ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

23 de março de 2023 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Função pública — Assédio moral — Pareceres médicos — Ausências injustificadas — Remuneração — Estatuto dos Funcionários da União Europeia — Artigo 11.o‑A — Conflito de interesses — Artigo 21.o‑A — Ordem manifestamente ilegal — Artigo 23.o — Observância das leis e dos regulamentos de polícia — Processo disciplinar — Demissão — Revogação da demissão — Novo processo disciplinar — Nova revogação»

No processo C‑640/20 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 23 de novembro de 2020,

PV, representado por D. Birkenmaier, Rechtsanwalt,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada inicialmente por T. S. Bohr, B. Mongin e A.‑C. Simon, e, em seguida, por T. S. Bohr bem como A.‑C. Simon, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, PV pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 30 de janeiro de 2020, PV/Comissão (T‑786/16 e T‑224/18, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2020:17), pelo qual este negou provimento aos recursos interpostos por PV destinados

no processo T‑786/16, à anulação, a título principal, dos relatórios de avaliação de PV referentes a 2014, 2015 e 2016, das Decisões do diretor‑geral da Direção‑Geral (DG) «Interpretação» da Comissão Europeia, de 31 de maio, 5 de julho, 31 de julho e 15 de setembro de 2016, relativas a deduções no vencimento de PV, da Decisão da Autoridade Investida do Poder de Nomeação (a seguir «AIPN»), de 28 de novembro de 2016, de indeferimento das reclamações apresentadas contra as Decisões de 31 de maio e de 5 de julho de 2016 relativas a deduções no vencimento de PV, do ofício prévio de informação do «Serviço de Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO), de 21 de junho de 2016, que informou PV de que era devedor do montante de 33593,88 euros, da Decisão do PMO, de 11 de julho de 2016, de suspender o pagamento do vencimento de PV a partir de 1 de julho de 2016, da nota do diretor‑geral da DG «Interpretação», de 31 de julho de 2016, que comunicou a sua intenção de considerar irregulares as ausências de PV no período compreendido entre 2 de junho e 31 de julho de 2016 e de proceder às correspondentes deduções no seu vencimento, do ofício prévio de informação do PMO, de 21 de setembro de 2016, que informou PV de que este era devedor de um montante de 42704,74 euros, da Decisão da AIPN, de 17 de janeiro de 2017, de indeferimento da reclamação apresentada contra estes atos, da Decisão da AIPN, de 26 de julho de 2016, de demissão de PV, da Decisão da AIPN, de 2 de fevereiro de 2017, de indeferimento da reclamação apresentada contra esta decisão de demissão, da nota de débito de 20 de julho de 2017, da Decisão da AIPN, de 29 de novembro de 2017, de indeferimento da reclamação apresentada contra esta nota e do processo disciplinar CMS 13/087, e

à anulação, a título subsidiário, dos pareceres médicos de 27 de junho e de 10 de outubro de 2014, das notas do médico‑assistente de 16 de julho, 18 de julho, 8 de agosto, 4 de setembro e 4 de dezembro de 2014, de 4 de fevereiro, 13 de abril, 4 de junho, 11 de agosto, 14 de outubro e 4 de dezembro de 2015, de 5 de fevereiro, 22 de março, 18 de abril, 3 de junho, 30 de junho e 25 de julho de 2016, das Decisões de indeferimento dos pedidos de assistência de 23 de outubro de 2014, de 20 de janeiro, 20 de março e 30 de julho de 2015, bem como de 15 de março e 18 de maio de 2016, das Decisões do diretor‑geral da DG «Interpretação», de 9 de fevereiro, 30 de março, 5 de maio, 24 de junho, 1 de outubro e 12 de novembro de 2015, de 15 de janeiro e 22 de abril de 2016, relativas às deduções do vencimento de PV, das Decisões da AIPN de indeferimento das reclamações apresentadas contra estas decisões relativas a deduções no vencimento, das cartas de dívida de 10 de março, 11 de maio, 10 de junho, 11 de agosto, 13 de novembro e 9 de dezembro de 2015 e de 18 de julho de 2016, das Decisões da AIPN, de 12 de março, 11 de agosto e 13 de outubro de 2015, e de 7 de junho e 21 de setembro de 2016, de indeferimento das reclamações sobre os exercícios de avaliação referentes aos anos de 2013 a 2015 e a Decisão da AIPN, de 14 de julho de 2016, de indeferimento da reclamação relativa às ausências injustificadas de PV de 16 e de 17 de março de 2016;

no processo T‑224/18, à constatação de que PV foi vítima de assédio moral, e

à anulação do processo disciplinar CMS 17/025, da Decisão da AIPN, de 2 de maio de 2018, de indeferimento da reclamação apresentada contra a decisão de instauração desse processo, das mensagens de correio eletrónico da DG «Recursos Humanos e Segurança», de 23 de outubro de 2017 e de 16 de março de 2018, que convidavam PV a redigir a sua autoavaliação referente aos períodos de atividade de 2016 e 2017, das Decisões da AIPN, de 16 de março e 1 de junho de 2018, de indeferimento das reclamações apresentadas contra essas mensagens de correio eletrónico, da Decisão da AIPN, de 24 de julho de 2017, de revogação da decisão de demissão de PV, da Decisão da AIPN, de 15 de janeiro de 2018, de indeferimento da reclamação apresentada contra esta decisão de revogação da decisão de demissão de PV, da Decisão do PMO, de 12 de setembro de 2017, relativa à compensação das dívidas respetivas entre PV e a Comissão, da Decisão da AIPN, de 9 de março de 2018, de indeferimento da reclamação apresentada contra esta decisão de compensação das dívidas e da Decisão do diretor‑geral da DG «Interpretação», de 13 de outubro de 2017, de suspensão do pagamento do vencimento de PV a partir de 1 de outubro de 2017;

nos processos T‑786/16 e T‑224/18, a obter a reparação dos danos materiais e morais alegadamente sofridos por PV.

Quadro jurídico

2

O artigo 1.o‑E, n.o 2, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na sua versão aplicável ao litígio (a seguir «Estatuto»), prevê:

«Serão concedidas aos funcionários em atividade condições de trabalho que obedeçam às normas de saúde e de segurança adequados, pelo menos equivalentes aos requisitos mínimos aplicáveis por força de medidas aprovadas nestes domínios por força dos Tratados.»

3

O artigo 11.o‑A, n.os 1 e 2, do Estatuto dispõe:

«1.   No exercício das suas funções, e salvo disposições em contrário, o funcionário não tratará quaisquer questões em que tenha, direta ou indiretamente, um interesse pessoal, nomeadamente familiar ou financeiro, suscetível de comprometer a sua independência.

2.   O funcionário a quem, no exercício das suas funções, seja atribuído o tratamento de uma questão referida no n.o 1 informará imediatamente do facto a entidade competente para proceder a nomeações. Esta tomará todas as medidas adequadas, podendo, nomeadamente, libertar o funcionário de responsabilidades nesse assunto.»

4

O artigo 12.o‑A, n.os 1 a 3, do Estatuto prevê:

«1.   Os funcionários abster‑se‑ão de qualquer forma de assédio moral ou sexual.

2.   Um funcionário vítima de assédio moral ou sexual não sofrerá qualquer prejuízo por parte da instituição. Um funcionário que tenha apresentado provas de assédio moral ou sexual não sofrerá qualquer prejuízo por parte da instituição, desde que tenha agido de boa‑fé.

3.   Por “assédio moral”, entende‑se qualquer conduta abusiva que ocorra durante um período de tempo, de modo repetitivo ou sistemático e envolva comportamentos físicos, linguagem, verbal ou escrita, gestos ou outros atos intencionais suscetíveis de lesar a personalidade, a dignidade ou a integridade física ou psíquica de uma pessoa.»

5

O artigo 21.o‑A, n.os 1 e 2, do Estatuto tem a seguinte redação:

«1.   O funcionário que receba uma ordem que considere irregular, ou suscetível de dar origem a sérias dificuldades, informará imediatamente do facto o seu superior hierárquico direto, o qual, se a informação tiver sido transmitida por escrito, responderá igualmente por escrito. Sem prejuízo do n.o 2, se o superior hierárquico direto confirmar a ordem, mas o funcionário considerar que essa confirmação não constitui uma resposta razoável em função da sua preocupação, transmitirá a questão por escrito à autoridade hierárquica imediatamente superior. Se esta última confirmar a ordem por escrito, o funcionário deve executá‑la, a não ser que seja manifestamente ilegal ou contrária às normas de segurança aplicáveis.

2.   Se o superior hierárquico direto considerar que a ordem deve ser cumprida prontamente, o funcionário deve executá‑la, a não ser que seja manifestamente ilegal ou contrária às normas de segurança aplicáveis. A pedido do funcionário, o superior hierárquico direto será obrigado a transmitir qualquer ordem desse tipo por escrito.»

6

O artigo 23.o, primeiro parágrafo, do Estatuto especifica:

«Os privilégios e imunidades de que beneficiam os funcionários são conferidos unicamente no interesse da União. Sem prejuízo das disposições do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, os interessados não estão isentos do cumprimento das suas obrigações privadas, nem da observância das leis e regulamentos de polícia em vigor.»

7

O artigo 24.o do Estatuto tem a seguinte redação:

«A União presta assistência ao funcionário, nomeadamente em procedimentos contra autores de ameaças, ultrajes, injúrias, difamações ou atentados contra pessoas e bens de que sejam alvo o funcionário ou os membros da sua família, por causa da sua qualidade e das suas funções.

A União repara solidariamente os prejuízos sofridos, em consequência de tais factos, pelo funcionário, na medida em que este não esteja, intencionalmente ou por negligência grave, na origem dos referidos prejuízos e não tenha podido obter reparação dos responsáveis.»

8

O artigo 25.o, primeiro e segundo parágrafos, do Estatuto prevê:

«O funcionário pode submeter requerimentos relativos a questões abrangidas pelo presente Estatuto à entidade competente para proceder a nomeações da sua instituição.

Qualquer decisão individual tomada em cumprimento do presente Estatuto deve ser imediatamente comunicada por escrito ao funcionário interessado. Qualquer decisão que afete os interesses do funcionário deve ser fundamentada.»

9

O artigo 59.o, n.os 1 a 3, do Estatuto dispõe:

«1.   O funcionário que prove estar impedido de exercer as suas funções em consequência de doença ou acidente tem o direito de faltar justificadamente por doença.

O funcionário deve informar, no mais curto prazo possível, a sua instituição da sua impossibilidade de comparência ao serviço, indicando o lugar em que se encontra. É obrigado a apresentar, a partir do quarto dia de ausência, um atestado médico. […] Na ausência de atestado, e salvo se este não tiver sido enviado por razões independentes da vontade do funcionário, a ausência será considerada injustificada.

