ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

28 de junho de 2023 ( *1 )

«Responsabilidade extracontratual — Inquéritos do OLAF — Fugas para a imprensa — Danos materiais e morais — Nexo de causalidade — Imputabilidade das fugas — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Confidencialidade dos pareceres jurídicos»

No processo T‑752/20,

International Management Group (IMG), com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por L. Levi e J.‑Y. de Cara, advogados,

demandante,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Baquero Cruz, J.‑F. Brakeland e S. Delaude, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto, na deliberação, por R. da Silva Passos, presidente, L. Truchot (relator) e M. Sampol Pucurull, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos, nomeadamente:

— a petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de dezembro de 2020,

— a exceção de inadmissibilidade aduzida pela Comissão nos termos do artigo 130.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de março de 2021,

— o Despacho de 2 de julho de 2021 que apensa a exceção à questão do mérito,

após a audiência de 20 de junho de 2022,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

1

Com a sua ação baseada no artigo 268.o TFUE, a demandante, International Management Group (IMG), pede uma indemnização pelos danos materiais e morais que alega ter sofrido devido à ilegalidade dos comportamentos da Comissão Europeia e do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) na sequência de um relatório que lhe diz respeito, elaborado por este último.

[Omissis]

Pedidos das partes

19

A demandante conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

condenar a Comissão a pagar‑lhe o montante de 10000 euros por mês pelo período compreendido entre meados de dezembro de 2015 e a prolação do acórdão a proferir no presente processo, a título de indemnização pelos danos morais sofridos;

condenar a Comissão a pagar‑lhe o montante de 2,1 milhões de euros, acrescido dos juros de mora, a título de indemnização pelos danos materiais sofridos;

condenar a Comissão nas despesas.

20

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

julgar a ação inadmissível;

a título subsidiário, julgar a ação manifestamente improcedente ou improcedente;

retirar dos autos do presente processo o parecer do seu Serviço Jurídico de 16 de janeiro de 2015 (a seguir «parecer do Serviço Jurídico»), anexo à petição;

condenar a demandante nas despesas.

Questão de direito

Quanto ao pedido de indemnização

[Omissis]

Quanto à ilegalidade do comportamento da Comissão e do OLAF

[Omissis]

– Quanto à violação dos deveres de diligência e de solicitude

70

A demandante alega que a Comissão não cumpriu os seus deveres de diligência e de solicitude, uma vez que não condenou publicamente a fuga do relatório do OLAF nem pôs termo à difusão de informações falsas provocada pela referida fuga através da publicação de um comunicado sintetizando as principais informações contidas na carta de 8 de maio de 2015, na qual tinha decidido não seguir integralmente as recomendações do relatório do OLAF.

71

A título preliminar, importa recordar que o Tribunal de Justiça definiu o dever de solicitude como um conceito que reflete o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocos que o Estatuto dos Funcionários da União Europeia criou nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público, precisando‑se que este equilíbrio implica nomeadamente que, quando decide sobre a situação de um funcionário, a Administração tome em consideração todos os elementos suscetíveis de determinar a sua decisão e que, ao fazê‑lo, tenha em conta não apenas o interesse do serviço mas também o interesse do funcionário em causa (v. Acórdão de 12 de novembro de 2020, Fleig/SEAE, C‑446/19 P, não publicado, EU:C:2020:918, n.o 67 e jurisprudência referida).

72

Assim, o dever de solicitude diz especificamente respeito às obrigações das instituições da União para com os seus funcionários e agentes, nomeadamente na medida em que implica a tomada em consideração dos interesses individuais dos mesmos (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2008, Nardone/ComissãoT‑57/99, EU:T:2008:555, n.o 167).

73

Uma vez que a presente ação não é relativa às relações entre a Administração da União e um dos seus funcionários ou agentes, o dever de solicitude não é aplicável no caso em apreço e não pode, portanto, ser invocado pela demandante em apoio dos seus pedidos.

74

Assim, a ilegalidade aduzida pela demandante deve ser julgada improcedente na parte em que se baseia na violação do dever de solicitude.

