ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

12 de janeiro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Regulamentação nacional que prevê a obrigação de o operador público se abastecer junto de produtores de energias renováveis a um preço superior ao preço de mercado — Não pagamento de uma parte do auxílio em causa — Pedido de compensação apresentado por esses produtores a uma autoridade pública distinta daquela que, em princípio, é, em aplicação dessa regulamentação nacional, obrigada a pagar esse auxílio e cujo orçamento se destina unicamente a assegurar o seu próprio funcionamento — Novo auxílio — Obrigação de notificação — Auxílio de minimis — Regulamento (UE) n.o 1407/2013 — Artigo 5.o, n.o 2 — Cúmulo — Tomada em consideração dos montantes de auxílio já recebidos no período de referência, com base na referida regulamentação nacional»

Nos processos apensos C‑702/20 e C‑17/21,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia), por Decisões de 18 de dezembro de 2020 e de 7 de janeiro de 2021, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 22 de dezembro de 2020 e 11 de janeiro de 2021, nos processos

«DOBELES HES»SIA (C‑702/20)

Sabiedrisko pakalpojumu regulēšanas komisija (C‑17/21)

sendo intervenientes:

Sabiedrisko pakalpojumu regulēšanas komisija,

Ekonomikas ministrija,

Finanšu ministrija,

«GM» SIA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Prechal, K. Jürimäe, L. S. Rossi, L. Arastey Sahún, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot (relator), N. Piçarra, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl, M. Gavalec e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: C. Di Bella, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 29 de março de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da «DOBELES HES» SIA e da «GM» SIA, por J. Vaits,

em representação da Sabiedrisko pakalpojumu regulēšanas komisija, por E. Bergmane, I. Birziņš, J. Miķelsons e A. Ozola,

em representação do Governo letão, por E. Bārdiņš, J. Davidoviča, I. Hūna e K. Pommere, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, A. Hoesch e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e M. A. M. de Ree, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Bouchagiar, G. Braga da Cruz, I. Naglis e I. Rubene, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de junho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, do Regulamento (UE) n.o 1407/2013 da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, relativo à aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] aos auxílios de minimis (JO 2013, L 352, p. 1), e do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, respetivamente, a «DOBELES HES» SIA e a «GM» SIA (a seguir, conjuntamente, «demandantes nos processos principais»), à Sabiedrisko pakalpojumu regulēšanas komisija (Comissão Reguladora dos Serviços Públicos, Letónia) (a seguir «entidade reguladora») a respeito da fixação do preço de compra da eletricidade pela empresa de distribuição autorizada a uma tarifa demasiado reduzida no período compreendido entre 1 de março de 2006 e 30 de novembro de 2007, em relação à DOBELES HES, e no período compreendido entre 1 de março de 2006 e 30 de setembro de 2008, em relação à GM.

Quadro jurídico

Direito da União

Tratado de Adesão e Ato de Adesão

3

O Tratado entre o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Finlândia, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e Irlanda do Norte (Estados‑Membros da União Europeia) e a República Checa, a República da Estónia, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Hungria, a República de Malta, a República da Polónia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca relativo à adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca (JO 2003, L 236, p. 17), foi assinado pela República da Letónia em 16 de abril de 2003 e entrou em vigor em 1 de maio de 2004 (a seguir «Tratado de Adesão»).

4

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, do Tratado de Adesão, as condições de admissão e as adaptações dos Tratados em que se funda a União constam do Ato Relativo às Condições de Adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33; a seguir «Ato de Adesão»).

5

O artigo 22.o do Ato de Adesão que, como as restantes disposições do mesmo, integra o Tratado de Adesão, dispõe que as medidas enumeradas no seu anexo IV devem ser aplicadas nas condições previstas nesse anexo.

6

O anexo IV, ponto 3, n.o 1, do Ato de Adesão dispõe:

«Os regimes de auxílio e os auxílios individuais a seguir indicados em execução num novo Estado‑Membro antes da data da adesão e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data devem ser considerados, no momento da adesão, auxílios existentes na aceção do n.o 1 do artigo [108.o TFUE]:

a)

Medidas de auxílio em execução antes de 10 de dezembro de 1994;

b)

Medidas de auxílio enumeradas no apêndice ao presente anexo;

c)

Medidas de auxílio que, antes da data da adesão, tenham sido avaliadas pela autoridade de controlo dos auxílios estatais do novo Estado‑Membro e consideradas compatíveis com o acervo, e às quais a Comissão não tenha levantado objeções motivadas por sérias dúvidas quanto à compatibilidade das medidas com o mercado comum, nos termos do n.o 2.

Todas as medidas ainda aplicáveis após a data da adesão que constituam um auxílio estatal e não preencham as condições acima enunciadas são consideradas novos auxílios no momento da adesão, para efeitos do n.o 3 do artigo [108.o TFUE].»

7

O anexo IV, ponto 3, n.o 2, do Ato de Adesão estabelece o procedimento aplicável quando um novo Estado‑Membro pretenda que a Comissão examine um auxílio no âmbito do procedimento referido no n.o 1, alínea c), deste ponto, prevendo que, nesse caso, comunica regularmente com essa instituição. Segundo o n.o 3 do referido ponto, qualquer decisão da Comissão de levantar objeções a uma medida, na aceção da alínea c) do ponto 1, será considerada uma decisão de início de um procedimento formal de investigação, na aceção do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1).

Regulamento n.o 1407/2013

8

O artigo 3.o do Regulamento n.o 1407/2013, sob a epígrafe «Auxílio de minimis», dispõe:

«1.   Considera‑se que as medidas de auxílio não preenchem todos os critérios estabelecidos no artigo 107.o, n.o 1, [TFUE], pelo que estão isentas da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, [TFUE], se reunirem as condições estabelecidas no presente regulamento.

2.   O montante total do auxílio de minimis concedido por um Estado‑Membro a uma empresa única não pode exceder 200000 [euros] durante um período de três exercícios financeiros.

[…]»

9

O artigo 5.o, n.o 2, deste regulamento tem a seguinte redação:

«Os auxílios de minimis não podem ser cumulados com auxílios estatais em relação aos mesmos custos elegíveis ou com o auxílio estatal para a mesma medida de financiamento de risco, se essa cumulação exceder a maior intensidade de auxílio relevante ou o montante de auxílio fixado, em função das circunstâncias específicas de cada caso, por um regulamento de isenção por categoria ou uma decisão adotada pela Comissão. Os auxílios de minimis que não são concedidos para, ou imputáveis a, custos específicos elegíveis podem ser cumulados com outros auxílios estatais concedidos no âmbito de um regulamento de isenção por categoria ou de uma decisão adotada pela Comissão.»

10

O artigo 7.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Disposições transitórias», prevê, no seu n.o 1:

«O presente regulamento aplica‑se a auxílios concedidos antes da sua entrada em vigor se o auxílio preencher os requisitos previstos no presente regulamento. Se o auxílio não preencher tais requisitos, será objeto de apreciação pela Comissão nos termos dos enquadramentos, orientações, comunicações e avisos pertinentes.»

Regulamento 2015/1589

11

O artigo 1.o do Regulamento 2015/1589 dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

“Auxílio”, qualquer medida que satisfaça os critérios fixados no artigo 107.o, n.o 1, [TFUE];

b)

“Auxílios existentes”:

i)

Sem prejuízo dos artigos 144.o e 172.o do Ato [relativo às condições] de Adesão da [República da] Áustria, da [República da] Finlândia e [do Reino] da Suécia [e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1)], do ponto 3 e do apêndice do anexo IV do [Ato de Adesão], do ponto 2 e ponto 3, alínea b), e do apêndice do anexo V do Ato [relativo às condições] de adesão [à União Europeia da República da] Bulgária e da Roménia [e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2005, L 157, p. 203)], e do ponto 2 e ponto 3, alínea b), e do apêndice do anexo IV do Ato [relativo às condições] de Adesão da [República da] Croácia [e às adaptações do Tratado da União Europeia, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2012, L 112, p. 21)], qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do [Tratado FUE] no respetivo Estado‑Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do [Tratado FUE] no respetivo Estado‑Membro e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data,

ii)

O auxílio autorizado, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais que tenham sido autorizados pela Comissão ou pelo Conselho [da União Europeia],

iii)

Os auxílios que se considere terem sido autorizados nos termos do artigo 4.o, n.o 6, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 ou do artigo 4.o, n.o 6, do presente regulamento, ou anteriormente ao Regulamento (CE) n.o 659/1999 mas segundo esse procedimento,

iv)

Os auxílios considerados existentes nos termos do artigo 17.o do presente regulamento,

v)

Os auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituíam auxílios no momento da sua execução, tendo‑se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado interno e sem terem sido alterados pelo Estado‑Membro. Quando determinadas medidas se transformem em auxílios na sequência da liberalização de uma atividade provocada pela legislação da União, essas medidas não serão consideradas auxílios existentes depois da data fixada para a liberalização;

c)

“Novo auxílio”, quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente;

[…]»

12

O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Notificação de novo auxílio», tem a seguinte redação:

«1.   Salvo disposição em contrário dos regulamentos adotados nos termos do artigo 109.o do TFUE ou de outras disposições pertinentes do mesmo, a Comissão deve ser notificada a tempo pelo Estado‑Membro em causa de todos os projetos de concessão de novos auxílios. A Comissão informará imediatamente o Estado‑Membro da receção da notificação.