O funcionário pode, a qualquer momento, ser submetido a um exame médico organizado pela instituição. Se esse exame não se puder realizar por razões imputáveis ao interessado, a sua ausência será considerada injustificada a contar do dia em que o exame tiver sido efetuado.

Se o exame revelar que o funcionário se encontra em condições de exercer as suas funções, a sua ausência será, sem prejuízo do parágrafo seguinte, considerada injustificada a partir da data do exame.

Se o funcionário considerar que as conclusões do exame médico organizado pela entidade competente para proceder a nomeações são injustificadas do ponto de vista médico, ele próprio ou um médico em seu nome podem, no prazo de dois dias, apresentar à instituição que a questão seja submetida a um médico independente, para parecer.

[…]

3.   Sem prejuízo da aplicação das regras relativas aos processos disciplinares, sempre que pertinente, qualquer ausência considerada injustificada na aceção dos n.os 1 e 2 será deduzida das férias anuais do funcionário em causa. No caso de já ter esgotado as suas férias anuais, o funcionário perderá o direito à remuneração pelo período correspondente.»

10

O artigo 6.o, n.o 5, do anexo IX do Estatuto enuncia:

«Nos cinco dias seguintes à constituição do Conselho de Disciplina, o funcionário em causa pode recusar um dos membros do Conselho de Disciplina. A instituição pode igualmente recusar um dos membros do Conselho de Disciplina.

Dentro do mesmo prazo, os membros do Conselho de Disciplina podem pedir escusa por motivos legítimos e devem retirar‑se se existir um conflito de interesses.

[…]»

Antecedentes do litígio

11

Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 1 a 33 do acórdão recorrido. Para efeitos do presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.

12

PV, funcionário da União Europeia desde 16 de julho de 2007, foi afetado à Direção‑Geral (DG) «Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão» da Comissão até 30 de setembro de 2009.

13

Considerando‑se vítima de assédio, PV apresentou, em 5 de agosto de 2009, um pedido de assistência com base no artigo 24.o do Estatuto. Este processo foi encerrado em 9 de junho de 2010, na sequência de um inquérito conduzido pelo Serviço de Averiguação e Disciplina da Comissão que concluiu que não estavam preenchidos os requisitos exigidos no artigo 12.o‑A, n.o 3, do Estatuto para qualificar um determinado comportamento de assédio moral. PV foi transferido para a DG «Orçamento» da Comissão em 1 de outubro de 2009.

14

Em 1 de abril de 2013, PV foi afetado à Unidade de «Gestão Orçamental e Financeira» da DG «Interpretação».

15

Em 12 de novembro de 2013, o chefe dessa unidade apresentou uma queixa disciplinar contra PV por problemas comportamentais, não aplicação dos procedimentos em vigor e desempenho inadequado.

16

Entre 8 de maio de 2014 e 31 de julho de 2016, PV não se apresentou ao serviço, considerando‑se vítima de assédio moral.

17

Em 27 de junho e em 10 de outubro de 2014, os médicos assistentes da Comissão emitiram pareceres médicos indicando que PV estava apto a retomar o trabalho. Posteriormente, PV foi convocado para exames médicos e não respondeu a estas convocatórias.

18

Considerando que as ausências de PV eram injustificadas, o diretor‑geral da DG «Interpretação» adotou várias decisões de dedução no vencimento de PV.

19

Em 23 de dezembro de 2014, PV apresentou um segundo pedido de assistência ao abrigo do artigo 24.o do Estatuto. Por Decisão de 12 de março de 2015, a AIPN decidiu que não existiam indícios de qualquer assédio moral em relação a PV e concluiu que, por conseguinte, não era justificada a aplicação de medidas urgentes de afastamento.

20

A 10 de julho de 2015, a Comissão instaurou o processo disciplinar CMS 13/087 contra PV por incumprimento reiterado do dever de obediência no exercício das suas funções, comportamento inadequado e ausências injustificadas.

21

Por Decisões de 31 de maio e 5 de julho de 2016, o diretor‑geral da DG da «Interpretação» considerou que as ausências de PV no período compreendido entre 5 de fevereiro e 31 de março de 2016 e entre 4 de abril e 31 de maio de 2016 eram irregulares e decidiu proceder a deduções no vencimento de PV. As reclamações apresentadas por PV contra estas decisões foram indeferidas por Decisão da AIPN de 28 de novembro de 2016.

22

Por Decisão de 11 de julho de 2016, o PMO decidiu suspender o pagamento do vencimento de PV a partir de 1 de julho de 2016. A reclamação apresentada por PV contra esta decisão foi indeferida por Decisão da AIPN de 17 de janeiro de 2017.

23

Por Decisão da AIPN de 26 de julho de 2016, adotada na sequência do processo disciplinar CMS 13/087, PV foi demitido com efeitos a partir de 1 de agosto de 2016 (a seguir «decisão de demissão de 26 de julho de 2016»). A reclamação apresentada por PV contra esta decisão foi indeferida por Decisão da AIPN de 2 de fevereiro de 2017.

24

Por nota de 31 de julho de 2016, o diretor‑geral da DG «Interpretação» comunicou a PV a sua intenção de considerar irregulares as suas ausências no período compreendido entre 2 de junho e 31 de julho de 2016 e de proceder às correspondentes deduções no vencimento. A reclamação apresentada por PV contra essa nota foi indeferida por Decisão da AIPN de 17 de janeiro de 2017.

25

Por ofício prévio de informação de 21 de setembro de 2016, o PMO informou PV de que este devia à Comissão 42704,74 euros, correspondente às suas ausências injustificadas. A reclamação apresentada por PV contra esta decisão foi indeferida por Decisão da AIPN de 17 de janeiro de 2017.

26

Em 24 de julho de 2017, a AIPN revogou a sua decisão de demissão de 26 de julho de 2016 e PV foi informado, por nota do diretor‑geral da DG «Recursos Humanos e Segurança», de que seria reintegrado em 16 de setembro de 2017 na Unidade «Sistemas Informáticos e de Conferências» da DG «Interpretação». A reclamação apresentada por PV contra a decisão de revogação da sua demissão foi indeferida por Decisão da AIPN de 15 de janeiro de 2018.

27

Por nota de 12 de setembro de 2017, o diretor do PMO procedeu à compensação dos montantes devidos a PV relativamente ao período durante o qual tinha sido demitido das suas funções e as dívidas deste para com a Comissão, com o pagamento de 9550 euros a favor de PV. A reclamação apresentada por PV contra esta nota de compensação foi indeferida por Decisão da AIPN de 9 de março de 2018.

28

Em 20 de setembro de 2017, PV foi informado de que as suas ausências a partir de 16 de setembro de 2017 eram consideradas irregulares.

29

Em 6 de outubro de 2017, a Comissão instaurou o processo disciplinar CMS 17/025, pelas mesmas acusações que as que foram objeto do processo disciplinar CMS 13/087. A reclamação apresentada por PV contra a instauração do novo processo disciplinar foi indeferida por Decisão da AIPN de 2 de maio de 2018.

30

Em 13 de outubro de 2017, o diretor‑geral da DG «Interpretação» adotou uma decisão de suspensão do pagamento do vencimento de PV a partir de 1 de outubro de 2017.

31

Por mensagem de correio eletrónico de 15 de novembro de 2017, PV foi convidado a participar no exercício de avaliação FP2016. A reclamação apresentada por PV contra este convite foi indeferida por Decisão da AIPN de 16 de março de 2018.

32

Por mensagem de correio eletrónico de 22 de fevereiro de 2018, PV foi convidado a participar no exercício de avaliação FP 2017. A reclamação apresentada por PV contra este convite foi indeferida por Decisão da AIPN de 20 de junho de 2018.

33

Por Decisão de 21 de outubro de 2019, adotada na sequência do processo disciplinar CMS 17/025, a Comissão demitiu PV das suas funções (a seguir «decisão de demissão de 21 de outubro de 2019»). Esta demissão entrou em vigor em 1 de novembro de 2019.

Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

34

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de dezembro de 2017, depois de ter sido concedido apoio judiciário pelo presidente do Tribunal Geral, PV interpôs no Tribunal Geral um recurso, registado sob a referência T‑786/16, destinado, em primeiro lugar, à anulação dos atos controvertidos referidos no n.o 1, primeiro e segundo travessões, do presente acórdão. Em segundo lugar, PV pediu a condenação da Comissão no pagamento de 889000 euros e de 132828,67 euros a título de reparação, respetivamente, dos danos morais e materiais alegadamente sofridos.

35

Em apoio desse recurso, PV invocou cinco fundamentos relativos, em substância, à violação, em primeiro lugar, do artigo 12.o‑A do Estatuto, em segundo lugar, dos artigos 21.o‑A e 23.o do Estatuto, em terceiro lugar, do princípio da solicitude e do artigo 24.o do Estatuto, em quarto lugar, dos artigos 59.o e 60.o do Estatuto, bem como, em quinto lugar, do artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

36

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de abril de 2018, PV interpôs no Tribunal Geral um recurso, registado sob a referência T‑224/18, em que pedia, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral declarasse que foi vítima de assédio moral, em segundo lugar, a anulação dos atos controvertidos visados no n.o 1, quarto travessão, do presente acórdão, bem como, em terceiro lugar, a condenação da Comissão no pagamento, a título principal, de 98000 euros e de 23190,44 euros a título de indemnização, respetivamente, dos danos morais e materiais alegadamente sofridos e, a título subsidiário, de 7612,87 euros a título da indemnização pelos danos materiais alegadamente sofridos.

37

Em apoio desse recurso, PV invocou sete fundamentos relativos, em substância, à violação, em primeiro lugar, do artigo 12.o‑A do Estatuto, em segundo lugar, dos artigos 21.o‑A e 23.o do Estatuto, em terceiro lugar, do artigo 11.o‑A do Estatuto e do artigo 41.o da Carta, em quarto lugar, do princípio da solicitude, em quinto lugar, do princípio da exceção de incumprimento e do princípio da legalidade, em sexto lugar, do princípio ne bis in idem e, em sétimo lugar, do artigo 41.o da Carta.

38

Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento aos dois recursos interpostos por PV.

39

Em primeiro lugar, nos n.os 67 a 130 desse acórdão, o Tribunal Geral julgou inadmissíveis os pedidos de PV destinados a que o Tribunal Geral declarasse que foi vítima de assédio moral bem como de anulação, nomeadamente, da decisão de demissão de 26 de julho de 2016, dos processos disciplinares CMS 13/087 e CMS 17/025 e das decisões cuja anulação pede a título subsidiário no processo T‑786/16.