75

Por conseguinte, há que examinar a referida ilegalidade na parte em que se baseia na violação do dever de diligência.

76

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, para que a responsabilidade extracontratual da União seja suscetível de ser desencadeada num determinado caso, é necessário que a pessoa que pede a indemnização do dano ou dos danos que considera ter sofrido devido a um comportamento ou a um ato da União demonstre a existência de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares (Acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.os 41 e 42, e de 4 de abril de 2017, Provedor de Justiça Europeu/Staelen, C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.o 31).

77

Além disso, essa violação deve ser suficientemente caracterizada, exigência que depende, por sua vez, do poder de apreciação de que dispõe a instituição, o órgão ou o organismo da União que violou essa norma e da questão de saber se estes violaram de maneira manifesta e grave os limites que se impõem ao seu poder de apreciação, tendo em conta, nomeadamente, o grau de clareza e de precisão da referida norma, as dificuldades de interpretação ou de aplicação que podem daí decorrer, assim como a complexidade da situação a regular (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.os 40, 43 e 44, e de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 30).

78

Resulta do n.o 70, supra, que a demandante censura a Comissão por não ter tomado uma posição condenando publicamente a fuga do relatório do OLAF e pondo termo à difusão de informações falsas provocada pela referida fuga, através da publicação de um comunicado. Deste modo, a demandante acusa a Comissão de não ter agido.

79

Por força da jurisprudência, as omissões das instituições da União apenas podem desencadear a responsabilidade da União na medida em que as referidas instituições tenham violado uma obrigação legal de agir resultante de uma disposição do direito da União (v. Despacho de 12 de julho de 2018, Acquafarm/ComissãoC‑40/18 P, EU:C:2018:566, n.o 42 e jurisprudência referida).

80

Decorre dos n.os 77 e 79, supra, que a análise da questão de saber se uma instituição cometeu uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares em razão de uma omissão implica determinar se estão preenchidos três requisitos, a saber, em primeiro lugar, a existência de uma obrigação legal de agir, em segundo lugar, a existência de um poder de apreciação por parte da instituição, do órgão ou do organismo da União em causa e, em terceiro lugar, a violação manifesta e caracterizada por esta dos limites que se impõem a esse poder.

81

Há que analisar se estes requisitos estão preenchidos no caso em apreço.

82

O dever de diligência, que é inerente ao direito a uma boa administração consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais e que se aplica de modo geral à ação da Administração da União nas suas relações com o público, exige que esta Administração atue com cuidado e prudência (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, SGL Carbon e o./ComissãoC‑65/21 P e C‑73/21 P a C‑75/21 P, EU:C:2022:470, n.o 30 e jurisprudência referida).

83

Em primeiro lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o dever de diligência constitui uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares, cuja violação é suscetível, em certas circunstâncias, de desencadear a responsabilidade extracontratual da União, a saber, se estiver demonstrado, num determinado caso, que essa violação é suficientemente caracterizada, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 77, supra [v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 1990, Grifoni/Comissão, C‑308/87, EU:C:1990:134, n.os 6, 7 e 14; de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.o 91; e de 4 de abril de 2017, Provedor de Justiça/Staelen, C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.os 38 e 41].

84

Em segundo lugar, importa recordar que, tendo em conta a natureza do dever de diligência, que está intrinsecamente ligada ao quadro em que atua a Administração da União num determinado caso, o destaque da existência de uma violação suficientemente caracterizada desse dever só pode resultar de uma apreciação casuística de todos os elementos pertinentes de facto e de direito, tomando em consideração o domínio, as condições e o contexto em que o dever de diligência incumbe à instituição, ao órgão ou ao organismo em causa, bem como as circunstâncias concretas que permitem demonstrar a sua inobservância (v., neste sentido, Acórdão de 4 de abril de 2017, Provedor de Justiça/Staelen, C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.os 40 e 41).

