Processo T‑77/20
Ascenza Agro, SA e Industrias Afrasa, SA
contra
Comissão Europeia
Acórdão do Tribunal Geral (Sétima Secção Alargada) de 4 de outubro de 2023
«Produtos fitofarmacêuticos — Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Regulamento de Execução (UE) 2020/17 — Não renovação da aprovação da substância ativa clorpirifos‑metilo — Recurso de anulação — Legitimidade — Admissibilidade — Obrigação de exame de todas as condições e critérios previstos no Regulamento n.o 1107/2009 — Inexistência de conclusões da EFSA — Dever de transparência — Direito de audiência — Dever de fundamentação — Avaliações divergentes do risco pelo Estado‑Membro relator e pela EFSA — Obrigação de tomar em conta todos os elementos relevantes do caso — Relatório intercalar de um estudo em curso — Princípio da precaução — Ónus e objeto da prova — Erro manifesto de apreciação — Aplicabilidade do método comparativo por interpolação e do critério baseado na suficiência da prova — Invocabilidade das orientações da ECHA e da EFSA»
Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Afetação direta — Critérios — Regulamento da Comissão que impõe aos Estados‑Membros que concederam autorizações de produtos fitofarmacêuticos que contenham uma certa substância ativa que as modifiquem ou revoguem — Recurso de uma empresa que produz e comercializa essa substância — Admissibilidade
(Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE; Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamento n.o 2020/17 da Comissão)
(cf. n.os 68‑70)
Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Afetação individual — Critérios — Regulamento da Comissão que impõe aos Estados‑Membros que tenham concedido autorizações de produtos fitofarmacêuticos que contenham uma certa substância ativa que as modifiquem ou revoguem — Recurso de uma empresa que produz e comercializa essa substância — Admissibilidade
(Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE; Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamento n.o 2020/17 da Comissão)
(cf. n.os 71‑74)
Recurso de anulação — Requisitos de admissibilidade — Pessoas singulares ou coletivas — Recurso interposto por vários recorrentes da mesma decisão — Legitimidade de um deles — Admissibilidade do recurso na íntegra
(Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE)
(cf. n.o 76)
Processo jurisdicional — Prazo para apresentação das provas — Artigo 85.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral — Justificação insuficiente do atraso na apresentação das provas — Inadmissibilidade
(Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 85.o, n.o 2)
(cf. n.os 84, 85)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Revogação ou modificação da aprovação por incumprimento dos critérios de aprovação — Âmbito de aplicação — Critérios e requisitos cumulativos
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.os 1 a 3, e Anexo II, pontos 2 e 3.6.2 a 3.6.5)
(cf. n.os 108‑112, 114‑123)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Tramitação processual — Conclusões da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) — Conceito
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 4.° e 12.°, n.os 2 e 4; Regulamento n.o 844/2012 da Comissão, artigo 13.o, n.o 1)
(cf. n.os 141, 142, 146, 147, 149, 152, 154, 156)
Atos das instituições — Orientações — Conceito — Ato de alcance geral — Efeitos
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 12.o, n.o 2; Regulamentos da Comissão n.o 844/2012, artigo 13.o, n.o 1, e 2020/17)
(cf. n.os 161, 162, 477‑479, 524‑530)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Tramitação processual — Prazos previstos pelas disposições regulamentares — Inobservância — Prazos não perentórios
(Regulamento n.o 844/2012 da Comissão, artigo 13.o, n.o 1)
(cf. n.os 169, 170)
Atos das instituições — Regulamento de Execução relativo à não renovação da aprovação da substância ativa clorpirifos‑metilo — Ato de alcance geral — Dever de transparência — Violação — Inexistência
(Artigo 263.o TFUE; Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.o 178/2002, considerando 40, e n.o 1107/2009, considerando 12; Regulamentos da Comissão n.o 844/2012, considerando 11 e artigos 12.°, n.o 1, 13.°, n.o 1, e 14.°, n.o 1, e 2020/17)