40

Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 131 e 132 do mesmo acórdão, que não havia que examinar o quinto fundamento invocado no processo T‑786/16, bem como o sexto e sétimo fundamentos invocados no processo T‑224/18, uma vez que estes fundamentos foram invocados em apoio de pedidos de anulação, respetivamente, do primeiro e do segundo processo disciplinar, declarados inadmissíveis.

41

Em terceiro lugar, nos n.os 135 a 248 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes os outros fundamentos do recurso.

42

Para este efeito, por um lado, declarou, no n.o 173 desse acórdão, que os factos constitutivos de assédio moral alegados por PV não tinham sido suficientemente demonstrados.

43

Por outro lado, nos n.os 177 a 241 do referido acórdão, o Tribunal Geral julgou improcedentes os fundamentos de PV relativos à violação dos artigos 11.o‑A, 21.o‑A, 23.o, 24.o, 59.o e 60.o do Estatuto, bem como dos princípios da legalidade, da solicitude e da exceção de incumprimento.

44

Em quarto lugar, o Tribunal Geral, nos n.os 249 a 255 do mesmo acórdão, julgou improcedentes os pedidos de indemnização de PV, pelo facto de esses pedidos se basearem, em substância, no alegado caráter ilegal das decisões objeto dos recursos de anulação e de a ilegalidade dessas decisões não ter sido comprovada por PV.

Pedidos das partes

45

Com o seu recurso, PV pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

julgar o litígio; e

condenar a Comissão nas despesas nas duas instâncias.

46

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar PV nas despesas.

Quanto ao recurso

47

PV invoca dez fundamentos em apoio do seu recurso, relativos, em primeiro lugar, à violação dos artigos 72.o e 270.o TFUE e do artigo 23.o do Estatuto, em segundo lugar, à violação do artigo 4.o TUE, do artigo 41.o da Carta e do artigo 11.o‑A do Estatuto, em terceiro lugar, à violação do princípio fraus omnia corrumpit e do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em quarto lugar, à violação dos artigos 1.o, 3.o, 4.o, 31.o e 41.o da Carta e dos artigos 1.o‑E e 12.o‑A do Estatuto, em quinto lugar, a uma interpretação errada do artigo 59.o do Estatuto e à violação de uma decisão interna da Comissão, em sexto lugar, à violação do princípio da exceção de incumprimento, em sétimo lugar, à violação do artigo 41.o da Carta e do artigo 25.o do Estatuto, em oitavo lugar, à desvirtuação dos factos, em nono lugar, à violação do artigo 15.o da Carta e, em décimo lugar, à violação da proibição de decidir ultra petita.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

48

Com o seu primeiro fundamento, PV critica a apreciação do Tribunal Geral, nos n.os 184 e 185 do acórdão recorrido, relativamente aos argumentos apresentados quanto à violação dos artigos 21.o‑A e 23.o do Estatuto.

49

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral teria cometido um erro de direito ao declarar, no n.o 184 desse acórdão, que só uma sentença condenatória permite apurar factos constitutivos de assédio moral ou de falsificação de documento e que um despacho de instrução não tem nenhuma pertinência no âmbito da apreciação do mérito desses factos.

50

Em segundo lugar, o Tribunal Geral teria violado o artigo 270.o TFUE, ao considerar, no n.o 185 do referido acórdão, que a relação de trabalho entre um funcionário e a sua instituição é regulada exclusivamente pelo Estatuto, quando outras fontes de direito seriam pertinentes, nomeadamente o direito penal do Estado‑Membro no território do qual trabalha o agente em causa. Assim, qualquer infração penal cometida por um agente, como o assédio moral, a falsificação de documentos públicos ou a corrupção, que seja punida pelo Código Penal belga, constituiria igualmente uma violação do artigo 23.o do Estatuto. Ora, os despachos proferidos pelo juiz de instrução belga na sequência das queixas apresentadas por PV contra vários funcionários permitiriam demonstrar que tais infrações penais foram cometidas. Ao não tomar em consideração as provas em que essas decisões judiciais assentam, o Tribunal Geral teria violado igualmente o artigo 2.o TUE e o artigo 67.o, n.o 3, TFUE.

51

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao não tomar em consideração vários elementos determinantes. Antes de mais, o Tribunal Geral não teria tomado em consideração os despachos proferidos por um juiz de instrução belga para a audição de certos funcionários da Comissão envolvidos na adoção de determinados atos controvertidos, despachos esses que teriam sido proferidos ao abrigo de um regime processual que demonstra que essas pessoas são consideradas suspeitas de ter cometido as infrações alegadas. Em seguida, o Tribunal Geral deveria ter tido em conta a apreensão, que ocorreu em 19 de setembro de 2018, por um juiz de instrução belga, do processo disciplinar CMS 17/025 a título de documento de acusação, pela infração de falsificação de documentos públicos. Por último, uma assinatura falsa, que figurava na decisão de dedução no vencimento de 15 de setembro de 2016, deveria ter levado o Tribunal Geral a aplicar o princípio fraus omnia corrumpit.

52

Além disso, o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao declarar, no n.o 184 do acórdão recorrido, que, na audiência, a Comissão alegou, sem que tal tenha sido contestado por PV, que os órgãos jurisdicionais belgas o tinham condenado a pagar ao médico‑assistente da Comissão a quantia de 25000 euros a título de compensação. Com efeito, PV não foi condenado a pagar tal quantia a título de compensação. Em contrapartida, o Tribunal correctionnel de Bruxelles (Tribunal Correcional de Bruxelas, Bélgica) declarou a inadmissibilidade da citação direta de um médico‑assistente da Comissão e condenou PV no pagamento de custas de parte de 440 euros.

53

A Comissão considera que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

54

No que respeita, primeiro, ao erro de direito invocado por PV a respeito da constatação do Tribunal Geral que figura no n.o 184 do acórdão recorrido, há que salientar que PV acusa o Tribunal Geral, por um lado, de ter considerado que só uma sentença condenatória permitia apurar factos constitutivos de assédio moral ou de falsificação de documentos e, por outro, de ter considerado que um despacho de instrução não tinha nenhuma pertinência no âmbito da apreciação do mérito desses factos.

55

A este respeito, importa destacar, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral considerou, com razão, nesse n.o 184, que, pela sua natureza, atos que não implicam um apuramento definitivo de factos constitutivos de falsificação de documentos ou de assédio não permitem, por si sós, provar esses factos.

56

Em segundo lugar, a alegação de PV de que o Tribunal Geral considerou, no n.o 184 do acórdão recorrido, que um despacho de instrução não tem nenhuma pertinência para efeitos de apuramento dos factos constitutivos de assédio moral ou de falsificação de documentos, resulta de uma leitura errada desse n.o 184.

57

Com efeito, ao declarar, no referido n.o 184, que nenhum dos factos que PV qualificou de assédio moral ou de falsificação de documentos se caracterizou enquanto tal nem foi objeto de uma condenação penal por um órgão jurisdicional belga, o Tribunal Geral considerou que os despachos proferidos no âmbito do processo de instrução penal invocados por PV não permitiam, por si só, provar esses factos e não eram, portanto, decisivos no âmbito dessa apreciação, sem, no entanto, considerar que eram desprovidos de pertinência.

58

Por conseguinte, a argumentação de PV de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nesse n.o 184 é improcedente.

59

Segundo, quanto à interpretação do artigo 270.o TFUE adotada pelo Tribunal Geral no n.o 185 do acórdão recorrido, pelo qual afastou, com fundamento nessa disposição, qualquer pertinência do direito nacional na análise dos argumentos de PV relativos à violação dos artigos 21.o‑A e 23.o do Estatuto, importa salientar que o artigo 270.o TFUE prevê que o Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre todo e qualquer litígio entre a União e os seus agentes, dentro dos limites e condições estabelecidas pelo Estatuto e no Regime aplicável aos Outros Agentes da União.

60

Decorre desta disposição que qualquer litígio entre um funcionário ou um agente da União e a instituição de que depende, que tenha origem na relação de trabalho que une o interessado a essa instituição, é da competência exclusiva do Tribunal de Justiça [v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, OH (Imunidade de jurisdição), C‑758/19, EU:C:2021:603, n.os 24 e 34].

61

Em contrapartida, não resulta de modo algum da redação do artigo 270.o TFUE que a relação de trabalho entre um funcionário e a sua instituição seja exclusivamente regida pelo Estatuto.

62

Com efeito, por um lado, como salientou o advogado‑geral nos n.os 62 a 71 das suas conclusões, outras disposições do direito da União, abrangidas tanto pelo direito primário como pelo direito derivado, são aplicáveis à relação de trabalho entre um funcionário e a sua instituição.

63

Por outro lado, certas disposições do Estatuto comportam remissões para o direito nacional dos Estados‑Membros.

64

É o que acontece, especialmente, com os artigos 21.o‑A e 23.o do Estatuto, invocados por PV em apoio dos seus recursos de anulação.

65

Assim, o artigo 23.o do Estatuto, relativo aos privilégios e imunidades de que beneficiam os funcionários, precisa, no seu primeiro parágrafo, que os interessados não estão isentos de observar as leis e os regulamentos de polícia em vigor. Por conseguinte, resulta desta disposição que os funcionários são obrigados a respeitar as leis adotadas pelo Estado‑Membro do seu local de afetação e cujo respeito se impõe a qualquer pessoa que se encontre no seu território, o que compreende o direito penal desse Estado‑Membro.

66

Do mesmo modo, o artigo 21.o‑A, n.o 1, do Estatuto prevê que um funcionário não é obrigado a executar uma ordem que seja manifestamente ilegal ou contrária às normas de segurança aplicáveis. Esta disposição, lida em conjugação com o artigo 23.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, permite, portanto, a um funcionário recusar executar uma ordem que recebeu invocando a violação do direito penal do Estado‑Membro do seu local de afetação que a execução dessa ordem implicaria.

67

Resulta destas considerações que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 185 do acórdão recorrido, que a relação de trabalho entre um funcionário e a sua instituição se rege exclusivamente pelo Estatuto, negando assim, com fundamento no artigo 270.o TFUE, qualquer pertinência ao direito penal nacional.

68

Todavia, ainda que os fundamentos de um acórdão do Tribunal Geral revelem uma violação do direito da União, se o seu dispositivo se basear noutros fundamentos jurídicos, deve ser negado provimento ao recurso (Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Dalli/Comissão, C‑615/19 P, EU:C:2021:133, n.o 165 e jurisprudência referida).

69

A este respeito, importa salientar que o artigo 21.o‑A do Estatuto permite ao funcionário recusar executar uma ordem quando esta for manifestamente ilegal ou contrária às normas de segurança aplicáveis.