2.   Na notificação, o Estado‑Membro em causa deve fornecer todas as informações necessárias para que a Comissão possa tomar uma decisão nos termos dos artigos 4.o e 9.o […]»

13

O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Cláusula suspensiva», prevê:

«Os auxílios a notificar nos termos do artigo 2.o, n.o 1, não serão executados antes de a Comissão ter tomado, ou de se poder considerar que tomou, uma decisão que os autorize.»

14

O artigo 17.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Prazo de prescrição para a recuperação dos auxílios», dispõe:

«1.   Os poderes da Comissão para recuperar o auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos.

2.   O prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílio. O prazo de prescrição é interrompido por quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta. Cada interrupção inicia uma nova contagem de prazo. O prazo de prescrição será suspenso enquanto a decisão da Comissão for objeto de um processo no Tribunal de Justiça da União Europeia.

3.   Qualquer auxílio cujo prazo de prescrição tenha caducado será considerado um auxílio existente.»

Direito letão

15

O artigo 40.o, n.o 1, da enerģētikas likums (Lei da Energia), de 3 de setembro de 1998 (Latvijas Vēstnesis, 1998, n.o 273), na versão em vigor no período compreendido entre 1 de junho de 2001 e 7 de junho de 2005 (Latvijas Vēstnesis, 2001, n.o 83), dispõe:

«A empresa de distribuição de eletricidade autorizada comprará às pequenas centrais hidroelétricas situadas na sua zona de autorização e cuja capacidade não ultrapasse dois megawatts, desde que a exploração dessas centrais e seus equipamentos tenha começado antes de 1 de janeiro de 2003, o excedente de eletricidade que as referidas centrais produzem, uma vez supridas as suas próprias necessidades e em conformidade com os parâmetros nacionais de qualidade da eletricidade, durante oito anos a contar do início da exploração da central elétrica em causa, a um preço correspondente ao dobro da tarifa média de venda da eletricidade. O preço dessa compra será em seguida determinado pela entidade reguladora.»

16

O artigo 30.o, n.o 1, da elektroenerģijas tirgus likums (Lei do Mercado da Eletricidade), de 5 de maio de 2005 (Latvijas Vēstnesis, 2005, n.o 82), na versão em vigor no período compreendido entre 8 de junho de 2005 e 31 de dezembro de 2014, dispõe:

«Os produtores que utilizam fontes de energia renováveis para a produção de eletricidade e que iniciaram a sua atividade antes da entrada em vigor da presente lei venderão a eletricidade ao operador público em conformidade com as condições relativas ao modo de funcionamento, com os prazos de abastecimento e com os preços que lhes eram aplicados no momento da entrada em vigor da presente lei.»

17

O artigo 30.o, n.o 3, desta lei, na versão em vigor no período compreendido entre 8 de junho de 2005 e 14 de maio de 2008, prevê:

«O operador público manterá registos separados do volume e do custo da eletricidade comprada em conformidade com as modalidades definidas nos n.os 1 e 2 da presente disposição. O preço desta compra é suportado por todos os clientes finais de eletricidade na Letónia na proporção do seu consumo de eletricidade, quando uma parte da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis seja comprada ao operador público ou quando o custo suportado por este último seja objeto de uma compensação.»

18

O artigo 29.o, n.o 1, do likums «Par sabiedrisko pakalpojumu regulatoriem» (Lei das Entidades Reguladoras dos Serviços Públicos), de 19 de outubro de 2000 (Latvijas Vēstnesis, 2000, n.o 394), dispõe:

«O funcionamento da entidade reguladora é financiado por receitas provenientes da cobrança da taxa do Estado para a regulação dos serviços públicos (a seguir “taxa do Estado”) e do pagamento dos serviços prestados pela entidade reguladora, previstos noutras disposições legislativas e regulamentares.»

19

O artigo 30.o desta lei prevê:

«1.   Para assegurar a regulação dos serviços públicos, todos os prestadores de serviços públicos nos setores regulamentados pagam a taxa do Estado.

2.   A taxa do Estado nos setores regulamentados verte para o Orçamento do Estado e é creditada na conta da entidade reguladora junto da Fazenda Pública. A taxa do Estado paga nos setores regulamentados destina‑se unicamente a assegurar o funcionamento dessa entidade.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

20

As demandantes nos processos principais exploram centrais hidroelétricas e produzem, assim, eletricidade a partir de fontes de energia renováveis.

21

Até 7 de junho de 2005, o artigo 40.o, n.o 1, da Lei da Energia dispunha que os produtores de eletricidade tinham, em determinadas condições, o direito de vender os excedentes de produção elétrica à empresa de distribuição de eletricidade autorizada a um preço correspondente ao dobro da tarifa média de venda da eletricidade.

22

Essa disposição aplicava‑se às demandantes nos processos principais.

23

A tarifa média da eletricidade era determinada pela entidade reguladora, organismo independente de direito público criado pela Lei das Entidades Reguladoras dos Serviços Públicos. Essa entidade reguladora é dotada de personalidade jurídica própria, atua de forma autónoma e gere o seu próprio orçamento, o qual é aprovado por via legislativa.

24

A Lei do Mercado da Eletricidade, na versão em vigor a partir de 8 de junho de 2005, alterou o procedimento aplicável à venda, pelos produtores de eletricidade, de excedentes de produção a uma tarifa bonificada. Não obstante, o artigo 30.o, n.o 1, desta lei previa que os produtores de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis que já tivessem iniciado a sua atividade nessa data continuavam a beneficiar das condições anteriores, relativas, em especial, aos preços.

25

A entidade reguladora interpretou esta disposição no sentido de que tinha por efeito bloquear, em relação a esses produtores, a tarifa média de venda da eletricidade no seu valor vigente em 7 de junho de 2005 e, por conseguinte, deixou de atualizar essa tarifa. A partir de 8 de junho de 2005, as demandantes nos processos principais venderam assim o excedente da sua produção a um preço correspondente ao dobro da tarifa média de venda da eletricidade então em vigor, não tendo a entidade reguladora atualizado essa tarifa a partir dessa data.

26

Todavia, por Decisão de 20 de janeiro de 2010, o Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional, Letónia) considerou que o termo «preço» utilizado no artigo 30.o, n.o 1, da Lei do Mercado da Eletricidade devia ser entendido como um mecanismo de fixação de preços, e não como um preço fixo, e que a interpretação, segundo a qual, após a entrada em vigor da Lei do Mercado da Eletricidade, a entidade reguladora deixara de ser competente para fixar a tarifa média de venda da eletricidade, era incorreta.

27

As demandantes nos processos principais reclamaram à entidade reguladora o pagamento de uma «indemnização» a título de reparação das perdas sofridas devido à não fixação da tarifa em causa a partir de 8 de junho de 2005. O prejuízo alegado corresponde à diferença entre o preço pago às demandantes nos processos principais pelo operador público e o preço a que este último lhes deveria ter comprado a eletricidade se a tarifa média de venda da eletricidade tivesse sido corretamente fixada no período compreendido entre 1 de março de 2006 e 30 de novembro de 2007, no que respeita à DOBELES HES, e no período compreendido entre 1 de março de 2006 e 30 de setembro de 2008, no que respeita à GM.