(cf. n.os 187, 189‑201, 205, 207, 209, 212‑214)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Falta de consulta dos interessados sobre os elementos tidos em conta — Violação do direito de audiência — Inexistência — Requisitos
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.o, n.o 2, alínea a); Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamentos da Comissão n.o 844/2012, artigos 12.°, n.os 1 e 3, 13.°, n.o 1, e 14.°, n.o 1, 3.° parágrafo, e 2020/17]
(cf. n.os 231‑235, 241, 244, 245, 248)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Poder de apreciação da Comissão — Dever de a Comissão seguir o parecer da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) — Inexistência
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamentos da Comissão n.os 844/2012 e 2020/17)
(cf. n.o 247)
Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance e limites — Regulamento da Comissão que não renova a inscrição de uma substância ativa no Anexo II do Regulamento n.o 1107/2009
(Artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE; Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamentos da Comissão n.os 844/2012 e 2020/17)
(cf. n.os 263, 264, 276, 281, 283, 287)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Poder de apreciação da Comissão — Fiscalização jurisdicional — Alcance
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamentos da Comissão n.os 844/2012 e 2020/17)
(cf. n.os 302, 314, 414, 416, 437, 438)
Direitos fundamentais — Carta dos Direitos Fundamentais — Direito a uma boa administração — Exigência de imparcialidade — Conceito
(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.o)
(cf. n.os 321, 329)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Avaliação dos riscos — Critérios — Consideração das incertezas relativas aos efeitos potenciais da substância e dos dados científicos recentes resultantes da investigação internacional — Violação do princípio da precaução — Inexistência
[Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.o 1107/2009, artigo 4.o, n.o 1, e 2019/1381, considerando 24; Regulamento n.o 844/2012 da Comissão, artigos 6.°, n.o 1, e 7.°, n.o 1, alíneas e), f) e m)]
(cf. n.os 345‑348, 352, 353, 357, 372, 374‑378, 381‑386)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Aplicação do princípio da precaução — Fiscalização jurisdicional — Competência de plena jurisdição — Sujeição às orientações adotadas na matéria — Exclusão — Ilegalidade — Inexistência
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho)
(cf. n.os 361‑363)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Avaliação dos riscos — Princípio da precaução — Ónus e objeto da prova — Ensaios e estudos apresentados pelo requerente que demonstram a não nocividade dos produtos — Inexistência de contra‑análise independente — Consideração dos dados científicos mais fiáveis e mais recentes resultantes da investigação internacional — Erro de apreciação — Inexistência — Violação do princípio da proporcionalidade — Inexistência
[Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 4.°, n.o 1, 6.°, alínea f), 7.°, n.o 1, 8.°, n.os 1 e 2, 11.°, n.o 3, 12.°, n.o 3, e 37.°, n.o 1; Regulamento n.o 844/2012 da Comissão, artigos 7.° e 13.°, n.o 3]
(cf. n.os 399‑405, 412, 413, 602, 603, 606‑609, 614, 620, 630)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Avaliação dos riscos — Métodos de avaliação — Método comparativo por interpolação e critério da suficiência da prova — Critério do caráter científico da avaliação — Objetivo do Regulamento de redução dos ensaios clínicos em animais — Legalidade da utilização pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) dos dois métodos de avaliação dos riscos
(Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.o 1907/2006, considerando 11 e artigo 13.o, n.o 1, e Anexo XI, ponto 1.5, n.o 1272/2008, Anexo I, ponto 1.1.1.3, e n.o 1107/2009, artigos 4.°, n.o 1, e 12.°, n.o 2, e Anexo II, ponto 1.2; Regulamento n.o 844/2012 da Comissão, artigo 13.o, n.o 1)
