ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de novembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Detenção de nacionais de países terceiros — Direito fundamental à liberdade — Artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Requisitos de legalidade da detenção — Diretiva 2008/115/CE — Artigo 15.o — Diretiva 2013/33/UE — Artigo 9.o — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Artigo 28.o — Fiscalização da legalidade da detenção e da manutenção de uma medida de detenção — Exame oficioso — Direito fundamental a um recurso jurisdicional efetivo — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais»

Nos processos apensos C‑704/20 e C‑39/21,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) e pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch, Países Baixos), por Decisões, respetivamente, de 23 de dezembro de 2020 e de 26 de janeiro de 2021, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 23 de dezembro de 2020 e 26 de janeiro de 2021, nos processos

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid

contra

C,

B (C‑704/20),

e

X

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (C‑39/21),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, C. Lycourgos (relator), E. Regan e L. S. Rossi, presidentes de Secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl, M. Gavalec, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 1 de março de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de C e de B, por P. H. Hillen, advocaat,

em representação de X, por C. F. Wassenaar, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e P. Huurnink, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma, C. Cattabriga e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de junho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98), dos artigos 9.o e 21.o da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96), e dos artigos 6.o e 28.o do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31), em conjugação com os artigos 6.o, 24.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem B, C e X, nacionais de países terceiros, ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos; a seguir «Secretário de Estado») a respeito da legalidade de medidas de detenção relativas a estas três pessoas.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2008/115

3

O artigo 1.o da Diretiva 2008/115, sob a epígrafe «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito [da União] e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.»

4

O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

9.

“Pessoas vulneráveis”, menores, menores não acompanhados, pessoas com deficiência, idosos, grávidas, famílias monoparentais com filhos menores e pessoas que tenham sido vítimas de tortura, violação ou outras formas graves de violência psicológica, física ou sexual.»

5

O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Disposições mais favoráveis», enuncia, no seu n.o 3:

«A presente diretiva não prejudica o direito dos Estados‑Membros de aprovarem ou manterem disposições mais favoráveis relativamente às pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, desde que essas disposições sejam compatíveis com o disposto na presente diretiva.»

6

O artigo 15.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Detenção», prevê:

«1.   A menos que no caso concreto possam ser aplicadas com eficácia outras medidas suficientes mas menos coercivas, os Estados‑Membros só podem manter detidos nacionais de países terceiros objeto de procedimento de regresso, a fim de preparar o regresso e/ou efetuar o processo de afastamento, nomeadamente quando:

a)

Houver risco de fuga; ou

b)

O nacional de país terceiro em causa evitar ou entravar a preparação do regresso ou o procedimento de afastamento.

A detenção tem a menor duração que for possível, sendo apenas mantida enquanto o procedimento de afastamento estiver pendente e for executado com a devida diligência.

2.   A detenção é ordenada por autoridades administrativas ou judiciais.

A detenção é ordenada por escrito com menção das razões de facto e de direito.

Quando a detenção tiver sido ordenada por autoridades administrativas, os Estados‑Membros:

a)

Preveem o controlo jurisdicional célere da legalidade da detenção, a decidir o mais rapidamente possível a contar do início da detenção; ou

b)

Concedem ao nacional de país terceiro em causa o direito de intentar uma ação através da qual a legalidade da sua detenção seja objeto de controlo jurisdicional célere, a decidir o mais rapidamente possível a contar da instauração da ação em causa. Neste caso, os Estados‑Membros informam imediatamente o nacional de país terceiro em causa sobre a possibilidade de intentar tal ação.

O nacional de país terceiro em causa é libertado imediatamente se a detenção for ilegal.

3.   Em todo o caso, a detenção é objeto de reapreciação a intervalos razoáveis, quer a pedido do nacional de país terceiro em causa, quer oficiosamente. No caso de períodos de detenção prolongados, as reapreciações são objeto de fiscalização pelas autoridades judiciais.

4.   Quando, por razões de natureza jurídica ou outra ou por terem deixado de se verificar as condições enunciadas no n.o 1, se afigure já não existir uma perspetiva razoável de afastamento, a detenção deixa de se justificar e a pessoa em causa é libertada imediatamente.

5.   A detenção mantém‑se enquanto se verificarem as condições enunciadas no n.o 1 e na medida do necessário para garantir a execução da operação de afastamento. Cada Estado‑Membro fixa um prazo limitado de detenção, que não pode exceder os seis meses.

6.   Os Estados‑Membros não podem prorrogar o prazo a que se refere o n.o 5, exceto por um prazo limitado que não exceda os doze meses seguintes, de acordo com a lei nacional, nos casos em que, independentemente de todos os esforços razoáveis que tenham envidado, se preveja que a operação de afastamento dure mais tempo, por força de:

a)

Falta de cooperação do nacional de país terceiro em causa; ou

b)

Atrasos na obtenção da documentação necessária junto de países terceiros.»

Diretiva 2013/33

7

O artigo 1.o da Diretiva 2013/33, sob a epígrafe «Objetivo», dispõe:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional […] nos Estados‑Membros.»

8

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

h)

“Detenção”, qualquer medida de reclusão de um requerente por um Estado‑Membro numa zona especial, no interior da qual o requerente é privado da liberdade de circulação.»

9

O artigo 8.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Detenção», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros não podem manter uma pessoa detida pelo simples motivo de ela ser requerente nos termos da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional [(JO 2013, L 180, p. 60)].

2.   Quando se revele necessário, com base numa apreciação individual de cada caso, os Estados‑Membros podem manter os requerentes detidos se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas.

3.   Os requerentes só podem ser detidos:

a)

Para determinar ou verificar a respetiva identidade ou nacionalidade;

b)

Para determinar os elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional que não poderiam obter‑se sem essa detenção, designadamente se houver risco de fuga do requerente;

c)

Para determinar, no âmbito de um procedimento, o direito de o requerente entrar no território;

d)

Se o requerente detido estiver sujeito a um processo de retorno, ao abrigo da [Diretiva 2008/115], para preparar o regresso e/ou executar o processo de afastamento, e se o Estado‑Membro puder demonstrar, com base em critérios objetivos, designadamente que o requerente já teve oportunidade de aceder ao procedimento de asilo, que há fundamentos razoáveis para crer que o seu pedido de proteção internacional tem por único intuito atrasar ou frustrar a execução da decisão de regresso;

e)

Se a proteção da segurança nacional e da ordem pública o exigirem;

f)

Nos termos do artigo 28.o do [Regulamento n.o 604/2013].

