ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

9 de março de 2023 ( *1 )

[Texto retificado por Despacho de 27 de abril de 2023]

«Recurso — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Decisão da Comissão que ordena uma inspeção — Vias de recurso contra o desenrolar da inspeção — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a um recurso efetivo — Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Artigo 19.o — Regulamento (CE) n.o 773/2004 — Artigo 3.o — Registo das audições realizadas pela Comissão no âmbito dos seus inquéritos — Ponto de partida do inquérito da Comissão»

No processo C‑682/20 P,

que tem por objeto um recurso nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 15 de dezembro de 2020,

Les Mousquetaires SAS, com sede em Paris (França),

ITM Entreprises SAS, com sede em Paris,

[conforme retificado por Despacho de 27 de abril de 2023] representadas por N. Jalabert‑Doury e K. Mebarek, avocats,

recorrentes,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por P. Berghe, A. Cleenewerck de Crayencour, A. Dawes e I. V. Rogalski, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

Conselho da União Europeia, representado por A.‑L. Meyer e O. Segnana, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, L. Bay Larsen, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, P. G. Xuereb (relator), A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretária: V. Giacobbo, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de fevereiro de 2022,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a Les Mousquetaires SAS e a ITM Entreprises SAS (a seguir «Intermarché») pedem a anulação parcial do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 5 de outubro de 2020, Les Mousquetaires e ITM Entreprises/Comissão (T‑255/17, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2020:460), pelo qual foi parcialmente negado provimento ao seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão C(2017) 1057 final da Comissão, de 9 de fevereiro de 2017, que ordena à Intermarché e a todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por esta que se sujeitem a uma inspeção nos termos do artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (AT.40466 — Tute 1) (a seguir «primeira decisão impugnada»), e da Decisão C(2017) 1361 final da Comissão, de 21 de fevereiro de 2017, que ordena à Les Mousquetaires e a todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por esta que se sujeitem a uma inspeção nos termos do artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (AT.40466 — Tute 1) (a seguir «segunda decisão impugnada» e, considerada conjuntamente com a primeira decisão impugnada, «decisões impugnadas»).

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 1/2003

2

Nos termos do considerando 25 do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1):

«Uma vez que a deteção das infrações às regras de concorrência se torna cada vez mais difícil, é necessário, para proteger eficazmente a concorrência, reforçar os poderes de inquérito da Comissão [Europeia]. A Comissão deverá, nomeadamente, poder ouvir qualquer pessoa suscetível de dispor de informações úteis e registar as suas declarações. Por outro lado, durante uma inspeção, os funcionários mandatados pela Comissão deverão poder selar as instalações durante o tempo necessário para efetuar a inspeção. Normalmente, o período máximo de afixação de um selo não deverá ultrapassar 72 horas. Os funcionários mandatados pela Comissão deverão igualmente poder solicitar todas as informações relacionadas com o objeto e a finalidade da inspeção.»

3

No capítulo V, intitulado «Poderes de inquérito», figura o artigo 17.o deste regulamento, com a epígrafe «Inquéritos por setores económicos e por tipos de acordos», que dispõe, no seu n.o 1:

«Sempre que a evolução das trocas comerciais entre os Estados‑Membros, a rigidez dos preços ou outras circunstâncias fizerem presumir que a concorrência no mercado comum pode ser restringida ou distorcida, a Comissão pode realizar um inquérito a determinado setor da economia ou a determinado tipo de acordos em vários setores da economia. No âmbito desse inquérito, a Comissão pode pedir às empresas ou associações de empresas interessadas as informações necessárias para efeitos da aplicação dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] e efetuar as inspeções adequadas para o efeito.»

4

O artigo 19.o do referido regulamento, intitulado «Poderes para registar declarações», prevê:

«1.   No cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode ouvir qualquer pessoa singular ou coletiva que a tal dê o seu consentimento para efeitos da recolha de informações sobre o objeto de um inquérito.

2.   Quando uma audição em conformidade com o n.o 1 se realizar nas instalações de uma empresa, a Comissão deve avisar a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se efetuar a audição. A pedido da autoridade responsável em matéria de concorrência desse Estado‑Membro, os funcionários mandatados por essa autoridade podem prestar assistência aos funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para procederem à audição.»

5

O artigo 20.o do mesmo regulamento, intitulado «Poderes da Comissão em matéria de inspeção», dispõe:

«1.   No cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode efetuar todas as inspeções necessárias junto das empresas e associações de empresas.

2.   Os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efetuar uma inspeção podem:

a)

Aceder a todas as instalações, terrenos e meios de transporte das empresas e associações de empresas;

b)

Inspecionar os livros e outros registos relativos à empresa, independentemente do seu suporte;

c)

Tirar ou obter sob qualquer forma cópias ou extratos dos documentos controlados;

d)

Apor selos em quaisquer instalações, livros ou registos relativos à empresa por período e na medida necessária à inspeção;

e)

Solicitar a qualquer representante ou membro do pessoal da empresa ou da associação de empresas explicações sobre factos ou documentos relacionados com o objeto e a finalidade da inspeção e registar as suas respostas.

3.   Os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efetuar uma inspeção exercem os seus poderes mediante a apresentação de mandado escrito que indique o objeto e a finalidade da inspeção, bem como a sanção prevista no artigo 23.o no caso de os livros ou outros registos relativos à empresa que tenham sido exigidos serem apresentados de forma incompleta ou de as respostas aos pedidos feitos em aplicação do n.o 2 do presente artigo serem inexatas ou deturpadas. A Comissão deve avisar em tempo útil antes da inspeção a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção.

4.   As empresas e as associações de empresas são obrigadas a sujeitar‑se às inspeções que a Comissão tenha ordenado mediante decisão. A decisão deve indicar o objeto e a finalidade da inspeção, fixar a data em que esta tem início e indicar as sanções previstas nos artigos 23.o e 24.o, bem como a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça [da União Europeia]. A Comissão toma essas decisões após consultar a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção.

5.   Os funcionários da autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção, ou os agentes mandatados por essa autoridade, devem, a pedido desta ou da Comissão, prestar assistência ativa aos funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão. Dispõem, para o efeito, dos poderes definidos no n.o 2.

6.   Quando os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão verificarem que uma empresa se opõe a uma inspeção ordenada nos termos do presente artigo, o Estado‑Membro em causa deve prestar‑lhes a assistência necessária, solicitando, se for caso disso, a intervenção da força pública ou de uma autoridade equivalente, para lhes dar a possibilidade de executar a sua missão de inspeção.

7.   Se, para a assistência prevista no n.o 6, for necessária a autorização de uma autoridade judicial de acordo com as regras nacionais, essa autorização deve ser solicitada. Essa autorização pode igualmente ser solicitada como medida cautelar.

8.   Sempre que for solicitada a autorização prevista no n.o 7, a autoridade judicial nacional controla a autenticidade da decisão da Comissão, bem como o caráter não arbitrário e não excessivo das medidas coercivas relativamente ao objeto da inspeção. Ao proceder ao controlo da proporcionalidade das medidas coercivas, a autoridade judicial nacional pode pedir à Comissão, diretamente ou através da autoridade do Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência, informações circunstanciadas, em especial quanto aos motivos que tem a Comissão para suspeitar de violação dos artigos [101.o] e [102.o TFUE], bem como quanto à gravidade da infração suspeita e à natureza do envolvimento da empresa em causa. No entanto, a autoridade judicial nacional não pode pôr em causa a necessidade da inspeção, nem exigir que lhe sejam apresentadas informações que constem do processo da Comissão. O controlo da legalidade da decisão da Comissão encontra‑se reservado exclusivamente ao Tribunal de Justiça.»