(cf. n.os 422‑430, 433‑436, 440, 441, 445‑449)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Avaliação dos riscos — Método comparativo por interpolação — Consideração das diferenças na genotoxicidade entre o clorpirifos‑metilo e o clorpirifos — Erro de apreciação — Inexistência
(Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.o 1907/2006, artigo 13.o, n.o 1, e Anexo XI, ponto 1.5, e n.o 1107/2009, artigo 4.o, n.o 1)
(cf. n.os 458, 459, 466, 472, 483)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Avaliação dos riscos — Regulamento REACH — Aplicabilidade — Inexistência — Violação — Inexistência
(Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.o 1907/2006, artigo 13.o, n.o 1, e Anexo XI, ponto 1.5, e n.o 1107/2009, artigo 4.o, n.o 1)
(cf. n.os 463‑467, 490)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Avaliação dos riscos — Critério da suficiência da prova — Análise da genotoxicidade e da neurotoxicidade para o desenvolvimento do clorpirifos‑metilo e comparação com o clorpirifos — Existência de incerteza — Erro de apreciação — Inexistência — Violação do princípio da precaução — Inexistência
[Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 1; Regulamento n.o 844/2012 da Comissão, artigos 7.°, n.o 1, alíneas e) e f), e 13.°]
(cf. n.os 496, 501‑510, 518, 531‑534, 550, 559, 563, 578, 580, 582, 593, 597)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Aplicação do princípio da precaução — Alcance — Necessidade de uma avaliação exaustiva dos riscos — Inexistência
(Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 21.o)
(cf. n.os 545, 546)
Recurso de anulação — Objeto — Decisão que assenta em vários pilares de raciocínio, cada um dos quais suficientes para fundamentar o seu dispositivo — Decisão em matéria de colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado — Critérios da existência de uma simples incerteza quanto à presença de um risco para a saúde — Fundamento improcedente
(Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.o 1272/2008 e n.o 1107/2009, artigo 4.o, n.o 1)
(cf. n.os 591‑593)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Regulamento n.o 1107/2009 — Renovação da aprovação de uma substância ativa — Avaliação dos riscos — Método comparativo por interpolação — Consideração das diferenças relativas à genotoxicidade entre o clorpirifos‑metilo e o clorpirifos — Dever de fundamentação reforçado — Inexistência
(Artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE; Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 1; Regulamentos da Comissão n.o 844/2012, artigo 13.o, n.o 1, e 2020/17)
(cf. n.os 639‑644, 651, 652)
Resumo
O clorpirifos‑metilo (a seguir «CLP‑metilo») é uma substância ativa utilizada nos produtos fitofarmacêuticos para lutar contra os organismos prejudiciais e tratar os cereais armazenados e os armazéns vazios. O CLP‑metilo faz parte do grupo dos organofosforados, ao qual também pertence outra substância ativa denominada clorpirifos.
A Diretiva 91/414 relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado ( 1 ) instituiu o regime jurídico aplicável à autorização de colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado na União Europeia. O CLP‑metilo e o clorpirifos foram inscritos no anexo I dessa diretiva pela Diretiva 2005/72 ( 2 ). A aprovação do CLP‑metilo pela Comissão foi prorrogada três vezes, antes de expirar em 31 de janeiro de 2020.
A Ascenza Agro, SA ( 3 ) e a Dow AgroSciences Ltd, duas empresas que produzem CLP‑metilo (a seguir «requerentes»), apresentaram, cada uma, um pedido de renovação ( 4 ) da aprovação do CLP‑metilo. No seu projeto de relatório de avaliação relativo à referida renovação, o Reino de Espanha, enquanto Estado‑Membro relator, não concluiu pela existência de efeitos nocivos do CLP‑metilo na saúde humana e, por conseguinte, propôs a renovação da aprovação dessa substância ativa.
A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) organizou uma primeira consulta de peritos para avaliar os riscos do CLP‑metilo para a saúde humana. Deu conta dessas avaliações numa declaração de 31 de julho de 2019, na qual precisou que a abordagem adotada pelos peritos se baseava amplamente nas semelhanças estruturais entre o CLP‑metilo e o clorpirifos.