70

Daqui resulta que a referida disposição não pode ser invocada em apoio de um recurso de anulação de decisões que não dão seguimento à recusa de um funcionário de se conformar com uma ordem que recebeu.

71

Ora, não se pode deixar de observar que, no caso em apreço, nenhuma das decisões controvertidas no âmbito dos processos T‑786/16 e T‑224/18 dá seguimento a uma recusa de PV de executar uma ordem.

72

Quanto à acusação relativa à violação do artigo 23.o do Estatuto, há que observar que a simples alegação de que foram cometidas infrações penais por funcionários que participaram na adoção das decisões controvertidas e que foram instaurados processos de instrução penal relativamente a essas infrações, no âmbito dos quais esses funcionários foram ouvidos, não é suficiente para demonstrar que tais infrações foram cometidas no momento da adoção dessas decisões. Uma vez que a argumentação de PV sobre a qual incide o n.o 185 do acórdão recorrido assenta em alegações não fundamentadas, deve, em todo o caso, ser julgada improcedente.

73

Por conseguinte, a argumentação relativa a um erro de direito cometido nesse n.o 185 pelo Tribunal Geral deve ser afastada e considerada inoperante.

74

No que respeita à alegação de PV de que o Tribunal Geral violou o artigo 2.o TUE e o artigo 67.o, n.o 3, TFUE, ao não ter em conta as provas em que se baseiam os despachos proferidos por um juiz de instrução belga e invocadas por PV, basta salientar que estas disposições não têm por objeto nem por efeito determinar as regras relativas à apreciação dos factos e dos elementos de prova pelo juiz da União.

75

Terceiro, no que se refere à alegação de PV de que o Tribunal Geral procedeu a «desvirtuações por omissão», cabe sublinhar que, embora a argumentação desenvolvida por PV no âmbito do seu primeiro fundamento vise os n.os 184 e 185 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não procedeu a constatações factuais nesse n.o 185, pelo que a argumentação de PV relativa a uma desvirtuação dos factos deve ser entendida no sentido de que visa contestar os factos apurados no n.o 184 desse acórdão.

76

No referido n.o 184, o Tribunal Geral considerou, nomeadamente, que nenhum dos factos que PV tinha qualificado de assédio moral ou de falsificação de documentos tinha sido assim caracterizado nem tinha sido objeto de uma condenação penal por um órgão jurisdicional belga. Destacou igualmente que as queixas apresentadas por PV nos órgãos jurisdicionais belgas deram lugar a processos de instrução penal.

77

A este respeito, importa recordar que resulta do artigo 256.o TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito. Por conseguinte, o Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos pertinentes, assim como para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e destes elementos de prova não constitui, assim, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (Acórdão de 21 de outubro de 2021, Parlamento/UZ, C‑894/19 P, EU:C:2021:863, n.o 46 e jurisprudência referida).

78

Tal desvirtuação existe quando, sem ter recorrido a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes parece manifestamente errada. Todavia, essa desvirtuação deve resultar manifestamente dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas. Além disso, quando um recorrente alegue uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação (Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, Lituânia/Comissão, C‑79/19 P, EU:C:2020:129, n.o 71 e jurisprudência referida).

79

Tendo em conta esta jurisprudência, as constatações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral no n.o 184 do acórdão recorrido só podem ser postas em causa se se demonstrar que resulta manifestamente dos documentos que foram apresentados ao Tribunal Geral que essas constatações são inexatas.

80

PV invoca, antes de mais, a este respeito, vários documentos que apresentou em primeira instância e que o Tribunal Geral não teve em conta.

81

É verdade que as constatações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral no n.o 184 do acórdão recorrido se baseiam no facto de as queixas apresentadas por PV nos órgãos jurisdicionais belgas terem dado lugar à instauração de processos de instrução penal, em dois acórdãos proferidos pela chambre des mises en accusation de la cour d’appel de Bruxelles (Secção penal do Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica) e noutro acórdão de um órgão jurisdicional belga.

82

No entanto, ao limitar‑se a enumerar os documentos que o Tribunal Geral não examinou, PV não demonstrou que estes eram suscetíveis de pôr em causa a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral, no n.o 184 desse acórdão, segundo a qual nenhum dos factos que PV qualificou de falsificação de documentos ou de assédio moral se caracterizou assim nem foi objeto de uma condenação penal por um órgão jurisdicional belga.

83

Em seguida, no que respeita à alegada desvirtuação das afirmações feitas pela Comissão na audiência no Tribunal Geral, cabe salientar que, mesmo admitindo que o Tribunal Geral tenha sublinhado, erradamente, que a Comissão tinha alegado, nessa audiência, que os órgãos jurisdicionais belgas tinham condenado PV a pagar ao médico‑assistente da Comissão uma quantia de 25000 euros a título de compensação, embora, na realidade, PV só tivesse de pagar uma quantia de 440 euros, esse erro não seria suscetível de pôr em causa a apreciação feita pelo Tribunal Geral no n.o 184 do acórdão recorrido e recordado no n.o 76 do presente acórdão. Este argumento deve, portanto, ser afastado por ser inoperante.

84

Por último, quanto à alegação de PV de que o Tribunal Geral devia ter examinado se a pretensa falsa assinatura que figura na decisão de dedução no vencimento de 15 de setembro de 2016 implicava a aplicação do princípio fraus omnia corrumpit, importa recordar que, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a fiscalização do Tribunal de Justiça está limitada à apreciação da solução legal dada aos fundamentos e argumentos debatidos no Tribunal Geral. Por conseguinte, uma parte não pode invocar pela primeira vez no Tribunal de Justiça fundamentos ou argumentos que não invocou perante este (Acórdão de 18 de março de 2021, Pometon/Comissão, C‑440/19 P, EU:C:2021:214, n.o 51 e jurisprudência referida).

85

No caso em apreço, PV invocou, em primeira instância, o princípio fraus omnia corrumpit unicamente em apoio do pedido de anulação do processo disciplinar CMS 17/025, pelo que a alegação relativa à violação deste princípio deve ser julgada inadmissível no que respeita aos outros atos controvertidos referidos no âmbito do primeiro fundamento do recurso, como a decisão de dedução no vencimento de 15 de setembro de 2016.

86

Quanto ao processo disciplinar CMS 17/025, uma vez que os pedidos de anulação desse processo disciplinar foram declarados inadmissíveis pelo Tribunal Geral no n.o 94 do acórdão recorrido, sem que essa apreciação seja posta em causa por PV no seu recurso, o Tribunal Geral não pode ser validamente acusado de, na apreciação desses pedidos, não ter examinado a argumentação relativa à violação do princípio fraus omnia corrumpit, pelo que a argumentação de PV relativa à omissão de decidir sobre a alegada violação desse princípio desse ser afastada e julgada improcedente.

87

Daqui resulta que há que julgar o primeiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

88

Com o seu segundo fundamento, PV sustenta, por um lado, que a constatação efetuada pelo Tribunal Geral no n.o 184 do acórdão recorrido, segundo a qual nenhum dos factos que PV qualificou de assédio moral ou de falsificação de documentos foi, enquanto tal, caracterizado nem foi objeto de uma condenação penal por um órgão jurisdicional belga, resulta da «sabotagem» sistemática dos processos de instrução penal pela Comissão, em violação do direito de PV a um processo equitativo. Esta instituição teria abusado da imunidade funcional ao recusar sistematicamente autorizar a audição de funcionários por um juiz de instrução, em violação do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, quando não estão em causa atos de poder público. Além disso, a Comissão e alguns dos seus funcionários interferiram em processos de instrução penal conduzidos pelas autoridades belgas, em violação do artigo 72.o TFUE, do artigo 23.o do Estatuto, bem como dos direitos que o artigo 41.o da Carta confere a PV, na sua qualidade de parte civil no âmbito desses processos penais.

89

Por outro lado, o Tribunal Geral teria desvirtuado os autos ao rejeitar, no n.o 192 do acórdão recorrido, a acusação relativa à violação do artigo 11.o‑A do Estatuto pelo facto de uma simples queixa penal apresentada por PV contra membros da AIPN encarregados de tomar decisões a seu respeito não ser suficiente para colocar essas pessoas numa situação de conflito de interesses, quando várias queixas penais apresentadas por PV deram lugar à abertura de processos de instrução penal. Segundo PV, esta circunstância devia ter levado o Tribunal Geral a declarar que esses membros da AIPN se encontravam numa situação de conflito de interesses no âmbito do processo disciplinar CMS 17/025, bem como no momento da adoção da decisão de demissão de 21 de outubro de 2019. Por conseguinte, o Tribunal Geral devia ter declarado uma violação do artigo 41.o da Carta, do artigo 11.o‑A do Estatuto e do artigo 6.o, n.o 5, do anexo IX do Estatuto.

90

A Comissão considera que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

91

Em primeiro lugar, quanto à alegação de que a Comissão teria, de maneira sistemática, abusado da imunidade funcional e interferido nos processos de instrução penal na Bélgica, cabe salientar que, no Tribunal Geral, PV apenas sustentou que a oposição do antigo secretário‑geral da Comissão à audição de uma pessoa que participou na adoção de certos atos controvertidos podia constituir uma infração ao princípio da cooperação leal.

92

Por conseguinte, esta alegação deve ser julgada inadmissível, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça citada no n.o 84 do presente acórdão, uma vez que se baseia noutras alegadas recusas de audições e alegadas ingerências nos processos de instrução penal na Bélgica.

93

No que respeita à argumentação relativa à violação do princípio da cooperação leal devido à oposição do antigo secretário‑geral da Comissão à audição de uma pessoa que participou na adoção de certos atos controvertidos, importa salientar que a primeira frase do n.o 184 do acórdão recorrido se limita a constatar que nenhum dos factos que PV tinha qualificado de assédio moral ou de falsificação de documentos tinha sido caracterizado nem tinha sido objeto de uma condenação penal por um órgão jurisdicional belga. Ora, uma vez que tal constatação não contém nenhuma apreciação da legalidade dessa oposição, não se pode deixar de observar que a argumentação de PV resulta de uma leitura errada desta frase do acórdão recorrido e deve, por conseguinte, ser julgada improcedente.

94

Em segundo lugar, quanto aos erros alegadamente cometidos pelo Tribunal Geral no n.o 192 do acórdão recorrido, há que sublinhar que a argumentação de PV sobre a violação do artigo 11.o‑A do Estatuto visa o processo disciplinar CMS 17/025 e a decisão de demissão de 21 de outubro de 2019.