28

Perante a recusa da entidade reguladora em lhes pagar as quantias correspondentes, as demandantes nos processos principais recorreram em 2011 ao juiz administrativo. Por Acórdãos de 31 de maio de 2019 e de 10 de julho de 2019, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional, Letónia) julgou parcialmente procedentes os pedidos da DOBELES HES e da GM e ordenou à entidade reguladora que lhes pagasse, respetivamente, a quantia de 3406,63 euros e a de 662,26 euros. Considerando, todavia, que se tratava do pagamento de auxílios de Estado, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) sujeitou o pagamento dessas quantias à condição de a Comissão ter tomado, ou de se presumir ter tomado, uma decisão de autorização desses auxílios. Com efeito, na pendência da instância, solicitou à Comissão um parecer sobre a aplicação dos artigos 107.o e 108.o TFUE, que foi emitido nesse sentido em 12 de dezembro de 2018.

29

A entidade reguladora interpôs recurso de cassação desses acórdãos no órgão jurisdicional de reenvio. Foi nestas condições que o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia) decidiu suspender a instância nos dois processos principais e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, formuladas de forma idêntica nos dois processos:

«1)

Deve considerar‑se que a obrigação imposta ao operador público de comprar eletricidade a um preço superior ao preço de mercado a produtores que utilizam fontes de energia renováveis para produzir eletricidade, através da obrigação imposta ao consumidor final de pagar proporcionalmente ao consumo realizado, constitui uma intervenção do Estado ou proveniente de recursos estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE]?

2)

Deve o conceito de “liberalização do mercado da eletricidade” ser interpretado no sentido de que há que considerar que a liberalização já teve lugar quando estão reunidos determinados elementos do comércio livre, como os contratos celebrados por um operador público com fornecedores de outros Estados‑Membros? Pode considerar‑se que a liberalização do mercado da eletricidade começa no momento em que a legislação confere a uma parte dos utilizadores de eletricidade (por exemplo, aos utilizadores de eletricidade ligados à rede de transporte ou aos utilizadores de eletricidade não domésticos ligados à rede de distribuição) o direito de mudarem de distribuidor de eletricidade? Qual é o impacto da evolução da regulação do mercado da eletricidade na Letónia na apreciação dos auxílios concedidos aos produtores de eletricidade à luz do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE] (para efeitos da resposta à primeira questão), em especial a situação anterior a 2007?

3)

Se resultar da resposta às primeira e segunda questões que o auxílio concedido aos produtores de eletricidade não constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE], o facto de a demandante operar atualmente num mercado de eletricidade liberalizado e de o pagamento de uma indemnização lhe conferir atualmente uma vantagem relativamente a outros operadores presentes no mercado em causa implica que a indemnização do prejuízo deva ser considerada um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE]?

4)

Se resultar da resposta às primeira e segunda questões que o auxílio concedido aos produtores de eletricidade é um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE], deve entender‑se, no âmbito da fiscalização dos auxílios de Estado previsto nesta disposição, que o pedido da demandante de indemnização do prejuízo sofrido devido ao cumprimento incompleto do direito legal de receber um pagamento mais elevado pela eletricidade produzida constitui um pedido de novo auxílio de Estado ou que constitui um pedido de pagamento de parte de um auxílio de Estado não recebida anteriormente?

5)

Em caso de resposta à quarta questão prejudicial no sentido de que o pedido de indemnização deve ser apreciado, no contexto das circunstâncias anteriores, como um pedido de pagamento de parte de um auxílio de Estado não recebida anteriormente, resulta do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE] que, no presente, para se pronunciar sobre o pagamento desse auxílio de Estado, há que analisar a situação atual do mercado e tomar em consideração a regulamentação em vigor (incluindo os condicionalismos existentes atualmente para prevenir as indemnizações excessivas)?

6)

É relevante, para efeitos da interpretação do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE], que as centrais eólicas, contrariamente às centrais hidroelétricas, tenham beneficiado, no passado, de um auxílio completo?

7)

É relevante, para efeitos da interpretação do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE], que apenas uma parte das centrais hidroelétricas que receberam auxílios incompletos beneficie atualmente de uma indemnização?

8)

Devem os artigos 3.o, n.o 2, e 7.o, n.o 1, do Regulamento [n.o] 1407/2013 […] ser interpretados no sentido de que, uma vez que o montante do auxílio no caso em apreço não ultrapassa o limiar dos auxílios de minimis, se deve considerar que esse auxílio preenche os critérios estabelecidos para os auxílios de minimis? Deve o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1407/2013, ser interpretado no sentido de que, no caso em apreço, tomando em conta as condições de prevenção da sobrecompensação que constam da Decisão [SA.43140 da Comissão, de 24 de abril de 2017 — Auxílio estatal letão às fontes de energia renováveis e às centrais de cogeração (NN/2015) (JO 2017, C 176, p. 2)], o facto de se considerar que o pagamento da indemnização pelo prejuízo sofrido constitui um auxílio de minimis pode dar lugar a uma cumulação inaceitável?

9)

Se no caso presente se considerar que foi concedido/pago um auxílio de Estado, deve o artigo 1.o, alíneas b) e c), do Regulamento [2015/1589] ser interpretado no sentido de que circunstâncias como as do caso presente correspondem a um novo auxílio de Estado e não a um auxílio de Estado existente?

10)

Em caso de resposta afirmativa à nona questão prejudicial, para efeitos da apreciação da compatibilidade da situação da demandante com os auxílios considerados auxílios existentes na aceção do artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento 2015/1589, deve tomar‑se em consideração apenas a data em que o pagamento efetivo do auxílio foi efetuado como ponto de partida da prescrição na aceção do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento [2015/1589]?

11)

Caso se considere que foi concedido/pago um auxílio de Estado, devem os artigos 108.o, n.o 3, [TFUE] e 2.o, n.o 1, e 3.o do Regulamento [2015/1589], ser interpretados no sentido de que um procedimento de notificação de um auxílio de Estado como o que está em causa no presente processo é considerado adequado quando o juiz nacional julga procedente o pedido de indemnização do dano sofrido desde que seja recebida uma decisão da Comissão que aprove o auxílio e ordena ao Ministério da Economia que transmita à Comissão, no prazo de dois meses a contar da prolação da sentença, a correspondente declaração de auxílio à atividade comercial?

12)

É relevante, para efeitos da interpretação do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE], o facto de a indemnização pelo dano sofrido ser exigida a um organismo do setor público ([a entidade reguladora]) que, historicamente, não teve de suportar esses custos, bem como o facto de o orçamento deste organismo ser constituído pelos encargos estatais pagos pelos prestadores de serviços públicos dos setores regulamentados, que devem ser exclusivamente afetos à atividade reguladora?

13)

Um regime de indemnização como o que está em causa no presente processo é compatível com os princípios contidos no direito da União e aplicáveis aos setores regulamentados, em especial com o artigo 12.o e com o considerando 30 da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (Diretiva Autorização) [(JO 2002, L 108, p. 21)], na sua versão alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 [(JO 2009, L 337, p. 37)]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que obriga a empresa de distribuição de eletricidade autorizada a comprar a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis a um preço superior ao do mercado e que prevê que os custos adicionais daí resultantes são financiados por uma sobretaxa obrigatória suportada pelos consumidores finais constitui uma intervenção «proveniente de recursos estatais», na aceção desta disposição.

31

Importa recordar que a qualificação de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, pressupõe o preenchimento de quatro requisitos, a saber, que exista uma intervenção do Estado ou ser «proveniente de recursos estatais», que essa intervenção seja suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, que a referida intervenção confira uma vantagem seletiva ao seu beneficiário e que a mesma intervenção falseie ou ameace falsear a concorrência (Acórdão de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.o 57 e jurisprudência referida).

32

A primeira questão prejudicial refere‑se unicamente ao primeiro destes requisitos. A este respeito, importa notar que, segundo jurisprudência constante, uma medida pode ser qualificada de intervenção do Estado ou de auxílio «proveniente de recursos estatais» se, por um lado, a medida for concedida direta ou indiretamente através desses recursos e, por outro, a medida for imputável a um Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.o 58 e jurisprudência referida).

