DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

13 de outubro de 2021 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis — Diretiva 2009/103/CE — Contrato de seguro celebrado com base em falsas declarações — Transporte internacional de pessoas e bens não licenciado — Nulidade do contrato de seguro — Oponibilidade aos terceiros lesados e ao organismo encarregado de indemnizar os lesados»

No processo C‑375/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.º TFUE, pelo Tribunal da Relação de Coimbra (Portugal), por Decisão de 11 de maio de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de agosto de 2020, no processo

Liberty Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, SA — Sucursal em Portugal, ex‑Liberty Seguros, SA,

contra

DR,

sendo intervenientes:

Fundo de Garantia Automóvel,

VS,

FN,

JT,

Seguradoras Unidas, SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Sétima Secção, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação da Liberty Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, SA — Sucursal em Portugal, por A. Bessa Monteiro e N. Cunha Rodrigues, advogados,

–        em representação do Fundo de Garantia Automóvel, por G. Ribeiro e T. Andrade, advogados,

–        em representação da Comissão Europeia, por H. Tserepa‑Lacombe e B. Rechena, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de se pronunciar por meio de despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 2009, L 263, p. 11).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Liberty Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, SA — Sucursal em Portugal, ex‑Liberty Seguros, SA (a seguir «Liberty Seguros»), e DR acerca da declaração da nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado entre estas duas partes.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 1, 2 e 20 da Diretiva 2009/103 enunciam:

«(1)      A Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade [(JO 1972, L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113)], a Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis [(JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 244)], a Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis [(JO 1990, L 129, p. 33),] e a Diretiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (Quarta Diretiva sobre o seguro automóvel) [(JO 2000, L 181, p. 65)], foram por diversas vezes alteradas de modo substancial. Por razões de clareza e racionalidade, deverá proceder‑se à codificação dessas quatro diretivas, bem como da Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, que altera as Diretivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/26/CE relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis [(JO 2005, L 149, p. 14)].

(2)      O seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (seguro automóvel) assume especial importância para os cidadãos europeus na qualidade de tomadores de seguros ou vítimas de um acidente. Representa igualmente uma preocupação significativa para as empresas de seguros, uma vez que constitui uma parte importante do seguro não‑vida na Comunidade. O seguro automóvel tem igualmente repercussões sobre a livre circulação das pessoas e veículos. Assim sendo, reforçar e consolidar o mercado interno do seguro automóvel na Comunidade deverá constituir um objetivo importante da intervenção comunitária no domínio dos serviços financeiros.

[...]

(15)      É do interesse das vítimas que os efeitos de certas cláusulas de exclusão sejam limitados às relações entre a seguradora e o responsável pelo acidente. Os Estados‑Membros podem, todavia, prever que, no caso de veículos furtados ou obtidos por meios violentos, o [...] organismo [que garante que a vítima não ficará sem indemnização no caso de o veículo causador do sinistro não estar seguro ou não estar identificado] possa intervir para indemnizar a vítima.

[...]

(20)      Deverá ser garantido que as vítimas de acidentes de veículos automóveis recebam tratamento idêntico, independentemente dos locais da Comunidade onde ocorram os acidentes.»

4        O artigo 3.º da Diretiva 2009/103 dispõe:

«Cada Estado‑Membro, sem prejuízo do artigo 5.º, adota todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro.

As medidas referidas no primeiro parágrafo devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.

[...]

O seguro referido no primeiro parágrafo deve, obrigatoriamente, cobrir danos materiais e pessoais.»

5        O artigo 10.º, n.º 1, primeiro parágrafo, desta diretiva estabelece:

«Cada Estado‑Membro deve criar ou autorizar a criação de um organismo que tenha por função reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais e pessoais causados por veículos não identificados ou relativamente aos quais não tiver sido satisfeita a obrigação de seguro referida no artigo 3.º»

6        O artigo 13.º, n.os 1 e 3, da referida diretiva prevê:

«1.      Cada Estado‑Membro toma todas as medidas adequadas para que, por aplicação do artigo 3.º, seja considerada sem efeito, no que se refere a ações de terceiros vítimas de um sinistro qualquer disposição legal ou cláusula contratual contida numa apólice de seguro, emitida em conformidade com o artigo 3.º e que exclua do seguro a utilização ou a condução de veículos por:

a)      Pessoas que não estejam expressa ou implicitamente autorizadas para o fazer;

b)      Pessoas que não sejam titulares de uma carta de condução que lhes permita conduzir o veículo em causa;

c)      Pessoas que não cumpram as obrigações legais de caráter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo em causa.

