ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

13 de julho de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Estado de direito — Tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União — Independência dos juízes — Primado do direito da União — Artigo 4.o, n.o 3, TUE — Obrigação de cooperação leal — Levantamento da imunidade penal e suspensão das funções de um juiz ordenados pela Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) — Falta de independência e imparcialidade desta secção — Alteração da composição da formação de julgamento chamada a conhecer de um processo até então confiado a esse juiz — Proibições de os órgãos jurisdicionais nacionais porem em causa a legitimidade de um órgão jurisdicional, comprometerem o seu funcionamento ou apreciarem a legalidade ou a efetividade da nomeação dos juízes ou dos seus poderes jurisdicionais, sob pena de sanções disciplinares — Obrigação de os órgãos jurisdicionais em causa e os órgãos competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento afastarem a aplicação das medidas de levantamento da imunidade e de suspensão do juiz em causa — Obrigação de esses mesmos órgãos jurisdicionais e órgãos competentes afastarem as disposições nacionais que preveem as referidas proibições»

Nos processos apensos C‑615/20 e C‑671/20,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), por Decisões de 18 de novembro de 2020 e de 9 de dezembro de 2020, que deram entrada no Tribunal de Justiça nessas mesmas datas, nos processos penais contra

YP e o. (C‑615/20)

M. M. (C‑671/20)

sendo intervenientes:

Prokuratura Okręgowa w Warszawie,

Komisja Nadzoru Finansowego e o. (C‑615/20),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal (relatora), E. Regan e L. S. Rossi, presidentes de secção, M. Ilešič, N. Piçarra, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, I. Ziemele, J. Passer, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: M. Siekierzyńska, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 28 de junho de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Prokuratura Okręgowa w Warszawie, por S. Bańko, M. Dubowski e A. Reczka,

em representação de YP, por B. Biedulski, adwokat,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, K. Straś e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs, C. Pochet e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Farver Kronborg, J. Nymann‑Lindegren, V. Pasternak Jørgensen e M. Søndahl Wolff, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por K. Bulterman, A. M. de Ree e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,

em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

em representação do Governo sueco, por A. Runeskjöld e H. Shev, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann e P. J. O. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de dezembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 2.o e do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como do princípio do primado do direito da União, do princípio da cooperação leal, consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, e do princípio da segurança jurídica.

2

Estes pedidos foram apresentados, por um lado, no âmbito de processos penais instaurados pela Prokuratura Okręgowa w Warszawie (Procuradoria Regional de Varsóvia, Polónia) contra YP e o. por diversos crimes e, por outro lado, no âmbito de um processo que opõe essa mesma Procuradoria Regional a M. M., a respeito da constituição de uma hipoteca forçada sobre um imóvel pertencente a este último.

Quadro jurídico

Constituição

3

O artigo 45.o, n.o 1, da Konstytucja Rzeczypospolitej Polskiej (Constituição da República da Polónia) (a seguir «Constituição») prevê:

«Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa e publicamente, sem atraso excessivo, por um tribunal competente, independente e imparcial.»

4

Ao abrigo do artigo 179.o da Constituição, o presidente da República da Polónia nomeia os juízes, sob proposta do Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia) (a seguir «KRS»), por tempo indeterminado.

5

O artigo 180.o da Constituição dispõe:

«1.   Os juízes são inamovíveis.

2.   Um juiz não pode ser demitido, suspenso das suas funções, transferido para outro órgão jurisdicional ou para outra função contra a sua vontade, salvo por força de uma decisão judicial e apenas nos casos previstos na lei.

[…]»

6

O artigo 181.o da Constituição prevê:

«Um juiz apenas pode incorrer em responsabilidade penal ou ser privado de liberdade mediante autorização prévia concedida por um tribunal estabelecido por lei. […]»

Lei do Supremo Tribunal

7

A ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei do Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U de 2018, posição 5) instituiu, nomeadamente, no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), uma nova secção denominada Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) (a seguir «Secção Disciplinar») prevista no artigo 3.o, § 5, desta lei.

8

A ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych, ustawy o Sądzie Najwyższym oraz niektórych innych ustaw (Lei de Alteração da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, da Lei do Supremo Tribunal e Alguns Outros Atos), de 20 de dezembro de 2019 (Dz. U. de 2020, posição 190), que entrou em vigor em 14 de fevereiro de 2020, alterou a Lei do Supremo Tribunal, nomeadamente inserindo um novo ponto 1a no artigo 27.o, § 1, desta última lei.

9

Nos termos do artigo 27.o, § 1, da Lei do Supremo Tribunal, conforme alterada:

«São da competência da Secção Disciplinar:

1.

os processos disciplinares;

[…]

b)

apreciados pelo [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], no âmbito de procedimentos disciplinares tramitados com base nas seguintes leis:

[…]

[ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei Orgânica dos Tribunais Comuns), de 27 de julho de 2001 (Dz. U. de 2001, n.o 98, posição 1070)],

[…]

[…]

1a)

os processos que se destinem a autorizar que os juízes, os juízes auxiliares, os procuradores e os procuradores auxiliares sejam objeto de ação penal ou sujeitos a prisão preventiva;

[…]»

Lei Orgânica dos Tribunais Comuns

10

O artigo 41.ob da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, mencionada no n.o 9 do presente acórdão, conforme alterada pela Lei de 20 de dezembro de 2019, referida no n.o 8 deste acórdão (a seguir «Lei Orgânica dos Tribunais Comuns»), dispõe:

«1.   A autoridade competente para examinar uma queixa ou um pedido relativo à atividade de um tribunal é o presidente do tribunal.

[…]

3.   A autoridade competente para examinar uma queixa relativa à atividade do presidente do [Sąd Rejonowy (Tribunal de Primeira Instância, Polónia)], do presidente do [Sąd Okręgowy (Tribunal Regional, Polónia)] ou do presidente do [Sąd Apelacyjny (Tribunal de Recurso, Polónia)] é, respetivamente, o presidente do [Sąd Okręgowy (Tribunal Regional)], o presidente do [Sąd Apelacyjny (Tribunal de Recurso)] e o [KRS].»

11

O artigo 42.oa da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns enuncia:

«1.   No âmbito das atividades dos tribunais ou dos respetivos órgãos, não é permitido pôr em causa a legitimidade dos [tribunais], dos órgãos constitucionais do Estado ou dos órgãos de fiscalização e tutela do direito.

2.   Um tribunal comum ou qualquer outro órgão do poder não tem competência para declarar ou apreciar a legalidade da nomeação de um juiz ou o poder de exercer funções em matéria de administração da justiça que decorre dessa nomeação.»

12

O artigo 47.oa, § 1, desta lei prevê:

«Os processos são atribuídos aos juízes e aos juízes auxiliares por sorteio segundo categorias específicas de processos, salvo atribuição de processos a um juiz à revelia.»

13

Nos termos do artigo 47.ob da referida lei:

«1.   A alteração da composição de um tribunal só é admitida se não se puder tratar o processo na sua composição atual ou se existir um impedimento duradouro para a apreciação do processo na sua composição atual. O disposto no artigo 47.oa é aplicável mutatis mutandis.

[…]

3.   As decisões referidas [no § 1] […] são tomadas pelo presidente do tribunal ou por um juiz por ele designado.»

14

O artigo 80.o da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns prevê:

«1.   Um juiz não pode ser detido nem objeto de ação penal sem autorização da jurisdição disciplinar competente. […]

[…]

2c.   O jurisdição disciplinar adota uma resolução que autoriza que um juiz seja objeto de ação penal se existirem razões suficientemente legítimas para considerar que o juiz cometeu a infração. A resolução contém a decisão relativa à autorização para que um juiz seja objeto de ação penal, bem como os seus fundamentos.