33

Tratando‑se, em primeiro lugar, do requisito da imputabilidade a um Estado‑Membro, importa observar que o mecanismo de compensação em causa nos processos principais foi instituído por via legislativa, pelo que é imputável ao Estado‑Membro em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Vent de colère!, C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 18, e de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 50).

34

Tratando‑se, em segundo lugar, do requisito de que a vantagem seja «proveniente de recursos estatais», sobre o qual se interroga precisamente o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça declarou que os montantes resultantes do suplemento de preço imposto pelo Estado aos compradores de eletricidade se assemelham a um imposto que incide sobre a eletricidade e têm origem em «recursos estatais», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.os 47 e 66).

35

Assim, os fundos provenientes de contribuições obrigatórias impostas pela legislação do Estado‑Membro em causa, geridos e repartidos de acordo com essa legislação, devem considerar‑se «recursos estatais», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Vent de colère!, C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 25). Por conseguinte, é indiferente que o mecanismo de financiamento não se enquadre, em sentido estrito, na categoria das sobretaxas de natureza fiscal no direito nacional (Acórdão de 16 de setembro de 2021, FVE Holýšov I e o., C‑850/19 P, EU:C:2021:740, n.o 46 e jurisprudência referida).

36

Em contrapartida, como salientou o advogado‑geral no n.o 36 das suas conclusões, o facto de o encargo financeiro da sobretaxa ser suportado de facto por uma categoria de pessoas definida não basta para demonstrar que os fundos provenientes dessa sobretaxa têm caráter de «recursos estatais», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. É ainda necessário que a referida sobretaxa seja obrigatória por força do direito nacional.

37

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que não basta que os operadores de rede repercutam no preço de venda da eletricidade aos seus clientes finais os custos adicionais provocados pela obrigação que lhes incumbe de comprar a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis às tarifas fixadas por lei, uma vez que essa compensação resulta apenas de uma prática e não de uma obrigação legal (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão,C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.os 70 e 71).

38

Resulta do exposto que os fundos alimentados por um imposto ou por outras sobretaxas obrigatórias nos termos da legislação nacional, geridos e repartidos de acordo com essa legislação, constituem «recursos estatais», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

39

Todavia, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 49 das suas conclusões, o critério mencionado no número anterior do presente acórdão não é o único que permite identificar «recursos estatais», na aceção desta disposição. O facto de as quantias estarem constantemente sob controlo público e, portanto, à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para que sejam qualificadas de «recursos estatais» (Acórdãos de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 37, e de 21 de outubro de 2020, Eco TLC, C‑556/19, EU:C:220:844, n.o 36).

40

No caso em apreço, resulta dos pedidos de decisão prejudicial que o custo adicional que representa para a empresa de distribuição autorizada a compra da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis a um preço correspondente ao dobro da tarifa média de venda da eletricidade é financiado, nos termos da legislação letã em causa, por uma sobretaxa obrigatória suportada por todos os utilizadores finais proporcionalmente ao seu consumo.

41

Por outro lado, segundo as indicações fornecidas ao Tribunal de Justiça, nomeadamente pelo Governo letão na audiência, os fundos provenientes dessa sobretaxa são cobrados, geridos e repartidos por uma sociedade inteiramente detida pelo Estado‑Membro em causa e não podem ser utilizados para fins diferentes dos previstos na lei, a saber, a compensação do custo adicional mencionado no número anterior. Esses fundos estão, assim, constantemente sob controlo público.

42

Daqui resulta que, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, os fundos através dos quais é concedida uma vantagem tarifária, em aplicação da legislação letã em causa, aos produtores de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis são «recursos estatais», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, atentos os dois critérios alternativos deste conceito recordados nos n.os 38 e 39 do presente acórdão.

43

À luz das considerações anteriores, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que obriga a empresa de distribuição de eletricidade autorizada a comprar a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis a um preço superior ao do mercado e que prevê que os custos adicionais daí resultantes são financiados por uma sobretaxa obrigatória suportada pelos consumidores finais ou que prevê que os fundos que servem para financiar esses custos adicionais estão constantemente sob controlo público constitui uma intervenção «proveniente de recursos estatais», na aceção desta disposição.

Quanto à segunda questão

44

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a qualificação de uma vantagem de «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, está sujeita à condição de o mercado em causa ter sido totalmente liberalizado previamente e, nessa hipótese, quais são os elementos que permitem datar a liberalização do mercado da eletricidade na Letónia.

45

Segundo o Governo letão, esta questão deve ser declarada inadmissível, uma vez que não é suscetível de ter incidência sobre a resolução dos litígios nos processos principais. Com efeito, as quantias reclamadas pelas demandantes nos processos principais preenchem os critérios de auxílio de Estado, independentemente da data da liberalização do mercado da eletricidade em causa.

46

A este respeito, há que recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação de uma regra de direito da União, o Tribunal é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 24, e de 7 de fevereiro de 2018, American Express, C‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 31).

47

Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 25, e de 7 de fevereiro de 2018, American ExpressC‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 32).

48

No caso em apreço, a segunda questão prejudicial tem por objeto o conceito de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o TFUE, e, consequentemente, goza da presunção de pertinência recordada no número anterior do presente acórdão.

49

Esta presunção de pertinência não pode ser ilidida no presente caso. Com efeito, é pacífico que os litígios nos processos principais têm por objeto a qualificação de auxílio da vantagem tarifária concedida aos produtores de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis, em aplicação da legislação letã em causa. Ora, como sustenta a Comissão nas suas observações, a falta de liberalização do mercado da eletricidade poderia ter incidência sobre os requisitos dessa qualificação de que a intervenção em causa seja suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e de que falseie ou ameace falsear a concorrência, recordadas no n.o 31 do presente acórdão.

50

Daqui resulta que o fundamento de inadmissibilidade suscitado pelo Governo letão deve ser julgado improcedente.

51

No que respeita à influência da liberalização do mercado em causa na apreciação da existência de um auxílio, importa recordar que um auxílio de Estado é suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e de falsear ou ameaçar falsear a concorrência, mesmo quando o mercado em causa só está parcialmente aberto à concorrência. Basta que, no momento da entrada em vigor de uma medida de auxílio, haja uma situação de concorrência efetiva no mercado em causa para que uma intervenção do Estado ou proveniente de recursos estatais seja suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdão de 23 de janeiro do 2019, Fallimento Traghetti del Mediterraneo, C‑387/17, EU:C:2019:51, n.os 39 e 40).

52

Daí resulta que uma vantagem concedida a certas empresas é suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e de falsear a concorrência mesmo antes da liberalização total desse mercado (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro do 2019, Fallimento Traghetti del Mediterraneo, C‑387/17, EU:C:2019:51, n.o 49).

53

Por conseguinte, a data da liberalização total do mercado da eletricidade na Letónia é irrelevante para apreciar se o auxílio concedido pelo operador público nesse Estado‑Membro, comprando a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis a um preço superior ao do mercado, deve ser qualificado de auxílio de Estado.

54

Atendendo às considerações anteriores, há que responder à segunda questão prejudicial que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a qualificação de uma vantagem de «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, não está sujeita à condição de o mercado em causa ter sido totalmente liberalizado previamente.

Quanto à terceira questão

55

Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese de a vantagem concedida aos produtores de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis nos termos da regulamentação letã pertinente não constituir um «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o pagamento das quantias reclamadas pelas demandantes nos processos principais pode constituir, em contrapartida, o pagamento de «auxílios», na aceção desta disposição.

56

Antes de mais, há que recordar que, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para apreciar os factos do litígio no processo principal nem para aplicar a medidas ou a situações nacionais as regras da União cuja interpretação fornece, sendo estas questões da competência exclusiva do juiz nacional (Acórdão de 10 de junho de 2010, Fallimento Traghetti del Mediterraneo SpA/Presidenza del Consiglio dei Ministri, C‑140/09, EU:C:2010:335, n.o 22 e jurisprudência referida).

57

Daqui resulta que, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça não é, em particular, competente para determinar se as quantias em causa nos processos principais constituem auxílios de Estado.