95

Ora, como foi realçado no n.o 86 do presente acórdão, os pedidos de anulação desse processo disciplinar foram declarados inadmissíveis pelo Tribunal Geral, sem que esta apreciação seja posta em causa por PV no seu recurso. Além disso, a decisão de demissão de 21 de outubro de 2019 não é visada pelos pedidos de PV no âmbito dos seus recursos nos processos T‑786/16 e T‑224/18.

96

Consequentemente, a argumentação relativa a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral no n.o 192 desse acórdão é inoperante.

97

Daqui resulta que há que julgar o segundo fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

98

Com o seu terceiro fundamento, PV alega que o Tribunal Geral «desvirtuou os factos por omissão» e violou o dever de fundamentação que decorre do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, ao não examinar a aplicação do princípio fraus omnia corrumpit ao processo disciplinar CMS 17/025, devido à utilização, nesse processo, de uma decisão da qual constava uma assinatura falsa.

99

A análise deste princípio deveria ter levado o Tribunal Geral a anular o inquérito administrativo, o processo disciplinar CMS 17/025 e várias decisões relativas ao vencimento de PV.

100

A Comissão considera que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

101

Importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 84 do presente acórdão, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, uma parte não pode invocar pela primeira vez no Tribunal de Justiça fundamentos ou argumentos que não invocou perante o Tribunal Geral.

102

No caso em apreço, PV invocou, em primeira instância, o princípio fraus omnia corrumpit unicamente no que respeita ao processo disciplinar CMS 17/025. Por conseguinte, o terceiro fundamento do recurso deve ser considerado inadmissível visto que acusa o Tribunal Geral de não ter aplicado o referido princípio às decisões relativas ao vencimento de PV.

103

No que respeita ao processo disciplinar CMS 17/025, como foi salientado no n.o 86 do presente acórdão, os pedidos de anulação desse processo foram declarados inadmissíveis pelo Tribunal Geral no n.o 94 do acórdão recorrido, sem que essa apreciação seja posta em causa pelo presente recurso. Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser validamente acusado de não se ter pronunciado quanto ao mérito sobre a aplicação do princípio fraus omnia corrumpit. A alegação de PV relativa à omissão de pronúncia sobre a aplicação do princípio fraus omnia corrumpit deve, portanto, ser julgada improcedente.

104

Daqui resulta que há que julgar o terceiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao quinto fundamento

105

Com o seu quinto fundamento, que está, em substância, dividido em três partes e que há que examinar em quarto lugar, PV sustenta que o Tribunal Geral cometeu vários erros ao rejeitar a sua argumentação relativa à violação do artigo 59.o do Estatuto e à utilização, pela Comissão, de falsificação de documentos.

Quanto à segunda parte do quinto fundamento

– Argumentos das partes

106

Com a segunda parte do quinto fundamento, que há que examinar em primeiro lugar, PV alega que o Tribunal Geral desvirtuou os factos e cometeu erros de direito na sua apreciação, nos n.os 112 a 116 do acórdão recorrido, da argumentação de que a utilização, pela Comissão, de falsificação de documentos sob a forma de pareceres médicos emitidos pelo médico‑assistente da instituição implica a inexistência dos atos controvertidos.

107

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral não teria podido validamente concluir, no n.o 114 desse acórdão, que o facto de determinadas notas de não comparência serem intituladas «parecer médico» resultava de um erro de redação decorrente de um ato de negligência. PV sustenta que, tendo em conta o número de pareceres médicos emitidos pelo médico‑assistente da Comissão, não se pode falar de negligência. Pelo contrário, deve considerar‑se que a conduta desse médico apresenta um caráter deliberado.

108

Em segundo lugar, o Tribunal Geral teria cometido um erro de direito ao declarar, nesse n.o 114, que esse erro de redação foi posteriormente esclarecido e retificado. PV alega que os pareceres médicos em questão não foram retificados, pelo que subsiste a alegada ilegalidade. O Tribunal Geral não precisou, aliás, de que modo esses pareceres médicos foram retificados.

109

Este erro de direito levou o Tribunal Geral a considerar, erradamente, nos n.os 115 e 116 do acórdão recorrido, que as ilegalidades alegadas não apresentam um caráter evidente e de gravidade suficiente para declarar inexistentes os atos controvertidos.

110

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral teria cometido um erro de direito ao considerar, no n.o 114 desse acórdão, que uma nota de não comparência do médico‑assistente não constitui um ato lesivo e que essa nota não pode ser contestada mediante arbitragem em aplicação do artigo 59.o, n.o 1, quinto parágrafo, do Estatuto. Com efeito, os dois requisitos exigidos por esta disposição, a saber, a existência de uma conclusão médica e o caráter medicamente injustificado dessa conclusão, estão preenchidos tanto no que respeita aos pareceres como às notas controvertidas do médico‑assistente. Estes atos devem, pois, ser anulados, dado que o médico‑assistente indeferiu sem fundamentar os pedidos de arbitragem apresentados por PV.

111

A Comissão sustenta que a segunda parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

112

Relativamente aos erros de direito que o Tribunal Geral cometeu no n.o 114 do acórdão recorrido, há que recordar que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que são considerados «atos recorríveis», na aceção do artigo 263.o TFUE, todas as disposições adotadas pelas instituições, seja qual for a sua forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Tognoli e o./Parlamento, C‑431/20 P, EU:C:2021:807, n.o 33, bem como jurisprudência referida).

113

O Tribunal de Justiça precisou igualmente que as medidas intermédias cujo objetivo seja preparar a decisão final, no âmbito de um processo que compreende várias fases, não constituem, em princípio, atos que possam ser objeto de recurso de anulação (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Tognoli e o./Parlamento, C‑431/20 P, EU:C:2021:807, n.o 35, bem como jurisprudência referida).

114

No caso em apreço, como o Tribunal Geral salientou, em substância, no n.o 114 do acórdão recorrido, as notas de não comparência do médico‑assistente constituem medidas intermédias desprovidas de efeitos jurídicos autónomos e que poderão, se for caso disso, ser contestadas no âmbito dos recursos interpostos contra as decisões adotadas com base nesse fundamento.

115

Daqui resulta que a alegação de PV de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nesse n.o 114, que uma nota de não comparência não constitui um ato lesivo deve ser julgada improcedente.

116

Além disso, uma vez que resulta das considerações precedentes que as notas de não comparência não constituem atos recorríveis na aceção do artigo 263.o TFUE, há que rejeitar o argumento de PV relativo a uma violação do artigo 59.o, n.o 1, quinto parágrafo, do Estatuto por ser, em todo o caso, inoperante.

117

O mesmo se diga dos outros erros de direito alegados por PV no âmbito da segunda parte do quinto fundamento.

118

Com efeito, mesmo admitindo que o Tribunal Geral tenha cometido um erro de direito no n.o 114 do acórdão recorrido ao considerar que o erro de redação que afetava determinadas notas de não comparência tinha sido esclarecido e retificado, há que sublinhar, por um lado, que essas notas de não comparência não são, enquanto tais, atos recorríveis na aceção do artigo 263.o TFUE e, por outro, que esse erro não é suscetível, no que respeita aos atos controvertidos adotados em relação a essas notas de não comparência, de pôr em causa a constatação feita pelo Tribunal Geral, no n.o 115 desse acórdão, de que o limiar de evidência e de gravidade que implicava a inexistência desses atos não tinha sido atingido.

119

Daí resulta que a segunda parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto à terceira parte do quinto fundamento

– Argumentos das partes

120

Com a terceira parte do seu quinto fundamento, PV contesta os n.os 112 e 113 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral teria constatado a inexistência de uma lista das decisões administrativas que PV qualificou de falsificação de documento. PV afirma, por um lado, ter fornecido ao Tribunal Geral uma lista das decisões cuja anulação pede. Por outro lado, qualquer decisão administrativa de indeferimento ou lesiva assente numa constatação de ausência injustificada deveria ser considerada uma falsificação de documento, dado que todas as ausências de PV teriam sido justificadas por certificados de incapacidade para o trabalho.

121

A Comissão considera que a terceira parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

122

Em primeiro lugar, o argumento de PV de que o Tribunal Geral o teria acusado, erradamente, nos n.os 112 e 113 do acórdão recorrido, de não ter fornecido uma lista dos atos que qualifica de falsificação de documentos deve ser julgado improcedente, uma vez que assenta numa leitura errada desses números.

123

Com efeito, o Tribunal Geral declarou, no n.o 112 do acórdão recorrido, que cabia a PV demonstrar, relativamente a cada ato controvertido, de que modo a alegada utilização de falsificação de documentos pela Comissão viciou o ato de uma irregularidade cuja gravidade é tão evidente que não pode ser tolerada pela ordem jurídica da União. Em seguida, declarou, no n.o 113 desse acórdão, que PV se tinha limitado a apresentar alegações gerais a este respeito, o que o levou a declarar, no n.o 115 do referido acórdão, que o limiar de evidência e de gravidade que implicava a inexistência de um ato não tinha sido atingido.

124

Ao decidir desta forma, o Tribunal Geral considerou que não resultava da argumentação de PV que o limiar de evidência e de gravidade exigido tivesse sido atingido, sem, contudo, se basear na não apresentação por PV de uma lista dos atos que este qualificava de falsificação de documento.

125

Em segundo lugar, a argumentação de PV relativa ao conteúdo dos certificados de incapacidade para o trabalho é inadmissível, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 77 do presente acórdão, uma vez que visa a apreciação dos factos pelo Tribunal Geral sem que PV invoque uma desvirtuação a este respeito.

126

Daqui resulta que a terceira parte do quinto fundamento deve ser julgada parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível.

Quanto à primeira parte do quinto fundamento

– Argumentos das partes

127

Com a primeira parte do seu quinto fundamento, que há que examinar em terceiro lugar, PV sustenta, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral, no n.o 226 do acórdão recorrido, desvirtuou os factos.

128

Por um lado, o Tribunal Geral teria constatado que a não comparência de PV às consultas de exame médico não eram justificadas por motivos médicos, quando as ausências de PV teriam sido justificadas por atestados emitidos pelo seu médico‑assistente que lhe prescreviam evitar qualquer contacto com o seu ambiente de trabalho, o que incluía o serviço médico da Comissão. Além disso, segundo PV, esta instituição poderia ter efetuado um exame médico no domicílio, o que não fez.

129

Por outro lado, o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao não referir que oito das convocatórias para exames médicos tinham sido enviadas tardiamente e recebidas por PV após a data do exame em questão. Daqui resulta que a apreciação que consta no n.o 220 do acórdão recorrido, de que a não comparência às diversas convocatórias para as consultas médicas é imputável a PV, seria errada em relação a essas oito convocatórias.