85

Como recordado no n.o 70, supra, a demandante alega que a Comissão violou o seu dever de diligência, uma vez que não condenou publicamente a fuga do relatório do OLAF nem pôs termo à difusão de informações falsas provocada pela referida fuga através da publicação de um comunicado sintetizando as principais informações contidas na carta de 8 de maio de 2015.

86

Por conseguinte, há que analisar se o dever de diligência pode ser interpretado no sentido de que se impunha à Comissão uma obrigação legal de agir, que consistiria na obrigação de condenar publicamente uma fuga e de pôr termo à difusão de informações falsas provocada por essa fuga através da publicação de um comunicado.

87

Há que salientar que, nos seus articulados, a demandante não invoca nenhuma norma jurídica específica da qual resulte uma obrigação legal de agir a cargo da Comissão que consista numa tomada de posição condenando publicamente a fuga de um relatório de inquérito do OLAF e pondo termo à difusão de informações falsas provocada por essa fuga com vista a dar seguimento à transmissão de um relatório do OLAF. Todavia, a violação do dever de diligência invocada pela demandante está intrinsecamente ligada ao Regulamento n.o 883/2013, que constitui o quadro jurídico em que a Comissão agiu quando redigiu a carta de 8 de maio de 2015, pelo que há que determinar se essa obrigação resulta das disposições do referido regulamento.

88

Por um lado, nos termos do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2013, «[o]s relatórios e recomendações elaborados na sequência de um inquérito externo e os documentos relevantes a eles referentes são transmitidos às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, de acordo com as regras relativas aos inquéritos externos, e, se necessário, aos serviços competentes da Comissão». Importa salientar que esta disposição não prevê uma obrigação legal de agir a cargo da Comissão. Por conseguinte, não se pode considerar que a demandante demonstrou que o dever de diligência criava uma obrigação legal de agir a cargo da Comissão a esse título.

89

Por outro lado, segundo o artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2013, «[a]s informações transmitidas ou obtidas no âmbito dos inquéritos externos, seja qual for a sua forma, ficam protegidas pelas disposições relevantes». Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, deste regulamento, consagrado, segundo a epígrafe do referido artigo, aos «[i]nquéritos externos», na sua versão aplicável aos factos do caso em apreço, «o [OLAF] pode realizar, de acordo com as disposições e os procedimentos previstos no Regulamento (CE, Euratom) n.o 2185/96, inspeções e verificações nas instalações dos operadores económicos». O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2185/96 do Conselho, de 11 de novembro de 1996, relativo às inspeções e verificações no local efetuadas pela Comissão para proteger os interesses financeiros das Comunidades Europeias contra a fraude e outras irregularidades (JO 1996, L 292, p. 2), prevê que «[a]s informações comunicadas ou obtidas por força [deste] regulamento, seja qual for a sua forma, ficam abrangidas pelo segredo profissional».

90

Além disso, nos termos do artigo 10.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2013, «[a]s instituições, órgãos, organismos ou agências em causa garantem o respeito da confidencialidade dos inquéritos efetuados pelo [OLAF]». No caso em apreço, não é contestado que a Comissão é uma instituição em causa na aceção desta disposição.

91

Resulta destas disposições que a Comissão está sujeita a obrigações de confidencialidade e de segredo profissional, no âmbito dos inquéritos externos do OLAF.

92

Todavia, apesar da obrigação que incumbe assim à Comissão de assegurar o respeito da confidencialidade dos inquéritos do OLAF, o dever de diligência a que a Comissão está sujeita não lhe pode impor, não havendo violação desta obrigação de confidencialidade e uma vez que a responsabilidade pela fuga do relatório do OLAF para a imprensa não lhe pode ser imputada (v. n.o 67, supra), uma obrigação de agir como a que a demandante invoca no caso em apreço, que consiste em condenar a fuga para a imprensa de informações relativas a esse inquérito e em distanciar‑se das informações publicadas.

93

O dever de diligência não tem o alcance que a demandante lhe atribui. É a fuga deste relatório para a imprensa, cuja imputação à Comissão não foi, no entanto, demonstrada, e não a omissão imputada pela demandante à Comissão, que constitui uma violação da obrigação de confidencialidade acima referida (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 15 de janeiro de 2015, Ziegler e Ziegler Relocation/Comissão, T‑539/12 e T‑150/13, não publicado, EU:T:2015:15, n.o 102).