Todavia, a disposição ou a cláusula a que se refere a alínea a) do primeiro parágrafo pode ser oponível às pessoas que, por sua livre vontade se encontrassem no veículo causador do sinistro, sempre que a seguradora possa provar que elas tinham conhecimento de que o veículo tinha sido furtado.

Os Estados‑Membros têm a faculdade — relativamente aos sinistros ocorridos no seu território — de não aplicar o disposto no primeiro parágrafo no caso de, e na medida em que, a vítima possa obter a indemnização pelo seu prejuízo através de um organismo de segurança social.

[…]

3.      Cada Estado‑Membro toma as medidas adequadas para que qualquer disposição legal ou cláusula contratual contida numa apólice de seguro que exclua os passageiros dessa cobertura pelo facto de terem conhecimento ou deverem ter tido conhecimento de que o condutor do veículo estava sob a influência do álcool ou de qualquer outra substância tóxica no momento do acidente seja considerada nula no que se refere a esses passageiros.»

 Direito português

7        Em conformidade com o artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 72/2008, de 16 de abril (Diário da República, 1.ª série, n.º 75, de 16 de abril de 2008), sem prejuízo das regras gerais sobre licitude do conteúdo negocial, é proibida a celebração de contrato de seguro que cubra a responsabilidade criminal, contraordenacional ou disciplinar.

8        Por força do artigo 24.º, n.º 1, desse regime jurídico, o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.

9        Segundo o artigo 43.º, n.º 1, do referido regime jurídico, o segurado deve ter um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.

10      Em conformidade com o artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que aprova o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio, que altera as Diretivas n.os 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Diretiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (Diário da República, 1.ª série, n.º 160, de 21 de agosto de 2007), para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente decreto‑lei, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do referido decreto‑lei, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do acidente.

11      Nos termos do artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil, é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.

12      O artigo 294.º do mesmo código enuncia que os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de caráter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

13      Em 27 de agosto de 2015, DR dirigiu‑se à Liberty Seguros para celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel para uma carrinha que, anteriormente, estava segurada por esta companhia de seguros em nome do seu anterior proprietário. DR apresentou‑se como o atual proprietário e condutor habitual dessa carrinha e afirmou que a mesma se destinava ao seu uso particular. DR pretendeu segurar não só o risco da sua responsabilidade civil para si adveniente da circulação da mesma carrinha mas também a quebra isolada de vidros, morte ou incapacidade do condutor, despesas de tratamento do condutor, incapacidade total para o trabalho deste e a assistência em viagem plus.

14      Esta mesma carrinha foi vistoriada, a pedido da Liberty Seguros, por um perito ad hoc.

15      A Liberty Seguros, confiando nas declarações prestadas por DR, cuja veracidade e boa‑fé presumiu, aceitou as coberturas que lhe foram propostas e emitiu a correspondente apólice de seguro automóvel.

16      O contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa foi celebrado por um período de pelo menos um ano, com início a 27 de agosto de 2015. Em contrapartida, DR comprometeu‑se a pagar à Liberty Seguros um prémio anual.

17      Em 9 de setembro de 2015, DR dirigiu‑se a uma agência da Liberty Seguros para pedir uma alteração desse contrato. Sem alterar as garantias e os montantes já em vigor, pretendia que a carrinha até então segurada fosse substituída por outra da mesma marca e modelo.

18      Esta nova carrinha foi vistoriada por JT, um mediador da Liberty Seguros. No termo dessa vistoria, esse mediador verificou, por um lado, que a carrinha em causa tinha a lotação de seis lugares licenciados e homologados, a saber, cinco para passageiros e um para o condutor. Por outro lado, não constatou a instalação de gancho e bola para acoplar reboque na parte traseira dessa carrinha.