130

Em segundo lugar, os pareceres médicos de 27 de junho e 10 de outubro de 2014 segundo os quais PV podia retomar o trabalho resultariam provavelmente de instruções recebidas da DG «Interpretação» e constituiriam, portanto, uma participação ativa no assédio moral de que PV seria vítima, bem como uma violação das regras deontológicas e do princípio da precaução.

131

Além disso, segundo PV, o Tribunal Geral não examinou as irregularidades que viciam os pareceres emitidos pelo médico‑assistente da Comissão. Com efeito, esses pareceres médicos constituiriam falsificação de documentos. Por um lado, afirmam que as ausências de PV eram injustificadas, quando este teria apresentado certificados de incapacidade para o trabalho emitidos pelo seu médico‑assistente. Por outro lado, não se baseariam em nenhum exame médico. A inexistência de um exame médico retiraria, aliás, qualquer significado à constatação de ausência irregular até ao termo do prazo datado no futuro, dado que tal constatação não assentaria numa apreciação da aptidão para o trabalho.

132

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao não declarar a inexistência da lista de médicos árbitros, que devia ter sido estabelecida em conformidade com o artigo 59.o, n.o 6, do Estatuto.

133

A Comissão considera que a primeira parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

134

Em primeiro lugar, uma vez que PV alega que o Tribunal Geral desvirtuou elementos de prova por ter efetuado uma leitura errada de determinados documentos, importa salientar que, embora uma desvirtuação dos elementos de prova possa consistir numa interpretação de um documento que é contrária ao conteúdo deste último, para provar essa desvirtuação não basta demonstrar que esse documento podia ser objeto de uma interpretação diferente da que veio a ser adotada pelo Tribunal Geral. Para este efeito, é necessário demonstrar que o Tribunal Geral excedeu manifestamente os limites de uma apreciação razoável desse documento, nomeadamente ao fazer uma leitura deste documento que é contrária à sua redação (Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Dalli/Comissão, C‑615/19 P, EU:C:2021:133, n.o 139 e jurisprudência referida).

135

Ora, embora não esteja excluído que os atestados médicos apresentados por PV, que prescreviam, como o Tribunal Geral salientou no n.o 219 do acórdão recorrido, que PV evitasse «qualquer contacto com o ambiente de trabalho […] para evitar um segundo esgotamento profissional (burn‑out)», possam ser interpretados no sentido de que o seu médico‑assistente entendeu que este não devia submeter‑se ao exame médico organizado pela Comissão, não é menos verdade que o Tribunal Geral não ultrapassou manifestamente os limites de uma apreciação razoável desses documentos ao considerar, no n.o 219, que o serviço médico não constitui o ambiente de trabalho de PV e que, portanto, esses atestados médicos não autorizariam PV a não se submeter às consultas médicas organizadas pela Comissão.

136

A argumentação relativa a uma desvirtuação dos referidos documentos deve, portanto, ser julgada improcedente.

137

Em segundo lugar, no que diz respeito às alegações pelas quais PV, por um lado, acusa a Comissão de não ter organizado um exame médico no seu domicílio, de ter enviado tardiamente certas convocatórias para exames médicos e de ter alegadamente dirigido instruções ao médico‑assistente da Comissão para a redação de determinados pareceres médicos, bem como, por outro, invocar a inexistência da lista de médicos‑árbitros, estas alegações devem ser julgadas inadmissíveis, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 84 do presente acórdão, uma vez que PV não as invocou no Tribunal Geral.

138

Em terceiro lugar, como a alegação dirigida contra o n.o 114 do acórdão recorrido, de que uma nota de não comparência do médico‑assistente não constitui um ato lesivo, foi julgada improcedente no n.o 115 do presente acórdão, há que julgar improcedentes as alegações dirigidas contra as notas de não comparência, em todo o caso, inoperantes.

139

Consequentemente, há que julgar a primeira parte do quinto fundamento parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível.

140

Daqui resulta que, no seu conjunto, há que julgar improcedente o quinto fundamento.

Quanto ao sexto fundamento

Argumentos das partes

141

Com o seu sexto fundamento, PV sustenta, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral desvirtuou os autos ao declarar, no n.o 237 do acórdão recorrido, que a regra da concordância entre a reclamação administrativa e o subsequente recurso não tinha sido respeitada quanto ao fundamento relativo à violação do princípio de direito belga da exceção de incumprimento, quando este fundamento tinha sido alegado na reclamação R/413/17.

142

Em segundo lugar, o Tribunal Geral teria cometido um erro de direito ao considerar, no n.o 239 desse acórdão, que o princípio de direito belga da exceção de incumprimento não é aplicável no caso em apreço. PV afirma que este princípio é aplicável, de maneira geral, nas relações sinalagmáticas.

143

Em terceiro lugar, no n.o 241 do referido acórdão, o Tribunal Geral teria rejeitado a argumentação em apoio da qual PV invocava o referido princípio, «deturpando» a cronologia dos acontecimentos. Com efeito, o Tribunal Geral declarou, no n.o 240 do mesmo acórdão, que PV invocou uma decisão posterior à sua recusa de se juntar à DG «Interpretação» para justificar essa recusa, quando o acontecimento invocado por PV para esse efeito é anterior à referida recusa.

144

A Comissão sustenta que o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

145

No que respeita, em primeiro lugar, ao erro de direito que o Tribunal Geral teria cometido no n.o 239 do acórdão recorrido, importa observar que foi com razão que o Tribunal Geral declarou, nesse n.o 239, que o princípio de direito belga da exceção de incumprimento não é aplicável nas relações entre um funcionário e a sua instituição.

146

Com efeito, a relação de trabalho entre um funcionário e a sua instituição é de natureza estatutária. Por conseguinte, é regida pelo direito da União. O princípio de direito belga da exceção de incumprimento é, porém, um princípio do direito civil belga que, segundo PV, é aplicável às relações contratuais. Nestas condições, na falta de remissão expressa por parte das disposições aplicáveis do direito da União, não se pode considerar que tal princípio se aplique à relação de trabalho entre um funcionário e a sua instituição.

147

Por conseguinte, este argumento deve ser julgado infundado.

148

Em segundo lugar, à luz das considerações precedentes, mesmo admitindo, por um lado, que o Tribunal Geral tenha cometido uma desvirtuação dos autos ao declarar que o fundamento relativo à violação do princípio do direito belga da exceção de incumprimento não tinha sido invocado por PV na sua reclamação R/413/17 e, por outro, que o Tribunal Geral tenha «deturpado» a cronologia dos acontecimentos, esses erros não têm incidência na rejeição, no n.o 241 do acórdão recorrido, do fundamento relativo à violação do referido princípio.

149

Consequentemente, a argumentação de PV relativa à desvirtuação dos autos e da cronologia dos acontecimentos é, em todo o caso, inoperante.

150

Daqui decorre que o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao sétimo fundamento

Argumentos das partes

151

Com o seu sétimo fundamento, PV sustenta, por um lado, que o Tribunal Geral desvirtuou o ofício prévio de informação do PMO de 21 de setembro de 2016 ao declarar, no n.o 20 do acórdão recorrido, que o montante da dívida que figura nesse ofício ascendia a 42704,74 euros, quando resultava de um quadro anexo à petição apresentada em primeira instância no processo T‑786/16 que o montante dessa dívida era de 58837,20 euros.

152

Por outro lado, o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao não considerar o caráter fraudulento desse quadro, que reproduzia dívidas inexistentes. A este respeito, PV sustenta que o PMO violou o seu dever de fundamentação previsto no artigo 41.o da Carta e no artigo 25.o do Estatuto, ao não fornecer nenhum documento justificativo em apoio das deduções no vencimento efetuadas para liquidação dessas dívidas. Por outro lado, da decisão de deduções no vencimento de 15 de setembro de 2016 constava uma assinatura falsa que deveria ter levado o Tribunal Geral a aplicar o princípio fraus omnia corrumpit. Estas desvirtuações teriam levado o Tribunal Geral a cometer um erro de direito, nos n.os 165 e 206 do acórdão recorrido, ao considerar que as dívidas foram regularmente constatadas, quando a dívida global de 58837,20 euros se teria baseado em irregularidades.

153

A este respeito, PV invoca igualmente uma violação dos seus direitos de defesa, uma vez que lhe era impossível contestar essas dívidas devido à violação, pelo PMO, do seu dever de fundamentação.

154

A Comissão alega que o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

155

Em primeiro lugar, no que se refere à pretensa desvirtuação do ofício prévio de informação do PMO de 21 de setembro de 2016, importa recordar que, conforme à jurisprudência citada no n.o 134 do presente acórdão, embora uma desvirtuação dos elementos de prova possa consistir numa interpretação de um documento contrária ao seu conteúdo, para demonstrar essa desvirtuação, não basta demonstrar que esse documento podia ser objeto de uma interpretação diferente da seguida pelo Tribunal Geral. Para esse fim, é necessário demonstrar que o Tribunal Geral ultrapassou manifestamente os limites de uma apreciação razoável desse documento, nomeadamente ao fazer uma leitura deste contrária à sua redação.

156

No caso em apreço, o ofício prévio de informação do PMO de 21 de setembro de 2016, que foi anexado à petição apresentada em primeira instância no processo T‑786/16 e à qual se refere o Tribunal Geral no n.o 20 do acórdão recorrido, menciona uma dívida no montante de 42704,74 euros. Além disso, o mesmo montante figura no quadro junto ao referido ofício, igualmente anexado à petição apresentada em primeira instância, na coluna intitulada «saldo em dívida».

157

Por conseguinte, a constatação efetuada pelo Tribunal Geral no n.o 20 do acórdão recorrido de que o montante da dívida que consta no mesmo ofício ascendia a 42704,74 euros não se afigura manifestamente inexata à luz do quadro apresentado por PV.

158

O argumento de PV relativo a uma desvirtuação desse quadro deve, portanto, ser julgado improcedente.

159

Em segundo lugar, os argumentos relativos ao caráter fraudulento do referido quadro e à violação dos direitos de defesa de PV são inadmissíveis, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 84 do presente acórdão, por não terem sido invocados no Tribunal Geral.

160

Quanto à alegação de PV de que o Tribunal Geral devia ter aplicado o princípio fraus omnia corrumpit devido à pretensa falsa assinatura que consta da decisão de dedução no vencimento de 15 de setembro de 2016, deve, pelos motivos expostos nos n.os 84 a 86 do presente acórdão, ser julgada improcedente no que respeita ao processo disciplinar CMS 17/025 e inadmissível em relação aos outros atos controvertidos referidos no âmbito do sétimo fundamento do recurso.