58

Em contrapartida, o Tribunal de Justiça é competente para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos de interpretação do direito da União que possam permitir‑lhe apreciar a conformidade de uma medida nacional com esse direito, para efeitos da decisão do processo nele pendente. Em matéria de auxílios de Estado, o Tribunal pode, designadamente, fornecer ao juiz de reenvio os elementos de interpretação que lhe permitam determinar se uma medida nacional pode ser qualificada de «auxílio de Estado» na aceção do direito da União (Acórdão de 10 de junho de 2010, Fallimento Traghetti del Mediterraneo SpA, C‑140/09, EU:C:2010:335, n.o 24 e jurisprudência referida).

59

A este respeito, importa recordar que os auxílios públicos, que constituem medidas da autoridade pública que favorecem certas empresas ou certos produtos, revestem uma natureza jurídica fundamentalmente diferente da indemnização a que as autoridades nacionais são, eventualmente, condenadas a pagar a particulares, a título de reparação de um prejuízo que lhes tiverem causado. Assim, as indemnizações não constituem auxílios de Estado na aceção do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 27 de setembro de 1988, Asteris e o., 106/87 a 120/87, EU:C:1988:457, n.os 23 e 24).

60

Em contrapartida, como salientou o advogado‑geral nos n.os 69 e 70 das suas conclusões, para determinar se determinadas quantias constituem «auxílios de Estado», é indiferente que as ações que visam obter o seu pagamento sejam qualificadas de «pedidos de reparação» ou de «pedidos de indemnização» ao abrigo do direito nacional.

61

No caso em apreço, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que as ações propostas pelas demandantes nos processos principais contra a entidade reguladora perante o juiz administrativo letão visam obter o pagamento de quantias que consideram ser‑lhes devidas em aplicação do artigo 40.o, n.o 1, da Lei da Energia, cujo benefício consideram ter conservado após 2005, nos termos do artigo 30.o, n.o 1, da Lei do Mercado da Eletricidade. Com efeito, por Decisão de 20 de janeiro de 2010, o Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional) considerou que, na sequência de um erro de interpretação desse artigo 30.o, n.o 1, a autoridade reguladora tinha erradamente omitido atualizar o preço de compra da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis a partir de 8 de junho de 2005.

62

Em contrapartida, não resulta das explicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que as quantias em causa nos processos principais tenham a natureza de «indemnização», na aceção da jurisprudência recordada no n.o 59 do presente acórdão. Com efeito, as demandantes nos processos principais não pedem a reparação de um prejuízo distinto daquele que consiste no não pagamento integral da vantagem a que consideram que tinham direito em aplicação da legislação letã em causa entre 2006 e 2008. Em contrapartida, a situação seria diferente se as ações nos processos principais tivessem tido por objeto a reparação de prejuízos decorrentes desse não pagamento.

63

Daqui resulta que as quantias em causa nos processos principais têm a mesma natureza que as já obtidas entre 2006 e 2008 pelas demandantes nos processos principais, em aplicação dessa legislação, e cuja retificação do montante estas últimas se limitam a pedir.

64

Nestas condições, a qualificação de «auxílios de Estado» de quantias como as reclamadas pelas demandantes nos processos principais, com fundamento na regulamentação letã pertinente, depende da questão de saber se a vantagem concedida aos produtores de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis nos termos da referida regulamentação constitui, ela própria, um auxílio de Estado.

65

Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à terceira questão que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, quando uma regulamentação nacional institui um «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, o pagamento de uma quantia reclamada judicialmente em aplicação dessa regulamentação também constitui um auxílio dessa natureza.

Quanto à quarta questão

66

Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese de a vantagem tarifária concedida às empresas produtoras de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis constituir um «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, os pedidos das demandantes nos processos principais devem ser considerados pedidos de pagamento da parte desse auxílio de Estado não recebida ou pedidos de concessão de um auxílio de Estado distinto pelo juiz que conhece da causa.

67

A este respeito, resulta dos n.os 61 a 63 do presente acórdão que os pedidos das demandantes nos processos principais visam obter o pagamento de uma parte da vantagem tarifária concedida aos produtores de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis que consideram ser‑lhes devida em aplicação da legislação letã em vigor entre 2006 e 2008.

68

Por conseguinte, se essa vantagem tarifária constitui um «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, os pedidos das demandantes nos processos principais correspondem a um pedido de pagamento de uma parte desse auxílio de Estado.

69

Todavia, segundo a Comissão, as quantias concedidas pelo juiz nacional às demandantes nos processos principais constituem auxílios de Estado distintos da vantagem tarifária instituída pela regulamentação letã em causa.

70

Em apoio da sua tese, a Comissão sustenta, antes de mais, que a base jurídica dos «auxílios de Estado» concedidos às demandantes nos processos principais nos acórdãos do Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) não é a Lei da Energia, mas os próprios acórdãos desse órgão jurisdicional.

71

Todavia, há que observar que, nesses acórdãos, o referido órgão jurisdicional concedeu as quantias reclamadas pelas demandantes nos processos principais aplicando expressamente a Lei do Mercado da Eletricidade, conforme interpretada pelo Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional).

72

Em seguida, invocando o n.o 17 do Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811), a Comissão considera, em termos gerais, que, do ponto de vista do direito da União, é indiferente que um auxílio de Estado seja concedido por um órgão jurisdicional ou por outra autoridade, nomeadamente administrativa. As medidas de auxílio de Estado são objetivamente definidas pelos seus efeitos e não pelas suas causas ou objetivos. Ora, se um auxílio de Estado não pudesse ser concedido por um órgão jurisdicional nacional, o conceito de «auxílio de Estado» não era definido «objetivamente», em função dos efeitos da medida em causa, mas «subjetivamente», consoante a autoridade pública que o adotou.

73

Todavia, a jurisprudência referida no número anterior do presente acórdão, que enuncia que os «auxílios de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, se caracterizam pelos seus efeitos e não pelos seus objetivos, não significa, porém, que um auxílio de Estado seja definido exaustivamente pelos seus efeitos, com exclusão de qualquer outro critério. Com efeito, um auxílio de Estado também se define pela sua natureza, quanto mais não seja porque é «proveniente de recursos estatais», como prevê expressamente o artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, a jurisprudência referida pela Comissão não tem o alcance que esta instituição lhe atribui. Em especial, dela não se pode extrair nenhuma conclusão sobre a possibilidade de um órgão jurisdicional nacional conceder um auxílio de Estado.

74

Por último, a Comissão invoca o Acórdão de 4 de março de 2020, Buonotourist/Comissão (C‑586/18 P, EU:C:2020:152), no qual o Tribunal de Justiça declarou que a República Italiana tinha, através de um acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), concedido a um prestador de serviços de transporte por autocarro um auxílio de Estado que consistia numa compensação das suas obrigações de serviço público.

75

Todavia, há que salientar que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça apenas indicou, como resulta do seu n.o 97, que a medida de auxílio em causa «[tinha] sido objeto de uma decisão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional)». Ora, embora o juiz nacional possa, eventualmente, proferir uma decisão da qual resulte que uma das partes deve, nos termos do direito nacional, receber uma quantia correspondente a um auxílio de Estado, isso não significa de modo algum que, nesse caso, ele próprio concede esse auxílio. Semelhante sentença tem por efeito único obrigar, por força da autoridade do caso julgado, a parte contrária, regra geral a autoridade administrativa competente, a proceder ao pagamento do referido auxílio. Assim, no processo que deu origem ao Acórdão de 4 de março de 2020, Buonotourist/Comissão (C‑586/18 P, EU:C:2020:152), a compensação por obrigações de serviço público estava prevista numa decisão das autoridades italianas, como resulta do n.o 17 desse acórdão.

76

Em todo o caso, a instauração enquanto tal de um auxílio de Estado não pode decorrer de uma decisão judicial. Com efeito, a instauração de um auxílio de Estado resulta de um juízo de oportunidade que é alheio à função de juiz.

77

Importa acrescentar que a aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado assenta numa obrigação de cooperação leal entre, por um lado, os órgãos jurisdicionais nacionais e, por outro, a Comissão e os órgãos jurisdicionais da União, no âmbito da qual cada um atua em função da missão que lhe é conferida pelo Tratado FUE. No âmbito desta cooperação, os órgãos jurisdicionais nacionais devem tomar todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do direito da União e abster‑se das que são suscetíveis de pôr em perigo a realização dos objetivos do Tratado, como resulta do artigo 4.o, n.o 3, TUE (Acórdão de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa, C‑284/12, EU:C:2013:755, n.o 41).

