Processo T‑742/20

UPL Europe Ltd
e
Indofil Industries (Netherlands) BV

contra

Comissão Europeia

Acórdão do Tribunal Geral (Sétima Secção) de 15 de fevereiro de 2023

«Produtos fitofarmacêuticos — Substância ativa mancozebe — Não renovação da aprovação — Regulamento (CE) n.o 1107/2009 e Regulamento de Execução (UE) n.o 844/2012 — Procedimento de avaliação do pedido de renovação da aprovação de uma substância ativa — Designação de um novo Estado‑Membro relator devido à retirada do antigo Estado‑Membro relator da União — Direitos de defesa — Princípio da boa administração — Erro manifesto de apreciação — Procedimento de classificação e rotulagem harmonizadas — Regulamento (CE) n.o 1272/2008 — Confiança legítima»

  1. Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação — Poder de apreciação da Comissão — Fiscalização jurisdicional — Alcance

    (Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho)

    (cf. n.os 60‑64)

  2. Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Aprovação de uma substância ativa — Ónus da prova que incumbe ao requerente — Aplicabilidade no âmbito de um procedimento de renovação da aprovação de uma substância ativa

    (Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.o 1107/2009, artigo 4.o, n.os 1 a 3)

    (cf. n.os 65, 66)

  3. Processo jurisdicional — Dedução de novos fundamentos no decurso da instância — Requisitos — Ampliação de um fundamento existente — Inexistência de ampliação — Inadmissibilidade

    (Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 84.o, n.o 1)

    (cf. n.os 87‑89)

  4. Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação — Avaliação dos riscos — Designação de um novo Estado‑Membro relator durante o procedimento de renovação — Processo de avaliação concluído pelo Estado‑Membro relator inicial — Avaliação do novo Estado‑Membro relator que conduziu à mesma conclusão que a do Estado‑Membro relator inicial — Obrigação de a Comissão submeter a avaliação do novo Estado‑Membro relator a consulta pública e de assegurar a apresentação de conclusões sobre a referida avaliação pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) — Inexistência

    (Regulamento n.o 1107/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o; Regulamento n.o 844/2012 da Comissão, artigos 11.° a 14.o)

    (cf. n.os 97‑99, 104‑109)

  5. Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação — Avaliação dos riscos — Obrigação de submeter as conclusões da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) a consulta pública — Inexistência

    (Regulamento n.o 844/2012 da Comissão, artigo 12.o, n.o 3)

    (cf. n.os 112, 113)

  6. Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação — Avaliação dos riscos — Designação de um novo Estado‑Membro relator durante o procedimento de renovação — Proposta de renovação pela Comissão antes da conclusão da avaliação pelo novo Estado‑Membro relator — Decisão final tomada depois dessa avaliação — Violação do dever de imparcialidade — Inexistência

    (Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamento n.o 2020/2087 da Comissão)

    (cf. n.os 124‑126)

  7. Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação — Avaliação dos riscos — Preocupações ligadas à substância controvertida — Consideração pela Comissão do parecer do Comité de Avaliação dos Riscos no âmbito do procedimento de classificação e rotulagem harmonizadas previsto no Regulamento n.o 1272/2008 — Erro manifesto de apreciação — Inexistência

    (Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.os 1272/2008 e 1107/2009)

    (cf. n.os 136‑143, 145, 149‑152)

Resumo

O mancozebe, uma substância ativa utilizada para fins fungicidas para lutar contra agentes patogénicos que afetam as culturas da batata, da vinha, frutos tenros, frutos de árvores, cenouras e cebolas, foi aprovado na União pela primeira vez em 2005 ( 1 ). Foram apresentados pedidos de renovação em 2013 e em 2014.

Por Regulamento de execução de 14 de dezembro de 2020 ( 2 ), a Comissão Europeia recusou renovar a aprovação do mancozebe. A este respeito, os considerandos do regulamento de execução impugnado fazem nomeadamente referência às conclusões da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), nas quais esta salientou, designadamente, que o mancozebe era classificado como substância tóxica para a reprodução da categoria 1B e que os novos critérios que permitem demonstrar efeitos perturbadores endócrinos estavam preenchidos para o ser humano e, muito provavelmente, para os organismos não visados.