161

Por conseguinte, a argumentação de PV, relativa ao erro de direito que teria sido cometido pelo Tribunal Geral nos n.os 165 e 206 do acórdão recorrido devido às desvirtuações alegadas por PV no âmbito do sétimo fundamento deve ser julgada improcedente.

162

Daqui decorre que o sétimo fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

163

Com o seu quarto fundamento, que cabe examinar em sétimo lugar, PV alega, primeiro, que o Tribunal Geral cometeu, nos n.os 6, 8, 17, 20, 54, 147, 162, 163, 164, 166, 173, 205, 206, 242 e 246 do acórdão recorrido, desvirtuações e «deturpações» de vários elementos, com base nos quais considerou, erradamente, que o assédio moral não tinha sido demonstrado.

164

Em primeiro lugar, PV acusa o Tribunal Geral de não ter mencionado o assédio moral de que teria sido vítima na DG «Orçamento» entre os meses de julho de 2010 e dezembro de 2011, o qual teria sido comprovado nos relatórios periciais elaborados pelo seu psiquiatra.

165

Em segundo lugar, o Tribunal Geral deveria ter tido em conta a circunstância de a DG «Recursos Humanos e Segurança» ter aprovado e recomendado as medidas de afastamento propostas por uma pessoa de confiança à qual PV tinha recorrido durante o período em que esteve afetado à DG «Interpretação», bem como a recusa desta DG em lhe dar seguimento.

166

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao considerar, no n.o 242 do acórdão recorrido, que os factos relativos ao assédio moral sofrido por PV, conforme alegados nos seus articulados, não foram corroborados por testemunhas apesar de PV ter apresentado os depoimentos de dois antigos colegas que confirmavam esses factos.

167

Em quarto lugar, o Tribunal Geral teria «deturpado» as afirmações de PV, ao utilizar, nomeadamente nos n.os 6, 17, 20 e 54 desse acórdão, os termos «pretendendo» ou «pretensamente» em relação às suas alegações, deixando assim entender que essas alegações estariam erradas ou teriam sido apresentadas de má‑fé.

168

O mesmo se diga da apreciação, constante do n.o 166 do referido acórdão, de que não tinha sido demonstrado nenhum assédio moral na DG «Interpretação».

169

Em quinto lugar, o Tribunal Geral teria «deturpado» o alcance dos relatórios médicos apresentados por PV, ao considerar, no n.o 164 do mesmo acórdão, que esses relatórios médicos não permitem demonstrar que os distúrbios de PV resultam de um assédio moral.

170

O mesmo se diga da consideração, que figura no n.o 205 do acórdão recorrido, de que PV não tinha fornecido nenhuma prova relativa ao alegado assédio moral na DG «Interpretação».

171

Em sexto lugar, o Tribunal Geral teria ignorado deliberadamente os outros elementos de prova do assédio moral que PV teria sofrido na DG «Interpretação», nomeadamente as confissões de uma das pessoas em questão e a decisão de um juiz de instrução belga de considerar essa pessoa como suspeito, o que o teria levado a considerar, erradamente, no n.o 173 desse acórdão, que os factos de assédio moral alegados por PV não estavam suficientemente demonstrados.

172

O n.o 163 do referido acórdão, no qual o Tribunal Geral considerou que os relatórios médicos do médico‑assistente de PV não eram suscetíveis de demonstrar, por si só, a existência de um assédio moral, e o n.o 206 do mesmo acórdão, no qual o Tribunal Geral declarou que PV não tinha fornecido nenhum elemento que permitisse concluir que tinha sido objeto de assédio moral na DG «Interpretação» nem que as ausências injustificadas que conduziram à adoção das decisões recorridas eram a consequência desse assédio, estavam igualmente viciadas por uma desvirtuação dos factos.

173

Em sétimo lugar, o Tribunal Geral deveria ter tido em conta, nos n.os 8 e 162 do acórdão recorrido, o facto de a decisão de indeferimento da reclamação de PV apresentada contra a recusa de adoção das medidas de afastamento pedidas se basear numa relutância dolosa por parte da DG «Interpretação», uma vez que a recusa desta DG em aplicar essas medidas de afastamento ocorreu antes da redação do relatório do inquérito interno que concluía pela inexistência de assédio.

174

Além disso, o Tribunal Geral teria cometido um erro manifesto de apreciação ao declarar, no n.o 162 desse acórdão, que a decisão de indeferimento do pedido de assistência apresentado em 23 de dezembro de 2014 se tinha tornado definitiva. Com efeito, o assédio constituiria uma conduta abusiva que se manifestava duradouramente e que, portanto, não terminaria necessariamente na data da adoção de uma decisão de indeferimento de um pedido de assistência.

175

Em oitavo lugar, o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao declarar, no n.o 147 do referido acórdão, que PV não tinha fornecido nenhum elemento que permitisse concluir que a AIPN tinha exigido a prova de uma intenção malévola por parte dos alegados assediadores, quando esta circunstância teria sido confirmada por um ofício recebido por PV em 12 de dezembro de 2019.

176

Por outro lado, o Tribunal Geral teria deturpado a realidade ao considerar, no n.o 246 do acórdão recorrido, que certos comportamentos, ainda que possam parecer inapropriados, não podem ser qualificados de assédio.

177

Segundo, o Tribunal Geral teria cometido um erro de direito ao não reconhecer, à luz dos elementos apresentados por PV para demonstrar o assédio moral, que o indeferimento dos pedidos de alteração de afetação e dos pedidos de assistência controvertidos constitui uma violação dos artigos 1.o, 3.o, 4.o e 31.o da Carta, bem como dos artigos 1.o‑E e 12.o‑A do Estatuto.

178

Terceiro, o Tribunal Geral deveria ter anulado os indeferimentos dos pedidos de assistência apresentados por PV, devido à violação do seu direito de ser ouvido consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta. Com efeito, se PV tivesse sido ouvido, poderia ter apresentado os resultados dos inquéritos penais relativos ao assédio moral que teria sofrido na DG «Interpretação», o que poderia ter levado a AIPN a adotar medidas de afastamento.

179

A Comissão considera que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

180

Primeiro, importa examinar as desvirtuações e as «deturpações» invocadas por PV no âmbito do quarto fundamento.

181

A este respeito, no que se refere, em primeiro lugar, à argumentação de PV de que o Tribunal Geral não teria mencionado, no acórdão recorrido, o pretenso assédio que PV teria sofrido na DG «Orçamento», há que salientar, por um lado, que o Tribunal Geral constatou, no n.o 150 do acórdão recorrido, que PV alega que foi objeto de um processo de assédio continuado desde 1 de setembro de 2008 e que teria sofrido diversos episódios de assédio moral distintos em três direções‑gerais diferentes, incluindo, como resulta dos n.os 3 e 4 desse acórdão, a DG «Orçamento», à qual PV foi afetado durante o período compreendido entre 1 de outubro de 2009 e 31 de março de 2013.

182

Por outro lado, resulta do n.o 155 do referido acórdão, o qual não é criticado pelo presente recurso, que a alegação feita por PV da existência de assédio moral exercido pelos seus superiores hierárquicos não é suficiente para demonstrar que qualquer ato adotado por essas pessoas é ilegal e que, para demonstrar essa ilegalidade, seria necessário que PV demonstrasse a incidência dos comportamentos que constituem assédio moral no teor de cada decisão controvertida.

183

Ora, nenhum dos atos controvertidos referidos nos n.os 129 e 130 do acórdão recorrido foi adotado durante o período em que PV esteve afetado à DG «Orçamento».

184

O Tribunal Geral considerou, portanto, implícita mas necessariamente, que PV não tinha demonstrado a incidência que o pretenso assédio na DG «Orçamento» tinha para a apreciação dos recursos de anulação que interpôs. Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser acusado de não ter considerado que existia assédio moral nessa DG.

185

Em segundo lugar, no que se refere à tomada de posição da DG «Recursos Humanos e Segurança» sobre as medidas de afastamento propostas por uma pessoa de confiança à qual PV tinha recorrido durante o período em que esteve afetado à DG «Interpretação», importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 78 do presente acórdão, quando alega uma desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova pelo Tribunal Geral, um recorrente deve indicar de modo preciso os elementos que foram desvirtuados por este e demonstrar os erros de análise que, em seu entender, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação.

186

Ora, há que sublinhar que, no âmbito da sua argumentação, PV não identifica uma conclusão do Tribunal Geral no acórdão recorrido que esteja viciada por uma desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova com base no documento que invoca, pelo que esta argumentação deve ser julgada inadmissível.

187

Em terceiro lugar, quanto ao pretenso assédio moral na DG «Interpretação», PV invoca vários documentos que foram apresentados em primeira instância.

188

Todavia, ao invocar esses documentos, os quais teriam sido ignorados pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido, PV não visa demonstrar uma desvirtuação ou um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral no n.o 173 do acórdão recorrido, mas convida o Tribunal de Justiça a proceder a uma nova apreciação desses elementos de prova, o que não é da sua competência.

189

Em quarto lugar, em apoio do argumento de que o Tribunal Geral teria cometido uma desvirtuação dos factos ao rejeitar, no n.o 147 do acórdão recorrido, a alegação de que a AIPN teria exigido a prova de uma intenção malévola dos pretensos assediadores, PV invoca um ofício que declara ter recebido em 12 de dezembro de 2019. Todavia, uma vez que este ofício não foi apresentado no Tribunal Geral, este argumento deve ser julgado improcedente.

190

Em quinto lugar, quanto à argumentação relativa à desvirtuação dos factos que o Tribunal Geral teria cometido no n.o 242 do acórdão recorrido, deve ser afastada por ser, em todo o caso, inoperante.

191

Com efeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as acusações dirigidas contra fundamentos supérfluos de uma decisão do Tribunal Geral não podem conduzir à anulação dessa decisão e são, portanto, inoperantes (Acórdão de 2 de outubro de 2019, Crédit mutuel Arkéa/BCE, C‑152/18 P e C‑153/18 P, EU:C:2019:810, n.o 68, bem como jurisprudência referida).

192

Ora, tendo o Tribunal Geral julgado improcedentes, nos n.os 135 a 241 do acórdão recorrido, todos os fundamentos invocados por PV em apoio do seu recurso de anulação, as afirmações constantes do n.o 242 desse acórdão não podem contrariar essa decisão. Por conseguinte, estas afirmações devem ser entendidas como sendo fundamentos supérfluos.

193

Em sexto lugar, o argumento de PV relativo à utilização, pelo Tribunal Geral, dos termos «pretendendo» e «pretensamente» em relação às suas afirmações, assenta numa leitura errada do referido acórdão, uma vez que a utilização destes termos visa unicamente precisar que os elementos aos quais se referem constituem alegações, sem fazer nenhuma apreciação quanto ao seu mérito ou à boa‑fé do seu autor. Por conseguinte, este argumento deve ser julgado improcedente.