19      No impresso relativo à proposta de seguro da carrinha em causa, DR declarou, em primeiro lugar, que subscrevia o contrato de seguro na qualidade de proprietário e de condutor habitual dessa carrinha, em segundo lugar, que esta se destinava ao seu uso particular e, em terceiro lugar, que a mesma estava equipada com seis lugares homologados para o transporte do condutor e de passageiros. DR não declarou pretender segurar qualquer atrelado, deixando em branco o campo desse impresso a tal destinado.

20      DR declarou igualmente que as respostas inseridas no referido impresso correspondiam em absoluto à verdade e que estava ciente da obrigação de, durante a vigência do contrato de seguro em causa, proceder à comunicação de quaisquer alterações de circunstâncias. Além disso, DR declarou que não tinha ocultado nenhuma informação suscetível de influir na decisão da Liberty Seguros quanto ao seguro proposto e que estava ciente da sua obrigação de fornecer com exatidão todas as circunstâncias que conhecesse e razoavelmente tivesse por significativas para a apreciação do risco pela seguradora.

21      Confiando uma vez mais nas declarações prestadas por DR, cuja veracidade e boa‑fé presumiu, a Liberty Seguros aceitou, com efeitos a partir de 9 de setembro de 2015, a alteração de veículo segurado, nas condições de risco já acordadas. Para esse efeito, foi emitida uma ata adicional ao contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa.

22      Em 24 de março de 2016, a carrinha em causa, conduzida pelo sobrinho de DR, que era portador de uma carta de condução não profissional, teve um acidente em França, no qual perderam a vida doze cidadãos portugueses que provinham da Suíça com destino ao seu país de origem.

23      Cada um desses passageiros pagou ou propôs‑se pagar a DR uma quantia não inferior a 100 euros pela viagem que estavam a efetuar.

24      No momento do acidente, a carrinha em causa puxava um atrelado com 1300 kg de peso bruto (em vazio). Esse atrelado estava carregado com uma parte das bagagens dos passageiros. O referido atrelado não estava coberto pelo contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre DR e a Liberty Seguros.

25      À data do acidente, a carrinha em causa possuía quatro filas de bancos, cada uma com três bancos, sendo a última delas amovível. Os passageiros vinham comprimidos juntamente com as respetivas bagagens. Entre os passageiros, três que iam na última fila de bancos e uma criança que viajava ao colo não tinham cinto de segurança, uma vez que os bancos desta fila não estavam equipados com os mesmos. Esta carrinha também não dispunha de um sistema de registo dos períodos de condução.

26      Em consequência do acidente, correu termos em França um processo‑crime contra DR e o seu sobrinho.

27      Só após 25 de março de 2016 é que a Liberty Seguros veio a saber que DR, quando propôs a substituição da carrinha objeto do contrato de seguro, não pretendia utilizá‑la para fins particulares, mas para outro, destinando‑a ao transporte internacional oneroso de cidadãos portugueses e de mercadorias entre a Suíça e Portugal.

28      DR dedicava‑se a esta atividade, pelo menos, desde abril de 2015, de forma não licenciada. Atividade em que utilizava, pelo menos, três viaturas. O sobrinho de DR efetuou, pelo menos, 20 viagens de ida e volta, entre a Suíça e Portugal, com um veículo diferente da carrinha em causa. DR procedia à publicitação da sua atividade profissional em diversos locais do concelho vizinho onde JT, o mediador da Liberty Seguros, tinha domicílio.

29      Resulta da decisão de reenvio que DR sabia que, se tivesse comunicado à Liberty Seguros a atividade a que se dedicava, esta companhia de seguros nunca teria aceitado celebrar o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa.

30      Nestas condições, a Liberty Seguros intentou no Tribunal da Comarca da Guarda (Portugal) uma ação contra DR, invocando a nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa.

31      DR não contestou a ação.

32      O Fundo de Garantia Automóvel (a seguir «FGA») apresentou um articulado de intervenção e concluiu pela improcedência da ação. O FGA deduziu ainda reconvenção pedindo que a eventual anulabilidade ou nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado com DR fosse declarada inoponível aos lesados e ao FGA.