Os fundamentos da detenção devem ser previstos no direito nacional.

4.   Os Estados‑Membros asseguraram que o direito nacional estabelece normas relativas às medidas alternativas à detenção, como a apresentação periódica às autoridades, o depósito de uma caução ou a obrigação de permanecer em determinado lugar.»

10

O artigo 9.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Garantias dos requerentes detidos», prevê:

«1.   A detenção de um requerente deve ter a duração mais breve possível e só pode ser mantida enquanto forem aplicáveis os fundamentos previstos no artigo 8.o, n.o 3.

Os procedimentos administrativos relativos aos fundamentos da detenção previstos no artigo 8.o, n.o 3, devem ser executados com a devida diligência. Os atrasos nos procedimentos administrativos que não se devam ao requerente não podem justificar a prorrogação da detenção.

2.   A detenção dos requerentes deve ser ordenada por escrito pelas autoridades judiciais ou administrativas. A ordem de detenção deve indicar os motivos de facto e de direito em que se baseia.

3.   Se a detenção for ordenada por uma autoridade administrativa, os Estados‑Membros submetem a legalidade da detenção a um controlo judicial acelerado, que se efetua oficiosamente e/ou a pedido do requerente. No caso do controlo oficioso, a decisão deve ser tomada o mais rapidamente possível a contar do início da detenção. No caso do controlo a pedido do requerente, a decisão deve ser tomada o mais rapidamente possível a partir do início dos procedimentos correspondentes. Para o efeito, os Estados‑Membros definem, no direito nacional, um prazo para a realização do controlo judicial oficioso e/ou do controlo judicial a pedido do requerente.

Se, na sequência do controlo judicial, a detenção for declarada ilegal, o requerente em causa deve ser libertado imediatamente.

4.   Os requerentes detidos são imediatamente informados por escrito, numa língua que compreendam ou seja razoável presumir que compreendam, dos motivos da sua detenção e dos meios previstos no direito nacional para contestar a decisão de detenção, bem como da possibilidade de solicitarem assistência jurídica e representação legal a título gratuito.

5.   A detenção deve ser reapreciada por uma autoridade judicial a intervalos razoáveis, oficiosamente e/ou a pedido do requerente em causa, especialmente nos casos de duração prolongada ou se sobrevierem circunstâncias relevantes ou novas informações passíveis de comprometer a legalidade da detenção.

6.   Em caso de controlo judicial da ordem de detenção prevista no n.o 3, os Estados‑Membros asseguram o acesso gratuito dos requerentes a assistência jurídica e representação legal. Estas devem incluir, pelo menos, a preparação dos documentos processuais exigidos e a participação, em nome do requerente, nas audiências perante as autoridades judiciais.

[…]»

11

O artigo 21.o da Diretiva 2013/33, sob a epígrafe «Princípio geral», dispõe:

«No âmbito do direito nacional de transposição da presente diretiva, os Estados‑Membros devem ter em conta a situação das pessoas vulneráveis, designadamente menores […]»

Regulamento n.o 604/2013

12

O artigo 1.o do Regulamento n.o 604/2013, sob a epígrafe «Objeto», enuncia:

«O presente regulamento estabelece os critérios e mecanismos para a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida […]»

13

O artigo 6.o deste regulamento, sob a epígrafe «Garantias dos menores», prevê, no seu n.o 1:

«O interesse superior da criança deve constituir um aspeto fundamental a ter em conta pelos Estados‑Membros relativamente a todos os procedimentos previstos no presente regulamento.»

14

O artigo 28.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Retenção», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros não devem manter uma pessoa em regime de detenção pelo simples facto de essa pessoa estar sujeita ao procedimento estabelecido pelo presente regulamento.

2.   Caso exista um risco importante de que uma pessoa fuja, os Estados‑Membros podem reter essa pessoa a fim de garantir os procedimentos de transferência de acordo com o presente regulamento se existir um risco significativo de fuga, com base numa apreciação individual e apenas na medida em que a retenção seja proporcional, se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas.

3.   A retenção deve ser o mais curta possível, não devendo exceder o tempo razoavelmente necessário para cumprir, com a diligência devida, as formalidades administrativas requeridas até que seja efetuada a transferência ao abrigo do presente regulamento.

Se a pessoa estiver retida nos termos do presente artigo, o prazo para a apresentação de um pedido de tomada ou retomada a cargo não deve ser superior a um mês a contar da apresentação do pedido. Nesses casos, o Estado‑Membro que conduz o procedimento de acordo com o presente regulamento solicita uma resposta urgente ao pedido. A resposta deve ser dada no prazo de duas semanas a contar da receção do pedido. A falta de resposta no prazo de duas semanas equivale à aceitação do pedido e tem como consequência a obrigação de tomada ou retomada a cargo da pessoa, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.

Se a pessoa estiver retida em aplicação do presente artigo, a sua transferência do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável deve ser efetuada logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis semanas após a aceitação implícita ou explícita do pedido de tomada ou retomada a cargo por outro Estado‑Membro […]

Se o Estado‑Membro requerente não cumprir os prazos previstos para a apresentação de um pedido de tomada ou retomada a cargo ou se a transferência não for efetuada no referido prazo de seis semanas referido no terceiro parágrafo, a pessoa deixa de estar em regime de retenção. […]

4.   No que se refere às condições de retenção e às garantias aplicáveis às pessoas em regime de retenção, a fim de garantir os procedimentos de transferência para o Estado‑Membro responsável, são aplicáveis os artigos 9.o, 10.o e 11.o da [Diretiva 2013/33].»

Direito neerlandês

Vw

15

O artigo 59.o, n.o 1, alínea a), da wet tot algehele herziening van de Vreemdelingenwet (Vreemdelingenwet 2000) (Lei dos Estrangeiros de 2000), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 495), conforme alterada com efeitos a partir de 31 de dezembro de 2011 para transposição da Diretiva 2008/115 para o direito neerlandês (a seguir «Vw»), estabelece que o cidadão estrangeiro em situação irregular pode, se o interesse da ordem pública ou da segurança nacional o exigir, ser colocado em detenção pelo Secretário de Estado com vista ao seu afastamento do território neerlandês.