Os peritos tinham, além disso, referido que não existia literatura pública disponível sobre o potencial genotóxico do CLP‑metilo, apesar de estarem disponíveis várias publicações para o clorpirifos, sobre o qual se tinham suscitado preocupações. Concordaram então que essas incertezas deviam ser tidas em conta na avaliação do risco do CLP‑metilo e que, por conseguinte, não se podia excluir a existência de um risco potencial de lesões no ADN. Por conseguinte, não se podia estabelecer nenhum valor de referência tanto para a genotoxicidade como para a neurotoxicidade no desenvolvimento, o que impossibilitava a avaliação do risco para os consumidores, os operadores, os trabalhadores, as pessoas presentes e os residentes.
Na sequência de uma segunda consulta de peritos, a EFSA adotou, em 8 de novembro de 2019, uma versão atualizada da sua declaração de 31 de julho de 2019, na qual concluiu não estarem preenchidos os critérios relativos à saúde humana previstos no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009 para a renovação da aprovação do CLP‑metilo. Com este fundamento, a Comissão adotou, em 10 de janeiro de 2020, o Regulamento de Execução 2020/17 relativo à não renovação da aprovação da substância ativa CLP‑metilo em conformidade com o Regulamento n.o 1107/2009 ( 5 ) (a seguir «regulamento impugnado»).
No regulamento impugnado, a Comissão baseou a recusa de renovação da aprovação do CLP‑metilo em três fundamentos. Primeiro, o facto de «[n]ão se pode[r] excluir um potencial genotóxico do [CLP]‑metilo», segundo, a existência de «preocupações relativas à neurotoxicidade para o desenvolvimento» e, terceiro, o facto de poder «ser adequado classificar o [CHP]‑metilo como substância tóxica para a reprodução, categoria 1B».
Com o seu recurso, as recorrentes, Ascenza Agro e Industrias Afrasa, SA, pedem a anulação do regulamento impugnado.
O Tribunal Geral, decidindo em Secção Alargada, nega provimento ao recurso e pronuncia‑se, nesta ocasião, sobre um certo número de questões inéditas a respeito do Regulamento n.o 1107/2009 e do Regulamento de Execução n.o 844/2012. Assim, no plano processual, clarifica o conceito de «conclusões» na aceção do artigo 13.o do Regulamento de Execução n.o 844/2012 e precisa a incidência, na legalidade do regulamento impugnado, dos motivos de um voto de um Estado‑Membro adotado no âmbito do parecer emitido pelo Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal (a seguir «Comité Permanente») antes de a Comissão se pronunciar sobre a renovação de uma substância ativa. Por outro lado, quanto ao mérito, o Tribunal Geral fornece precisões sobre a aplicação do dever de transparência e do princípio da precaução no domínio dos produtos fitofarmacêuticos. Além disso, pronuncia‑se sobre o alcance dos métodos de avaliação «comparativos por interpolação» e do critério baseado na «suficiência da prova» no âmbito da aplicação do Regulamento n.o 1107/2009.
Apreciação do Tribunal Geral
– Existência de «conclusões»
Quanto à alegação das recorrentes relativa à falta de conclusões da EFSA, o Tribunal Geral constata que não consta do Regulamento de Execução n.o 844/2012 ( 6 ) nem do Regulamento n.o 1107/2009 ( 7 ) qualquer definição do conceito de «conclusões». Resulta, porém, desses diplomas, por um lado, que, no plano formal, as conclusões devem ser adotadas pela EFSA e comunicadas ao requerente, aos Estados‑Membros e à Comissão.
Por outro lado, no que respeita ao conteúdo das conclusões, a EFSA é nomeadamente obrigada a precisar «se se pode esperar que a substância ativa satisfaça os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o» do Regulamento n.o 1107/2009. Assim, o elemento determinante que permite caracterizar a existência de conclusões é a expressão de um parecer da EFSA quanto à aptidão de uma substância ativa para cumprir os requisitos e os critérios previstos nesse regulamento.
No caso, tendo a EFSA considerado, nas suas duas declarações de 31 de julho e de 8 de novembro de 2019, que o CLP‑metilo não preenchia as referidas condições no que respeita à saúde humana, adotou efetivamente conclusões na aceção do artigo 13.o do Regulamento de Execução n.o 844/2012. Isto não pode ser posto em causa apenas pela designação dos documentos em questão, intitulados «declarações», dependendo a caracterização da existência de conclusões, em primeiro lugar, do conteúdo desses documentos.