6

O artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003, intitulado «Coimas», prevê, no seu n.o 1:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas coimas até 1 % do volume de negócios total realizado durante o exercício precedente, sempre que, deliberadamente ou por negligência:

[…]

c)

Apresentem de forma incompleta os livros ou outros registos relativos à empresa, aquando das inspeções efetuadas nos termos do artigo 20.o, ou não se sujeitem às inspeções ordenadas mediante decisão tomada nos termos do n.o 4 do artigo 20.o;

d)

Em resposta a um pedido de explicação feito nos termos da alínea e) do n.o 2 do artigo 20.o,

respondam de forma inexata ou deturpada,

não retifiquem, no prazo estabelecido pela Comissão, uma resposta inexata, incompleta ou deturpada dada por um membro do pessoal, ou

não deem ou se recusem a dar uma resposta cabal sobre factos que se prendam com o objeto e a finalidade de uma inspeção ordenada mediante decisão tomada nos termos do n.o 4 do artigo 20.o;

e)

Forem quebrados os selos apostos, nos termos da alínea d) do n.o 2 do artigo 20.o, pelos funcionários ou outros acompanhantes mandatados pela Comissão.»

Regulamento (CE) n.o 773/2004

7

O artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), intitulado «Início do processo», prevê, no seu n.o 3:

«A Comissão pode exercer os seus poderes de investigação nos termos do capítulo V do Regulamento [n.o 1/2003] antes de dar início ao processo.»

8

No capítulo III, intitulado «Investigação realizada pela Comissão», figura o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, com a epígrafe «Poderes para registar declarações», que dispõe:

«1.   Sempre que a Comissão proceda à audição de uma pessoa que para tal tenha dado o seu consentimento nos termos do artigo 19.o do Regulamento [n.o 1/2003], deve, no início da audição, indicar o fundamento legal e a finalidade da audição e recordar o seu caráter voluntário. Deve também informar a pessoa ouvida da intenção de registar as suas declarações.

2.   A audição pode ser realizada através de quaisquer meios, nomeadamente pelo telefone ou via eletrónica.

3.   A Comissão pode registar as declarações das pessoas ouvidas sob qualquer forma. Deve ser disponibilizada à pessoa ouvida uma cópia do registo para aprovação. Se for necessário, a Comissão deve fixar um prazo durante o qual a pessoa ouvida pode transmitir eventuais correções a introduzir nas suas declarações.»

Antecedentes do litígio e decisões impugnadas

9

Os antecedentes do litígio, que constam dos n.os 2 a 11 do acórdão recorrido, podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos da seguinte forma.

10

A Les Mousquetaires é a sociedade holding de um grupo que exerce as suas atividades no setor da distribuição alimentar e não alimentar em França e na Bélgica. A Intermarché é a sua filial.

11

Tendo recebido informações relativas ao intercâmbio de informações entre a Intermarché e empresas concorrentes, nomeadamente a Casino, a Comissão, através da primeira decisão impugnada, ordenou uma inspeção às instalações da Intermarché e das suas filiais.

12

O dispositivo dessa decisão tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

[…] A Intermarché […], e todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por ela, são obrigadas a sujeitar‑se a uma inspeção relativa à sua eventual participação em práticas concertadas contrárias ao artigo 101.o [TFUE] nos mercados do abastecimento de bens de consumo corrente, no mercado de venda de serviços aos fabricantes de produtos de marca e nos mercados de venda aos consumidores de bens de consumo corrente. Essas práticas concertadas consistem em:

a)

intercâmbios de informações, desde 2015, entre empresas e/ou associações de empresas, nomeadamente a AgeCore e/ou os seus membros, nomeadamente a Intermarché, e a [International Casino Dia Corporation (ICDC)] […] e/ou os seus membros, nomeadamente a Casino, relativamente aos descontos que obtiveram nos mercados do abastecimento dos bens de consumo corrente nos setores dos produtos alimentares, produtos de higiene e produtos de limpeza e aos preços no mercado de venda de serviços aos fabricantes de produtos de marca nos setores dos produtos alimentares, produtos de higiene e produtos de limpeza, em diversos Estados‑Membros da União Europeia, nomeadamente [em] França, e

b)

intercâmbios de informações, pelo menos desde 2016, entre a Casino e a Intermarché relativamente às suas estratégias comerciais futuras, nomeadamente em termos de gama de produtos, de desenvolvimento de lojas, de comércio eletrónico e de política promocional nos mercados do abastecimento de bens de consumo corrente e nos mercados de venda aos consumidores de bens de consumo corrente, em França.

Esta inspeção pode ter lugar em quaisquer instalações da empresa […]

A Intermarché autoriza os funcionários e outras pessoas mandatadas pela Comissão para proceder a uma inspeção e os funcionários e outras pessoas mandatadas pela autoridade da concorrência do Estado‑Membro em causa para os ajudar ou nomeadas por este último para este efeito a aceder a todas as suas instalações e meios de transporte durante as horas normais de funcionamento. Sujeita à inspeção os livros e todos os demais documentos profissionais, qualquer que seja o seu suporte, se os funcionários e outras pessoas mandatadas o solicitarem e permite‑lhes examiná‑los nas instalações e fazer ou obter sob qualquer forma cópia ou extrato desses livros ou documentos. Autoriza a aposição de selos em todas as instalações comerciais e livros ou documentos durante a inspeção e na medida em que tal seja necessário para o efeito. Dá imediatamente no local explicações verbais a respeito do objeto e da finalidade da inspeção se esses funcionários ou pessoas o solicitarem e autoriza qualquer representante ou membro do pessoal a dar explicações. Autoriza o registo dessas explicações sob qualquer forma.

Artigo 2.o

A inspeção pode ter início em 20 de fevereiro de 2017 ou pouco tempo depois.

Artigo 3.o

A Intermarché […] e todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por ela são destinatárias da presente decisão.

A empresa destinatária é notificada desta decisão, imediatamente antes da inspeção, nos termos do artigo 297.o, n.o 2, [TFUE].»

13

Tendo sido informada desta inspeção pela Comissão, a Autorité de la concurrence (Autoridade da Concorrência, França) submeteu à apreciação do juiz competente em matéria de liberdades e de detenção do tribunal de grande instance d’Evry (Tribunal de Primeira Instância de Evry, França), um pedido de autorização para realizar as operações de visita e de apreensão nas instalações das recorrentes. Por Despacho de 17 de fevereiro de 2017, o referido juiz autorizou as visitas e as apreensões requeridas como medida cautelar. Uma vez que nenhuma das medidas tomadas durante a inspeção tornou necessário o uso de «poderes coercivos» na aceção do artigo 20.o, n.os 6 a 8, do Regulamento n.o 1/2003, as recorrentes não foram notificadas desse despacho.

14

A inspeção teve início em 20 de fevereiro de 2017, data em que os inspetores da Comissão, acompanhados de representantes da Autorité de la concurrence (Autoridade da Concorrência), se apresentaram nas instalações da Intermarché.

15

Na sequência de dúvidas relativas à qualidade de funcionário da Intermarché de uma das pessoas visadas pela inspeção, a Comissão adotou a segunda decisão impugnada, que ordena uma inspeção nas instalações da sociedade holding, a Les Mousquetaires, e das suas filiais, com os mesmos fundamentos da primeira decisão impugnada.

16

No âmbito dessa inspeção, a Comissão procedeu, nomeadamente, à visita a escritórios, à apreensão de material informático (computadores portáteis, telemóveis, tablets, dispositivos de armazenamento), à cópia de informações nele contidas e à audição de várias pessoas.