33      O Tribunal da Comarca da Guarda admitiu o pedido de intervenção do FGA. O referido órgão jurisdicional admitiu igualmente o pedido reconvencional daquele organismo.

34      A Liberty Seguros concluiu pela improcedência da reconvenção. Para tanto, sustentou que a anulabilidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa podia ser oposta aos terceiros lesados.

35      O Tribunal da Comarca da Guarda admitiu vários outros intervenientes no litígio que lhe foi submetido.

36      Mediante um novo articulado, mantendo tudo quanto tinha alegado na petição inicial, a Liberty Seguros requereu a alteração do pedido. Esta sociedade pediu a esse órgão jurisdicional, a título principal, a declaração de nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa e a declaração da oponibilidade dessa nulidade e, a título subsidiário, que fosse decretada a anulação do mesmo, caso o referido contrato não viesse a ser considerado nulo.

37      Exercido o contraditório com os demais sujeitos processuais, o referido órgão jurisdicional admitiu a alteração do pedido da Liberty Seguros.

38      O Tribunal da Comarca da Guarda julgou a ação da Liberty Seguros parcialmente procedente.

39      Aquele tribunal declarou, por um lado, a anulabilidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa, devido, nomeadamente, às falsas declarações prestadas por DR à Liberty Seguros. Por outro lado, o mesmo tribunal declarou a nulidade do contrato pelo facto de o interesse do segurado, no que respeita ao risco coberto, não ser digno de proteção legal. Com efeito, esse mesmo tribunal considerou que, uma vez que DR propôs a celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que tinha por objeto riscos resultantes da circulação de um veículo automóvel por ele afetado ao exercício de uma atividade ilegal, o risco coberto não reflete um interesse digno de proteção legal, pelo que esse contrato era nulo.

40      Nestas condições, o Tribunal da Comarca da Guarda declarou que, nos termos dos artigos 22.º e 54.º, n.os 3 e 4, do Decreto‑Lei n.º 291/2007, lidos à luz do Decreto‑Lei n.º 72/2008, que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro, a nulidade e a anulabilidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa são, em princípio, oponíveis aos terceiros lesados e ao FGA.

41      Todavia, o referido órgão jurisdicional considerou que a oponibilidade da nulidade e da anulabilidade desse contrato aos lesados e ao FGA não é compatível com as exigências do direito da União, nomeadamente com as do artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 72/166 e do artigo 2.º, n.º 1, da Segunda Diretiva 84/5.

42      A Liberty Seguros interpôs recurso da sentença do Tribunal da Comarca da Guarda para o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal da Relação de Coimbra (Portugal).

43      O órgão jurisdicional observa que tem de se pronunciar sobre a questão de saber se a nulidade e a anulabilidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa são ou não oponíveis aos terceiros.

44      A este respeito, aquele órgão jurisdicional salienta que a constatação do Tribunal da Comarca da Guarda segundo a qual a nulidade e a anulabilidade desse contrato são inoponíveis aos terceiros lesados e ao FGA resulta de uma divergência na jurisprudência nacional sobre a nulidade dos contratos relativa à interpretação do artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 291/2007 e dos artigos 428.º e 429.º do Código Comercial, em virtude da qual o Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) submeteu ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial única no processo que deu origem ao Acórdão de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros (C‑287/16, EU:C:2017:575).

45      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça em matéria de seguro de responsabilidade civil automóvel, incluindo aquele acórdão, não responde à questão de saber se a oponibilidade da nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, como o que está em causa no processo principal, é contrária ao direito da União. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o processo que deu origem ao Acórdão de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros (C‑287/16, EU:C:2017:575), dizia respeito à anulabilidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel resultante de falsas declarações iniciais do tomador do seguro sobre a identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo em causa ou à nulidade desse contrato devido ao facto de a pessoa por quem ou em nome de quem esse contrato de seguro havia sido celebrado não ter um interesse digno de proteção legal no que se refere ao risco coberto. Foi neste contexto que o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 72/166 e o artigo 2.º, n.º 1, da Segunda Diretiva 84/5 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados a nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, nulidade essa que resulta desse tipo de falsas declarações ou desse tipo de factos.