– Dever de transparência
O Tribunal Geral lembra que cabe à parte afetada que, em apoio de pedidos de anulação de um ato da União de alcance geral, alega violação de um dever de transparência invocar uma disposição expressa que lhe confira um direito processual e faça parte do quadro jurídico que rege a adoção do referido ato.
O Tribunal Geral considera, em primeiro lugar, que o regulamento impugnado constitui um ato de alcance geral, sem que a afetação individual da Ascenza Agro por esse ato seja suscetível de pôr em causa essa qualificação. Com efeito, há que distinguir, por um lado, a questão do alcance geral ou individual de um ato, que depende do ato adotado enquanto tal, e, por outro, a questão da afetação individual de um recorrente comum, que depende da sua situação relativamente a esse ato. Assim, embora, à luz dos critérios do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, certos atos tenham, pela sua natureza e pelo seu alcance, caráter normativo, na medida em que se aplicam à generalidade dos operadores económicos interessados, podem, sem perder o seu caráter regulamentar, dizer respeito, em determinadas circunstâncias, individualmente a certos operadores económicos que, se forem também diretamente afetados por esses atos, têm legitimidade para interpor um recurso de anulação desses atos.
Em segundo lugar, o respeito do dever de transparência é, em matéria fitofarmacêutica, assegurado por disposições específicas previstas no quadro jurídico que rege a adoção do regulamento impugnado, a saber, o Regulamento n.o 1107/2009, que visa as disposições gerais relativas, nomeadamente, ao procedimento de renovação da aprovação de uma substância ativa e o Regulamento de Execução n.o 844/2012, que prevê as disposições específicas relativas à execução do procedimento de renovação da aprovação dessa substância.
Todavia, o Tribunal Geral refere que as recorrentes não invocaram, no caso presente, qualquer disposição específica que confira um direito processual à Ascenza Agro e que se enquadre no quadro jurídico que rege a adoção do regulamento impugnado.
– Modalidades de adoção do parecer do Comité Permanente
O Tribunal lembra que, no caso, é pacífico que foi obtido um parecer favorável do comité permanente sobre o projeto de regulamento impugnado com o voto igualmente favorável do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte. Não obstante, o Tribunal Geral refere que as recorrentes contestam, na realidade, os fundamentos do regulamento impugnado e não o seu processo de adoção.
Ora, resulta dos fundamentos do regulamento impugnado que a sua adoção não se baseou nos elementos tidos em conta pelo Reino Unido na sua escolha de voto, pelo que a alegação das recorrentes é inoperante.
– Princípio da precaução
O Tribunal recorda que o princípio da precaução permite, quando subsistam incertezas quanto à existência ou ao alcance de riscos para a saúde das pessoas, a adoção de medidas de proteção sem ter de esperar que a realidade e a gravidade de tais riscos estejam plenamente demonstradas. A aplicação correta do princípio da precaução pressupõe, nomeadamente, uma avaliação completa do risco para a saúde baseada nos dados científicos disponíveis mais fiáveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional. Quando for impossível determinar com certeza a existência ou o alcance do risco alegado devido à natureza insuficiente, inconclusiva ou imprecisa dos resultados dos estudos levados a cabo, mas persista a probabilidade de um dano real para a saúde pública na hipótese de o risco se concretizar, o princípio da precaução justifica a adoção de medidas restritivas.
No caso, os peritos e a EFSA procederam a uma avaliação do risco para a saúde da utilização proposta do CLP‑metilo que revelava incertezas. Tal abordagem é, portanto, conforme com o princípio da precaução, que implica que as autoridades encarregadas da avaliação dos riscos, como a EFSA, comuniquem à Comissão não só as conclusões certas a que chegam, mas também as incertezas que subsistem, a fim de que, sendo caso disso, esta adote medidas restritivas.