17

Por cartas de 24 de fevereiro de 2017, as recorrentes transmitiram à Comissão as suas reservas quanto às decisões impugnadas e ao desenrolar das inspeções ordenadas por estas, contestando, nomeadamente, a cópia de documentos alegadamente respeitantes à vida privada dos seus membros do seu pessoal. Por carta de 13 de abril de 2017, as recorrentes pediram à Comissão que restituísse alguns desses documentos.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

18

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de abril de 2017, as recorrentes interpuseram, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, recurso, designadamente, de anulação das decisões impugnadas. As recorrentes invocaram, em substância, cinco fundamentos de recurso. O primeiro é relativo à exceção de ilegalidade do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, o segundo é relativo à falta de notificação regular das decisões impugnadas, o terceiro, à privação, do seu direito de defesa contra a inspeção, o quarto, à violação do dever de fundamentação e o quinto é relativo à violação do direito à inviolabilidade do domicílio.

19

No âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal Geral convidou a Comissão a apresentar os indícios de presumíveis infrações de que dispunha à data das decisões impugnadas.

20

Em resposta a esse pedido, a Comissão apresentou, nomeadamente relatórios de audições realizadas em 2016 e 2017 com treze fornecedores dos produtos de consumo corrente em causa que celebravam regulamente acordos com a Casino e a Intermarché (anexos Q.1 a Q.13 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019) (a seguir «audições com os fornecedores»).

21

Pelo acórdão recorrido, o Tribunal Geral, tendo considerado que a Comissão não dispunha de indícios suficientemente sérios para suspeitar da existência de uma infração que consistia em intercâmbios de informações entre a Casino e a Intermarché sobre as suas futuras estratégias comerciais, anulou o artigo 1.o, alínea b), de cada uma das decisões impugnadas e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

Pedidos das partes

22

Com o seu recurso, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o n.o 2 do dispositivo do acórdão recorrido;

julgar procedentes os pedidos apresentados em primeira instância e anular as decisões impugnadas, e

condenar a Comissão na totalidade das despesas de todo o processo, incluindo as do processo no Tribunal Geral.

23

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar as recorrentes nas despesas.

24

O Conselho da União Europeia conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

julgar improcedente o primeiro fundamento do recurso, e

condenar as recorrentes nas despesas do recurso.

Quanto ao recurso

25

As recorrentes invocam cinco fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a erros de direito e à falta de fundamentação por parte do Tribunal Geral no âmbito da sua análise da efetividade das vias de recurso no que se refere ao desenrolar das inspeções. O segundo fundamento é relativo à violação dos artigos 6.o e 8.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma a 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), do artigo 296.o TFUE e do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, uma vez que o Tribunal Geral violou o dever de fundamentação e de limitação das decisões de inspeção. O terceiro fundamento é relativo a um erro de direito e à violação do Regulamento n.o 1/2003, visto que o Tribunal Geral caracterizou uma fase processual «anterior à adoção de medidas que impliquem a censura da prática de uma infração» não sujeita a este regulamento. O quarto fundamento é relativo à violação dos artigos 6.o e 8.o da CEDH e do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, dado que o Tribunal Geral qualificou como «indícios suficientemente sérios» elementos afetados por irregularidades formais e substanciais. Por último, o quinto fundamento é relativo à falta de fundamentação resultante da não fiscalização do valor probatório desses indícios e de um erro quanto à qualificação como «indício».

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e à falta de fundamentação do acórdão recorrido no âmbito da análise da efetividade das vias de recurso no que se refere ao desenrolar das inspeções

Argumentos das partes

26

As recorrentes contestam os n.os 83 a 112 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral julgou improcedente a exceção de ilegalidade do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, relativa à falta de recurso efetivo que permita contestar o desenrolar das inspeções.

27

Com a primeira parte do primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral violou o seu dever de fundamentação no âmbito da análise da efetividade das vias de recurso no que se refere ao desenrolar das inspeções.

28

Com a segunda parte do primeiro fundamento, as recorrentes invocam uma violação do direito a um recurso efetivo. Sublinham que, no seu Acórdão de 2 de outubro de 2014, Delta Pekárny a.s. c. República Checa (CE:ECHR:2014:1002JUD000009711), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que a conformidade com a CEDH de uma ingerência, como a causada por uma inspeção, exige, entre outros, a existência de um recurso efetivo que permita contestar, tanto juridicamente como de facto, não apenas a legalidade da autorização, mas também as condições do desenrolar de uma inspeção à qual a empresa seja obrigada a submeter‑se.

29

Com a primeira acusação da segunda parte do primeiro fundamento, as recorrentes contestam os fundamentos pelos quais o Tribunal Geral, nos n.os 83 e 87 do acórdão recorrido, considerou que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem permite verificar o respeito pelo direito a um recurso efetivo contra as medidas adotadas no âmbito de uma inspeção, procedendo não a uma análise individual, mas a uma análise global dessas vias de recurso.

30

A este respeito, decorre do n.o 42 do Acórdão do TEDH de 21 de dezembro de 2010, Société Canal Plus e o. c. França (CE:ECHR:2010:1221JUD002940808), que tanto a ação de contestação da legalidade da autorização de uma inspeção como a ação de contestação das medidas adotadas no quadro dessas inspeções devem ser efetivas.

31

Consequentemente, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 83 e 99 a 111 do acórdão recorrido, ao analisar conjuntamente essas vias de recurso e ao considerar que os inconvenientes de uma dessas vias de recurso podiam ser compensados pelas vantagens da outra.

32

De acordo com as recorrentes, se o Tribunal Geral tivesse procedido a uma análise separada das referidas vias de recurso, teria de afastar três das seis vias de recurso que reconheceu como sendo efetivas, designadamente o recurso contra a decisão de encerramento do processo nos termos do artigo 101.o TFUE, o recurso contra a decisão de inspeção e, por último, a ação de indemnização por responsabilidade extracontratual. Todas as outras vias de recurso são parciais e não permitem verificar, juridicamente e de facto, se todas as condições do desenrolar da inspeção respeitavam o artigo 8.o CEDH, nem mesmo recorrendo a todas.

33

Com a segunda acusação da segunda parte do primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral, ao declarar que os recursos parciais são efetivos, impõe ao litigante a obrigação de criar as condições necessárias para utilizar todas essas vias de recurso.

34

Ora, tanto o processo de medidas provisórias como a ação ex post em matéria de proteção de dados e o recurso com base na jurisprudência resultante do Acórdão de 17 de setembro de 2007, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (T‑125/03 e T‑253/03, EU:T:2007:287), em matéria de proteção das comunicações entre advogados e clientes pressupõem que a empresa, ao desviar‑se da inspeção em curso, consegue provocar uma decisão expressa ou tácita da Comissão que viola o direito à proteção da confidencialidade da correspondência entre advogados e clientes ou, se for caso disso, o direito ao respeito pela vida privada. Essas vias de recurso também se baseiam na aceitação por parte da Comissão de colocar os dados num envelope selado até à decisão do Tribunal Geral. O processo de medidas provisórias durante a inspeção pressupõe, além disso, que a empresa se desvie da inspeção em curso, com a qual tem a obrigação de cooperar ativamente.

35

Quanto ao recurso contra uma decisão que sanciona uma obstrução à inspeção, a existência desta via de recurso exige que a empresa se torne culpada de uma obstrução ao ponto de lhe ser aplicada uma sanção. Ora, tal exigência é contrária ao artigo 52.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

36

Com a terceira acusação da segunda parte do primeiro fundamento, as recorrentes sublinham que, nos n.os 94 e 96 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando analisou a possibilidade de admitir duas vias de recurso até à data inéditas, designadamente, por um lado, um processo de medidas provisórias destinado à suspensão da própria inspeção e, por outro, um recurso ex post relativo à proteção dos dados privados dos dirigentes e dos trabalhadores. De facto, os recursos hipotéticos não podem ser qualificados como recursos efetivos.

