Processo T‑480/20

Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE
e
Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE

contra

Comissão Europeia

Acórdão do Tribunal Geral (Primeira Secção Alargada) de 1 de março de 2023

«Subvenções — Importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro originários da China e do Egito — Regulamento de Execução (UE) 2020/776 — Direito de compensação definitivo — Cálculo do montante da subvenção — Imputabilidade da subvenção — Direitos de defesa — Erro manifesto de apreciação — Sistema de devolução de direitos de importação — Tratamento fiscal das perdas cambiais — Cálculo da margem de subcotação»

  1. Política comercial comum — Defesa contra as práticas de subvenção por parte de Estados terceiros — Subvenção — Conceito — Vantagem conferida ao beneficiário — Cálculo da vantagem — Poder de apreciação da Comissão — Método de cálculo que permite refletir a vantagem efetivamente conferida a cada beneficiário — Fiscalização jurisdicional — Limites — Erro manifesto de apreciação — Ónus da prova

    (Regulamento 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.o, n.os 1 e 2)

    (cf. n.os 33, 36‑58)

  2. Política comercial comum — Defesa contra as práticas de subvenção por parte de Estados terceiros — Subvenção — Conceito — Contribuição financeira concedida pelos poderes públicos do país de origem ou de exportação — Contribuição financeira concedida pelos poderes públicos de um país terceiro — Imputabilidade da referida contribuição aos poderes públicos do país de origem ou de exportação — Admissibilidade — Requisitos

    [Regulamento 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 3.o, ponto 1, alínea a)]

    (cf. n.os 79‑95)

  3. Política comercial comum — Defesa contra as práticas de subvenção por parte de Estados terceiros — Subvenção — Conceito — Interpretação à luz do acordo sobre as subvenções e as medidas de compensação de 1994

    (Acordo sobre as subvenções e as medidas de compensação de 1994, artigo 1.o; Regulamento 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 3.o)

    (cf. n.os 96‑102)

  4. Política comercial comum — Defesa contra as práticas de subvenção por parte de Estados terceiros — Subvenção — Conceito — Especificidade da subvenção — Subvenção limitada a certas empresas situadas numa determinada região geográfica sujeita à jurisdição da autoridade que concede a subvenção

    (Regulamento 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.os 2 e 3)

    (cf. n.os 106, 107)

  5. Política comercial comum — Defesa contra as práticas de subvenção por parte de Estados terceiros — Decurso das investigações — Obrigação da Comissão de assegurar a informação às partes interessadas — Alcance — Direitos de defesa — Violação — Requisitos — Possibilidade de a empresa em causa assegurar melhor a sua defesa caso não haja irregularidade processual

    (Regulamento 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 30.o, n.os 1 e 2)

    (cf. n.os 114‑125)

  6. Política comercial comum — Defesa contra as práticas de subvenção por parte de Estados terceiros — Subvenção — Conceito — Vantagem conferida ao beneficiário — Cálculo da vantagem — Erro manifesto de apreciação — Inexistência

    (Regulamento 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 6.o)

    (cf. n.os 134‑139, 143‑147, 152‑156)

  7. Política comercial comum — Defesa contra as práticas de subvenção por parte de Estados terceiros — Subvenção — Conceito — Contribuição financeira dos poderes públicos do país de origem ou de exportação — Receitas públicas exigíveis perdoadas ou não cobradas — Apreciação

    [Regulamento 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 3.o, ponto 1, alínea a), ii)]

    (cf. n.os 162‑170)

Resumo

Uma subvenção concedida pela China pode ser imputada ao Egito enquanto país de origem ou de exportação de um produto sujeito a medidas compensatórias

Podem ser impostos direitos de compensação a empresas estabelecidas no Egito, na Zona de Cooperação Económica e Comercial do Suez, mas subvencionadas pela China

Na sequência de uma denúncia apresentada em 1 de abril de 2019, a Comissão Europeia adotou o Regulamento de Execução 2020/776 que institui direitos de compensação definitivos sobre as importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro (a seguir «TFV») originários da China e do Egito ( 1 ).