As recorrentes UPL Europe Ltd e Indofil Industries (Netherlands) BV, sociedades que comercializam produtos fitofarmacêuticos que contêm mancozebe, interpuseram recurso de anulação do regulamento de execução impugnado. O Tribunal Geral nega provimento a esse recurso.

Este processo suscita duas questões inéditas na jurisprudência do Tribunal Geral, relativas, por um lado, à designação, durante o procedimento de renovação de uma substância, de um novo Estado‑Membro relator (a seguir «EMR») para a avaliação de uma substância ativa e, por outro, à incidência do procedimento de classificação e rotulagem harmonizadas no procedimento de renovação de uma substância ativa.

Apreciação do Tribunal Geral

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral julga improcedente a alegação de desrespeito do procedimento de renovação previsto no Regulamento de Execução n.o 844/2012 ( 3 ).

A título preliminar, o Tribunal refere, por um lado, que, no silêncio do Regulamento de Execução n.o 844/2012 quanto à tramitação do procedimento de renovação de uma substância ativa em caso de designação de um novo EMR na sua pendência, não se pode considerar que a designação de um novo EMR exige que se recomece o processo de avaliação ( 4 ).

Por outro lado, de acordo com o artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, desse regulamento, essa avaliação deve ser imperativamente submetida à EFSA e ao requerente e ser objeto de consulta pública seguida da adoção de conclusões da EFSA, a menos que a Comissão decida informá‑la de que tais conclusões não são necessárias.

No caso, a designação do novo EMR para a avaliação do mancozebe e a sua avaliação desta substância ocorreram posteriormente à conclusão do processo de avaliação dos riscos do mancozebe pelo EMR inicial e pela EFSA. Por conseguinte, as recorrentes já tinham tido a possibilidade de apresentar observações.

É certo que, aquando da atualização do projeto de relatório de avaliação de renovação (a seguir «projeto de RAR») em setembro de 2020, o novo EMR constatou que era possível, sob certas condições, concluir pela utilização sem risco para a saúde humana relativamente à exposição não alimentar ao mancozebe. Contudo, a avaliação do novo EMR levou à mesma conclusão do EMR inicial, a saber, que o mancozebe não cumpria as condições de aprovação previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009 ( 5 ). Por outro lado, a conclusão do novo EMR não é substancialmente diferente das conclusões da EFSA quanto às preocupações identificadas. Daí resulta que as preocupações identificadas pelo novo EMR já tinham sido avaliadas pelo EMR inicial e pela EFSA.

Além disso, o Tribunal rejeita o argumento das recorrentes de que, devido à conclusão do novo EMR quanto à existência de uma utilização sem risco para a saúde humana, podiam pedir a aplicação da derrogação prevista no artigo 4.o, n.o 7, do Regulamento n.o 1107/2009. Refere que a aplicação dessa derrogação não ocorre na fase da avaliação científica, mas sim na fase de gestão do risco. A este respeito, o Tribunal recorda, como resulta do considerando 12 do Regulamento n.o 1107/2009, que é a Comissão que assume o papel de gestão dos riscos e toma a decisão definitiva sobre uma substância ativa.

Por conseguinte, nas circunstâncias do caso, e tendo em conta o amplo poder de apreciação reconhecido à Comissão pelo Regulamento n.o 1107/2009 para adotar medidas de proteção adequadas na fase de gestão dos riscos anteriormente identificados na avaliação científica, a Comissão podia optar por prosseguir o procedimento de renovação do mancozebe sem submeter a avaliação do novo EMR à consulta pública e sem garantir que a EFSA apresentasse as suas conclusões sobre este aspeto particular.

Além disso, o Tribunal sublinha que o artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento de Execução n.o 844/2012 não exige que as conclusões da EFSA sejam objeto de consulta pública.

Por último, uma vez que a Comissão comunicou às recorrentes e ao Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal uma versão atualizada do seu projeto de relatório de renovação na sequência da apresentação, pelo novo EMR, da versão atualizada do projeto de RAR, não se pode sustentar que a Comissão adotou o seu relatório de renovação antes de o novo EMR terminar a sua própria avaliação dos riscos.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral considera que a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação no processo de renovação do mancozebe.