37

A Comissão e o Conselho consideram que os argumentos das recorrentes são improcedentes. O Conselho considera, além disso, que a acusação baseada na falta de fundamentação é inadmissível, uma vez que as recorrentes não identificam com a precisão exigida os elementos contestados do acórdão recorrido nem desenvolvem argumentos jurídicos sólidos em apoio dessa acusação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

38

Com a primeira parte do primeiro fundamento de recurso, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral violou o seu dever de fundamentação no âmbito da análise da efetividade das vias de recurso no que se refere ao desenrolar das inspeções.

39

No que diz respeito à admissibilidade desta parte, que é contestada pelo Conselho, há que recordar, antes de mais, que resulta de jurisprudência constante que a falta ou insuficiência de fundamentação consubstancia uma violação de formalidades essenciais, na aceção do artigo 263.o TFUE, e constitui um fundamento de ordem pública que pode, ou mesmo deve, ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União (Acórdãos de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 34, e de 28 de janeiro de 2016, Quimitécnica.com e de Mello/Comissão, C‑415/14 P, não publicado, EU:C:2016:58, n.o 57). Daqui decorre que os argumentos do Conselho relativos à inadmissibilidade da primeira parte do primeiro fundamento devem ser rejeitados.

40

Quanto à procedência desta parte, importa recordar que, por força de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a fundamentação de um acórdão deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão,C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 98 e jurisprudência referida).

41

No caso em apreço, nos n.os 78 a 82 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou, antes de mais, que o direito a um recurso efetivo está consagrado no artigo 47.o da Carta e nos artigos 6.o a 13.o da CEDH. Após recordar que a CEDH não constitui, enquanto a União não aderir à mesma, um instrumento jurídico formalmente integrado na ordem jurídica da União, de modo que a fiscalização da legalidade deve ser efetuada unicamente em função dos direitos fundamentais garantidos pela Carta, o Tribunal Geral sublinhou que resulta tanto do artigo 52.o da Carta como das anotações relativas a este artigo que as disposições da CEDH e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativas a essas disposições devem ser tidas em conta na interpretação e na aplicação das disposições da Carta a um caso concreto.

42

A este respeito, o Tribunal Geral considerou que, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o respeito pelo direito a um recurso efetivo deve ser analisado, em matéria de visitas domiciliárias, à luz dos quatro requisitos seguintes, a saber, primeiro, deve existir uma fiscalização jurisdicional efetiva, tanto de facto como de direito, da regularidade da decisão de proceder a tais visitas ou das medidas adotadas no âmbito dessas visitas, segundo, o ou os recursos disponíveis devem permitir, caso se verifique uma irregularidade, evitar a ocorrência da operação ou, na hipótese de a operação irregular já ter ocorrido, fornecer ao interessado uma reparação adequada, terceiro, a acessibilidade do recurso em causa deve ser certa e, quarto, a fiscalização jurisdicional deve ocorrer num prazo razoável.

43

Em seguida, o Tribunal Geral salientou, no n.o 83 do acórdão recorrido, que decorre igualmente dessa jurisprudência que o desenrolar de uma operação de inspeção deve poder ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva e que a fiscalização deve ser efetiva nas circunstâncias particulares do processo em causa, o que implica a tomada em consideração de todas as vias de recurso de que dispõe uma empresa que seja objeto de uma inspeção e, assim, uma análise global dessas vias de recurso. O Tribunal Geral considerou, nos n.os 86 e 87 do acórdão recorrido, que, uma vez que a verificação do respeito pelo direito a um recurso efetivo deve assentar numa análise global das vias de recurso suscetíveis de dar lugar à fiscalização das medidas adotadas no âmbito de uma inspeção, é indiferente que, consideradas individualmente, nenhuma das vias de recurso analisadas preencha os requisitos exigidos para que seja admitida a existência de um direito a um recurso efetivo.

44

Neste contexto, o Tribunal Geral referiu, por outro lado, nos n.os 88 e 89 do acórdão recorrido que, além da possibilidade de dirigir requerimentos ao consultor auditor da Comissão, existem seis vias de recurso que permitem submeter ao juiz da União contestações relativas a uma operação de inspeção, designadamente o recurso contra a decisão de inspeção, o recurso contra a decisão da Comissão que sanciona uma obstrução à inspeção com base no artigo 23.o, n.o 1, alíneas c) a e), do Regulamento n.o 1/2003, o recurso contra qualquer ato que preencha os requisitos jurisprudenciais do ato suscetível de recurso adotado pela Comissão na sequência da decisão de inspeção e no âmbito do desenrolar das operações de inspeção, como uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção de documentos ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, o recurso contra a decisão de encerramento do processo iniciado nos termos do artigo 101.o TFUE, o processo de medidas provisórias e a ação de indemnização por responsabilidade extracontratual.

45

O Tribunal Geral esclareceu, nos n.os 90 a 98 do acórdão recorrido, por que razão considerava que essas vias de recurso permitiam submeter ao juiz da União contestações relativas ao desenrolar das inspeções.

46

Por último, o Tribunal Geral declarou, após uma análise efetuada nos n.os 100 a 110 do acórdão recorrido, que podia considerar‑se que o sistema de fiscalização do desenrolar das operações de inspeção constituído pelo conjunto das vias de recurso enumeradas no n.o 44 do presente acórdão preenchia os quatro requisitos decorrentes da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

47

Assim, no n.o 111 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedente a exceção de ilegalidade do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, baseada na violação do direito a um recurso efetivo.

48

Nestas condições, há que observar que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, os fundamentos pelos quais o Tribunal Geral rejeitou a argumentação baseada na inexistência de recurso efetivo no que diz respeito às condições do desenrolar das inspeções, emergem de forma clara e inequívoca dos n.os 78 a 111 do acórdão recorrido, resumidos nos n.os 41 a 47 do presente acórdão. Esses fundamentos permitiram às recorrentes conhecer as razões do acórdão recorrido, como decorre, de resto, do conteúdo do seu recurso, e permitem ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional.

49

Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento, relativa à falta de fundamentação.

50

Na segunda parte do primeiro fundamento, as recorrentes invocam uma violação do direito a um recurso efetivo.

51

No que diz respeito à primeira acusação da segunda parte do primeiro fundamento, relativa ao facto de o Tribunal Geral dever proceder a uma análise individual das diferentes vias de recurso para verificar se o direito a um recurso efetivo contra as medidas adotadas no âmbito de uma inspeção está assegurado, há que recordar que o direito a um recurso efetivo está consagrado no artigo 47.o da Carta.

52

Importa recordar igualmente que o artigo 52.o, n.o 3, da Carta precisa que, na medida em que esta última contém direitos que correspondem aos garantidos pela CEDH, o seu sentido e o seu âmbito são os mesmos que essa Convenção lhes confere [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 116].

53

Ora, como resulta das anotações ao artigo 47.o da Carta, que, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e do artigo 52.o, n.o 7, da Carta, devem ser tomadas em consideração para efeitos da interpretação desta, os primeiro e segundo parágrafos desse artigo 47.o correspondem, respetivamente, ao artigo 13.o e ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 117]. Nos termos da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o artigo 6.o, n.o 1, da CEDH constitui uma lex specialis em relação ao artigo 13.o desta Convenção, pelo que os requisitos do segundo estão compreendidos nos requisitos, mais rigorosos, do primeiro (TEDH, 15 de março de 2022, Grzęda c. Polónia, CE:ECHR:2022:0315JUD004357218, § 352 e jurisprudência referida).

54

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que deve assegurar que a sua interpretação do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta garanta um nível de proteção que não viole o garantido pelo artigo 13.o da CEDH, tal como interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso),C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 35].