94

Portanto, a demandante não demonstrou que a Comissão estava sujeita a uma obrigação de agir no caso em apreço.

95

Assim, por força da jurisprudência referida no n.o 79, supra, a omissão alegada não é suscetível de desencadear a responsabilidade da União.

96

Em todo o caso, admitindo que se considere que, no caso em apreço, resulta do dever de diligência uma obrigação legal de agir a cargo da Comissão, há que examinar se esta violou de maneira manifesta e grave os limites que se imporiam nesse caso ao seu poder de apreciação.

97

Importa salientar que tal hipótese conduziria a interpretar o dever de diligência no sentido de que, no caso de fuga de um documento confidencial em cuja origem não está demonstrado que se encontre a instituição em causa na aceção do Regulamento n.o 883/2013, caberia a esta instituição não agravar o prejuízo que poderia resultar dessa violação da confidencialidade.

98

Ora, como recordado no n.o 77, supra, a questão de saber se a instituição da União em causa violou de maneira manifesta e grave os limites que se impõem ao seu poder de apreciação deve ser determinada tendo em conta, nomeadamente, o grau de clareza e de precisão da norma cuja violação suficientemente caracterizada é invocada e das dificuldades de interpretação ou de aplicação que podem daí decorrer.

99

A este respeito, há que salientar que tal obrigação da Comissão de agir para não agravar o prejuízo criado por uma violação da confidencialidade que não lhe é imputável não resulta do artigo 10.o do Regulamento n.o 883/2013 e também não pode ser implicitamente deduzida do seu conteúdo. Com efeito, ao prever que as instituições em causa garantem o respeito da confidencialidade dos inquéritos do OLAF, o n.o 3 deste artigo fixa uma obrigação a cargo dessas instituições de garantir que o conteúdo dos inquéritos do OLAF permanece confidencial. Em contrapartida, não lhes impõe, quando essa confidencialidade não tenha sido respeitada e a divulgação não tenha origem na instituição em causa, obrigações de condenar a fuga, de pôr termo à difusão das informações em causa ou de retificar as informações erradas.

100

Tais obrigações não podem ser consideradas abrangidas pela obrigação de garantir o respeito da confidencialidade dos inquéritos do OLAF na aceção do artigo 10.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2013. Com efeito, por um lado, uma vez violada a referida confidencialidade, a obrigação de garantir o seu respeito que recai sobre a Comissão perdeu o seu objeto. Por outro lado, há que salientar que, em primeiro lugar, a eventual necessidade de condenar a fuga excede a simples obrigação de assegurar o respeito da confidencialidade, em segundo lugar, em tal caso, a Comissão está impossibilitada pôr termo à difusão do relatório do OLAF resultante da referida fuga através da imprensa e, em terceiro lugar, admitindo que algumas das informações divulgadas sejam erradas, a sua retificação não é suscetível de restabelecer o seu caráter confidencial, o qual deixou definitivamente de existir.

101

Assim, mesmo admitindo que existia uma obrigação legal de agir a cargo da Comissão no caso em apreço, não se pode considerar que a violação do dever de diligência alegada pela demandante constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares.

102

Por conseguinte, há que considerar que a quarta ilegalidade não está caracterizada no que respeita à pretensa violação dos deveres de solicitude e de diligência pela Comissão.

103

Consequentemente, há que considerar que o primeiro requisito de desencadeamento da responsabilidade da União não está preenchido.

104

Atendendo a todos os elementos que precedem, a ação deve ser julgada improcedente.

[Omissis]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

 

1)

O documento apresentado pela International Management Group (IMG) como anexo A.21 da petição é retirado dos autos.

 

2)

A ação é julgada improcedente.

 

3)

A IMG é condenada nas despesas.

 

da Silva Passos

Truchot

Sampol Pucurull

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de junho de 2023.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.