78

Por conseguinte, se a regulamentação nacional em causa instaura uma vantagem que constitui um auxílio de Estado a favor dos produtores de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis, as quantias atribuídas às demandantes nos processos principais nas causas que deram origem aos acórdãos do Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) não podem, em todo o caso, ser vistas como constituindo auxílios de Estado distintos dessa vantagem.

79

Por conseguinte, há que responder à quarta questão que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, quando uma regulamentação nacional que institui um direito legal a um pagamento bonificado da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis constitui um «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, os pedidos judiciais destinados a obter o benefício integral desse direito devem ser vistos como pedidos de pagamento da parte desse auxílio de Estado não recebida, e não como pedidos de atribuição de um auxílio de Estado distinto pelo juiz que conhece da causa.

Quanto à quinta questão

80

Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese de os pedidos em causa nos processos principais deverem ser considerados pedidos de pagamento da parte de um auxílio de Estado não recebida, esse pagamento deve ter em consideração a situação do mercado da eletricidade e o estado da legislação em vigor à data em que ocorre, incluindo as restrições existentes em matéria de sobrecompensação.

81

Em conformidade com jurisprudência constante, a questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça deve ter por objeto uma interpretação do direito da União que corresponda a uma necessidade objetiva da decisão que o juiz nacional deve tomar (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2016, Velikova, C‑228/15, não publicado, EU:C:2016:641, n.o 35 e jurisprudência referida).

82

Há que salientar que as circunstâncias referidas na quinta questão prejudicial se prendem, em substância, com a apreciação da compatibilidade das medidas em causa nos processos principais com o mercado interno, se essas medidas devessem ser qualificadas de auxílios de Estado. Ora, segundo jurisprudência constante, a apreciação da compatibilidade de medidas de auxílio ou de um regime de auxílios com o mercado interno é da competência exclusiva da Comissão, que atua sob a fiscalização do juiz da União (Acórdãos de 23 de março de 2006, Enirisorse,C‑237/04,EU:C:2006:197, n.o 23, e de 27 de janeiro de 2022, Fondul Proprietatea,C 179/20, EU:C:2022:58, n.o 83 e jurisprudência referida). Por conseguinte, esta questão é manifestamente desprovida de utilidade para a resolução dos litígios nos processos principais.

83

Resulta do exposto que a quinta questão é inadmissível.

Quanto à sexta e sétima questões

84

Com a sexta e sétima questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, por um lado, o facto de as centrais eólicas terem, ao contrário das centrais hidroelétricas, beneficiado no passado de um auxílio integral e, por outro, o facto de só uma parte dos produtores de hidroeletricidade serem indemnizados são pertinentes para a interpretação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

85

Cabe recordar que a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inscrevem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Com efeito, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação de um diploma da União com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa,C‑347/16, EU:C:2017:816, n.o 56 e jurisprudência referida).

86

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta exigência de precisão é especialmente relevante no domínio da concorrência, que é caracterizado por situações de facto e de direito complexas (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa,C‑347/16, EU:C:2017:816, n.o 57 e jurisprudência referida).

87

Importa sublinhar que as informações fornecidas nas decisões de reenvio servem não só para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas também para dar aos governos dos Estados‑Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentarem utilmente observações, em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. As exigências de conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, devendo o órgão jurisdicional de reenvio, no quadro da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE, delas ter conhecimento e respeitá‑las escrupulosamente (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa,C‑347/16, EU:C:2017:816, n.os 58 e 59 e jurisprudência referida).

88

Ora, no caso em apreço, há que constatar que a decisão de reenvio, que se limita, no essencial, a invocar as circunstâncias evocadas no n.o 84 do presente acórdão, não contém explicações sobre as razões por que o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre a pertinência dessas circunstâncias no âmbito da interpretação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

89

Nestas condições, a sexta e sétima questões devem ser julgadas inadmissíveis.

Quanto à oitava questão

90

Com a oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 1407/2013, em especial o seu artigo 5.o, n.o 2, deve ser interpretado no sentido de que os critérios previstos para os auxílios de minimis são aplicáveis aos auxílios em causa nos processos principais, na medida em que o montante destes últimos não ultrapassa o limiar de minimis fixado no artigo 3.o, n.o 2, deste regulamento.

91

Embora, como recordado no n.o 82 do presente acórdão, os órgãos jurisdicionais nacionais não sejam competentes para se pronunciarem sobre a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno, podem, em contrapartida, ser chamados a pronunciar‑se sobre litígios que os obriguem a interpretar e a aplicar o conceito de «auxílio», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, em especial com vista a determinar se uma medida estatal instituída sem ter em conta o procedimento de controlo prévio previsto no artigo 108.o, n.o 3, TFUE devia ou não ter sido sujeita a esse procedimento (Acórdãos de 18 de julho de 2007, Lucchini,C‑119/05, EU:C:2007:434, n.o 50, e de 26 de outubro de 2016, DEI e Comissão/Alouminion tis Ellados, C‑590/14 P, EU:C:2016:797, n.o 98). Assim, um órgão jurisdicional nacional pode ser levado a apreciar se um auxílio de Estado se enquadra no regime derrogatório dos auxílios de minimis, que não estão sujeitos à obrigação de notificação prevista no referido artigo 108.o, n.o 3.

92

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a aplicabilidade do Regulamento n.o 1407/2013 aos litígios nos processos principais devido ao módico montante das quantias atribuídas às demandantes nos processos principais pelo juiz que conheceu do mérito das causas, a saber, respetivamente, a quantia de 3406,63 euros e a de 662,26 euros. Todavia, em aplicação do artigo 5.o, n.o 2, deste regulamento, o limite máximo dos auxílios de minimis deve ser apreciado à luz dos auxílios já concedidos «em relação aos mesmos custos elegíveis» ou a título da «mesma medida de financiamento de risco». Ora, como exposto nos n.os 63 e 67 do presente acórdão, as quantias atribuídas às demandantes nos processos principais correspondem a uma retificação do montante total das quantias já recebidas e ainda por elas reclamadas entre 2006 e 2008, em aplicação do artigo 30.o, n.o 1, da Lei do Mercado da Eletricidade. Em consequência, é atendendo ao montante total das quantias já recebidas e das quantias ainda reclamadas pelas demandantes nos processos principais com este fundamento no período de referência que, partindo do princípio de que se trata de auxílios de Estado, o caráter de minimis dos auxílios em causa nos processos principais deve ser apreciado.

93

Por conseguinte, há que responder à oitava questão prejudicial que o Regulamento n.o 1407/2013, em especial o seu artigo 5.o, n.o 2, deve ser interpretado no sentido de que a observância do limiar de minimis fixado no artigo 3.o, n.o 2, deste regulamento deve ser apreciada atendendo ao montante do auxílio reclamado nos termos da regulamentação nacional pertinente, acumulado com o montante dos pagamentos já recebidos no período de referência nos termos da mesma regulamentação.

Quanto à nona e décima questões

94

Com a nona e décima questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, alíneas b) e c), do Regulamento 2015/1589 deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese de as quantias pedidas pelas demandantes nos processos principais corresponderem a auxílios de Estado, esses auxílios devem ser qualificados de«novos» ou de «existentes», na aceção desta disposição. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em especial, se essas quantias podem ser consideradas «auxílios existentes», em aplicação do artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento 2015/1589.

95

Como indicado nos n.os 62 e 63 do presente acórdão, as quantias reclamadas pelas demandantes nos processos principais representam uma parte da vantagem tarifária que consideram ser‑lhes devida na qualidade de produtoras de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis, por força da regulamentação letã em vigor entre 2006 e 2008. Estas quantias têm, por conseguinte, a mesma natureza que a referida vantagem tarifária.

96

É por esta razão que a questão de saber se as quantias em causa nos processos principais devem ser qualificadas de «novos auxílios» ou de «auxílios existentes» depende da questão de saber qual destas duas qualificações deve assumir essa vantagem tarifária, a que essas quantias estão associadas, na hipótese de a referida vantagem dever ser qualificada de «auxílio de Estado».