Na sequência de uma segunda denúncia apresentada em 24 de abril de 2019, a Comissão adotou, além disso, o Regulamento de Execução 2020/870 que institui um direito de compensação definitivo e cobra definitivamente o direito provisório instituído sobre as importações de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo (a seguir «SFV») originários do Egito, e que estabelece a cobrança do direito de compensação definitivo sobre as importações registadas dos referidos SFV ( 2 ). Os SFV constituem a matéria‑prima principal utilizada para produzir os TFV.

A Hengshi Egypt Fiberglass Fabrics SAE (a seguir «Hengshi») e a Jushi Egypt for Fiberglass Industry SAE (a seguir «Jushi»), duas sociedades constituídas nos termos da legislação egípcia cujos acionistas são entidades chinesas, produzem e exportam TFV para a União Europeia. Além disso, a Jushi produz e exporta SFV para a União. Essas duas sociedades estão estabelecidas no Egito, na Zona de Cooperação Económica e Comercial do Suez (a seguir «Zona CECS»), que foi criada conjuntamente pelo Egito e pela China em conformidade com as respetivas estratégias nacionais, a saber, relativamente ao Egito, o Plano de Desenvolvimento do Corredor do Canal de Suez e para a China a iniciativa «Uma Cintura, Uma Rota». Esta última iniciativa permite às autoridades públicas chinesas conceder certas vantagens, nomeadamente apoios financeiros, às empresas chinesas estabelecidas na Zona CECS.

Considerando‑se lesadas pelos direitos de compensação aplicados pela Comissão, a Hengshi e a Jushi interpuseram no Tribunal Geral um recurso de anulação do Regulamento de Execução 2020/776. Num recurso distinto, a Jushi pediu, além disso, a anulação do Regulamento de Execução 2020/870.

Ao negar provimento a esses recursos, o Tribunal precisa as condições em que a Comissão pode imputar aos poderes públicos do país de origem ou de exportação de um produto subvenções concedidas pelos poderes públicos de outro país com vista a impor, ao abrigo do regulamento antissubvenções de base ( 3 ), um direito de compensação sobre as importações do produto em causa na União.

Apreciação do Tribunal Geral

Em apoio dos seus recursos, as recorrentes invocam, nomeadamente, um fundamento relativo à violação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do regulamento antissubvenções de base, segundo o qual se considera que existe uma subvenção quando há uma contribuição financeira dos poderes públicos do país de origem ou de exportação. A este respeito, as recorrentes contestam, mais especificamente, a argumentação seguida pela Comissão nos regulamentos de execução, que consiste em imputar aos poderes públicos egípcios contribuições financeiras concedidas por entidades públicas chinesas a empresas estabelecidas na Zona CECS.

O Tribunal começa por rejeitar a alegação das recorrentes relativa a um erro de direito cometido pela Comissão na interpretação do conceito de «poderes públicos» do país de origem ou de exportação, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do regulamento antissubvenções de base.

No que se refere a este conceito de «poderes públicos», o Tribunal salienta que o artigo 2.o, alínea b), do regulamento antissubvenções de base se limita a defini‑lo no sentido de que inclui as entidades públicas do país de origem ou de exportação. Contudo, não resulta desta disposição que uma contribuição financeira não possa ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação do produto em causa em razão dos elementos de prova específicos disponíveis. Por outro lado, o facto de esse regulamento exigir que uma contribuição financeira seja concedida pelos poderes públicos «no território de um país» ( 4 ) não implica que essa contribuição deva provir diretamente dos poderes públicos do país de origem ou de exportação.

Assim, o regulamento antissubvenções de base não exclui que uma contribuição financeira concedida a empresas estabelecidas no Egito por entidades públicas chinesas, e não diretamente por poderes públicos egípcios, possa ser imputada a estes últimos enquanto poderes públicos do país de origem ou de exportação.

Esta conclusão é tanto mais pertinente no contexto específico da Zona CECS dado que permite às autoridades públicas chinesas conceder diretamente todas as facilidades inerentes à iniciativa «Uma Cintura, Uma Rota» às empresas chinesas estabelecidas nessa zona. Nestas condições, não se pode admitir que uma construção económica e jurídica de uma amplitude tal como a da Zona CECS seja subtraída ao regulamento antissubvenções de base.