[…]»

15

O artigo 107.o, § 1, desta lei tem a seguinte redação:

«Os juízes são disciplinarmente responsáveis pela violação dos deveres profissionais (infrações disciplinares), incluindo em caso de:

[…]

2)

atos ou omissões suscetíveis de impedir ou comprometer seriamente o funcionamento dos órgãos do poder judicial;

3)

atos que ponham em causa a existência do vínculo laboral de um juiz, a efetividade da sua nomeação ou a legitimidade dos órgãos constitucionais da República da Polónia;

[…]»

16

Nos termos do artigo 110.o, § 2a, da referida lei:

«[…] Nos processos referidos no artigo 80.o […] o órgão jurisdicional competente em primeira instância é o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] na formação de juiz singular da Secção Disciplinar e, em segunda instância, o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] em formação de julgamento composta por três juízes da Secção Disciplinar.»

17

O artigo 129.o, §§ 1 a 3, desta lei enuncia:

«1.   A jurisdição disciplinar pode suspender as funções de um juiz contra o qual tenha sido aberto um processo disciplinar […] ou quando adote uma decisão que autorize que o juiz em causa seja responsabilizado criminalmente.

2.   Se a jurisdição disciplinar adotar uma decisão que autorize que um juiz responda criminalmente por uma infração penal dolosa e que consubstancie crime público, suspenderá oficiosamente o juiz das suas funções.

3.   A jurisdição disciplinar, ao suspender um juiz das suas funções, aplica uma redução de 25 % a 50 % da sua remuneração durante o período de suspensão; […]»

Código Penal

18

O artigo 241.o, n.o 1, do kodeks karny (Código Penal) dispõe que «quem tornar públicas, sem autorização, as informações relativas à investigação penal antes de estas serem reveladas no processo jurisdicional é punido com multa, pena comunitária ou pena privativa de liberdade até dois anos».

Código de Processo Penal

19

O artigo 439.o, § 1, do kodeks postępowania karnego (Código de Processo Penal) enuncia:

«Independentemente dos limites do recurso e dos fundamentos invocados, bem como da incidência do vício no conteúdo da decisão, o tribunal de recurso anulará a decisão impugnada se:

1)

uma pessoa que não esteja habilitada a decidir ou não tenha capacidade para tal ou tenha sido objeto de exclusão nos termos do artigo 40.o tiver participado na decisão;

2)

a composição do tribunal não era adequada ou algum dos seus membros não esteve presente durante toda a audiência;

[…]»

Tramitação dos processos principais e questões prejudiciais

Processo C‑615/20

20

Com base numa acusação, datada de 7 de fevereiro de 2017, emitida pela Procuradoria Regional de Varsóvia, YP e treze outros arguidos são acusados no Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) de uma série de crimes que causaram danos a 229 vítimas. Este processo foi atribuído a uma formação de juiz singular desse órgão jurisdicional, composta pelo juiz I. T. Os autos do processo principal totalizam 197 volumes e já se realizaram perante esse juiz mais de uma centena de audiências, durante as quais foram ouvidos os arguidos, as vítimas e mais de 150 testemunhas. No dia da apresentação do pedido de decisão prejudicial no processo C‑615/20, a tramitação aproximava‑se da sua fase final, faltando apenas ser ouvidas algumas testemunhas e peritos.

21

Em 14 de fevereiro de 2020, a Prokuratura Krajowa Wydział Spraw Wewnętrznych (Ministério Público, Divisão dos Assuntos Internos, Polónia) pediu autorização à Secção Disciplinar com vista à instauração de uma ação penal contra o juiz I. T. por ter, «em 18 de dezembro de 2017, em Varsóvia, na qualidade de agente do Estado […] incumprido publicamente as suas funções […] e [excedido] as suas competências […], ao permitir que representantes dos meios de comunicação social captassem imagens e sons durante a audiência no [Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia)] no processo […], bem como durante a prolação da decisão nesse processo e a exposição oral dos respetivos fundamentos, e na medida em que, deste modo, divulgou a pessoas não autorizadas, sem o consentimento legalmente exigido da pessoa habilitada, informações provenientes do processo de instrução da Procuradoria Regional de Varsóvia no processo […], informações essas que tinha obtido no exercício das suas funções e, por conseguinte, na medida em que agiu em detrimento do interesse público, o que constitui uma infração na aceção do artigo 231.o, n.o 1, do Código Penal, lido em conjugação com o artigo 266.o, n.o 2, o artigo 241.o, n.o 1, e o artigo 11.o, n.o 2, do mesmo código».

22

Em 9 de junho de 2020, a Secção Disciplinar, decidindo em primeira instância em formação de juiz singular, indeferiu esse pedido. Na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público, essa mesma secção, decidindo em segunda instância em formação de três juízes, autorizou, por resolução de 18 de novembro de 2020 (a seguir «resolução controvertida»), a instauração de uma ação penal contra o juiz I. T., suspendeu‑o das suas funções e reduziu a sua remuneração em 25 % durante o período dessa suspensão.

23

O órgão jurisdicional de reenvio, que é a formação de julgamento do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) atualmente encarregada do processo penal referido no n.o 20 do presente acórdão e na qual o juiz I. T. tem assento como juiz singular, salienta que a resolução controvertida é suscetível de obstar a que essa formação de julgamento possa prosseguir a tramitação desse processo.

24

Foi nestas condições que o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o direito da União, em particular o artigo 47.o da [Carta] e o direito, nele consagrado, à ação perante um tribunal e a que a causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, ser interpretado no sentido de que se opõe [a disposições nacionais como o artigo 80.o, o artigo 110.o, § 2a, e o artigo 129.o da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, assim como o artigo 27.o, § 1, ponto 1a, da Lei do Supremo Tribunal], que permite à [Secção Disciplinar] levantar a imunidade de um juiz e suspendê‑lo das suas funções, e consequentemente, impedi‑lo, de facto, de julgar os processos que lhe foram atribuídos, considerando que, nomeadamente:

a)

a [Secção Disciplinar] não é um “tribunal” na aceção do artigo 47.o da Carta, do artigo 6.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950] e do artigo 45.o, n.o 1, da [Constituição] [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982];

b)

os membros da [Secção Disciplinar] têm ligações muito estreitas com os poderes legislativo e executivo (Despacho de 8 de abril de 2020, Comissão/Polónia, C‑791/19 R, EU:C:2020:277);

c)

a República da Polónia foi obrigada a suspender a aplicação de algumas das disposições da [Lei do Supremo Tribunal], relativas à denominada [Secção Disciplinar] e a abster‑se de remeter os processos pendentes nessa secção a uma formação de julgamento que não satisfaça as exigências de independência (Despacho de 8 de abril de 2020, Comissão/Polónia, C‑791/19 R, EU:C:2020:277)?