16

O artigo 59.oa da Vw dispõe que os cidadãos estrangeiros aos quais se aplica o Regulamento n.o 604/2013 podem, no respeito pelo artigo 28.o desse regulamento, ser detidos com vista à sua transferência para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional apresentado no território neerlandês.

17

O artigo 59.ob da Vw prevê que alguns cidadãos estrangeiros que requereram uma autorização de residência podem ser detidos se tal for necessário para verificar a identidade ou a nacionalidade do requerente ou para obter outros elementos necessários para a apreciação do pedido, em especial se houver risco de evasão.

18

O artigo 91.o, n.o 2, da Vw enuncia:

«Se o [Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), decidindo em sede de recurso,] considerar que uma acusação invocada não conduz à anulação, pode limitar‑se a essa apreciação na fundamentação da sua decisão.»

19

O artigo 94.o da Vw tem a seguinte redação:

«1.   Após ter tomado uma decisão que aplica uma medida privativa de liberdade referida nos artigos […] 59.o, 59.oa e 59.ob, o [Secretário de Estado] informará disso o [tribunal competente], o mais tardar, vinte e oito dias após a notificação dessa decisão, exceto se o próprio cidadão estrangeiro já tiver interposto recurso. Assim que o tribunal for informado, presume‑se que o cidadão estrangeiro interpôs recurso da decisão que lhe aplicou uma medida privativa de liberdade. O recurso visa igualmente a obtenção de uma indemnização.

[…]

4.   O tribunal fixa de imediato a data da audiência. A audiência terá lugar o mais tardar catorze dias a contar da receção da petição de recurso ou da informação do Secretário de Estado. […]

[…]

6.   Se considerar que a aplicação ou a execução da medida em causa é contrária à presente lei ou se considerar, após ter ponderado todos os interesses em presença, que esta medida não é justificada, o tribunal dará provimento ao recurso. Nesse caso, ordena o levantamento da medida ou a alteração das suas modalidades de execução.

[…]»

Awb

20

O artigo 8:69 da wet houdende algemene regels van bestuursrecht (Algemene wet bestuursrecht) [Lei que Aprova as Regras Gerais do Direito Administrativo (Lei Geral Administrativa)], de 4 de junho de 1992 (Stb. 1992, n.o 315), na versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «Awb»), dispõe:

«1.   O órgão jurisdicional decide com base no recurso, na documentação apresentada, na instrução prévia e no exame do processo na audiência.

2.   O órgão jurisdicional completa oficiosamente os fundamentos de direito.

3.   O órgão jurisdicional pode completar oficiosamente os factos.»

21

Nos termos do artigo 8:77 da Awb:

«1.   A decisão escrita indica:

[…]

b. Os fundamentos da decisão,

[…]»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processos relativos a B e C (C‑704/20)

22

B, de nacionalidade argelina, manifestou a sua intenção de apresentar um pedido de proteção internacional nos Países Baixos. Por Decisão de 3 de junho de 2019, o Secretário de Estado colocou‑o em detenção ao abrigo do artigo 59.ob da Vw, a fim de estabelecer a sua identidade e obter os elementos necessários para a apreciação deste pedido.

23

B interpôs recurso dessa decisão no rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch, Países Baixos).

24

Por Sentença de 18 de junho de 2019, esse tribunal, sem se pronunciar sobre os fundamentos invocados nesse recurso, deu‑lhe provimento com o fundamento, não invocado por B, de que o Secretário de Estado não tinha atuado com toda a diligência requerida. O referido tribunal ordenou, por conseguinte, o levantamento da medida de detenção decretada contra B e atribuiu uma indemnização ao interessado.

25

C é nacional da Serra Leoa. Por Decisão de 5 de junho de 2019, o Secretário de Estado, com base no artigo 59.oa da Vw, colocou‑o em detenção, com vista à sua transferência para Itália em aplicação do Regulamento n.o 604/2013.

26

C interpôs recurso dessa decisão no rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch).

27

Por Sentença de 19 de junho de 2019, esse tribunal julgou improcedentes os fundamentos invocados por C, mas deu provimento a esse recurso com base no facto de o Secretário de Estado não ter organizado a transferência do interessado para Itália com toda a diligência requerida. O referido tribunal ordenou, por conseguinte, o levantamento da medida de detenção decretada contra C e atribuiu uma indemnização a este último.

28

O Secretário de Estado interpôs recurso das sentenças mencionadas nos n.os 24 e 27 do presente acórdão no Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional). Este último pretende que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a tese defendida por B e C, bem como por alguns órgãos jurisdicionais neerlandeses, de que o direito da União obriga os tribunais a examinar oficiosamente todos os requisitos que uma medida de detenção deve cumprir para ser legal.

29

No que respeita precisamente ao direito da União, o órgão jurisdicional de reenvio constata, antes de mais, que B e C residiam regularmente nos Países Baixos quando foram colocados em detenção. Considerando, em consequência, que as regras pertinentes em matéria de detenção são, nos presentes casos, as contidas na Diretiva 2013/33 e no Regulamento n.o 604/2013, esse órgão jurisdicional pretende, além disso, que a Diretiva 2008/115 seja tida em conta no âmbito do exame da questão submetida.

30

O referido órgão jurisdicional explica, em seguida, que, nos Países Baixos, a detenção prevista nesses instrumentos de direito da União é regulada pelo direito processual administrativo, o qual, em princípio, não permite que os tribunais neerlandeses examinem oficiosamente se a medida de detenção em causa cumpre os requisitos de legalidade cuja inobservância não seja invocada pelo interessado. A única exceção a esse princípio consiste na fiscalização do respeito pelas normas de ordem pública, como as relativas à competência e ao acesso à justiça.