Em seguida, o Tribunal rejeita a argumentação das recorrentes segundo a qual a interpretação que a Comissão faz do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do regulamento antissubvenções de base é contrária aos artigos 10.°, n.o 7, e 13.°, n.o 1, do mesmo regulamento.

A este respeito, o Tribunal salienta, por um lado, que o artigo 10.o, n.o 7, do regulamento antissubvenções de base, que impõe à Comissão, quando tenha recebido uma denúncia, que solicite ao país de origem e/ou de exportação em causa consultas destinadas a esclarecer a situação, não exclui que os poderes públicos do referido país possam ser consultados relativamente às contribuições financeiras que lhes são imputáveis. Ora, no caso em apreço, resulta dos autos que a Comissão convidou efetivamente os poderes públicos egípcios a prestar esclarecimentos sobre questões como os empréstimos preferenciais concedidos por entidades chinesas.

Por outro lado, no que se refere ao artigo 13.o, n.o 1, do regulamento antissubvenções de base, que permite nomeadamente ao país de origem ou de exportação eliminar a subvenção, limitar ou adotar outras medidas relativamente aos seus efeitos, tal possibilidade continua válida no caso em que uma contribuição financeira pode ser imputada aos poderes públicos do referido país. Assim, os poderes públicos egípcios tinham a possibilidade de pôr termo à cooperação estreita com os poderes públicos chineses no que se refere às contribuições financeiras ou propor medidas que visassem limitar os efeitos das subvenções em causa.

Daqui decorre que nem o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do regulamento antissubvenções de base nem a sistemática geral deste excluem que uma contribuição financeira concedida pelos poderes públicos chineses possa ser imputada aos poderes públicos do Egito, enquanto país de origem ou de exportação, numa situação como a que está em causa no presente processo.

Por último, contrariamente ao que alegam as recorrentes, esta conclusão é corroborada, nomeadamente, pelas disposições do artigo 1.o do Acordo sobre as subvenções e as medidas de compensação ( 5 ), à luz do qual há que interpretar o regulamento antissubvenções de base.

O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), 1), do referido acordo, que o artigo 3.o do regulamento antissubvenções de base visa executar, define a subvenção como uma contribuição financeira dos poderes públicos ou de qualquer entidade pública no território de «um» membro da OMC. Por conseguinte, esta formulação não exclui a possibilidade de uma contribuição financeira concedida por um país terceiro poder ser imputada aos poderes públicos do país de origem ou de exportação, uma vez que basta que haja uma contribuição financeira dos poderes públicos ou de qualquer entidade pública no território de «um» membro da OMC.

À luz destas considerações, o Tribunal conclui que a Comissão interpretou corretamente o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do regulamento antissubvenções de base e rejeita o fundamento invocado pelas recorrentes. O Tribunal rejeita igualmente os outros fundamentos apresentados pelas recorrentes nos dois recursos e, consequentemente, nega provimento a estes últimos na totalidade.


( 1 ) Regulamento de Execução (UE) 2020/776 da Comissão, de 12 de junho de 2020, que institui direitos de compensação definitivos sobre as importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro originários da República Popular da China e do Egito e que altera o Regulamento de Execução (UE) 2020/492 da Comissão que institui direitos antidumping definitivos sobre as importações de determinados têxteis tecidos e/ou agulhados em fibra de vidro originários da República Popular da China e do Egito (JO 2020, L 189, p. 1).

( 2 ) Regulamento de Execução (UE) 2020/870 da Comissão, de 24 de junho de 2020, que institui um direito de compensação definitivo e cobra definitivamente o direito provisório instituído sobre as importações de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo originários do Egito e que estabelece a cobrança do direito de compensação definitivo sobre as importações registadas de produtos de fibra de vidro de filamento contínuo originários do Egito (JO 2020, L 201, p. 10).

( 3 ) Regulamento (UE) 2016/1037 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações que são objeto de subvenções de países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 55).

( 4 ) Regulamento antissubvenções de base, considerando 5.

( 5 ) Acordo sobre as subvenções e as medidas de compensação (JO 1994, L 336, p. 156), que figura no anexo 1A do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC) (JO 1994, L 336, p. 3), assinado em Marraquexe a 15 de abril de 1994.