– Métodos de avaliação dos riscos adotados pela EFSA e pela Comissão
O Tribunal Geral observa, num primeiro momento, que a EFSA podia, com razão, utilizar o método comparativo por interpolação e o método da suficiência da prova para efeitos de avaliação de uma substância ativa.
Com efeito, no que respeita, antes de mais, ao conteúdo destes dois métodos, o método comparativo por interpolação ( 8 ) permite prever as propriedades de certas substâncias com base nos dados existentes relativos a outras substâncias de referência que tenham uma semelhança estrutural com as primeiras. Quanto à abordagem baseada na suficiência da prova, permite prever as propriedades de certas substâncias com base em dados provenientes de várias fontes de informação independentes ( 9 ).
Em seguida, no que respeita à finalidade dos referidos métodos, o Regulamento REACH prevê ( 10 ) que, no que respeita à toxicidade para a espécie humana, as informações sobre as propriedades intrínsecas das substâncias serão produzidas, tanto quanto possível, por outros meios que não sejam ensaios em animais. O recurso aos estudos e aos ensaios pode, assim, ser evitado através da utilização de diversos métodos ( 11 ), entre os quais figuram, nomeadamente, o método comparativo por interpolação e o critério da suficiência da prova. Assim, o método comparativo por interpolação permite evitar testar cada substância para cada efeito e pode ser utilizado em caso de falta de dados relativos às substâncias sujeitas à avaliação dos riscos. Quanto ao critério baseado na suficiência da prova, quando permita reunir provas suficientes para confirmar a existência ou a inexistência de uma determinada propriedade perigosa, leva a prescindir de ensaios suplementares em animais. O Tribunal conclui daí que os dois métodos visam, nomeadamente, limitar o recurso aos ensaios em animais vertebrados e permitem, portanto, ambos, evitar testar cada substância para cada efeito.
Por outro lado, quanto à legalidade da utilização dos dois métodos pela EFSA, o Tribunal refere que as disposições do Regulamento n.o 1107/2009 ( 12 ) e do Regulamento de Execução n.o 844/2012 deixam à EFSA uma ampla margem de apreciação na escolha das modalidades de avaliação que aplica, sem prejuízo do caráter científico da sua avaliação. Além disso, o Tribunal lembra que é igualmente reconhecido à Comissão um amplo poder de apreciação, tendo em conta as apreciações científicas complexas que devem ser feitas na matéria. Assim, uma vez que a Comissão se deve basear na avaliação dos riscos efetuada pela EFSA, a fiscalização efetuada pelo juiz da União sobre essa avaliação deve igualmente ser limitada ao erro manifesto de apreciação.
A este respeito, o Tribunal Geral considera que, na medida em que a utilização dos dois métodos está prevista tanto no Regulamento n.o 1272/2008 como no Regulamento REACH, o legislador da União considerou que esses métodos eram suficientemente fiáveis, do ponto de vista científico, para serem utilizados para efeitos da avaliação de substâncias químicas noutros domínios que não o dos produtos fitofarmacêuticos.
Por último, ambos os métodos, que permitem evitar testar cada substância para cada efeito, contribuem para a redução dos ensaios em animais e, portanto, para a realização de um dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1107/2009 e, consequentemente, pelo seu Regulamento de Execução, o Regulamento de Execução n.o 844/2012.
Num segundo momento, no que respeita às modalidades concretas de aplicação dos dois métodos, o Tribunal observa, quanto ao método comparativo por interpolação, que é pacífico que o CLP‑metilo e o clorpirifos pertencem ao mesmo grupo de substâncias químicas e que, globalmente, essas substâncias dispõem de uma estrutura química semelhante.
Quanto ao critério baseado na suficiência da prova, o Tribunal refere que a EFSA se limitou a observar que os testes e os estudos apresentados pelos requerentes não permitiam constatar a existência de riscos para a saúde humana, sem fazer referência à documentação acessível validada pela comunidade científica na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea m), do Regulamento de Execução n.o 844/2012. Não considerou, portanto, que os dados apresentados pelos requerentes eram suficientes para formular conclusões adequadas e definitivas e, em especial, para concluir pela inexistência de risco genotóxico apresentado pelo CLP‑metilo.