55

A este respeito, importa salientar que decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a proteção conferida pelo artigo 13.o da CEDH não vai ao ponto de exigir uma forma específica de recurso (TEDH, 20 de março de 2008, Boudaïeva e o. c. Rússia, CE:ECHR:2008:0320JUD001533902, § 190) e que, mesmo que nenhum recurso disponibilizado pelo direito interno, considerado isoladamente, cumpra, por si só, os requisitos previstos neste artigo 13.o, tal pode ser o caso desses recursos, considerados no seu conjunto (TEDH, 10 de julho de 2020, Mugemangango c. Bélgica, CE:ECHR:2020:0710JUD000031015, § 131 e jurisprudência referida).

56

Por outro lado, em caso de violação do direito ao respeito pelo domicílio, consagrado no artigo 8.o da CEDH, um recurso é efetivo, na aceção do artigo 13.o da CEDH, se o recorrente tiver acesso a um processo que lhe permita contestar a regularidade das buscas e apreensões realizadas e obter uma reparação adequada se estas tiverem sido ordenadas ou executadas de forma ilegal (TEDH, 19 de janeiro de 2017, Posevini c. Bulgária, CE:ECHR:2017:0119JUD006363814, § 84).

57

A este respeito, decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.o, n.o 1, ou ao artigo 8.o da CEDH que, em matéria de visitas domiciliárias, a não emissão prévia de uma autorização de inspeção por um juiz, que pudesse circunscrever o âmbito ou fiscalizar o desenrolar dessa inspeção, pode ser compensada por uma fiscalização jurisdicional ex post facto sobre a legalidade e a necessidade dessa medida de instrução, na condição de essa fiscalização ser eficaz nas circunstâncias particulares do processo concreto. Tal implica que as pessoas em causa possam obter uma fiscalização jurisdicional efetiva, tanto de facto como de direito, da medida controvertida e da forma como esta se desenrola. Quando uma operação considerada irregular já tenha ocorrido, o ou os recursos disponíveis devem permitir fornecer ao interessado uma reparação adequada (TEDH, 2 de outubro de 2014, Delta Pekárny a.s. c. República Checa, CE:ECHR:2014:1002JUD000009711, § 86 e § 87 e jurisprudência referida).

58

Assim, uma vez que a fiscalização jurisdicional a posteriori da inspeção pode, em determinadas condições, compensar a inexistência de fiscalização jurisdicional prévia e que deve ser fornecida uma reparação adequada mediante «o ou os recursos disponíveis», há que considerar que importa, em princípio, ter em conta o conjunto dos recursos disponíveis para determinar se as exigências previstas no artigo 47.o da Carta estão cumpridas.

59

Por outro lado, tendo as recorrentes invocado, por via de exceção, a ilegalidade do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, o Tribunal Geral, como salientou o advogado‑geral no n.o 51 das suas Conclusões, estava obrigado, para se pronunciar sobre essa exceção, a proceder a uma apreciação geral do sistema de fiscalização jurisdicional das medidas adotadas no âmbito das inspeções, ultrapassando as circunstâncias particulares do processo em causa.

60

Nessas condições, há que concluir que as recorrentes não têm razão quando sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao efetuar uma análise global de todas as vias de recurso disponíveis para contestar o desenrolar das inspeções.

61

Quanto ao argumento das recorrentes de que o Tribunal Geral não podia compensar os inconvenientes de um recurso contra as medidas adotadas no âmbito de uma inspeção com as vantagens de uma ação de contestação da legalidade da decisão de inspeção, basta salientar, como fez o advogado‑geral nos n.os 46 e 47 das suas Conclusões, que este argumento resulta de uma leitura errada do acórdão recorrido. De facto, resulta dos n.os 90 a 98 desse acórdão que o Tribunal Geral examinou em que medida as diferentes vias de recurso à disposição das recorrentes, incluindo o recurso contra a decisão de inspeção, permitiam submeter a um juiz acusações relativas à regularidade do desenrolar da inspeção e, por conseguinte, em que medida, apesar da inexistência de uma via de recurso única, esse desenrolar da inspeção podia ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 55 a 57 do presente acórdão.

62

Por último, quanto à argumentação das recorrentes no sentido de que, se o Tribunal Geral tivesse procedido a uma análise separada das várias vias de recurso, deveria, por um lado, afastar três das seis vias de recurso que reconheceu como sendo efetivas, designadamente o recurso contra a decisão de encerramento do processo nos termos do artigo 101.o TFUE, o recurso contra a decisão de inspeção e, por último, a ação de indemnização por responsabilidade extracontratual, e, por outro, considerar que todas as outras vias de recurso eram parciais, basta salientar que essa argumentação deve ser rejeitada, uma vez que se baseia na premissa errada de que o Tribunal Geral não podia proceder a uma análise global de todas as vias de recurso disponíveis para contestar o desenrolar das inspeções.

63

Por conseguinte, a primeira acusação da segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

64

Quanto às segunda e terceira acusações, relativas ao facto de o Tribunal Geral, ao declarar efetivos recursos parciais e cuja disponibilidade não é clara, impor ao litigante o ónus de criar as condições necessárias para utilizar esses recursos, cuja certeza não está assegurada, basta salientar que, por um lado, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem recordada no n.o 57 do presente acórdão, não se exige que todas as acusações que possam ser invocadas contra as medidas tomadas pela autoridade pública com base na decisão que ordena a visita o sejam no âmbito de apenas uma única via de recurso e, por outro, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 66 das suas Conclusões, a falta de uma prática judiciária estabelecida não pode ser determinante para negar o caráter efetivo de uma via de recurso.

65

Daqui decorre que estas acusações não têm fundamento.

66

Decorre das considerações precedentes que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro de direito no que diz respeito à regularidade formal dos indícios que justificam as inspeções

Argumentos das partes

67

Com o terceiro fundamento, as recorrentes acusam, em substância, o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito e de ter violado o Regulamento n.o 1/2003, por um lado, ao declarar, no n.o 193 do acórdão recorrido, que a Comissão não está obrigada a cumprir as normas que regulam os seus poderes de inquérito, especialmente a obrigação de registo das audições que resulta das disposições conjugadas do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, quando ainda não tenha sido formalmente iniciado nenhum inquérito e, por outro, ao recusar, no n.o 206 do acórdão recorrido, desconsiderar os indícios resultantes das audições com os fornecedores por estarem viciados por uma irregularidade formal.

68

As recorrentes sustentam que o Tribunal Geral considerou, erradamente, nos n.os 189, 192, 193, 196 e 198 do acórdão recorrido, que a apreciação do caráter suficientemente sério dos indícios à disposição da Comissão deve ser efetuada tendo em conta o facto de a decisão de inspeção se inserir no âmbito da fase de instrução preliminar, quando ainda não foi formalmente iniciado o inquérito, na aceção do capítulo V do Regulamento n.o 1/2003, justificando, deste modo, que a Comissão não esteja obrigada a cumprir determinadas normas imperativas desse regulamento, designadamente as relativas à obrigação de registar as audições das quais resultaram esses indícios. As recorrentes criticam a distinção assim feita pelo Tribunal Geral entre as medidas posteriores ao início formal de um inquérito, que se regem pelo Regulamento n.o 1/2003, e as anteriores a esse início, que não são abrangidas por este regulamento.

69

Na primeira parte do terceiro fundamento, as recorrentes alegam que essa distinção assenta numa interpretação errada da jurisprudência referida no n.o 194 do acórdão recorrido. De facto, essa jurisprudência estabelece uma distinção entre a fase de instrução anterior à comunicação de acusações e o decurso do procedimento administrativo. Além disso, essa jurisprudência define o ponto de partida não do inquérito, mas do período a ter em conta para apreciar se a duração do processo foi razoável.

70

Na segunda parte do terceiro fundamento, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 193 do acórdão recorrido, que o Regulamento n.o 1/2003 não era aplicável antes da adoção de uma primeira decisão de inspeção.