2)

Deve o direito da União, em particular o artigo 2.o TUE, o princípio, nele consagrado, do Estado de direito e as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ser interpretado no sentido de que as “disposições que regulam o regime disciplinar das pessoas encarregadas da missão de julgar” incluem igualmente as disposições relativas à imputação de responsabilidade penal ou à aplicação de uma medida de privação de liberdade (detenção) a um juiz de um tribunal nacional, como as do artigo 181.o da Constituição da República da Polónia, lido em conjugação com os artigos 80.o e 129.o da [Lei Orgânica dos Tribunais Comuns], segundo os quais:

a)

a imputação de responsabilidade penal ou a aplicação de uma medida de privação da liberdade (detenção) a um juiz de um tribunal nacional, em princípio, a pedido do Procurador, requer autorização do tribunal disciplinar competente;

b)

o tribunal disciplinar, ao autorizar a imputação de responsabilidade penal ou a aplicação de uma medida de privação de liberdade (detenção) a um juiz de um tribunal nacional, pode (e, em certos casos, deve) suspender esse juiz das suas funções;

c)

ao suspender um juiz de um tribunal nacional das suas funções, o tribunal disciplinar tem também a obrigação de reduzir a remuneração desse juiz, dentro dos limites fixados por essas disposições, enquanto durar a suspensão?

3)

Deve o direito da União, em particular as disposições referidas na segunda questão, ser interpretado no sentido de que se opõe às disposições de um Estado‑Membro, como o artigo 110.o, § 2a, da [Lei Orgânica dos Tribunais Comuns], e o artigo 27.o, § 1, ponto 1a, da [Lei do Supremo Tribunal], segundo as quais um órgão como a Secção Disciplinar tem competência exclusiva para conhecer dos processos relativos à autorização com vista à imputação de responsabilidade penal ou à aplicação de uma medida privativa de liberdade (detenção) a um juiz de um tribunal nacional, tanto em primeira como em segunda instância, tendo especialmente em conta (individual ou cumulativamente) que:

a)

a criação da [Secção Disciplinar] coincidiu com a alteração das regras de nomeação dos membros de um órgão como o [KRS], que participa no processo de nomeação de juízes e mediante proposta do qual todos os membros da [Secção Disciplinar] foram nomeados;

b)

o legislador nacional excluiu a possibilidade de afetar à [Secção Disciplinar] os juízes em exercício num tribunal nacional de última instância, como o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), de cuja estrutura esta secção faz parte, pelo que só os novos membros nomeados sob proposta do KRS, na sua composição alterada, podem ter assento na [Secção Disciplinar];

c)

a [Secção Disciplinar] caracteriza‑se por ter um grau de autonomia particularmente elevado no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal);

d)

o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), nos seus acórdãos proferidos em execução do Acórdão de 19 de novembro de 2019, A.K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982), confirmou que o KRS, na sua composição alterada, não era um órgão independente dos poderes legislativo e executivo e que a [Secção Disciplinar] não constituía um “tribunal” na aceção do artigo 47.o da Carta, do artigo 6.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais] e do artigo 45.o, n.o 1, da [Constituição];

e)

o pedido de autorização com vista à imputação da responsabilidade penal ou à aplicação de uma medida privativa de liberdade (detenção) a um juiz de um tribunal nacional emana, em princípio, do [Procurador] cujo superior hierárquico é um órgão do poder executivo, como o [Ministro da Justiça], que pode dirigir aos [Procuradores] instruções vinculativas sobre o conteúdo de atos processuais, e, simultaneamente, os membros da [Secção Disciplinar] e do KRS, na sua formação de julgamento alterada, têm, como declarou o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) nos seus acórdãos referidos na alínea d), ligações muito estreitas com os poderes legislativo e executivo, pelo que a [Secção Disciplinar] não pode ser considerada um terceiro em relação às partes no processo;

f)

a República da Polónia foi obrigada a suspender a aplicação de algumas disposições da [Lei do Supremo Tribunal] relativas à [Secção Disciplinar] e a abster‑se de remeter os processos pendentes nessa secção a uma formação de julgamento que não satisfaça as exigências de independência definidas, em conformidade com o Despacho de 8 de abril de 2020, Comissão/Polónia (C‑791/19 R, EU:C:2020:277)?

4)

Se for conferida autorização com vista a prosseguir a imputação de responsabilidade penal a um juiz de um tribunal nacional e a suspender esse juiz das suas funções, sendo a sua remuneração simultaneamente reduzida enquanto durar essa suspensão, deve o direito da União, em especial as disposições referidas na segunda questão e os princípios do primado, da cooperação leal, previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, e da segurança jurídica, ser interpretado no sentido de que se opõe a que essa autorização seja vinculativa, nomeadamente em matéria de suspensão de um juiz das suas funções, quando tenha sido emitida por uma instância como a [Secção Disciplinar], de modo que:

a)

qualquer autoridade do Estado (incluindo o órgão jurisdicional de reenvio, de cuja composição o juiz abrangido por essa autorização faz parte, bem como os órgãos competentes para designar e alterar a composição de um tribunal nacional) deve abster‑se de ter em conta essa autorização e permitir que o juiz do tribunal nacional em relação ao qual a mesma foi emitida, integre a formação de julgamento desse tribunal,

b)

o tribunal cuja composição o juiz abrangido por essa autorização integra é um tribunal previamente estabelecido por lei e um tribunal independente e imparcial e, por conseguinte, pode pronunciar‑se, enquanto “tribunal”, sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União?»

25

Nas suas observações escritas, YP, a Procuradoria Regional de Varsóvia e a Comissão Europeia informaram que tinha sido negado provimento ao recurso interposto por esse Ministério Público da decisão de reenvio no processo C‑615/20, por Despacho de 24 de fevereiro de 2021 do Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia), tendo este último órgão jurisdicional considerado que a resolução controvertida podia não revestir a natureza de uma decisão judicial pelo facto de ter sido adotada pela Secção Disciplinar, que não constitui um órgão jurisdicional independente.

Processo C‑671/20

26

A Procuradoria Regional de Varsóvia acusou M. M. de diversos crimes, nomeadamente, não apresentação da declaração de insolvência de uma sociedade, não satisfação dos direitos dos credores dessa sociedade, não apresentação do relatório e contas da mesma sociedade e fraude bancária.

27

Neste contexto, o procurador ordenou, por Decisão de 9 de junho de 2020, a constituição de uma hipoteca forçada sobre um imóvel pertencente a M. M. e à sua esposa, a título de garantia para pagamento de uma eventual multa e de custas judiciais em que M. M. poderia ser condenado. Este último interpôs recurso dessa decisão para o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia), órgão jurisdicional no qual o processo relacionado com esse recurso foi atribuído ao juiz I. T.

28

Na sequência da adoção da resolução controvertida que, nomeadamente, suspendeu o juiz I. T. das suas funções, o presidente do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia), com fundamento no artigo 47.ob, §§ 1 e 3, da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, proferiu, em 24 de novembro de 2020, um despacho pelo qual encarregou o presidente da secção em que o juiz I. T. tinha assento de alterar a composição da formação de julgamento nos processos que tinham sido atribuídos a esse juiz, com exceção do processo em que o referido juiz I. T. tinha submetido ao Tribunal de Justiça o pedido de decisão prejudicial objeto do processo C‑615/20. Consequentemente, esse presidente de secção adotou, recorrendo a uma ferramenta informática e em conformidade com as disposições do artigo 47.oa e do artigo 47.ob, § 3, da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, um despacho que procedeu à reatribuição dos processos inicialmente atribuídos ao juiz I. T., entre os quais o processo referido no n.o 27 do presente acórdão.