Pelo contrário, a EFSA indicou, nas suas declarações de 31 de julho e 8 de novembro de 2019, que os peritos tinham referido que não existia literatura pública disponível sobre o potencial genotóxico do CLP‑metilo, apesar de estarem disponíveis várias publicações sobre o clorpirifos. Acrescentou que, como tinham sido suscitadas preocupações relativamente ao clorpirifos a respeito das aberrações cromossómicas e das lesões no ADN, os peritos tinham concluído pela existência de lacunas em matéria de dados para o CLP‑metilo. Indicou então que os peritos estavam de acordo em considerar que as incertezas que daí resultavam deviam ser tidas em conta na avaliação do risco do CLP‑metilo e que, portanto, não se podia excluir a existência de um risco potencial de lesões do ADN. Por outro lado, os peritos e a EFSA não consideraram que os artigos científicos relativos à genotoxicidade do CLP‑metilo deviam ter maior incidência nas suas conclusões do que todos os outros elementos relativos à genotoxicidade do CLP‑metilo. Sem basearem a avaliação dos riscos do CLP‑metilo só nos testes e estudos exigidos pela regulamentação ao requerente, tiveram igualmente em conta toda a literatura científica relevante disponível.
( 1 ) Diretiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1).
( 2 ) Diretiva 2005/72/CE da Comissão, de 21 de outubro de 2005, que altera a Diretiva 91/414/CEE do Conselho com o objetivo de incluir as substâncias ativas clorpirifos, clorpirifos‑metilo, mancozebe, manebe e metirame (JO 2005, L 279, p. 63). A Diretiva 91/414 foi substituída pelo Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414 do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1), nos termos do qual as substâncias ativas incluídas no anexo I da Diretiva 91/414 foram consideradas aprovadas. Essas substâncias passaram a ser enumeradas na parte A do Anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão, de 25 de maio de 2011, que dá execução ao Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito à lista de substâncias ativas aprovadas (JO 2011, L 153, p. 1).
( 3 ) Então denominada Sapec Agro SA.
( 4 ) A aprovação de uma substância ativa é renovada, a pedido, se se verificar que estão preenchidos os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o e no anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, os quais incidem, nomeadamente, sobre o impacto previsível dessas substâncias ativas na saúde humana. A execução do procedimento de renovação de substâncias ativas rege‑se pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 844/2012 da Comissão, de 18 de setembro de 2012, que estabelece as disposições necessárias à execução do procedimento de renovação de substâncias ativas, tal como previsto no Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 2012, L 252, p. 26).
( 5 ) Regulamento de Execução (UE) 2020/17 da Comissão, de 17 de junho de 2019, relativo à não renovação da aprovação da substância ativa clorprofame, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão (JO 2020, L 7, p. 11). A Comissão adotou ainda, em 10 de janeiro de 2020, o Regulamento de Execução (UE) 2020/18, relativo à não renovação da aprovação da substância ativa clorpirifos, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1107/2009, e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 (JO 2020, L 7, p. 14).
( 6 ) V. artigo 13.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.o 844/2012.
( 7 ) V. artigo 12.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009.
( 8 ) Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH), que cria a Agência Europeia das Substâncias Químicas, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO 2006, L 396, p. 1), Anexo XI, ponto 1.5.
( 9 ) V. Anexo I, ponto 1.1.1.3., do Regulamento (CE) n.o 1272/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas, que altera e revoga as Diretivas 67/548/CEE e 1999/45/CE, e altera o Regulamento (CE) n.o 1907/2006 (JO 2008, L 353, p. 1).
( 10 ) Regulamento REACH, artigo 13.o, n.o 1.
( 11 ) Enumeradas na secção 1 do Anexo XI do Regulamento REACH.
( 12 ) V. artigo 4.o