71

De facto, resulta do considerando 25 do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004 que o Regulamento n.o 1/2003 se aplica a todos os atos da Comissão adotados para a aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, desde a fase de deteção das práticas em causa. A este respeito, as recorrentes sublinham que este último regulamento se aplica aos inquéritos setoriais e às declarações de clemência, sem que tenha sido adotada pela Comissão nenhuma medida que implique a acusação da prática de uma infração. Subtrair à aplicação do Regulamento n.o 1/2003 os atos de inquérito anteriores a uma decisão de inspeção poderia privar as empresas e os terceiros dos seus direitos processuais e do seu direito a um recurso jurisdicional efetivo contra essa decisão.

72

Na terceira parte do terceiro fundamento, as recorrentes contestam a distinção efetuada pelo Tribunal Geral, no n.o 193 do acórdão recorrido, entre as provas de uma infração e os indícios que fundamentam uma decisão de inspeção, distinção segundo a qual os indícios não podem ser submetidos ao mesmo grau de formalismo que as provas. Segundo as recorrentes, os indícios e as provas devem ser submetidos ao mesmo formalismo e às mesmas regras processuais destinadas a garantir a autenticidade, a lealdade e a credibilidade da prova.

73

A Comissão contesta estes argumentos.

74

A título preliminar, a Comissão esclarece que o início do inquérito difere tanto da abertura dos autos como do início do processo, na aceção do artigo 2.o do Regulamento n.o 773/2004. O início do inquérito ocorre com a primeira utilização pela Comissão dos seus poderes de inquérito e a adoção de medidas que impliquem a acusação da prática de uma infração e tenham repercussões importantes na situação das entidades suspeitas. A abertura dos autos é um ato interno adotado pela secretaria da Direção‑Geral da Concorrência da Comissão quando atribui um número de processo, e cujo único objetivo é salvaguardar documentos. O início do processo corresponde à data na qual a Comissão adota uma decisão nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 773/2004 com o objetivo de tomar uma decisão ao abrigo do capítulo III do Regulamento n.o 1/2003.

75

Posto isto, a Comissão alega, em primeiro lugar, que não está obrigada a respeitar o formalismo previsto nos Regulamentos n.o 1/2003 e n.o 773/2004 antes do início de um inquérito.

76

Primeiro, a Comissão nega que tal obrigação decorra da jurisprudência e alega que o Tribunal Geral não desvirtuou a jurisprudência referida no n.o 194 do acórdão recorrido. O facto de esta jurisprudência dizer respeito à apreciação da duração razoável do processo é irrelevante para este efeito.

77

Segundo, a Comissão considera que não resulta dos Regulamentos n.o 1/2003 e n.o 773/2004 que esteja obrigada a respeitar o formalismo previsto nestes regulamentos antes mesmo de dar início a um inquérito.

78

Acresce que o argumento das recorrentes relativo ao artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004 resulta de uma confusão entre o início do inquérito e o início do processo, que, no entanto, ocorrem em momentos diferentes e acarretam consequências jurídicas distintas.

79

Além disso, segundo a Comissão, as referências feitas pelas recorrentes quer ao considerando 25 do Regulamento n.o 1/2003 quer aos inquéritos setoriais ou às declarações de clemência não são pertinentes.

80

Terceiro, as recorrentes não podem alegar que permitir que a Comissão se liberte do formalismo previsto nos Regulamentos n.o 1/2003 e n.o 773/2004 antes do início do inquérito viola o seu direito a um recurso efetivo que lhes permita fiscalizar, juridicamente e de facto, a legalidade das decisões de inspeção. Por um lado, esta afirmação é contrariada pela fiscalização dos indícios efetuada pelo Tribunal Geral no caso em apreço, que conduziu à anulação parcial das decisões impugnadas. Por outro lado, mesmo quando um testemunho oral não tenha sido objeto de registo, o Tribunal Geral tem a possibilidade de ouvir testemunhas, em conformidade com o artigo 94.o do seu Regulamento de Processo.

81

A aplicação do formalismo previsto nos Regulamentos n.o 1/2003 e n.o 773/2004 antes do início do inquérito prejudicaria a aplicação do direito da concorrência pela Comissão, impedindo‑a de recolher e utilizar indícios recebidos oralmente. Impedir a Comissão de recolher indícios oralmente comprometeria a eficácia dos inquéritos ao atrasar a data das inspeções.

82

Em segundo lugar, a Comissão alega, antes de mais, que, uma vez que a finalidade da inspeção é recolher os elementos necessários para verificar a realidade e o alcance da infração suspeita com base nos indícios de que dispõe, os indícios são necessariamente submetidos a um grau de formalismo menor do que as provas e, especialmente, a Comissão não está obrigada a registar tais indícios nos termos do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004.

83

Em seguida, a Comissão afirma que submeter os indícios a um grau de formalismo menor do que as provas permite conciliar, por um lado, o imperativo de celeridade que guia a adoção das decisões de inspeção e a eficácia do inquérito da Comissão, e, por outro, a preservação dos direitos de defesa das empresas em causa.

84

Por último, a autenticidade de uma prova não é um pré‑requisito necessário para a sua credibilidade. De facto, o Tribunal de Justiça recordou, nos n.os 65 a 69 do Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão (C‑99/17 P, EU:C:2018:773), que o princípio que prevalece no direito da União é o da livre apreciação das provas, do qual decorre que o único critério pertinente para apreciar o valor probatório das provas regularmente produzidas reside na sua credibilidade. Consequentemente, o valor probatório de uma prova deve ser avaliado globalmente, pelo que levantar meras dúvidas infundadas quanto à autenticidade de uma prova não é suficiente para comprometer a sua credibilidade. Estes princípios aplicam‑se, por maioria de razão, aos indícios, cujo valor probatório é, por definição, menor.

Apreciação do Tribunal de Justiça

85

Com o terceiro fundamento, considerado nas suas três partes, as recorrentes acusam, em substância, o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito, no n.o 193 do acórdão recorrido, ao considerar que a Comissão não está obrigada a cumprir a obrigação de registo das audições que resulta das disposições conjugadas do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 antes de iniciar formalmente um inquérito e de utilizar os poderes de inquérito que lhe são reconhecidos, especialmente pelos artigos 18.o a 20.o do Regulamento n.o 1/2003.

86

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenha em conta não só os seus termos, mas também o contexto em que se insere e os objetivos e a finalidade prosseguidos pelo ato de que faz parte (Acórdão de 1 de agosto de 2022, HOLD Alapkezelő,C‑352/20, EU:C:2022:606, n.o 42 e jurisprudência referida).

87

Em primeiro lugar, decorre da própria redação do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 que este é aplicável a qualquer audição que vise a recolha de informações sobre o objeto de um inquérito (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão,C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 84).

88

O artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, que submete as audições baseadas no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 ao cumprimento de determinadas formalidades, não especifica o âmbito de aplicação desta última disposição.

89

Ora, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que, por força do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004, impende sobre a Comissão a obrigação de registar, sob a forma que escolher, as audições que realize ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, para recolher informações sobre o objeto de um inquérito que efetue (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão,C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 90 e 91).

90

Por conseguinte, importa esclarecer que há que efetuar uma distinção em função do objeto das audições que a Comissão efetue, uma vez que só as que visem recolher informações sobre o objeto de um inquérito da Comissão são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 e, deste modo, pela obrigação de registo.

91

Esclarecido este aspeto, nenhum elemento relativo à redação do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 ou do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 permite deduzir que a aplicação dessa obrigação de registo depende da questão de saber se a audição efetuada pela Comissão ocorreu antes do início formal de um inquérito, para recolher indícios de uma infração, ou posteriormente, para recolher provas de uma infração.

92

Com efeito, essas disposições não preveem, de modo nenhum, que a aplicação da obrigação de registo depende da questão de saber se as informações que constituem o seu objeto podem ser qualificadas como indícios ou como provas. Pelo contrário, devido ao caráter genérico do termo «informações», que figura no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, deve considerar‑se que esta disposição se aplica indistintamente a cada uma dessas categorias.