97

Tratando‑se de uma questão de qualificação jurídica dos factos do litígio nos processos principais, que é da competência exclusiva do órgão jurisdicional de reenvio, importa recordar que ao Tribunal de Justiça incumbe apenas fornecer a esse órgão jurisdicional elementos de interpretação das disposições do direito da União, cuja aplicação lhe caberá.

98

O artigo 1.o, alínea c), do Regulamento 2015/1589 designa por «novo auxílio»«quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente». Assim, para que um auxílio de Estado seja considerado um «novo auxílio», deve ser demonstrado que não é um «auxílio existente», na aceção do artigo 1.o, alínea b), do Regulamento 2015/1589, que distingue entre várias categorias de auxílios existentes.

99

Em primeiro lugar, o artigo 1.o, alínea b), i), do Regulamento 2015/1589 designa como «auxílios existentes»«os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do [Tratado FUE] no respetivo Estado‑Membro e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data».

100

A este respeito, há que recordar que a vantagem tarifária a favor dos produtores de hidroeletricidade instaurada pelo artigo 40.o, n.o 1, da Lei da Energia antes da adesão da República da Letónia à União foi prorrogada pelo artigo 30.o, n.o 1, da Lei do Mercado da Eletricidade.

101

Todavia, como resulta da redação do artigo 1.o, alínea b), i), do Regulamento 2015/1589, esta disposição é aplicável «sem prejuízo […] do apêndice do anexo IV do Ato de Adesão». Ora, resulta do ponto 3, n.o 1, segundo parágrafo, desse anexo IV que todas as medidas ainda aplicáveis após a data da adesão que constituam um auxílio estatal serão consideradas auxílios novos, a não ser que tenham sido executadas antes de 10 de dezembro de 1994, estejam enumeradas no apêndice do anexo IV acima referido ou tenham sido notificadas à Comissão, sem que esta tenha levantado objeções motivadas por sérias dúvidas quanto à compatibilidade das medidas com o mercado interno.

102

No caso em apreço, a regulamentação nacional pertinente não é enumerada no apêndice do anexo IV do Ato de Adesão e não resulta do pedido de decisão prejudicial que tenha sido executada antes de 10 de dezembro de 1994, nem que tenha sido notificada à Comissão enquanto regime de auxílios.

103

Nestas condições, a vantagem tarifária instituída pela Lei da Energia e prorrogada pela Lei do Mercado da Eletricidade não pode, se constituir um auxílio de Estado, ser qualificada de «auxílio existente», na aceção do artigo 1.o, alínea b), i), do Regulamento 2015/1589, o que cabe, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

104

Em segundo lugar, o artigo 1.o, alínea b), ii) e iii), do Regulamento 2015/1589 designa como «auxílio existente» o «auxílio autorizado, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais que tenham sido autorizados pela Comissão ou pelo Conselho» ou «que se considere [ter] sido autorizad[o]» pela Comissão. Ora, resulta do pedido de decisão prejudicial que a vantagem tarifária em causa nos processos principais não foi autorizada pelo Conselho nem pela Comissão e que também não se pode presumir ter sido por ela autorizada, uma vez que não lhe foi notificada. Por conseguinte, esta vantagem, caso devesse ser qualificada de auxílio de Estado, também não pode ser considerada um «auxílio existente», na aceção do artigo 1.o, alínea b), ii) e iii), do Regulamento 2015/1589, o que cabe, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

105

Em terceiro lugar, constitui igualmente um «auxílio existente», nos termos do artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento 2015/1589, «os auxílios considerados existentes nos termos do artigo 17.o do [Regulamento 2015/1589]».

106

O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 prevê que os poderes da Comissão para recuperar o auxílio ilegal ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos. Por força do n.o 2 deste artigo, esse prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílios, e o prazo é interrompido por quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta. Por outro lado, nos termos do n.o 3 do referido artigo, qualquer auxílio cujo prazo de prescrição tenha caducado será considerado um auxílio existente (Acórdão de 26 de abril de 2018, ANGED,C‑233/16, EU:C:2018:280, n.o 79).

107

Para apreciar se as quantias reclamadas pelas demandantes nos processos principais podem ser qualificadas de «auxílios existentes», na aceção do artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento 2015/1589, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, na décima questão prejudicial, se o início do prazo de prescrição previsto no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 deve ser fixado no dia da instauração da vantagem tarifária cujo benefício é solicitado pelas demandantes nos processos principais ou no dia do pagamento efetivo ocorrido a seu favor a esse título.

108

A este respeito, resulta do artigo 17.o, n.o 2, deste regulamento que, para fixar a data em que o prazo de prescrição de dez anos começa a contar, esta disposição refere a data da concessão do auxílio ao beneficiário e não a data de adoção de um regime de auxílios (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão,C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 81).

109

Por outro lado, para efeitos do cômputo desse prazo de prescrição, deve considerar‑se que o auxílio em causa foi concedido ao beneficiário apenas na data em que efetivamente lhe foi atribuído (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão,C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 82).

110

Com efeito, o artigo 17.o do Regulamento 2015/1589 tem por objeto determinar o prazo em que a Comissão pode recuperar um auxílio ilegalmente pago. Por conseguinte, o início desse prazo não pode ser fixado em data anterior àquela em que o auxílio ilegal foi pago.

111

No caso em apreço, como exposto no n.o 67 do presente acórdão, as quantias reclamadas pelas demandantes nos processos principais correspondem à parte da vantagem tarifária que consideram ser‑lhes devida em aplicação da regulamentação letã em vigor entre 2006 e 2008 e que não lhes foi paga ao mesmo tempo que o remanescente dessa vantagem. Ora, enquanto esses montantes não forem efetivamente pagos, resulta do número anterior que o prazo de prescrição previsto no artigo 17.o do Regulamento 2015/1589 não começou a contar no que se lhe refere. É certo que o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) julgou procedentes os pedidos das demandantes nos processos principais no valor de, respetivamente, 3406,63 euros e de 662,26 euros. Todavia, como recordou o advogado‑geral no n.o 87 das suas conclusões, os acórdãos desse órgão jurisdicional previram a suspensão da sua execução na pendência da notificação dos auxílios em causa e da subsequente decisão da Comissão sobre os mesmos. Consequentemente, a atribuição efetiva desses auxílios, ou seja, o pagamento das quantias concedidas, ainda não teve lugar, pelo que o prazo de prescrição previsto no artigo 17.o, n.o 1 do Regulamento 2015/1589 ainda não começou a contar, nem, a fortiori, expirou.

112

Por conseguinte, os requisitos previstos no artigo 1.o, alínea b), iv), do Regulamento 2015/1589 não estão preenchidos, de forma que as quantias em causa nos processos principais, se devessem ser qualificadas de medidas de auxílio, não podem ser consideradas «auxílios existentes», na aceção desta disposição.

113

Em quarto lugar, também constitui um «auxílio existente», na aceção do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento 2015/1589, qualquer auxílio que seja considerado como tal «por se poder comprovar que não [constituía um auxílio] no momento da sua execução, tendo‑se subsequentemente transformado em auxíli[o] devido à evolução do mercado interno e sem [ter sido alterado] pelo Estado‑Membro». Esta disposição especifica que «[q]uando determinadas medidas se transformem em auxílios na sequência da liberalização de uma atividade provocada pela legislação da União, essas medidas não serão consideradas auxílios existentes depois da data fixada para a liberalização».

114

Importa salientar que o pedido de decisão prejudicial não menciona a hipótese de o dispositivo instituído a favor da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis se ter tornado um auxílio a favor de uma evolução do mercado interno. De resto, como resulta do n.o 54 do presente acórdão, a qualificação de «auxílio de Estado» não exige que o mercado da eletricidade tenha sido totalmente liberalizado previamente.

115

Por conseguinte, há que considerar que as quantias reclamadas pelas demandantes nos processos principais, na hipótese de deverem ser qualificadas de auxílios de Estado, também não constituem um «auxílio existente», na aceção do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento 2015/1589.

116

Atendendo às considerações anteriores, há que responder à nona e décima questões prejudiciais que o artigo 1.o, alíneas b) e c), do Regulamento 2015/1589 deve ser interpretado no sentido de que, quando um auxílio de Estado não corresponde a nenhuma das categorias de auxílios existentes previstas no artigo 1.o, alínea b), deste regulamento, esse auxílio, incluindo a parte do auxílio cujo pagamento é reclamado posteriormente, deve ser qualificado de «novo auxílio», na aceção do artigo 1.o, alínea c), do referido regulamento.