31

O órgão jurisdicional de reenvio observa que os requisitos de legalidade de uma medida de detenção que vise um nacional de um país terceiro são numerosos. Estes requisitos dizem respeito, nomeadamente, à interpelação do interessado, à verificação da sua identidade, nacionalidade e direito de residência, ao direito à assistência consular, jurídica e linguística do interessado, aos direitos de defesa deste último, à existência de um risco de fuga ou de evasão aos controlos, à perspetiva de um afastamento ou de uma transferência do mesmo, à diligência demonstrada pelo Secretário de Estado, à assinatura e à data de adoção dessa medida de detenção, bem como à questão de saber se a referida medida de detenção é conforme com o princípio da proporcionalidade.

32

Esse órgão jurisdicional considera que a obrigação de examinar oficiosamente todos esses requisitos de legalidade não decorre do direito da União. Resulta do Acórdão de 7 de junho de 2007, van der Weerd e o. (C‑222/05 a C‑225/05, EU:C:2007:318), que o direito da União não obriga o juiz a verificar oficiosamente, no âmbito de um processo relativo à legalidade de um ato administrativo, se foram respeitadas as regras deste direito, a menos que estas ocupem, no ordenamento jurídico da União, um lugar comparável às regras de ordem pública ou que seja impossível às partes invocar um fundamento relativo à violação do referido direito no processo em causa. Ora, segundo o referido órgão jurisdicional, os requisitos em matéria de detenção não ocupam a mesma posição hierárquica que as regras nacionais de ordem pública e, nos Países Baixos, é possível um cidadão estrangeiro invocar fundamentos relativos à violação dos requisitos de legalidade da medida de detenção contra si decretada.

33

Por força do princípio da autonomia processual, os Estados‑Membros podem proibir os órgãos jurisdicionais nacionais de suscitarem oficiosamente factos ou fundamentos no âmbito da fiscalização jurisdicional das medidas de detenção adotadas contra nacionais de países terceiros.

34

Esta proibição não viola o princípio da efetividade, uma vez que esses nacionais de países terceiros beneficiam de um acesso rápido e gratuito à justiça e podem invocar todos os fundamentos que entenderem.

35

A referida proibição também não viola o princípio da equivalência. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a sua interpretação do alcance do artigo 8:69, n.os 2 e 3, da Awb abarca todos os procedimentos administrativos e não especificamente os relativos a medidas de detenção. Segundo esta interpretação, o n.o 2 deste artigo implica que o juiz deve traduzir em termos jurídicos os fundamentos invocados pelo litigante e, o n.o 3 do referido artigo, que o juiz pode não se limitar aos factos tal qual são apresentados pelas partes. Espera‑se, porém, que as partes apresentem um começo de prova, podendo o juiz, em seguida, tentar completar essa prova, por exemplo, ouvindo testemunhas.

36

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que as garantias especificamente previstas em matéria de detenção na Diretiva 2008/115, na Diretiva 2013/33 e no Regulamento n.o 604/2013 foram transpostas pelo legislador neerlandês, em especial no artigo 94.o da Vw. Com efeito, esta disposição garante que qualquer medida de detenção está sujeita à fiscalização do juiz.

37

Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O direito da União, em especial o artigo 15.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/115] e o artigo 9.o da [Diretiva 2013/33], lidos em conjugação com o artigo 6.o da [Carta], obriga à apreciação oficiosa, no sentido de que o tribunal é obrigado a apreciar por sua própria iniciativa (ex officio) [se] todas as condições de detenção foram cumpridas, incluindo as condições cujo cumprimento não foi contestado pelo estrangeiro, embora tivesse tido a possibilidade de o fazer?»

Processo relativo a X (C‑39/21)

38

X é um nacional marroquino, nascido em 1973. Por Decisão de 1 de novembro de 2020, o Secretário de Estado colocou‑o em detenção com fundamento no artigo 59.o, n.o 1, alínea a), da Vw, que faz parte das disposições pelas quais a Diretiva 2008/115 foi transposta para o direito neerlandês. Esta medida de detenção foi justificada pela proteção da ordem pública, uma vez que havia o risco de X se subtrair aos controlos e dificultar o seu afastamento.

39

Por Sentença de 14 de dezembro de 2020, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch), negou provimento ao recurso que X interpôs da referida medida de detenção.

40

Em 8 de janeiro de 2021, X interpôs recurso no rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch), contra a manutenção da mesma medida de detenção. Como fundamento do seu recurso, invocou a inexistência de uma perspetiva de afastamento num prazo razoável.

41

O órgão jurisdicional de reenvio precisa que deve apreciar a legalidade dessa manutenção apenas relativamente ao período que teve início em 8 de dezembro de 2020. Com efeito, a legalidade da detenção de X no período anterior a essa data foi apreciada na sua Sentença de 14 de dezembro de 2020.

42

Esse órgão jurisdicional pretende obter esclarecimentos sobre as exigências, que decorrem do direito da União, relativas à intensidade da fiscalização jurisdicional da legalidade das medidas de detenção.

43

A este respeito, o referido órgão jurisdicional refere que os recursos interpostos por nacionais de países terceiros de medidas de detenção adotadas pelo Secretário de Estado são regulados pelo direito administrativo neerlandês e que o artigo 8:69, n.o 1, da Awb obriga os juízes chamados a conhecer desses recursos a decidir com base nesses recursos, na documentação apresentada, na instrução prévia e no exame do processo na audiência.

44

É certo que tal regra é mitigada pelos n.os 2 e 3 deste artigo, nos termos dos quais o juiz completa oficiosamente os fundamentos de direito e pode completar oficiosamente os factos. O Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) fez, no entanto, uma interpretação especialmente rigorosa destes números, segundo a qual o mero poder de exame oficioso de que gozam os juízes consiste em fiscalizar o respeito pelas regras relativas à competência, ao acesso à justiça e ao direito a um processo equitativo. Assim, no âmbito da apreciação do mérito da legalidade de uma medida de detenção, os juízes estão proibidos de suscitar oficiosamente elementos de direito ou de facto. Essa proibição aplica‑se igualmente quando o interessado é uma pessoa vulnerável, como um menor.

45

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, nos casos em que um juiz chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de uma medida de detenção suscita, porém, oficiosamente elementos de direito ou de facto, o Secretário de Estado interpõe sistematicamente recurso da decisão deste no Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) e obtém sempre ganho de causa.