29

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a saber, outra formação de juiz singular do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) à qual este processo foi reatribuído, esta sucessão de acontecimentos demonstra que o presidente desse tribunal reconheceu força vinculativa à resolução controvertida ao considerar que a suspensão do exercício de funções do juiz I. T. obstava a que o referido processo fosse apreciado por esse juiz ou que existia um obstáculo duradouro a essa apreciação, na aceção do artigo 47.ob, § 1, da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns.

30

Foi nestas condições que o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o direito da União, em particular o artigo 2.o TUE, o princípio, nele consagrado, do Estado de direito, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, e os princípios do primado, da cooperação leal e da segurança jurídica, ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro, como o artigo 41.ob, §§ 1 e 3, da [Lei Orgânica dos Tribunais Comuns], que permite ao presidente de um tribunal, de modo independente e sem fiscalização jurisdicional, adotar uma decisão relativa à alteração da composição desse tribunal, na sequência de uma decisão de uma instância como a [Secção Disciplinar], que autoriza a imputação de responsabilidade penal a um juiz inicialmente designado para a composição desse tribunal [juiz do Sąd Okręgowy (tribunal regional)], a qual implica a suspensão obrigatória desse juiz das suas funções, o que se traduz, em especial, na proibição de esse juiz integrar as formações de julgamento dos processos para os quais tinha sido designado, incluindo os processos que lhe foram atribuídos antes de a referida autorização ter sido emitida?

2)

Deve o direito da União, em particular as disposições referidas na primeira questão, ser interpretado no sentido de que se opõe:

a)

à regulamentação de um Estado‑Membro como o artigo 42.oa, §§ 1 e 2, e o artigo 107.o, § 1, ponto 3, da [Lei Orgânica dos Tribunais Comuns], que proíbe um tribunal nacional de apreciar, ao fiscalizar o cumprimento por esse tribunal da exigência de ser previamente estabelecido por lei, a força vinculativa e as circunstâncias jurídicas da autorização da [Secção Disciplinar] a que se refere a primeira questão, que são a causa direta da alteração da composição desse tribunal, prevendo simultaneamente que a tentativa de proceder a essa apreciação constitui o fundamento para a responsabilidade disciplinar do juiz?

b)

à jurisprudência de um tribunal nacional, como o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia), segundo a qual os atos de órgãos nacionais, como o [presidente da República] e o [KRS], relativos à nomeação dos membros de um órgão como a [Secção Disciplinar] não estão sujeitos a fiscalização jurisdicional, incluindo à luz do direito da União, independentemente da gravidade e do grau da infração, e o ato de nomeação de uma pessoa para o cargo de juiz é definitivo e irrevogável?

3)

Deve o direito da União, em particular as disposições referidas na primeira questão, ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autorização referida na primeira questão seja vinculativa, nomeadamente em matéria de suspensão de um juiz das suas funções, por emanar de uma instância como a [Secção Disciplinar], de modo que:

a)

qualquer órgão do Estado (incluindo o órgão jurisdicional de reenvio e os órgãos competentes em matéria de designação e de alteração da composição de um tribunal nacional, em especial o presidente do tribunal) deve abster‑se de ter em conta essa autorização e permitir que o juiz do tribunal nacional em relação ao qual essa autorização foi emitida integre a formação de julgamento desse tribunal;

b)

o tribunal de cuja composição não faz parte o juiz inicialmente designado para conhecer do processo — unicamente por ser objeto da autorização acima referida — não constitui um tribunal previamente estabelecido por lei e, por conseguinte, não pode decidir enquanto “tribunal” sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União?

4)

É relevante para a resposta às questões anteriores o facto de a [Secção Disciplinar] e o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) não garantirem uma tutela jurisdicional efetiva, devido à sua falta de independência e às violações declaradas das disposições relativas à nomeação dos seus membros?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

31

As duas formações de julgamento distintas do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) que apresentaram os presentes reenvios prejudiciais (a seguir «órgãos jurisdicionais de reenvio») pediram que estes fossem submetidos a tramitação acelerada ao abrigo do artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio desses pedidos, os órgãos jurisdicionais de reenvio alegaram, em substância, que o recurso a tal tramitação se justificava no caso em apreço, uma vez que as respostas às questões submetidas são suscetíveis de ter incidência não só na sua composição respetiva mas também na situação de outros juízes, além do juiz I. T., relativamente aos quais a Secção Disciplinar adotou ou tencionava adotar medidas análogas à resolução controvertida.

32

O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode decidir, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos.

33

Importa recordar que tal tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária. Por outro lado, resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a tramitação acelerada pode não ser aplicada quando o caráter sensível e complexo dos problemas jurídicos colocados por um processo dificilmente se preste à aplicação dessa tramitação, nomeadamente quando não se afigura adequado encurtar a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça [Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 54 e jurisprudência referida].

34

No caso em apreço, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, em 9 de dezembro de 2020 e 21 de janeiro de 2021, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, que não havia que deferir os pedidos referidos no n.o 31 do presente acórdão.

35

Com efeito, embora as questões submetidas se refiram, é certo, a disposições fundamentais do direito da União, não deixam de ter um caráter complexo e sensível e inserem‑se num contexto processual nacional em si mesmo relativamente complexo, pelo que não se prestavam de modo nenhum a um procedimento derrogatório das regras processuais ordinárias. Por outro lado, foi igualmente tido em conta que outros processos pendentes no Tribunal de Justiça que suscitavam questões análogas às colocadas nos presentes processos se encontravam já em fases avançadas da tramitação.

36

Todavia, nas referidas Decisões de 9 de dezembro de 2020 e de 21 de janeiro de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu submeter os presentes processos a tratamento prioritário, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. Além disso, por esta mesma Decisão de 21 de janeiro de 2021, os processos C‑615/20 e C‑671/20 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

37

Terminada a fase escrita destes processos, os mesmos foram suspensos, por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 28 de outubro de 2021, enquanto se aguardava o encerramento da fase escrita no processo C‑204/21, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), tendo em conta as estreitas relações existentes entre as questões suscitadas nestes três processos. Em consequência do referido encerramento, a instância nos presentes processos apensos retomou o seu curso em 23 de fevereiro de 2022.

Quanto à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial

38

O Governo polaco e a Procuradoria Regional de Varsóvia alegam que os pedidos de decisão prejudicial são inadmissíveis por diversas razões.

39

Em primeiro lugar, alegam que, uma vez que os processos principais são exclusivamente regulados pelo direito penal nacional, que é da competência exclusiva dos Estados‑Membros, esses processos têm caráter puramente interno e não apresentam nenhum elemento de conexão com as disposições do direito da União que são objeto das questões submetidas ao Tribunal de Justiça. No que respeita, especialmente, a um ato como a resolução controvertida, decorre assim do artigo 5.o TUE e dos artigos 3.o e 4.o TFUE que cabe exclusivamente aos Estados‑Membros decidir conferir imunidade penal aos juízes e, em caso afirmativo, determinar o alcance e o procedimento do eventual levantamento dessa imunidade, bem como as consequências associadas a esse levantamento da imunidade.

40

A este respeito, importa, por um lado, recordar que, embora a organização judiciária nos Estados‑Membros, nomeadamente, o estabelecimento, a composição, as competências e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais nacionais, bem como as regras que regulam o processo de nomeação dos juízes ou ainda as aplicáveis ao seu estatuto e ao exercício das suas funções, como o regime disciplinar aplicável a estes últimos ou as condições em que a sua imunidade pode ser levantada e as suas funções suspensas, sejam da competência dos referidos Estados, estes não deixam de estar obrigados, no exercício dessa competência, a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União e, especialmente, dos artigos 2.o e 19.o TUE. [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar aplicável aos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.os 56, 60 a 62 e 95 e jurisprudência referida, e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um Tribunal Constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 38 e jurisprudência referida].