Quanto à décima primeira questão

117

Com a décima primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o artigo 2.o, n.o 1, e o artigo 3.o do Regulamento 2015/1589 devem ser interpretados no sentido de que o juiz nacional pode deferir um pedido que tenha por objeto o pagamento de uma quantia correspondente a um novo auxílio não notificado à Comissão, desde que as autoridades nacionais em causa notifiquem esse auxílio previamente na forma devida à Comissão e que esta dê, ou se presuma ter dado, o seu acordo a este respeito.

118

Esta questão destina‑se a permitir ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a compatibilidade dos acórdãos do Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional), atualmente objeto de recurso, com as disposições do direito da União mencionadas no número anterior. Com efeito, como exposto no n.o 28 do presente acórdão, através destes acórdãos, este último órgão jurisdicional julgou parcialmente procedentes os pedidos da DOBELES HES e da GM e condenou a entidade reguladora a pagar‑lhes, respetivamente, a quantia de 3406,63 euros e a de 662,26 euros, na condição de a Comissão tomar, ou de se presumir ter tomado, uma decisão de autorização desses auxílios.

119

Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a missão que o direito da União atribui aos órgãos jurisdicionais nacionais na aplicação do sistema de fiscalização dos auxílios de Estado inclui, nomeadamente, a obrigação, sempre que esses órgãos jurisdicionais concluam que a medida em causa deveria ter sido notificada à Comissão, de verificar se o Estado‑Membro em questão cumpriu esta obrigação e, se não for este o caso, de declarar essa medida ilegal (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2015, OTP Bank,C‑672/13, EU:C:2015:185, n.o 68).

120

Cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais retirar todas as consequências da violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, em conformidade com o seu direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2015, OTP Bank,C‑672/13, EU:C:2015:185, n.o 69).

121

No caso de ser apresentado ao juiz nacional um pedido de pagamento de um auxílio ilegal, por este não ter sido notificado à Comissão, a missão de fiscalização dos auxílios de Estado que o direito da União atribui a esse juiz deve, portanto, conduzi‑lo, em princípio, a indeferir esse pedido.

122

Não obstante, uma decisão do juiz nacional que condene o demandado no pagamento do auxílio em causa, mas sob reserva de as autoridades nacionais em causa o notificarem previamente à Comissão e de esta instituição dar o seu acordo, ou se presumir o ter dado, é também de molde a evitar que um novo auxílio seja pago em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, do artigo 2.o, n.o 1, e do artigo 3.o do Regulamento 2015/1589.

123

O artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o artigo 2.o, n.o 1, e o artigo 3.o do Regulamento 2015/1589 devem, por conseguinte, ser interpretados no sentido de que o juiz nacional pode deferir um pedido que tenha por objeto o pagamento de uma quantia correspondente a um novo auxílio não notificado à Comissão, desde que as autoridades nacionais em causa notifiquem esse auxílio previamente na forma devida a esta instituição e que esta dê, ou se presuma ter dado, o seu acordo a este respeito.

Quanto à décima segunda questão

124

Com a décima segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar se as quantias têm a natureza de «auxílios de Estado», na aceção desta disposição, é pertinente que sejam reclamadas a uma autoridade pública distinta da que está, em princípio, obrigada a pagá‑las em aplicação da regulamentação nacional em causa e cujo orçamento se destina unicamente a assegurar o seu próprio funcionamento.

125

Resulta do artigo 107.o, n.o 1, TFUE que a existência de um auxílio de Estado depende, não do organismo responsável pelo seu pagamento nos termos do direito nacional, mas da origem estatal dos fundos que financiam o auxílio em causa. Em particular, a este respeito é indiferente que a pessoa responsável pela concessão da vantagem em questão tenha um estatuto público ou privado ou que goze de autonomia estatutária ao abrigo do direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, Comissão/TV2/Danmark, C‑656/15 P, EU:C:2017:836, n.os 44 e 45).

126

Assim, não influencia a qualificação de uma vantagem como auxílio de Estado a circunstância de uma parte desta, não tendo sido paga pelo organismo, em princípio, responsável por o fazer em conformidade com o direito nacional, ser reclamada a uma autoridade pública distinta no âmbito de uma ação judicial.

127

Consequentemente, há que responder à décima segunda questão que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar se as quantias têm a natureza de «auxílios de Estado», na aceção desta disposição, não é pertinente que essas quantias sejam reclamadas a uma autoridade pública distinta da que está, em princípio, obrigada a pagá‑las em aplicação da regulamentação nacional em causa e cujo orçamento se destina unicamente a assegurar o seu próprio funcionamento.

Quanto à décima terceira questão

128

Com a décima terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2002/20 é suscetível de se opor à «eventual indemnização» das demandantes nos processos principais pela entidade reguladora.

129

Importa salientar, na senda do advogado‑geral no n.o 100 das suas conclusões, que esta diretiva, que diz respeito ao mercado das comunicações eletrónicas, não é aplicável ao setor da eletricidade.

130

Daqui resulta que a décima terceira questão é manifestamente desprovida de utilidade para a resolução dos litígios nos processos principais e, portanto, de acordo com a jurisprudência recordada no n.o 47 do presente acórdão, inadmissível.

Quanto às despesas

131

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que obriga a empresa de distribuição de eletricidade autorizada a comprar a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis a um preço superior ao do mercado e que prevê que os custos adicionais daí resultantes são financiados por uma sobretaxa obrigatória suportada pelos consumidores finais ou que prevê que os fundos que servem para financiar esses custos adicionais estão constantemente sob controlo público constitui uma intervenção «proveniente de recursos estatais», na aceção desta disposição.

 

2)

O artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a qualificação de uma vantagem de «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, não está sujeita à condição de o mercado em causa ter sido totalmente liberalizado previamente.

 

3)

O artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, quando uma regulamentação nacional institui um «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, o pagamento de uma quantia reclamada judicialmente em aplicação dessa regulamentação também constitui um auxílio dessa natureza.

 

4)

O artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, quando uma regulamentação nacional que institui um direito legal a um pagamento bonificado da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis constitui um «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, os pedidos judiciais destinados a obter o benefício integral desse direito devem ser vistos como pedidos de pagamento da parte desse auxílio de Estado não recebida, e não como pedidos de atribuição de um auxílio de Estado distinto pelo juiz que conhece da causa.

 

5)

O Regulamento (UE) n.o 1407/2013 da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, relativo à aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] aos auxílios de minimis, em especial o seu artigo 5.o, n.o 2, deve ser interpretado no sentido de que a observância do limiar de minimis fixado no artigo 3.o, n.o 2, deste regulamento deve ser apreciada atendendo ao montante do auxílio reclamado nos termos da regulamentação nacional pertinente, acumulado com o montante dos pagamentos já recebidos no período de referência nos termos da mesma regulamentação.

 

6)

O artigo 1.o, alíneas b) e c), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE], deve ser interpretado no sentido de que, quando um auxílio de Estado não corresponde a nenhuma das categorias de auxílios existentes previstas no artigo 1.o, alínea b), deste regulamento, esse auxílio, incluindo a parte do auxílio cujo pagamento é reclamado posteriormente, deve ser qualificado de «novo auxílio», na aceção do artigo 1.o, alínea c), do referido regulamento.

 

7)

O artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o artigo 2.o, n.o 1, e o artigo 3.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE], devem ser interpretados no sentido de que o juiz nacional pode deferir um pedido que tenha por objeto o pagamento de uma quantia correspondente a um novo auxílio não notificado à Comissão Europeia, desde que as autoridades nacionais em causa notifiquem esse auxílio previamente na forma devida a esta instituição e que esta dê, ou se presuma ter dado, o seu acordo a este respeito.

 

8)

O artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar se as quantias têm a natureza de «auxílios de Estado», na aceção desta disposição, não é pertinente que essas quantias sejam reclamadas a uma autoridade pública distinta da que está, em princípio, obrigada a pagá‑las em aplicação da regulamentação nacional em causa e cujo orçamento se destina unicamente a assegurar o seu próprio funcionamento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: letão.