93

É verdade que não se pode confundir os conceitos de «indícios» e de «provas», uma vez que um indício não pode, pela sua natureza e ao contrário de uma prova, ser considerado suficiente para demonstrar um determinado facto.

94

Não é menos verdade que a qualificação como indício ou como prova depende não de uma fase especifica do processo, mas do valor probatório das informações em causa, podendo indícios suficientemente sérios e convergentes, reunidos num «conjunto», provar, por si só, a existência de uma infração e ser utilizados na decisão final adotada pela Comissão com base no artigo 101.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão,C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.o 47).

95

Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral no n.o 141 das suas Conclusões, a obrigação de registo das audições não pode depender da qualificação das informações recolhidas como indícios ou como provas, pois o valor probatório dessas informações só pode ser apreciado pela Comissão na sequência dessas audições, durante as fases posteriores do processo.

96

Por outro lado, o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 e o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 também não preveem que a aplicação da obrigação de registo depende da fase do processo em que as audições são realizadas. É verdade que o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 prevê que as audições baseadas nesta disposição são as efetuadas para efeitos da recolha de informações sobre o objeto de um inquérito, o que pressupõe que esteja a decorrer um inquérito. Em contrapartida, não decorre desta disposição que essas audições devem ocorrer após o início formal de um inquérito, definido pelo Tribunal Geral no n.o 193 do acórdão recorrido, como o momento em que a Comissão adota uma medida que implica a acusação da prática de uma infração.

97

Em segundo lugar, quanto ao contexto do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, há que salientar, por um lado, que este artigo consta do capítulo V deste regulamento, relativo aos poderes de inquérito da Comissão. Ora, a aplicação das disposições deste capítulo não está necessariamente subordinada à adoção, por esta instituição, de uma medida que implique a acusação da prática de uma infração.

98

Assim, a Comissão pode, em conformidade com o artigo 17.o do referido regulamento, realizar inquéritos setoriais, os quais não tornam necessária a adoção prévia de medidas dessa natureza em relação às empresas.

99

Por outro lado, importa salientar que o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004, ao abrigo do qual «[a] Comissão pode exercer os seus poderes de investigação nos termos do capítulo V do Regulamento [n.o 1/2003] antes de dar início ao processo» corrobora a interpretação segundo a qual as disposições relativas aos poderes de inquérito da Comissão elencadas no referido capítulo — incluindo o artigo 19.o — são aplicáveis antes do início formal de um inquérito, contrariamente ao que resulta do n.o 193 do acórdão recorrido.

100

É verdade que, nos processos que deram origem aos Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.o 182), e de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão (C‑105/04 P, EU:C:2006:592, n.o 38), referidos no n.o 194 do acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça identificou como ponto de partida do inquérito preliminar instaurado pela Comissão, em matéria de concorrência, a data em que esta instituição, no exercício dos poderes que lhe foram conferidos pelo legislador da União, toma medidas que impliquem a acusação da prática de uma infração e tenham repercussões importantes na situação das empresas suspeitas.

101

No entanto, os processos que deram origem a esses acórdãos diziam respeito à determinação do ponto de partida do procedimento administrativo para verificar o respeito, por parte da Comissão, pelo princípio do prazo razoável. Ora, essa verificação exige que se analise se esta instituição atuou de modo diligente a partir da data na qual informou a empresa suspeita de ter cometido uma infração ao direito da concorrência da União da existência de um inquérito.

102

Em contrapartida, essa data não pode ser tomada em consideração para determinar a partir de que momento a Comissão está obrigada a cumprir a obrigação de registo das audições decorrente das disposições conjugadas do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 150 das suas Conclusões, uma empresa pode ser visada pelas declarações de terceiros recolhidas durante essas audições, sem disso ter conhecimento. Por conseguinte, a tomada em consideração da referida data equivaleria a adiar a aplicação da obrigação de registo e das garantias processuais conexas, previstas nessas disposições em benefício dos terceiros interrogados e da empresa suspeita, até a Comissão adotar uma medida que informe essa empresa da existência de suspeitas a seu respeito. Devido a esse adiamento, as audições com os terceiros realizadas anteriormente a essa medida seriam excluídas do âmbito de aplicação da obrigação de registo das audições e das garantias processuais que lhes são aplicáveis.

103

Em terceiro e último lugar, quanto à finalidade do Regulamento n.o 1/2003, decorre do considerando 25 deste regulamento que, uma vez que a deteção das infrações às regras de concorrência se torna cada vez mais difícil, o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 visa reforçar os poderes de inquérito da Comissão, permitindo‑lhe, nomeadamente, ouvir qualquer pessoa suscetível de dispor de informações úteis e registar as suas declarações (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão,C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 85). Ora, a expressão «deteção das infrações», constante do referido considerando, corrobora a interpretação segundo a qual as audições realizadas pela Comissão, numa fase preliminar, para recolher indícios relativos ao objeto de um inquérito são igualmente abrangidas pelo artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003.

104

Por outro lado, importa esclarecer que, ao abrigo do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004, a Comissão pode registar as audições sob qualquer forma. Assim, a Comissão não pode validamente alegar que o facto de lhe ser imposta uma obrigação de registo a impediria de recolher e utilizar indícios quando estes apenas possam revestir a forma oral e comprometeria a eficácia dos inquéritos ao atrasar a data da inspeção. Da mesma forma, a Comissão não pode alegar que essa obrigação tem um efeito dissuasivo uma vez que a Comissão pode proteger a identidade das pessoas inquiridas.

105

Nestas condições, há que concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 193 do acórdão recorrido, que havia que excluir do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1/2003 as audições durante as quais foram recolhidos indícios que posteriormente serviram de fundamento a uma decisão que ordena a inspeção de uma empresa, com o fundamento de que não foi iniciado nenhum inquérito na aceção do capítulo V deste regulamento, na medida que a Comissão não adotou nenhuma medida que implicasse a acusação da prática de uma infração relativamente a essa empresa. Para determinar se essas audições eram abrangidas por esse âmbito de aplicação, o Tribunal Geral devia ter analisado se estas visavam a recolha de informações sobre o objeto de um inquérito, tendo em conta o seu teor e o seu contexto.

106

No caso em apreço, como resulta dos n.os 205 e 206 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que os indícios resultantes das audições com os fornecedores não deviam ser considerados viciados por uma irregularidade formal com fundamento no incumprimento da obrigação de registo prevista no artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, nomeadamente porque essas audições foram realizadas antes do início de um inquérito nos termos do Regulamento n.o 1/2003 e não implicavam, em relação às recorrentes e, a fortiori, relativamente aos fornecedores, uma acusação da prática de uma infração.

107

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 155 das suas Conclusões, a este respeito basta referir que, quando a Comissão realiza audições cujo objeto é definido previamente e cuja finalidade é abertamente obter informações sobre o funcionamento de um determinado mercado e sobre o comportamento dos intervenientes nesse mercado com vista a detetar eventuais infrações ou consolidar as suas suspeitas quanto à existência de tais práticas, a Comissão exerce o seu poder de registar declarações nos termos do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003.

108

Consequentemente, as audições com os fornecedores eram abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 e a Comissão estava obrigada a proceder ao registo dessas declarações em conformidade com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004.

109

Daqui decorre que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 206 do acórdão recorrido, que a obrigação de registo, prevista no artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, não se aplicava às audições com os fornecedores e que os indícios resultantes dessas audições não estavam viciados por uma irregularidade formal.