41

Por outro lado, há que observar que os argumentos mencionados no n.o 39 do presente acórdão dizem respeito, em substância, ao alcance e, portanto, à interpretação das disposições do direito da União sobre as quais incidem as questões prejudiciais, bem como aos efeitos suscetíveis de decorrer dessas disposições, tendo em conta, especialmente, o primado desse direito. Tais argumentos, que dizem respeito ao mérito das questões submetidas, não podem, assim, pela sua natureza, conduzir à sua inadmissibilidade (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 54 e jurisprudência referida).

42

Em segundo lugar, o Governo polaco e a Procuradoria Regional de Varsóvia consideram que os pedidos de decisão prejudicial são inadmissíveis uma vez que as respostas do Tribunal de Justiça às questões submetidas não são necessárias para efeitos do desfecho dos processos principais e não podem, especialmente, conduzir a decisões que os órgãos jurisdicionais de reenvio possam adotar no âmbito desses processos.

43

Segundo o Governo polaco, nenhum desses órgãos jurisdicionais pode, com efeito, pôr em causa a resolução controvertida. Além disso, mesmo que o Tribunal de Justiça autorizasse um dos referidos órgãos jurisdicionais a não ter em conta essa resolução, estes não dispõem, no direito nacional, de nenhuma base processual que lhes permita, concretamente, reatribuir os processos principais ao juiz a quem foram inicialmente submetidos.

44

Este mesmo governo considera que as questões prejudiciais só são, na realidade, pertinentes no âmbito do processo penal em curso instaurado contra o juiz I. T. Com efeito, eventuais dúvidas relativas à interpretação de disposições do direito da União como as invocadas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio deveriam ser examinadas no âmbito desse processo penal, no qual o juiz em causa tem a qualidade de parte, e não no contexto dos processos principais de que este se encontrava fortuitamente encarregado antes da suspensão das suas funções pela resolução controvertida. Na audiência no Tribunal de Justiça, o Governo polaco alegou que esta análise foi, entretanto, corroborada pelos ensinamentos decorrentes dos n.os 60 e 71 do Acórdão de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny e o. (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑508/19, EU:C:2022:201).

45

Por seu turno, a Procuradoria Regional de Varsóvia sustenta, no que respeita ao litígio principal no processo C‑615/20, que a decisão de suspensão da instância, ordenada pelo órgão jurisdicional de reenvio no referido processo, impede o encerramento do referido processo com a prolação de uma sentença por esse órgão jurisdicional, na sua formação atual, e que, em caso de designação de uma nova formação de julgamento, deixará de existir o motivo dessa suspensão, uma vez que a resolução controvertida diz respeito apenas ao juiz I. T. Quanto ao litígio principal no processo C‑671/20, a suspensão das funções do juiz I. T. constitui um obstáculo duradouro ao seu prosseguimento, o que justificou legitimamente a reatribuição do processo relacionado com esse litígio, a fim de assegurar a sua eficácia no respeito dos direitos dos litigantes em causa.

46

A este respeito, importa, todavia, salientar que ambos os órgãos jurisdicionais de reenvio são confrontados, no caso em apreço, no contexto dos processos principais que lhes foram respetivamente submetidos, com questões de natureza processual que devem ser decididas in limine litis e cuja solução depende de uma interpretação das disposições e dos princípios do direito da União sobre os quais incidem as questões prejudiciais. Com efeito, no processo C‑615/20, estas questões visam, em substância, determinar se, à luz destas disposições e princípios do direito da União, o juiz singular que compõe o órgão jurisdicional de reenvio continua a poder legitimamente prosseguir a apreciação do processo principal, não obstante a resolução controvertida que o suspendeu das suas funções. Quanto às questões no processo C‑671/20, visam, em substância, determinar se, à luz dessas mesmas disposições e princípios do direito da União, o órgão jurisdicional de reenvio nesse processo pode, sem o juiz singular que o compõe correr o risco de incorrer em responsabilidade disciplinar, considerar essa resolução desprovida de força vinculativa, o que teria como consequência que o mesmo não pode legitimamente julgar o processo principal que lhe foi reatribuído na sequência da referida resolução e se esse processo deve, por conseguinte, ser novamente atribuído ao juiz inicialmente encarregado do mesmo.

47

Ora, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, as questões prejudiciais que visam, deste modo, permitir a um órgão jurisdicional de reenvio resolver, in limine litis, dificuldades de ordem processual como as relativas à sua própria competência para conhecer de um processo nele pendente ou, ainda, os efeitos jurídicos que devem ou não ser reconhecidos a uma decisão jurisdicional que potencialmente obsta ao prosseguimento da apreciação desse processo pelo referido órgão jurisdicional são admissíveis por força do artigo 267.o TFUE. [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 100, 112 e 113) e jurisprudência referida; de 16 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.os 93 e 94; e de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.os 47 a 49].

48

A este respeito, há que salientar que, diferentemente do processo que deu origem ao Acórdão de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny e o. (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑508/19, EU:C:2022:201), ao qual se referiu o Governo polaco, os litígios principais nos presentes processos apensos não têm nenhuma relação com a ação penal instaurada contra o juiz de reenvio no processo C‑615/20 e não são de modo nenhum acessórios desta, na aceção do n.o 71 desse acórdão. Por conseguinte, os ensinamentos decorrentes do referido acórdão não são transponíveis para os litígios principais nos presentes processos.

49

Decorre do exposto que os pedidos de decisão prejudicial são admissíveis.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira a terceira questões submetidas no processo C‑615/20

50

Com a primeira a terceira questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑615/20 pergunta, em substância, se o artigo 2.o TUE, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o artigo 47.o da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições nacionais que conferem a uma instância, cuja independência e imparcialidade não estão garantidas, a competência para autorizar a instauração de ações penais contra juízes dos tribunais comuns e, em caso de concessão dessa autorização, para suspender os juízes em causa das suas funções e para reduzir a sua remuneração durante a referida suspensão.

51

A este respeito, importa salientar, antes de mais, que, depois da apresentação dos presentes pedidos de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se pela Comissão sobre uma ação por incumprimento intentada contra a República da Polónia, pelos motivos expostos nos n.os 91 a 103 do Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) [C‑204/21, a seguir «Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), EU:C:2023:442], e como resulta do ponto 1 do dispositivo desse acórdão, declarou que, ao conferir à Secção Disciplinar, cuja independência e imparcialidade não estão garantidas, competência para decidir em processos que têm impacto direto no estatuto e no exercício das funções de juiz e de juiz auxiliar, como pedidos de autorização para que os juízes e os juízes auxiliares sejam objeto de ação penal, o referido Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

52

No essencial, o Tribunal de Justiça sublinhou, no n.o 101 do referido acórdão, que a simples perspetiva, para os juízes, de incorrer no risco de que possa ser pedida uma autorização para a instauração de uma ação penal e obtida numa instância cuja independência não está garantida é suscetível de afetar a sua própria independência e que o mesmo acontece no que respeita aos riscos de essa instância decidir da sua eventual suspensão das funções e da redução da sua remuneração.