194

Quanto aos argumentos de PV relativos à pretensa relutância dolosa da DG «Interpretação» e à violação do seu direito de ser ouvido, uma vez que não foram invocados em primeira instância, devem ser julgados inadmissíveis, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 84 do presente acórdão.

195

Em sétimo lugar, no que respeita às pretensas desvirtuações de que padeceriam os n.os 163, 164, 166, 205, 206 e 246 do acórdão recorrido, basta observar que PV não demonstrou que a apreciação dos factos ou dos elementos de prova efetuada pelo Tribunal Geral nesses números se afigura manifestamente errada.

196

Em oitavo lugar, quanto ao argumento relativo ao erro manifesto de apreciação que teria sido cometido pelo Tribunal Geral no n.o 162 do acórdão recorrido, importa salientar que os fundamentos enunciados nos n.os 163 a 165 do referido acórdão, os quais, como foi sublinhado nos n.os 161 e 195 do presente acórdão, não foram utilmente impugnados por PV no âmbito do seu recurso, são suficientes para justificar a apreciação, que consta do n.o 173 do acórdão recorrido, de que PV não fez prova bastante dos factos de assédio moral alegados no quadro desta unidade da DG «Interpretação».

197

Daqui resulta que o fundamento enunciado no n.o 162 desse acórdão, que tende a alicerçar esta mesma apreciação, é supérfluo em relação aos n.os 163 a 165 do referido acórdão.

198

Por conseguinte, a argumentação de PV que visa o n.o 162 do mesmo acórdão é ineficaz, em conformidade com a jurisprudência citada no n.o 191 do presente acórdão.

199

Segundo, importa recordar, antes de mais, que resulta do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 169.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão recorrido cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que especificamente sustentam esse pedido, sob pena de inadmissibilidade do recurso ou do fundamento em causa (Acórdão de 29 de setembro de 2022, ABLV Bank/CRU, C‑202/21 P, EU:C:2022:734, n.o 34 e jurisprudência referida).

200

Assim, não respeita estas exigências e deve ser julgado inadmissível um fundamento cuja argumentação não é suficientemente clara e precisa para permitir ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização da legalidade, nomeadamente porque os elementos essenciais em que o fundamento se baseia não resultam de modo suficientemente coerente e compreensível do texto desse recurso, que está formulado de maneira obscura e ambígua a este respeito (Acórdão de 3 de março de 2022, WV/SEAE, C‑162/20 P, EU:C:2022:153, n.o 45 e jurisprudência referida).

201

No caso em apreço, há que constatar que a argumentação de PV de que o Tribunal Geral teria cometido um erro de direito ao não considerar que os indeferimentos das alterações de afetação e dos pedidos de assistência constituíam violações dos artigos 1.o, 3.o, 4.o e 31.o da Carta, bem como dos artigos 1.o‑E e 12.o‑A do Estatuto, não contém indicações precisas relativas aos números do acórdão recorrido eventualmente viciados por esse erro de direito. Além disso, PV não indica os argumentos jurídicos em que assenta especificamente esta argumentação, a qual deve, portanto, ser declarada inadmissível.

202

Daqui resulta que há que julgar o quarto fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao oitavo fundamento

Argumentos das partes

203

Com o seu oitavo fundamento, PV sustenta, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao basear‑se, no n.o 81 do acórdão recorrido, na compensação que a AIPN tinha efetuado entre as dívidas respetivas de PV e da Comissão. Com efeito, segundo PV, a revogação da decisão de demissão de 26 de julho de 2016 fez desaparecer retroativamente todas as consequências desta decisão, nomeadamente as constatações de ausências injustificadas. Daqui resultaria que as notas de dívida e as deduções no seu vencimento já não tinham fundamento jurídico na sequência dessa demissão, pelo que não poderia ter sido efetuada uma compensação.

204

Em segundo lugar, o Tribunal Geral teria cometido um erro de direito ao considerar, no n.o 82 desse acórdão, que, uma vez que a decisão de demissão de 26 de julho de 2016 tinha sido revogada e os seus efeitos financeiros neutralizados antes da interposição do recurso no processo T‑786/16, o pedido de anulação dessa decisão ficou desprovido de objeto.

205

Com efeito, a AIPN não teria compensado as consequências financeiras da referida decisão porque teria sido necessário, para esse efeito, que PV recebesse uma indemnização pelos danos materiais e morais alegadamente sofridos.

206

A Comissão considera que o oitavo fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

207

No que respeita, primeiro, ao erro de direito que o Tribunal Geral teria cometido no n.o 81 do acórdão recorrido, cabe salientar que o caráter irregular das ausências imputadas a PV não constitui um dos efeitos da decisão de demissão de 26 de julho de 2016. Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta PV, a revogação desta decisão não pode ter por efeito justificar essas ausências. Daqui resulta que o argumento relativo ao erro de direito cometido pelo Tribunal Geral nesse n.o 81 é improcedente.

208

Segundo, no que respeita à argumentação de PV relativa ao erro de direito que o Tribunal Geral teria cometido no n.o 82 desse acórdão, há que salientar que este considerou igualmente, no mesmo número, que, como a decisão de demissão de 26 de julho de 2016 tinha sido revogada, PV já não tinha interesse em agir contra essa decisão. Por conseguinte, mesmo admitindo que o Tribunal Geral tenha considerado, erradamente, nesse n.o 82, que os efeitos financeiros da referida decisão de demissão tinham sido neutralizados antes da interposição do recurso no processo T‑786/16, esse erro não pode pôr em causa a apreciação do Tribunal Geral, constante do n.o 85 do referido acórdão, segundo a qual o pedido de anulação dessa decisão é inadmissível. Esta argumentação deve, portanto, ser afastada por ser, em todo o caso, inoperante.

209

Daqui resulta que o oitavo fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao nono fundamento

Argumentos das partes

210

Com o seu nono fundamento, PV sustenta, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao declarar, no n.o 25 do acórdão recorrido, que a sua relação de trabalho com um empregador privado tinha tido início em julho de 2017, quando essa relação de trabalho teve início em 26 de junho de 2017. Esta desvirtuação permitiu ao Tribunal Geral ignorar que a referida relação de trabalho tinha começado antes da revogação da decisão de demissão de 26 de julho de 2016.

211

Em segundo lugar, o Tribunal Geral teria cometido um erro de direito ao declarar, no n.o 170 desse acórdão, que PV devia reintegrar a DG «Interpretação» na sequência da revogação da decisão de demissão de 26 de julho de 2016. Com efeito, a sua reintegração teria pressuposto a celebração de uma nova relação de trabalho, uma vez que PV se tinha comprometido com outro empregador antes da revogação dessa decisão, o que implicaria que o seu consentimento deve ser obtido antes da sua reintegração nessa DG. Ora, ele não teria aceitado esta reintegração.

212

Por outro lado, a Comissão não teria indemnizado a perda de vencimento sofrida durante o período em que PV estava desempregado na sequência da sua demissão, o que lhe teria permitido aplicar o princípio de direito belga da exceção de incumprimento. Além disso, PV não disporia das competências técnicas necessárias para ocupar a nova função à qual tinha sido afetado. A constatação do Tribunal Geral de que PV devia reintegrar a DG da «Interpretação» na sequência da revogação da sua demissão violaria também o artigo 15.o da Carta.

213

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral teria desvirtuado os factos ao não mencionar a apresentação, por PV, de uma reclamação contra a decisão de demissão de 21 de outubro de 2019.

214

A Comissão alega que o nono fundamento deve ser considerado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

215

No que respeita, primeiro, à alegação de desvirtuação das petições em primeira instância, que figura no n.o 25 do acórdão recorrido, há que observar que PV precisou, no n.o 131 da sua petição no processo T‑786/16 e no n.o 23 da sua petição no processo T‑224/18, que não podia reintegrar a DG «Interpretação» devido à existência de outro contrato de trabalho desde julho de 2017. Por conseguinte, PV não pode validamente acusar o Tribunal Geral de ter retomado esta afirmação no n.o 25 do acórdão recorrido. Esta alegação de desvirtuação é, portanto, improcedente.

216

Segundo, no que respeita ao erro de direito que o Tribunal Geral teria cometido no n.o 170 desse acórdão, a revogação de um ato que implicava o desaparecimento dos efeitos desse ato, foi com razão que o Tribunal Geral considerou, nesse n.o 170, que, na sequência da revogação da decisão de demissão de 26 de julho de 2016, PV era um funcionário pleno com os direitos e obrigações inerentes a esse estatuto.

217

Por conseguinte, a argumentação de PV relativa ao erro de direito que o Tribunal Geral cometeu no referido n.o 170 deve ser julgada improcedente.

218

Terceiro, a argumentação de PV relativa à não menção da reclamação apresentada contra a decisão de demissão de 21 de outubro de 2019 é inadmissível, em conformidade com a jurisprudência citada nos n.os 199 e 200 do presente acórdão, por não precisar em que medida essa omissão constitui uma desvirtuação dos factos.

219

Daqui resulta que o nono fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao décimo fundamento

Argumentos das partes

220

Com o seu décimo fundamento, PV sustenta, a título subsidiário, que o Tribunal Geral violou a proibição de julgar ultra petita, ao decidir, na última frase do n.o 246 do acórdão recorrido, sobre um aspeto que não lhe tinha sido submetido.

221

A Comissão alega que o décimo fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

222

Decorre das regras aplicáveis à tramitação nos tribunais da União Europeia, nomeadamente do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como do artigo 76.o e do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, que o litígio é, em princípio, determinado e circunscrito pelas partes e que o juiz da União não pode decidir ultra petita. Assim, uma vez que o juiz a quem compete a fiscalização da legalidade não pode decidir ultra petita, a anulação que decreta não pode exceder a pedida pelo recorrente (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Parlamento/Moi, C‑246/21 P, não publicado, EU:C:2022:1026, n.os 55 e 56).

223

No caso em apreço, é pacífico que o Tribunal Geral negou provimento ao recurso, não anulou, pelo que não pode, portanto, ter decidido ultra petita.

224

Além disso, tendo o Tribunal Geral julgado improcedentes todos os fundamentos invocados por PV em apoio dos seus recursos de anulação nos n.os 135 a 241 do acórdão recorrido, as afirmações que figuram na última frase do n.o 246 desse acórdão devem ser consideradas fundamentos supérfluos.

225

Daqui resulta que o décimo fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto às despesas

226

Por força do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

227

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

228

Tendo a Comissão pedido a condenação de PV e tendo este sido vencido, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

PV é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.