46

O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, no caso em apreço, dispõe, em relação ao período que teve início em 8 de dezembro de 2020, de um relatório de audição de meia página e de um relatório de seguimento, datado de 8 de janeiro de 2021, sob a forma de um formulário que indica as medidas concretas adotadas pelas autoridades neerlandesas para procederem ao afastamento do interessado.

47

Esse órgão jurisdicional considera ser impossível deduzir de um processo tão sumário todos os factos relevantes para apreciar se a manutenção da medida de detenção em causa é legal. Afirma que, no processo principal, pretende saber, nomeadamente, se as autoridades neerlandesas examinaram devidamente a possibilidade de aplicar uma medida menos coerciva. Pretende igualmente saber quais os serviços que existem no centro de detenção para ajudar X a enfrentar a patologia de dependência de que padece e que mencionou no seu recurso.

48

Dado que não pode examinar oficiosamente esses elementos, o órgão jurisdicional de reenvio considera‑se privado da possibilidade de apreciar a legalidade da manutenção da medida de detenção em causa à luz de todos os elementos pertinentes. Essa situação podia ser considerada incompatível com o direito fundamental a um recurso efetivo consagrado no artigo 47.o da Carta, tanto mais que não é possível interpor recurso das sentenças que têm por objeto a manutenção das medidas de detenção. Segundo este órgão jurisdicional, para que a proteção jurisdicional seja efetiva nesse tipo de processos, é necessário que o juiz do processo esteja em condições de assegurar plenamente o respeito pelo direito fundamental à liberdade, consagrado no artigo 6.o da Carta.

49

O referido órgão jurisdicional sublinha, além disso, que, no que respeita ao dever de fundamentação previsto no artigo 8:77, n.o 1, alínea b), da Awb, está prevista uma exceção no artigo 91.o, n.o 2, da Vw, no sentido de que o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), decidindo em sede de recurso de sentenças relativas à detenção, pode pronunciar‑se mediante fundamentação abreviada, que, no essencial, se limita a indicar que o interessado não deduziu acusações procedentes.

50

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, essa exceção priva os interessados do direito a um recurso efetivo. O artigo 47.o da Carta deve, em seu entender, ser interpretado no sentido de que o acesso à justiça, em matéria de direito dos estrangeiros, também compreende o direito a uma decisão fundamentada quanto ao mérito do órgão jurisdicional que decide em segunda e última instância.

51

Nestas circunstâncias, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Tendo em conta o artigo 47.o da [Carta], lido em conjugação com os artigos 6.o e 53.o da [mesma], e à luz do artigo 15.o, n.o 2, alínea b), da [Diretiva 2008/115], do artigo 9.o, n.o 3, da [Diretiva 2013/33] e do artigo 28.o, n.o 4, do [Regulamento n.o 604/2013], é permitido aos Estados‑Membros conceber um processo judicial de impugnação da detenção de um estrangeiro ordenada pelas autoridades que proíba o órgão jurisdicional de examinar e apreciar oficiosamente todos os aspetos da legalidade da detenção e, em caso de constatação oficiosa de que a detenção é ilegal, ordenar a cessação imediata da detenção ilegal e a libertação imediata do estrangeiro? Se o [Tribunal de Justiça] considerar que tal legislação nacional é incompatível com o direito da União, tal significa também que, se o [referido] estrangeiro pedir ao órgão jurisdicional que ordene a sua libertação, este continua a ser obrigado a examinar e a apreciar de forma ativa e exaustiva todos os factos e elementos relevantes para a legalidade da detenção?

2)

Tendo em conta o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, lido em conjugação com o artigo 3.o, ponto 9), da [Diretiva 2008/115], o artigo 21.o da [Diretiva 2013/33] e o artigo 6.o do [Regulamento n.o 604/2013], é relevante para a resposta à questão I o facto de o estrangeiro detido pelas autoridades [em causa] ser menor?

3)

Decorre do direito a uma via de recurso efetiva, conforme garantido pelo artigo 47.o da Carta, lido em conjugação com os artigos 6.o e 53.o da [mesma] e à luz do artigo 15.o, n.o 2, proémio e alínea b), da [Diretiva 2008/115], do artigo 9.o, n.o 3, da [Diretiva 2013/33] e do artigo 28.o, n.o 4, do [Regulamento n.o 604/2013], que o órgão jurisdicional deve, em todo o caso, sempre que o estrangeiro lhe solicite o levantamento da medida de detenção e a sua libertação, fundamentar de forma substantiva e adequada qualquer decisão sobre tal pedido se, além disso, a via de recurso tiver sido concebida nos mesmos moldes que neste Estado‑Membro? Se o Tribunal de Justiça considerar incompatível com o direito da União uma prática jurídica nacional segundo a qual o órgão jurisdicional de segunda e, portanto, última instância, se pode limitar a proferir uma decisão sem fundamentação quanto ao mérito, tal significa que a competência do órgão jurisdicional que decide em segunda e última instância em processos de pedido de asilo e em processos ordinários relativos a estrangeiros deve igualmente ser considerada incompatível com o direito da União tendo em conta a situação vulnerável do estrangeiro, a importância considerável dos procedimentos judiciais relativos a estrangeiros e a constatação de que estes procedimentos oferecem, ao contrário de todos os demais procedimentos administrativos no que diz respeito à proteção jurídica, as mesmas garantias processuais reduzidas em relação ao estrangeiro como as previstas para o procedimento de detenção? Tendo em conta o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, é relevante para a resposta a estas questões o facto de […] o estrangeiro que impugna judicialmente a decisão das autoridades em matéria do direito relativo aos estrangeiros [ser menor]?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

52

Nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, um reenvio prejudicial que suscite uma ou várias questões relativas aos domínios abrangidos pelo espaço de liberdade, segurança e justiça pode, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, ser submetido a tramitação urgente.

53

No processo C‑39/21, uma vez que X estava detido e, por conseguinte, privado da sua liberdade à data da apresentação do pedido de decisão prejudicial do rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch), este órgão jurisdicional solicitou a aplicação dessa tramitação.

54

Em 25 de fevereiro de 2021, a Quinta Secção do Tribunal de Justiça decidiu, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir este pedido de aplicação da tramitação prejudicial urgente no processo C‑39/21.

