versão notificada às partes.