46      Ora, no processo principal, ao contrário do processo que deu origem ao referido acórdão, o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em causa foi celebrado com vista a cobrir o risco resultante de uma atividade ilegal, a saber, o transporte internacional não licenciado nem autorizado de pessoas e mercadorias entre Portugal e a Suíça. O órgão jurisdicional de reenvio considera, portanto, que essa atividade ilegal não pode ser qualificada de «interesse digno de proteção legal». Além disso, o mesmo órgão jurisdicional observa que, segundo a Liberty Seguros, no caso em apreço, os passageiros não podiam ignorar o caráter ilegal da atividade de DR.

47      Embora considere que os ensinamentos decorrentes do Acórdão de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros (C‑287/16, EU:C:2017:575), não respondem às suas interrogações, o órgão jurisdicional de reenvio entende que o n.º 35 do referido acórdão pode ter interesse na medida em que resulta deste número que o artigo 4.º, n.º 1, da Segunda Diretiva 84/5 impõe que cada Estado‑Membro crie ou autorize um organismo que tenha por objetivo reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais ou corporais causados por veículos não identificados ou não segurados. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o facto de, em Portugal, o FGA poder, em princípio, pagar uma indemnização a um lesado de um acidente de viação não obsta à inoponibilidade a esse lesado da nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que resulte de falsas declarações iniciais do tomador do seguro ou do facto de a pessoa por quem ou em nome de quem esse contrato de seguro foi celebrado não ter um interesse económico na celebração do referido contrato.

48      Foi nestas condições que o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O direito [da União], designadamente a Diretiva 2009/1038 [...], opõe‑se a uma legislação nacional que permite a oponibilidade aos terceiros lesados e ao [FGA] da nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel quando tal nulidade decorra da circunstância do tomador de seguro destinar a circulação do veículo objeto do contrato ao exercício de transporte oneroso, clandestino e ilícito de pessoas e mercadorias, e haja ocultado tal finalidade à seguradora? Mesmo na circunstância dos passageiros conhecerem a clandestinidade e ilicitude desse transporte?»

 Quanto à questão prejudicial

49      Em conformidade com o artigo 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando uma questão submetida a título prejudicial for idêntica a uma questão sobre a qual o Tribunal de Justiça já se tenha pronunciado, quando a resposta a essa questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

50      Esta disposição deve ser aplicada no âmbito do presente reenvio prejudicial.

51      A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.º TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. A circunstância de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado uma questão prejudicial com base em certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.º 35 e jurisprudência referida).

52      No caso em apreço, tendo em conta todos os elementos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio assim como as observações apresentadas pela Liberty Seguros, pelo FGA e pela Comissão Europeia, importa reformular a questão submetida, para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio elementos de interpretação úteis.

53      Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.º, primeiro parágrafo, e o artigo 13.º, n.º 1, da Diretiva 2009/103 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados de um acidente de circulação de veículos automóveis a nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel resultante do exercício, pelo tomador do seguro, de uma atividade comercial de transporte internacional não licenciado e das omissões ou das falsas declarações prestadas pelo tomador do seguro à companhia de seguros no momento da celebração desse contrato, mesmo que as vítimas fossem passageiros que não podiam ignorar essa falta de licenciamento.

54      A este respeito, cabe recordar, antes de mais, que, como enuncia o considerando 1 da Diretiva 2009/103, esta codificou a Diretiva 72/166, a Segunda Diretiva 84/5, a Terceira Diretiva 90/232, a Diretiva 2000/26 e a Diretiva 2005/14. Estas diretivas vieram progressivamente precisar as obrigações dos Estados‑Membros em matéria de seguro obrigatório. Tendiam, por um lado, a assegurar a livre circulação quer dos veículos com estacionamento habitual no território da União quer das pessoas que neles viajam e, por outro, a garantir que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos receberão tratamento idêntico, independentemente do local do território da União onde o acidente tenha ocorrido (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Núñez Torreiro, C‑334/16, EU:C:2017:1007, n.º 25).