53

No n.o 102 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça recordou já ter declarado, no n.o 112 do seu Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596), que, pelas razões expostas nos n.os 89 a 110 deste último acórdão, a independência e a imparcialidade da Secção Disciplinar não estavam garantidas.

54

Ora, no caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a resolução controvertida que autorizou a instauração de uma ação penal contra o juiz singular que compõe o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑615/20, a saber, um órgão jurisdicional comum suscetível de ser chamado a pronunciar‑se, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União, e que suspendeu o referido juiz das suas funções e reduziu a sua remuneração, foi adotada com base nas disposições nacionais que o Tribunal de Justiça, no Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), considerou contrárias a esta disposição do direito da União, na medida em que conferem competência para adotar atos como essa resolução a uma instância cuja independência e imparcialidade não estão garantidas.

55

Os ensinamentos contidos nos n.os 91 a 103 do Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), subjacentes à declaração de incumprimento efetuada no ponto 1 do dispositivo desse acórdão, são assim suficientes para responder à primeira a terceira questões no processo C‑615/20, sem que seja necessário, neste processo, proceder, além disso, a uma interpretação do artigo 2.o TUE e do artigo 47.o da Carta, e examinar os outros elementos de apreciação mencionados nessa primeira e terceira questões.

56

Neste contexto, importa igualmente recordar que, por força do artigo 260.o, n.o 1, TFUE, se o Tribunal de Justiça declarar que um Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, esse Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça, que está revestido da autoridade do caso julgado quanto às questões de facto e de direito que foram efetivamente ou necessariamente objeto da decisão judicial em causa (Acórdão de 10 de março de 2022, Grossmania, C‑177/20, EU:C:2022:175, n.o 35 e jurisprudência referida).

57

Assim, enquanto as autoridades do Estado‑Membro em causa que participam no exercício do poder legislativo são obrigadas a alterar as disposições nacionais que tenham sido objeto de um acórdão de incumprimento a fim de torná‑las conformes às exigências do direito da União, os órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro têm, por sua vez, a obrigação de assegurar o respeito desse acórdão no exercício da sua missão, o que implica, nomeadamente, que incumbe a esses órgãos jurisdicionais, por força da autoridade associada ao referido acórdão, ter em conta, se necessário, os elementos jurídicos nele fixados com vista a determinar o alcance das disposições do direito da União que têm por missão aplicar (Acórdão de 10 de março de 2022, Grossmania, C‑177/20, EU:C:2022:175, n.o 36 e jurisprudência referida).

58

Resulta do que precede que o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑615/20 é, no caso em apreço, chamado a retirar, no processo principal, todas as consequências decorrentes dos ensinamentos do Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada de juízes) referidos nos n.os 51 e 55 do presente acórdão.

59

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira a terceira questões submetidas no processo C‑615/20 que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições nacionais que conferem a uma instância, cuja independência e imparcialidade não estão garantidas, a competência para autorizar a instauração de ações penais contra juízes dos tribunais comuns e, em caso de concessão dessa autorização, para suspender os juízes em causa das funções e para reduzir a sua remuneração durante a referida suspensão.

Quanto à quarta questão submetida no processo C‑615/20

60

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑615/20 pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o princípio do primado do direito da União, o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE e o princípio da segurança jurídica devem ser interpretados no sentido de que:

por um lado, uma formação de julgamento de um órgão jurisdicional nacional, que conhece de um processo e é composta por um juiz singular contra o qual uma instância, cuja independência e imparcialidade não estão garantidas, adotou uma resolução que autoriza a instauração de uma ação penal e ordena a suspensão desse juiz das suas funções, bem como a redução da sua remuneração pode legitimamente afastar a aplicação dessa resolução que obsta ao exercício da sua competência nesse processo, e,

por outro lado, os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento desse órgão jurisdicional nacional devem igualmente afastar a aplicação dessa resolução que obsta ao exercício dessa competência pela referida formação de julgamento.

61

Por força de jurisprudência constante, o princípio do primado do direito da União consagra a preeminência deste direito sobre o direito dos Estados‑Membros. Este princípio impõe, portanto, a todas as instâncias dos Estados‑Membros que confiram pleno efeito às diferentes normas da União, não podendo o direito dos Estados‑Membros afetar o efeito reconhecido a essas normas no território dos referidos Estados [Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 156 e jurisprudência referida].

62

O referido princípio impõe assim, nomeadamente, a qualquer juiz nacional encarregado de aplicar as disposições do direito da União no âmbito da sua competência, a obrigação de garantir o pleno efeito das mesmas, não aplicando, se necessário, por iniciativa própria, qualquer regulamentação ou prática nacional, contrária ao direito da União, sem que tenha de pedir ou aguardar pela sua eliminação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeitos das decisões de um tribunal constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 53 e jurisprudência referida]. O respeito desta obrigação é, nomeadamente, necessário para assegurar a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados e constitui uma expressão do princípio de cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE. [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeitos das decisões de um tribunal constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 55 e jurisprudência referida].

63

Ora, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, que impõe aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado clara e precisa e que não está sujeita a nenhuma condição, nomeadamente no que respeita à independência e à imparcialidade dos órgãos jurisdicionais chamados a interpretar e a aplicar o direito da União e ao requisito de que estes sejam previamente estabelecidos por lei, tem esse efeito direto que implica não aplicar qualquer disposição nacional, jurisprudência ou prática nacional contrária a essas disposições do direito da União, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça [Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), n.o 78 e jurisprudência referida].

64

Resulta igualmente de jurisprudência constante que, mesmo na falta de medidas legislativas nacionais que tenham posto termo a um incumprimento declarado pelo Tribunal de Justiça, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais adotar todas as medidas para facilitar a realização do pleno efeito do direito da União em conformidade com os ensinamentos contidos no acórdão que declara esse incumprimento. Por outro lado, os referidos órgãos jurisdicionais estão obrigados, por força do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, a eliminar as consequências ilícitas de uma violação do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2022, Grossmania, C‑177/20, EU:C:2022:175, n.os 38 e 63 e jurisprudência referida).

65

A fim de dar cumprimento às obrigações recordadas nos n.os 61 a 64 do presente acórdão, um órgão jurisdicional nacional deve afastar a aplicação de um ato como a resolução controvertida que, em violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ordenou a suspensão das funções de um juiz, quando isso seja indispensável atendendo à situação processual em causa para garantir o primado do direito da União [v., nesse sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.os 159 e 161].

66

Uma vez que, no âmbito de um processo previsto no artigo 267.o TFUE, a apreciação final dos factos, bem como a aplicação e a interpretação do direito nacional compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio, é a este que caberá determinar, de forma definitiva, as consequências concretas que decorrem, no litígio principal no processo C‑615/20, do princípio recordado no número anterior. Porém, em conformidade com jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça pode fornecer a esse órgão jurisdicional, a partir dos elementos dos autos, os elementos de interpretação do direito da União que possam ser‑lhe úteis para esse efeito [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação dos juízes do Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 96 e jurisprudência referida].

67

A este respeito, na audiência no Tribunal de Justiça, o Governo polaco fez referência à adoção da ustawa o zmianie ustawy o Sądzie Najbaseada oraz niektórych innych ustawa (Lei que Altera a Lei do Supremo Tribunal e Alguns Outros Atos), de 9 de junho de 2022 (Dz. U. de 2022, posição 1259), que entrou em vigor em 15 de julho de 2022. Segundo as explicações fornecidas por esse governo, esta nova lei dissolveu, nomeadamente, a Secção Disciplinar e instituiu um regime transitório nos termos do qual qualquer juiz que tenha sido objeto de uma resolução dessa Secção autorizando a instauração de ações penais contra ele teria, doravante, a possibilidade de pedir uma reapreciação do processo por uma nova secção instituída no âmbito do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) por esta mesma lei, devendo esta última Secção, nesse caso, pronunciar‑se sobre esse pedido no prazo máximo de 12 meses.