Primeiro, a Comissão podia tomar em consideração, para efeitos do procedimento de renovação do mancozebe, o parecer do Comité de Avaliação dos Riscos (a seguir «CAR») da Agência Europeia das Substâncias Químicas (a seguir «ECHA») em que se baseia a conclusão da EFSA sobre a classificação dessa substância como tóxica para a reprodução de categoria 1B, não obstante o seu caráter juridicamente não vinculativo para efeitos de procedimento de harmonização da classificação e da rotulagem prevista no Regulamento n.o 1272/200 ( 6 ). Com efeito, o caráter não vinculativo desse parecer no processo de classificação e rotulagem harmonizadas do mancozebe não diminui o seu valor científico. Além disso, a existência de uma classificação formal de uma substância ativa não é determinante para efeitos da sua aprovação ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009.

Segundo, salvo indicação em contrário, as decisões que a Comissão toma no âmbito do Regulamento n.o 1107/2009 devem sempre ter em conta os conhecimentos científicos e técnicos mais recentes.

O Tribunal Geral considera que o parecer do CAR podia ser considerado pela Comissão como um documento que apresentava os conhecimentos científicos mais recentes relativos à classificação do mancozebe como substância tóxica. Com efeito, foi adotado sob proposta do EMR inicial e antes da adoção das conclusões da EFSA no procedimento de renovação dessa substância, a saber, no momento em que estava em curso a avaliação científica do mancozebe nesse procedimento.

No que respeita ao facto de o parecer do CAR se basear num estudo antigo, o Tribunal Geral considera que as recorrentes não podem invocar, para pôr em causa a legalidade do regulamento de execução impugnado, uma alegada violação material ocorrida no âmbito do procedimento de harmonização da classificação e da rotulagem das substâncias em conformidade com o Regulamento n.o 1272/2008. Com efeito, foi ao abrigo do Regulamento n.o 1272/2008, e não do Regulamento n.o 1107/2009, que o CAR adotou o seu parecer sobre a classificação do mancozebe como substância tóxica para a reprodução da categoria 1B.

Quanto à notificação da República de Malta relativa à sua intenção de apresentar um novo processo de classificação para esta substância à ECHA no processo de harmonização da classificação e rotulagem das substâncias em conformidade com o Regulamento n.o 1272/2008, que confirmaria a classificação da mancozebe como substância tóxica para a reprodução de categoria 2, o Tribunal Geral observa que, à data da adoção do regulamento de execução impugnado, essa proposta da República de Malta ainda não tinha sido avaliada do ponto de vista científico.

Terceiro, na falta de argumentos fundados das recorrentes, o Tribunal Geral julga improcedente a alegação de concessão de uma influência indevida no parecer do CAR ao metabolito ETU e não à própria substância.


( 1 ) Essa substância foi inscrita no anexo I da Diretiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1), pela Diretiva 2005/72/CE da Comissão, de 21 de outubro de 2005, que altera a Diretiva 91/414/CEE do Conselho com o objetivo de incluir as substâncias ativas clorpirifos, clorpirifos‑metilo, mancozebe, manebe e metirame (JO 2005, L 279, p. 63).

( 2 ) Regulamento de Execução (UE) 2020/2087 da Comissão, de 14 de dezembro de 2020, relativo à não renovação da aprovação da substância ativa mancozebe em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão (JO 2020, L 423, p. 50, a seguir «regulamento de execução impugnado»).

( 3 ) Regulamento de Execução (UE) n.o 844/2012 da Comissão, de 18 de setembro de 2012, que estabelece as disposições necessárias à execução do procedimento de renovação de substâncias ativas, tal como previsto no Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 2012, L 252, p. 26).

( 4 ) Procedimento previsto nos artigos 12.° e 13.° do Regulamento de Execução n.o 844/2012.

( 5 ) Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1).

( 6 ) Regulamento (CE) n.o 1272/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas, que altera e revoga as Diretivas 67/548/CEE e 1999/45/CE, e altera o Regulamento (CE) n.o 1907/2006 (JO 2008, L 353, p. 1).