110

Resulta de todas as considerações precedentes que as três partes do terceiro fundamento são julgadas procedentes e que, consequentemente, há que dar provimento ao recurso e anular o n.o 2 do dispositivo do acórdão recorrido na parte em que o Tribunal Geral negou provimento ao recurso, quanto ao restante, contra as decisões impugnadas, sem que seja necessário decidir sobre os restantes fundamentos do recurso. Por conseguinte, há que anular igualmente o n.o 3, relativo às despesas, do dispositivo do acórdão recorrido

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

111

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

112

É o que sucede no caso em apreço.

113

Por conseguinte, há que analisar a acusação, apresentada pelas recorrentes no Tribunal Geral no âmbito do seu fundamento relativo à violação do direito à inviolabilidade do domicílio, de que, em substância, os indícios resultantes das audições com os fornecedores devem ser excluídos devido ao incumprimento, por parte da Comissão, do disposto no artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004.

114

Em apoio dessa acusação, as recorrentes sustentam que os relatórios das audições com os fornecedores não eram registos em conformidade com essas disposições, uma vez que, designadamente, não tinham sido submetidos à aprovação das pessoas inquiridas.

115

A Comissão responde que cumpriu a sua obrigação de registo ao ter redigido relatórios exaustivos que reproduzem fielmente o teor das declarações dos fornecedores e juntando‑os aos autos, com um número de identificação oficial. Este tipo de relatório constitui uma das formas de registo a que o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004 permite que a Comissão recorra, do mesmo modo que uma gravação áudio ou audiovisual ou uma transcrição literal.

116

A este respeito, importa salientar que o artigo 3.o, n.o 3, primeiro período, do Regulamento n.o 773/2004, que especifica que a Comissão «pode registar as declarações das pessoas ouvidas sob qualquer forma», implica que, se a Comissão decidir, com o consentimento da pessoa ouvida, proceder a uma audição com base no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, fica obrigada a registar essa audição na íntegra, sem prejuízo de poder escolher a forma desse registo (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão,C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 90).

117

Além disso, resulta do artigo 3.o, n.o 3, segundo e terceiro períodos, do Regulamento n.o 773/2004 que a Comissão deve disponibilizar à pessoa ouvida uma cópia do registo para aprovação e, se for necessário, fixar um prazo durante o qual essa pessoa pode transmitir eventuais correções a introduzir nas suas declarações.

118

No caso em apreço, a Comissão não alegou nem, a fortiori, demonstrou que tinha disponibilizado aos fornecedores, para aprovação, os relatórios por ela redigidos.

119

Ora, a obrigação imposta à Comissão de disponibilizar à pessoa ouvida uma cópia do registo para aprovação, prevista no artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, em conjugação com o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004, visa, especialmente, assegurar a autenticidade das declarações feitas pela pessoa ouvida, garantindo que essas declarações devem efetivamente ser‑lhe atribuídas e que o seu teor reproduz fielmente e na íntegra as referidas declarações e não a interpretação das mesmas feita pela Comissão.

120

Por conseguinte, um indício baseado numa declaração recolhida pela Comissão sem que essa exigência, imposta pelo artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, em conjugação com o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004, seja cumprida, deve ser considerado inadmissível e, consequentemente, rejeitado.

121

Assim, não se pode considerar que esses relatórios, de natureza meramente interna, cumprem as exigências previstas no artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004, que se aplica às audições abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003.

122

Esta conclusão não pode ser infirmada pelos n.os 65 a 69 do Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão (C‑99/17 P, EU:C:2018:773).

123

É verdade que o Tribunal de Justiça declarou que o princípio que prevalece no direito da União é o da livre apreciação das provas, do qual decorre que o único critério pertinente para apreciar o valor probatório das provas regularmente apresentadas reside na sua credibilidade e que, consequentemente, o valor probatório de uma prova deve ser avaliado globalmente, pelo que levantar meras dúvidas infundadas quanto à autenticidade de uma prova não é suficiente para comprometer a sua credibilidade (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão,C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.os 65 a 69).

124

Contudo, no processo que deu origem a esse acórdão, a prova cuja autenticidade era posta em causa era uma mensagem de correio eletrónico interna de uma empresa e não o registo de uma declaração recolhida pela Comissão viciada por uma violação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004.

125

Assim, o princípio da livre apreciação das provas não pode ser invocado para escapar às formalidades aplicáveis ao registo das declarações recolhidas pela Comissão ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003. A este respeito, importa salientar que a constatação da existência de uma irregularidade na recolha de indícios, à luz do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004, reside na impossibilidade de a Comissão utilizar esses indícios nas fases seguintes do processo (v., por analogia, Acórdão de 18 de junho de 2015, Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.o 45 e jurisprudência referida).

126

No caso em apreço, uma vez que, como salientou o advogado‑geral no n.o 208 das suas Conclusões, as informações resultantes das audições com os fornecedores constituíam o essencial dos indícios que fundamentam as decisões impugnadas e que estas estão viciadas por uma irregularidade formal devido ao incumprimento da obrigação de registo prevista no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, há que concluir que a Comissão não possuía, à data da adoção das decisões impugnadas, indícios suficientemente sérios que podia utilizar e que justificavam as presunções enunciadas no artigo 1.o, alínea a), dessas decisões. Atendendo a todas as considerações precedentes, há que anular as referidas decisões na íntegra.

Quanto às despesas

127

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

128

O artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes pedido a condenação da Comissão nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelas recorrentes no âmbito do presente recurso. Por outro lado, tendo as decisões impugnadas sido anuladas, a Comissão é condenada a suportar a totalidade das despesas efetuadas pelas recorrentes no âmbito do processo em primeira instância.

129

Nos termos do artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, um interveniente em primeira instância, quando não tenha ele próprio interposto o recurso, só pode ser condenado nas despesas do processo de recurso se tiver participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça. Quando esse interveniente participe no processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que o mesmo suporte as suas próprias despesas. Tendo o Conselho, interveniente em primeira instância, participado na fase escrita e na fase oral do processo no Tribunal de Justiça, há que decidir que suportará as suas próprias despesas relativas tanto ao processo de recurso como ao processo em primeira instância.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

O n.o 2 do dispositivo do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 5 de outubro de 2020, Les Mousquetaires e ITM Entreprises/Comissão (T‑255/17, EU:T:2020:460) é anulado na parte em que negou provimento, quanto ao restante, ao recurso das recorrentes contra a Decisão C(2017) 1057 final da Comissão, de 9 de fevereiro de 2017, que ordena à Intermarché e a todas sociedades direta ou indiretamente controladas por esta que se sujeite a uma inspeção nos termos do artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (AT.40466 — Tute 1), e a Decisão C(2017) 1361 final da Comissão, de 21 de fevereiro de 2017, que ordena à Les Mousquetaires e a todas sociedades direta ou indiretamente controladas por esta que se sujeitem a uma inspeção nos termos do artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (AT.40466 — Tute 1).

 

2)

O n.o 3 do dispositivo do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 5 de outubro de 2020, Les Mousquetaires e ITM Entreprises/Comissão (T‑255/17, EU:T:2020:460), é anulado na parte em que decide quanto às despesas.

 

3)

A Decisão C(2017) 1057 final da Comissão, de 9 de fevereiro de 2017, que ordena à Intermarché e a todas sociedades direta ou indiretamente controladas por esta que se sujeitem a uma inspeção nos termos do artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (AT.40466 — Tute 1), e a Decisão C(2017) 1361 final da Comissão, de 21 de fevereiro de 2017, que ordena à Les Mousquetaires e a todas sociedades direta ou indiretamente controladas por esta que se sujeitem a uma inspeção nos termos do artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (AT.40466 — Tute 1) são anuladas.

 

4)

A Comissão Europeia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Les Mousquetaires SAS e pela ITM Entreprises SAS, relativas tanto ao processo em primeira instância como ao processo de recurso.

 

5)

O Conselho da União Europeia suporta as suas próprias despesas, relativas tanto ao processo em primeira instância como ao processo de recurso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua de processo: francês.