68

Segundo o referido governo, a existência desta nova via de recurso é, assim, suscetível de permitir ao juiz de reenvio no processo C‑615/20 obter uma eventual revisão da resolução controvertida, pelo que afastar a aplicação dessa resolução já não tem razão de ser no caso em apreço. Com efeito, o próprio Tribunal de Justiça sublinhou, no n.o 161 do Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798), que este tipo de solução só se justifica na medida em que se revele indispensável, atendendo à situação processual em causa, para garantir o primado do direito da União.

69

Todavia, não resulta das explicações fornecidas pelo Governo polaco que a resolução controvertida tenha deixado de produzir efeitos devido à entrada em vigor da Lei de 9 de junho de 2022 mencionada no n.o 67 do presente acórdão nem, portanto, que o obstáculo à prossecução do processo principal pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑615/20, na sua composição atual, tenha desaparecido. Quanto à circunstância de o juiz em causa dispor agora da possibilidade de pedir a revisão da resolução controvertida numa nova instância chamada a pronunciar‑se no prazo máximo de um ano, também não parece, sem prejuízo das verificações finais que incumbem a este respeito ao órgão jurisdicional de reenvio, suscetível de garantir que o referido obstáculo possa ser removido sem demora, por eventual iniciativa dos órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento do órgão jurisdicional nacional, em condições adequadas a assegurar o respeito do princípio do primado do direito da União.

70

Por último, quando um ato como a resolução controvertida foi adotado por uma instância que não constitui um tribunal independente e imparcial na aceção do direito da União, nenhuma consideração baseada no princípio da segurança jurídica ou ligada a uma pretensa autoridade de caso julgado dessa resolução pode ser utilmente invocada para impedir o órgão jurisdicional de reenvio e os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento do órgão jurisdicional nacional de afastar a aplicação dessa resolução [v., nesse sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 160].

71

A este respeito, importa, nomeadamente, observar que a instância principal no processo C‑615/20 foi suspensa pelo órgão jurisdicional de reenvio, enquanto se aguardava o presente acórdão. Neste contexto, o prosseguimento dessa instância pelo juiz que compõe a formação de juiz singular do órgão jurisdicional de reenvio, especialmente na fase avançada em que se encontra a referida instância, que é particularmente complexa, não parece, a priori, suscetível de prejudicar a segurança jurídica. Pelo contrário, parece suscetível de permitir que o tratamento do processo principal possa conduzir a uma decisão que seja conforme, por um lado, com as exigências decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e, por outro, com o direito dos litigantes em causa a um processo equitativo num prazo razoável.

72

Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑615/20 pode legitimamente afastar a aplicação da resolução controvertida, a fim de poder, nesta perspetiva, prosseguir a apreciação do processo principal na sua composição atual, sem que os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento do órgão jurisdicional nacional a isso possam obstar.

73

Tendo em conta o exposto, há que responder à quarta questão submetida no processo C‑615/20 que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o princípio do primado do direito da União e o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE devem ser interpretados no sentido de que:

por um lado, uma formação de julgamento de um órgão jurisdicional nacional, que conhece de um processo e é composta por um juiz singular contra o qual uma instância, cuja independência e imparcialidade não estão garantidas, adotou uma resolução que autoriza a instauração de uma ação penal e ordena a suspensão desse juiz das suas funções, bem como a redução da sua remuneração pode legitimamente afastar a aplicação dessa resolução que obsta ao exercício da sua competência nesse processo, e,

por outro lado, os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento desse órgão jurisdicional nacional devem igualmente afastar a aplicação dessa resolução que obsta ao exercício dessa competência pela referida formação de julgamento.

Quanto à primeira e terceira questões, bem como à primeira parte da quarta questão submetidas no processo C‑671/20

74

Com a primeira e terceira questões, bem como com a primeira parte da quarta questão relativa às condições de nomeação dos membros da Secção Disciplinar, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑671/20 pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e os princípios do primado do direito da União, da cooperação leal e da segurança jurídica devem ser interpretados no sentido de que:

por um lado, uma formação de julgamento de um órgão jurisdicional nacional, à qual um processo até então atribuído a outra formação de julgamento desse órgão jurisdicional foi reatribuído em consequência de uma resolução adotada por uma instância cuja independência e imparcialidade não estão garantidas e que autorizou a instauração de uma ação penal contra o juiz singular que compõe esta última formação de julgamento e ordenou a suspensão das suas funções, bem como a redução da sua remuneração, deve afastar a aplicação dessa resolução e abster‑se de prosseguir a apreciação do referido processo, e,

por outro lado, os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento do referido órgão jurisdicional nacional são obrigados, nesse caso, a reatribuir esse processo à formação de julgamento inicialmente encarregada do mesmo.

75

Resulta da decisão de reenvio no processo C‑671/20 que, depois de ter sido adotada a resolução controvertida que autorizou a instauração de uma ação penal contra o juiz I. T. e ordenou a suspensão das suas funções, o presidente do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia), agindo com fundamento no artigo 47.o, §§ 1 e 3, da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, proferiu um despacho que encarregou o presidente da secção em que o juiz I. T. tinha assento de alterar a composição da formação de julgamento nos processos que tinham sido atribuídos a esse juiz, com exceção do processo em que o referido juiz tinha submetido ao Tribunal de Justiça o pedido de decisão prejudicial objeto do processo C‑615/20. Subsequentemente, esse presidente de secção adotou, através do recurso à ferramenta informática prevista para o efeito, um despacho que reatribuiu o processo principal a outra formação de julgamento, a saber, o órgão jurisdicional de reenvio neste processo C‑671/20.

76

Resulta das considerações subjacentes à resposta à quarta questão submetida no processo C‑615/20 que o efeito direto associado ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE implica que os órgãos jurisdicionais nacionais afastem a aplicação de uma resolução que conduza, em violação da referida disposição, à suspensão de um juiz das suas funções, quando tal seja indispensável atendendo à situação processual em causa para garantir o primado do direito da União.

77

Para garantir a efetividade do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, esta obrigação impõe‑se, nomeadamente, à formação de julgamento à qual o processo em causa foi reatribuído em razão dessa essa resolução, devendo essa formação de julgamento, consequentemente, abster‑se de conhecer desse processo [v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny e o. (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) — Nomeação), C‑508/19, EU:C:2022:201, n.o 74]. A referida obrigação vincula também os órgãos competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento do órgão jurisdicional nacional, os quais devem, portanto, reatribuir o mesmo processo à formação de julgamento a que foi inicialmente submetido.

78

No caso em apreço, pelo motivo indicado no n.o 70 do presente acórdão, não pode ser utilmente invocada nenhuma consideração baseada no princípio da segurança jurídica ou ligada a uma pretensa autoridade de caso julgado da referida resolução.