55

Devido à conexão parcial dos processos C‑704/20 e C‑39/21, decidiu, oficiosamente, aplicar igualmente esta tramitação no processo C‑704/20.

56

Por outro lado, decidiu remeter estes processos ao Tribunal de Justiça, com vista à sua atribuição à Grande Secção.

57

Além disso, os referidos processos foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

58

Em 31 de março de 2021, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch), comunicou ao Tribunal de Justiça que, por decisão interlocutória de 26 de março de 2021, tinha posto fim à detenção de X.

59

Tendo em conta esta informação, o Tribunal de Justiça declarou que os requisitos previstos para a aplicação da tramitação prejudicial urgente deixaram de estar preenchidos e decidiu que os processos C‑704/20 e C‑39/21 deviam ser submetidos a tramitação ordinária.

60

Em seguida, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch), informou o Tribunal de Justiça de que, por Decisão de 26 de abril de 2021, tinha atribuído uma indemnização a X com o fundamento de que a detenção deste último era ilegal e lhe tinha causado prejuízo. Contudo, esse órgão jurisdicional, na pendência das respostas do Tribunal de Justiça às suas questões prejudiciais, suspendeu a instância relativamente à questão de saber se X pode beneficiar de uma indemnização maior.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

61

As questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 19 de maio de 2022, Spetsializirana prokuratura (Julgamento de um arguido em fuga), C‑569/20, EU:C:2022:401, n.o 20 e jurisprudência referida].

62

Ora, no processo C‑39/21, a problemática da detenção de um menor, a que o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch), se refere na segunda questão prejudicial, reveste caráter hipotético. Com efeito, resulta inequivocamente da decisão de reenvio nesse processo que X, que nasceu em 1973 e que, por conseguinte, é maior, é a única pessoa em causa no processo que deu origem a esse reenvio prejudicial.

63

Por conseguinte, dar uma resposta à segunda questão prejudicial submetida no processo C‑39/21 não teria nenhuma utilidade para o órgão jurisdicional de reenvio para efeitos da resolução do litígio no processo principal, mas equivaleria, para o Tribunal de Justiça, a formular um parecer consultivo. Daqui resulta que esta segunda questão prejudicial é inadmissível.

64

Por outro lado, quanto à terceira questão prejudicial submetida no processo C‑39/21, há que salientar que esta tem por objeto, em substância, a questão de saber se o órgão jurisdicional nacional que decide, se for caso disso, em sede de recurso num processo relativo à fiscalização da legalidade de uma medida de detenção pode limitar‑se a expor uma fundamentação abreviada.

65

Ora, como decorre das informações, resumidas nos n.os 40 e 48 do presente acórdão, resultantes da decisão de reenvio no processo C‑39/21, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch), decidirá em primeira e última instância sobre a manutenção da medida de detenção decretada contra X.

66

Embora este órgão jurisdicional tenha efetivamente exposto, com as suas observações resumidas nos n.os 49 e 50 do presente acórdão, que o direito neerlandês permite interpor recurso no Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de uma decisão de detenção, não deixa de ser verdade que a questão do alcance do dever de fundamentação deste último órgão jurisdicional nessa situação reveste caráter puramente hipotético no âmbito do processo pendente no rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch), que diz respeito, em primeira e última instância, à manutenção da medida de detenção em causa.

67

Por conseguinte, a resposta do Tribunal de Justiça à terceira questão prejudicial submetida no processo C‑39/21 não se justifica por uma necessidade inerente à efetiva resolução do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio nesse processo (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 44 e jurisprudência referida).

68

Importa ainda precisar que, não obstante a conexão parcial entre os processos C‑704/20 e C‑39/21, bem como a decisão de apensar estes dois processos, a terceira questão submetida no âmbito do processo C‑39/21 não pode ser examinada no âmbito do exame do pedido de decisão prejudicial no processo C‑704/20.

69

A este respeito, importa recordar que, no âmbito do processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e o responsável pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade como a pertinência das questões que submete ao Tribunal (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 35 e jurisprudência referida). Esta jurisprudência constante seria violada se o Tribunal de Justiça aceitasse responder a uma questão prejudicial através da qual o órgão jurisdicional que a submeteu não pede uma interpretação do direito da União para efeitos da resolução do litígio nele pendente, mas pretende completar um pedido de decisão prejudicial apresentado por outro órgão jurisdicional.

70

Daqui resulta que a terceira questão prejudicial submetida no processo C‑39/21 é igualmente inadmissível.

Quanto ao mérito

71

Com a questão submetida no processo C‑704/20 e a primeira questão submetida no processo C‑39/21, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2008/115, o artigo 9.o, n.os 3 e 5, da Diretiva 2013/33 e o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento n.o 604/2013, em conjugação com os artigos 6.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que a fiscalização, por uma autoridade judicial, do cumprimento dos requisitos de legalidade da detenção de um nacional de um país terceiro que decorrem do direito da União deve conduzir essa autoridade a suscitar oficiosamente o eventual incumprimento de um requisito de legalidade que não tenha sido invocado pela pessoa em causa.

72

A este respeito, importa, em primeiro lugar, recordar que a detenção de um nacional de um país terceiro, quer seja ao abrigo da Diretiva 2008/115, no âmbito de um procedimento de regresso em consequência de uma situação irregular, ao abrigo da Diretiva 2013/33, no âmbito do tratamento de um pedido de proteção internacional, ou ao abrigo do Regulamento n.o 604/2013, no âmbito da transferência de um requerente dessa proteção para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido, constitui uma ingerência grave no direito à liberdade, consagrado no artigo 6.o da Carta [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de março de 2017, Al Chodor, C‑528/15, EU:C:2017:213, n.o 40, e de 25 de junho de 2020, Ministerio Fiscal (Autoridade suscetível de receber um pedido de proteção internacional), C‑36/20 PPU, EU:C:2020:495, n.o 105].

73

Com efeito, como prevê o artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2013/33, uma medida de detenção consiste na reclusão de uma pessoa numa zona especial. Resulta da redação, da génese e do contexto desta disposição, cujo alcance é, aliás, transponível para o conceito de «detenção» que figura na Diretiva 2008/115 e o de «retenção» que figura no Regulamento n.o 604/2013, que a detenção impõe à pessoa em causa que permaneça permanentemente num perímetro restrito e fechado, isolando, assim, esta pessoa do resto da população e privando‑a da sua liberdade de circulação (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.os 217 a 225).