55      Em substância, decorre dos considerandos 2 e 20 da Diretiva 2009/103 que esta prossegue os mesmos objetivos (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Núñez Torreiro, C‑334/16, EU:C:2017:1007, n.º 26).

56      Além disso, decorre da evolução da regulamentação da União em matéria de seguro obrigatório que o objetivo de proteção das vítimas de acidentes causados por esses veículos foi constantemente prosseguido e reforçado pelo legislador da União (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Núñez Torreiro, C‑334/16, EU:C:2017:1007, n.º 27 e jurisprudência referida).

57      O artigo 3.º da Diretiva 2009/103 impõe aos Estados‑Membros que assegurem que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro, precisando, nomeadamente, os tipos de danos e os terceiros lesados que esse seguro deve cobrir (Despacho de 11 de dezembro de 2019, Bueno Ruiz e Zurich Insurance, C‑431/18, não publicado, EU:C:2019:1082, n.º 30 e jurisprudência referida).

58      No que respeita aos direitos reconhecidos aos terceiros lesados, o artigo 3.º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103 opõe‑se a que uma companhia de seguros de responsabilidade civil automóvel possa invocar disposições legais ou cláusulas contratuais para recusar indemnizar os terceiros lesados de um acidente causado por um veículo segurado (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros, C‑287/16, EU:C:2017:575, n.º 24 e jurisprudência referida).

59      Cabe salientar que o artigo 13.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103 mais não faz do que recordar esta obrigação no que respeita às disposições legais ou às cláusulas contratuais de uma apólice de seguro referida neste artigo que excluam da cobertura do seguro de responsabilidade civil automóvel os danos causados aos terceiros lesados em virtude da utilização ou da condução do veículo segurado por pessoas não autorizadas a conduzi‑lo, por pessoas que não sejam titulares de uma carta de condução ou por pessoas que não cumpram as obrigações legais de caráter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do referido veículo (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros, C‑287/16, EU:C:2017:575, n.º 25 e jurisprudência referida).

60      Em derrogação a essa obrigação, o artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/103 prevê que certos lesados poderão não ser indemnizados pela companhia de seguros, tendo em conta a situação que eles próprios tenham criado, a saber, as pessoas que por sua livre vontade se encontravam no veículo causador do sinistro, quando a seguradora prove que sabiam que esse veículo tinha sido furtado (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros, C‑287/16, EU:C:2017:575, n.º 26).

61      A este respeito, há que salientar que, uma vez que o artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/103 estabelece uma derrogação à regra geral, essa disposição deve ser objeto de interpretação estrita (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2005, Candolin e o., C‑537/03, EU:C:2005:417, n.º 21).

62      Qualquer outra interpretação permitiria aos Estados‑Membros limitar a indemnização dos terceiros lesados de um acidente de viação a certos casos, situação que a Diretiva 2009/103 tem precisamente por objetivo evitar (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2005, Candolin e o., C‑537/03, EU:C:2005:417, n.º 22).

63      Daqui decorre que o artigo 13.º, n.º 1, primeiro parágrafo, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que uma disposição legal ou uma cláusula contratual constante de uma apólice de seguro que exclua do seguro a utilização ou a condução de veículos só é oponível aos terceiros lesados de um acidente de viação quando a seguradora prove que as pessoas que por sua livre vontade se encontravam no veículo causador do sinistro sabiam que esse veículo tinha sido furtado (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de junho de 2005, Candolin e o., C‑537/03, EU:C:2005:417, n.º 23, e de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros, C‑287/16, EU:C:2017:575, n.º 26 e jurisprudência referida).

64      No que respeita à recusa do direito a indemnização, por uma companhia de seguros, devido à oponibilidade aos terceiros da nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel resultante do exercício, pelo tomador do seguro, de uma atividade comercial de transporte internacional não licenciado e das omissões ou das falsas declarações prestadas por este à companhia de seguros no momento da celebração desse contrato, resulta do objetivo e da letra da Diretiva 2009/103 que esta não visa harmonizar as condições legais de validade dos contratos de seguro e que, no estado atual do direito da União, os Estados‑Membros são livres de determinar essas condições (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros, C‑287/16, EU:C:2017:575, n.º 31).