74

Ora, a finalidade das medidas de detenção/retenção, na aceção da Diretiva 2008/115, da Diretiva 2013/33 e do Regulamento n.o 604/2013, não é a investigação ou a repressão de infrações penais, mas a realização dos objetivos prosseguidos por esses instrumentos em matéria, respetivamente, de regresso, de apreciação de pedidos de proteção internacional e de transferência de nacionais de países terceiros.

75

Atendendo à gravidade dessa ingerência no direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta, e tendo em conta a importância desse direito, o poder reconhecido às autoridades nacionais competentes de colocarem nacionais de países terceiros em detenção é estritamente enquadrado (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2022, Valstybės sienos apsaugos tarnyba e o., C‑72/22 PPU, EU:C:2022:505, n.os 83 e 86 e jurisprudência referida). Uma medida de detenção só pode, assim, ser ordenada ou prorrogada se forem respeitadas as regras gerais e abstratas que fixam as condições e modalidades de tal detenção (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2022, Landkreis Gifhorn, C‑519/20, EU:C:2022:178, n.o 62).

76

As regras gerais e abstratas que fixam, a título de normas comuns da União, os requisitos da detenção/retenção figuram no artigo 15.o, n.o 1, n.o 2, segundo parágrafo, n.os 4, 5 e 6, da Diretiva 2008/115, no artigo 8.o, n.os 2 e 3, no artigo 9.o, n.os 1, 2 e 4, da Diretiva 2013/33 e no artigo 28.o, n.os 2, 3 e 4, do Regulamento n.o 604/2013. Estas regras não prejudicam as regras, constantes de outras disposições destes instrumentos, que precisam os requisitos da detenção em determinadas situações, não pertinentes nos processos principais, como as relativas à detenção de menores.

77

As referidas regras previstas na Diretiva 2008/115, na Diretiva 2013/33 e no Regulamento n.o 604/2013, por um lado, e as disposições de direito nacional que procedem à sua execução, por outro, constituem as normas, decorrentes do direito da União, que fixam os requisitos de legalidade da detenção, incluindo na perspetiva do artigo 6.o da Carta.

78

Em especial, o nacional de um país terceiro em causa não pode, como especificam o artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/115, o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/33 e o artigo 28.o, n.o 2, do Regulamento n.o 604/2013, ser colocado em detenção quando for possível aplicar de forma eficaz uma medida menos coerciva.

79

Quando se verifique que os requisitos de legalidade da detenção identificados no n.o 77 do presente acórdão não estavam ou deixaram de estar preenchidos, a pessoa em causa deve, como aliás o legislador da União indica expressamente no artigo 15.o, n.o 2, quarto parágrafo, e n.o 4, da Diretiva 2008/115 e no artigo 9.o, n.o 3, segundo parágrafo, da Diretiva 2013/33, ser libertada imediatamente.

80

É o que acontece, nomeadamente, quando se verifica que o procedimento de regresso, de análise do pedido de proteção internacional ou de transferência, consoante o caso, já não é executado com toda a diligência requerida.

81

No que respeita, em segundo lugar, ao direito dos nacionais de países terceiros detidos por um Estado‑Membro a uma proteção jurisdicional efetiva, é jurisprudência assente que, por força do artigo 47.o da Carta, os Estados‑Membros devem assegurar uma proteção jurisdicional efetiva dos direitos individuais derivados da ordem jurídica da União (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 142).

82

No que diz respeito à detenção, algumas das normas comuns da União em matéria de proteção jurisdicional figuram no artigo 15.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da Diretiva 2008/115 e no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33. Esta última disposição aplica‑se igualmente, por força do artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento n.o 604/2013, no âmbito de procedimentos de transferência regulados por este último.

83

Segundo estas disposições, que constituem a materialização, no domínio em apreço, do direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantido pelo artigo 47.o da Carta (Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 289), cada Estado‑Membro deve prever, quando a detenção tenha sido ordenada por uma autoridade administrativa, uma fiscalização jurisdicional «célere» da legalidade dessa detenção, oficiosamente ou a pedido da pessoa em causa.

84

No que respeita à manutenção de uma medida de detenção, o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2008/115 e o artigo 9.o, n.o 5, da Diretiva 2013/33, que é igualmente aplicável, com base no artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento n.o 604/2013, no âmbito dos procedimentos de transferência regulados por este regulamento, impõem uma reapreciação ou uma fiscalização periódica. Por força destas disposições, essa reapreciação ou fiscalização deve ter lugar «a intervalos razoáveis» e incidir sobre a questão de saber se os requisitos de legalidade da detenção continuam preenchidos. Na hipótese da detenção/retenção prevista na Diretiva 2013/33 ou no Regulamento n.o 604/2013, essas fiscalizações periódicas devem, em todos os casos, ser efetuadas por uma autoridade judicial, impondo a Diretiva 2008/115, por sua vez, uma fiscalização por essa autoridade das reapreciações em caso de prorrogação do período de detenção.

85

Uma vez que o legislador da União exige, sem exceção, que a fiscalização do cumprimento dos requisitos de legalidade da detenção ocorra «a intervalos razoáveis», a autoridade competente é obrigada a efetuar a referida fiscalização oficiosamente, mesmo que o interessado não o solicite.

86

Como resulta de todas estas disposições, o legislador da União não se limitou a estabelecer normas comuns substantivas, tendo igualmente instituído normas comuns processuais, com a finalidade de assegurar que exista, em cada Estado‑Membro, um regime que permite à autoridade judicial competente libertar, se for caso disso após um exame oficioso, a pessoa em causa quando se verifique que a sua detenção não é, ou deixou de ser, legal.

87

Para que esse regime de proteção assegure de forma efetiva o cumprimento dos requisitos estritos a que a legalidade de uma medida de detenção referida na Diretiva 2008/115, na Diretiva 2013/33 ou no Regulamento n.o 604/2013 deve obedecer, a autoridade judicial competente deve estar em condições de decidir sobre todos os elementos de facto e de direito pertinentes para verificar essa legalidade. Para o efeito, deve poder tomar em consideração os elementos de facto e as provas invocadas pela autoridade administrativa que ordenou a detenção inicial. Deve igualmente poder tomar em consideração os factos, as provas e as observações que lhe sejam eventualmente apresentados pela pessoa em causa. Além disso, deve poder procurar quaisquer outros elementos pertinentes para a sua decisão caso o considere necessário. Os poderes que esta detém no âmbito de uma fiscalização não podem, em caso nenhum, circunscrever‑se apenas aos elementos apresentados pela autoridade administrativa (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2014, Mahdi, C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.os 62 e 64, e de 10 de março de 2022, Landkreis Gifhorn, C‑519/20, EU:C:2022:178, n.o 65).

88

Como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 95 das suas conclusões, tendo em conta a importância do direito à liberdade, a gravidade da ingerência nesse direito que constitui a detenção de pessoas por motivos diferentes da investigação ou da repressão de infrações penais e a exigência, salientada pelas normas comuns estabelecidas pelo legislador da União, de uma proteção jurisdicional de nível elevado que permita respeitar a necessidade imperativa de libertar essa pessoa quando os requisitos de legalidade da detenção não estão, ou deixam de estar, preenchidos, a autoridade judicial competente deve ter em consideração todos os elementos, nomeadamente os factuais, levados ao seu conhecimento, completados ou clarificados no âmbito de medidas processuais que considere necessárias adotar com base no seu direito nacional, e, com base nesses elementos, identificar, se for caso disso, a inobservância de um requisito de legalidade decorrente do direito da União, mesmo que essa inobservância não tenha sido invocada pela pessoa em causa. Esta obrigação não prejudica a obrigação que consiste em a autoridade judicial assim levada a suscitar oficiosamente esse requisito de legalidade convidar cada uma das partes a exprimir‑se sobre o mesmo em conformidade com o princípio do contraditório.

89

A este respeito, não se pode, em especial, admitir que, nos Estados‑Membros em que as decisões de detenção são tomadas por uma autoridade administrativa, a fiscalização jurisdicional não englobe a verificação, pela autoridade judicial, com base nos elementos referidos no número anterior do presente acórdão, do preenchimento de um requisito de legalidade cuja inobservância não foi suscitada pela pessoa em causa, quando, nos Estados‑Membros em que as decisões de detenção devem ser tomadas por uma autoridade judicial, esta última é obrigada a proceder a essa verificação oficiosa com base nesses elementos.

90

Ora, a interpretação acolhida no n.o 88 do presente acórdão assegura que a proteção jurisdicional do direito fundamental à liberdade seja garantida de maneira eficaz em todos os Estados‑Membros, quer estes prevejam um sistema no qual a decisão de detenção é tomada por uma autoridade administrativa, mediante fiscalização jurisdicional, ou um sistema no qual essa decisão é diretamente tomada por uma autoridade judicial.

91

Esta interpretação não é infirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, citada pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), segundo a qual, à luz do princípio segundo o qual a iniciativa de um litígio pertence às partes, o direito da União não impõe que os órgãos jurisdicionais nacionais conheçam oficiosamente dos fundamentos relativos à violação de disposições do direito da União quando a análise desses fundamentos os obrigue a ultrapassar os limites do litígio tal qual circunscrito pelas partes, baseando‑se em factos e circunstâncias diferentes daqueles em que a parte que tem interesse na aplicação destas disposições baseou o seu pedido (v., nomeadamente, Acórdãos de 14 de dezembro de 1995, van Schijndel e van Veen, C‑430/93 e C‑431/93, EU:C:1995:441, n.os 21 e 22; de 7 de junho de 2007, van der Weerd e o., C‑222/05 a C‑225/05, EU:C:2007:318, n.os 35 e 36; e de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras, C‑927/19, EU:C:2021:700, n.o 145).

92

Com efeito, o enquadramento rigoroso, instituído pelo legislador da União, da detenção e da manutenção de uma medida de detenção conduz a uma situação que não se assemelha em todos os aspetos a um contencioso administrativo no qual a iniciativa e a delimitação do litígio pertencem às partes.

93

Por conseguinte, a obrigação de as autoridades judiciais responsáveis pela fiscalização da legalidade das medidas de detenção conhecerem oficiosamente, com base nos elementos mencionados no n.o 88 do presente acórdão, da inobservância de um requisito de legalidade de uma medida dessa natureza decorrente do direito da União impõe‑se independentemente da jurisprudência citada no n.o 91 deste acórdão, bem como da questão, suscitada pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) à luz do Acórdão de 7 de junho de 2007, van der Weerd e o. (C‑222/05 a C‑225/05, EU:C:2007:318, n.os 29 a 31), de saber se as disposições de direito pertinentes são de ordem pública.

94

Tendo em conta tudo o que precede, há que responder à questão submetida no processo C‑704/20 e à primeira questão submetida no processo C‑39/21 que o artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2008/115, o artigo 9.o, n.os 3 e 5, da Diretiva 2013/33 e o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento n.o 604/2013, em conjugação com os artigos 6.o e 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que a fiscalização, por uma autoridade judicial, do cumprimento dos requisitos de legalidade da detenção de um nacional de um país terceiro que decorrem do direito da União deve conduzir essa autoridade a suscitar oficiosamente, com base nos elementos do processo levados ao seu conhecimento, completados ou clarificados durante o processo contraditório que lhe foi submetido, o eventual incumprimento de um requisito de legalidade que não tenha sido invocado pela pessoa em causa.

Quanto às despesas

95

Revestindo os processos, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, o artigo 9.o, n.os 3 e 5, da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, e o artigo 28.o, n.o 4, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, em conjugação com os artigos 6.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

a fiscalização, por uma autoridade judicial, do cumprimento dos requisitos de legalidade da detenção de um nacional de um país terceiro que decorrem do direito da União deve conduzir essa autoridade a suscitar oficiosamente, com base nos elementos do processo levados ao seu conhecimento, completados ou clarificados durante o processo contraditório que lhe foi submetido, o eventual incumprimento de um requisito de legalidade que não tenha sido invocado pela pessoa em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.