65      No entanto, os Estados‑Membros são obrigados a garantir que o seguro automóvel obrigatório permita que todos os passageiros vítimas de um acidente causado por um veículo sejam indemnizados pelos danos que tenham sofrido. Decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados‑Membros devem exercer as suas competências neste domínio no respeito do direito da União e que as disposições nacionais que regulam a indemnização devida por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem privar a Diretiva 2009/103 do seu efeito útil (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de junho de 2005, Candolin e o., C‑537/03, EU:C:2005:417, n.os 27 e 28, e de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros, C‑287/16, EU:C:2017:575, n.º 32).

66      Com efeito, esta diretiva ficaria privada do seu efeito útil se, com base apenas na nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel resultante do exercício, pelo tomador do seguro, de uma atividade comercial de transporte internacional não licenciado e das omissões ou das falsas declarações feitas por este perante a companhia de seguros no momento da celebração desse contrato, uma regulamentação nacional recusasse aos passageiros o direito de serem indemnizados pelo seguro automóvel obrigatório devido à oponibilidade dessa nulidade, ainda que esses passageiros não pudessem ignorar a falta de licenciamento.

67      Isto é tanto mais assim quanto, como resulta do artigo 13.º, n.os 1 e 3, da Diretiva 2009/103, o legislador da União não excluiu da cobertura do seguro os terceiros vítimas de um sinistro em situações diferentes da prevista no artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, desta diretiva que podem igualmente ser qualificadas de ilegais, como a utilização ou a condução de um veículo segurado por pessoas que não sejam titulares de uma carta de condução ou por pessoas que não cumpram as obrigações legais de caráter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do referido veículo ou quando o condutor do veículo esteja sob o efeito do álcool ou de qualquer outra substância tóxica no momento do acidente.

68      Por conseguinte, deve‑se considerar que disposições nacionais como as que estão em causa no processo principal são suscetíveis de determinar que os terceiros lesados não sejam indemnizados em situações diferentes da prevista no artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da referida diretiva e, por conseguinte, prejudicar o seu efeito útil.

69      Esta interpretação não pode ser posta em causa pela possibilidade de o FGA pagar uma indemnização aos lesados. Com efeito, a intervenção do organismo mencionado no artigo 10.º, n.º 1, da Diretiva 2009/103 foi concebida como uma medida de último recurso, prevista unicamente para o caso de os danos serem causados por um veículo relativamente ao qual não tenha sido cumprida a obrigação de seguro referida no artigo 3.º desta diretiva, isto é, um veículo relativamente ao qual não há contrato de seguro (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, Fidelidade‑Companhia de Seguros, C‑287/16, EU:C:2017:575, n.º 35 e jurisprudência referida).

70      Além disso, não se pode sustentar que, numa situação em que o tomador do seguro tivesse ocultado a atividade real que pretendia exercer com o veículo em causa e em que os passageiros não pudessem ignorar o caráter ilegal do serviço prestado pelo tomador do seguro, o direito da União está a ser invocado com o objetivo de contornar o direito interno para dele tirar uma vantagem que conflitua com as finalidades do direito da União.

71      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 3.º, primeiro parágrafo, e o artigo 13.º, n.º 1, da Diretiva 2009/103 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados de um acidente de circulação de veículos automóveis a nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel resultante do exercício, pelo tomador do seguro, de uma atividade comercial de transporte internacional não licenciado e das omissões ou das falsas declarações por ele prestadas à companhia de seguros no momento da celebração desse contrato, mesmo que os terceiros vítimas do acidente fossem passageiros que não podiam ignorar essa falta de licenciamento.

 Quanto às despesas

72      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 3.º, primeiro parágrafo, e o artigo 13.º, n.º 1, da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados de um acidente de circulação de veículos automóveis a nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel resultante do exercício, pelo tomador do seguro, de uma atividade comercial de transporte internacional não licenciado e das omissões ou das falsas declarações por ele prestadas à companhia de seguros no momento da celebração desse contrato, mesmo que os terceiros vítimas do acidente fossem passageiros que não podiam ignorar essa falta de licenciamento.

Assinaturas


*      Língua do processo: português.