79

A este respeito, importa salientar que, como resulta da decisão de reenvio no processo C‑671/20, e diferentemente de outros processos atribuídos ao juiz I. T., que foram, entretanto, igualmente reatribuídos a outras formações de julgamento, mas cuja apreciação prosseguiu ou mesmo, sendo caso disso, foi encerrada com a adoção de uma decisão por essas novas formações, a instância principal no referido processo foi suspensa até à prolação do presente acórdão. Nestas condições, a reabertura dessa instância pelo juiz I. T. parece suscetível de permitir que a mesma possa, não obstante o atraso causado pela resolução controvertida, conduzir a uma decisão que seja conforme às exigências que decorrem do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e às que decorrem do direito do litigante em causa a um processo equitativo.

80

Tendo em conta o exposto, há que responder à primeira e terceira questões, bem como à primeira parte da quarta questão submetidas no processo C‑671/20, que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e os princípios do primado do direito da União e da cooperação leal devem ser interpretados no sentido de que:

por um lado, uma formação de julgamento de um órgão jurisdicional nacional que, tendo‑lhe sido reatribuído um processo até então atribuído a outra formação de julgamento desse órgão jurisdicional em consequência de uma resolução adotada por uma instância cuja independência e imparcialidade não estão garantidas e que autorizou a instauração de uma ação penal contra o juiz singular que compõe esta última formação de julgamento e ordenou a suspensão desse juiz das suas funções, bem como a redução da sua remuneração, decidiu suspender o tratamento desse processo enquanto aguardava uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça deve afastar a aplicação dessa resolução e abster‑se de prosseguir a apreciação do referido processo, e,

por outro lado, os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento do órgão jurisdicional nacional são, nesse caso, obrigados a reatribuir esse processo à formação de julgamento inicialmente encarregada do mesmo.

Quanto à segunda questão e à segunda parte da quarta questão submetidas no processo C‑671/20

81

Com a segunda questão e a segunda parte da quarta questão relativa às condições de nomeação dos membros do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional), que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑671/20 pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e os princípios do primado do direito da União e da cooperação leal devem ser interpretados no sentido de que se opõem:

por um lado, a disposições nacionais que proíbem um órgão jurisdicional nacional, sob pena de sanções disciplinares aplicadas aos juízes que o compõem, de examinar o caráter vinculativo de um ato adotado por uma instância cuja independência e imparcialidade não estão garantidas e que autorizou a instauração de uma ação penal contra um juiz e ordenou a suspensão desse juiz das suas funções, bem como a redução da sua remuneração, e, sendo caso disso, de afastar a aplicação desse ato, e,

por outro lado, à jurisprudência de um tribunal constitucional por força da qual os atos de nomeação dos juízes que compõem essa instância não podem ser objeto de fiscalização jurisdicional, na medida em que a referida jurisprudência seja suscetível de obstar a esse mesmo exame.

82

No que respeita, em primeiro lugar, às disposições nacionais às quais o órgão jurisdicional de reenvio se referiu no processo C‑671/20, há que salientar que as disposições do artigo 42.oa, §§ 1 e 2, da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns preveem, nomeadamente, a cargo dos referidos órgãos jurisdicionais, proibições de pôr em causa a legitimidade dos órgãos jurisdicionais ou de apreciar a legalidade da nomeação de um juiz ou do seu poder de exercer funções em matéria de administração da justiça. Quanto às disposições do artigo 107.o, § 1, ponto 3, da mesma lei, qualificam de infração disciplinar, nomeadamente, qualquer ato dos juízes dos tribunais comuns que ponha em causa a efetividade da nomeação de um juiz.

83

Ora, como resulta das explicações fornecidas por esse órgão jurisdicional de reenvio, este considera que tais disposições nacionais são suscetíveis de obstar a que possa, mesmo a que a tal esteja obrigado à luz das respostas dadas pelo Tribunal de Justiça às suas outras questões, pronunciar‑se sobre a inexistência de força vinculativa de um ato como a resolução controvertida e afastar, se for caso disso, a sua aplicação. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ao agir deste modo, seria levado a pôr em causa a legitimidade de uma autoridade judiciária, a saber, a Secção Disciplinar, e a comprometer seriamente o seu funcionamento. Tal exame da força vinculativa da resolução controvertida exigiria, ao mesmo tempo, que o referido órgão jurisdicional de reenvio apreciasse a legalidade das nomeações dos juízes que compõem a referida secção e do poder destes para exercer funções em matéria de administração da justiça, bem como que se pronunciasse sobre a eficácia das referidas nomeações.

84

A este respeito, resulta da resposta dada à primeira e à terceira questões, bem como à primeira parte da quarta questão submetidas no processo C‑671/20 que os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a dar execução a uma resolução que implica, em violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, a suspensão de um juiz das suas funções devem, quando tal seja indispensável atendendo à situação processual em causa para garantir o primado do direito da União, afastar a aplicação dessa resolução.

85

Nestas condições, o facto de um órgão jurisdicional nacional exercer as funções que lhe são assim confiadas pelos Tratados e respeitar as obrigações que sobre ele impendem por força dos mesmos, executando uma disposição como o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, não pode, por definição, ser proibido nem ser considerado uma infração disciplinar por parte dos juízes desse órgão jurisdicional. [v., neste sentido, Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), n.o 132].

86

No Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), o Tribunal de Justiça declarou, assim, pelos motivos expostos nos n.os 198 a 219 desse acórdão e como resulta do ponto 3 do seu dispositivo, que, ao adotar e ao manter em vigor o artigo 42.oa, §§ 1 e 2, da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, que proíbe todos os tribunais nacionais de apreciar o cumprimento dos requisitos decorrentes do direito da União relativos à garantia de um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 47.o da Carta, bem como por força do princípio do primado do direito da União.

87

Nesse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça declarou igualmente, pelos motivos expostos nos n.os 125 a 163 deste último e como resulta do ponto 2 do dispositivo do referido acórdão, que, ao adotar e ao manter em vigor o artigo 107.o, § 1, pontos 2 e 3, da Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, que permite qualificar de infração disciplinar a apreciação do cumprimento dos requisitos da União relativos a um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, a República da Polónia não cumpriu, nomeadamente, as obrigações que lhe incubem por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, e do artigo 47.o da Carta.

88

Ora, já foi recordado, nos n.os 56, 58 e 61 a 64 do presente acórdão, que, tendo em conta a autoridade associada aos acórdãos pelos quais o Tribunal de Justiça declara esse incumprimento, o efeito direto de que se reveste o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como o princípio do primado do direito da União, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais e, portanto, nomeadamente, ao órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑671/20 não aplicar, nos processos que lhes foram submetidos, as disposições nacionais assim declaradas contrárias à referida disposição do direito da União. Daqui resulta que as disposições nacionais em questão e, nomeadamente, as proibições em causa impostas por estas aos tribunais comuns não podem obstar a que esse órgão jurisdicional de reenvio examine a força vinculativa da resolução controvertida e afaste a aplicação desta última, como lhe incumbe.

89

No que respeita, em segundo lugar, à jurisprudência do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) à qual se referiu o órgão jurisdicional de reenvio, resulta das explicações por ele fornecidas que considera que essa jurisprudência é igualmente suscetível de obstar a que possa proceder a uma apreciação das condições em que ocorreram as nomeações dos membros da Secção Disciplinar para garantir o caráter independente e imparcial dessa instância e concluir, se for caso disso, pela inaplicabilidade da resolução controvertida.

90

A este respeito, e sem que seja necessário examinar a segunda parte da quarta questão relativa às condições de nomeação dos membros desse tribunal constitucional, basta recordar que, tendo em conta o efeito direto de que se reveste o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o princípio do primado do direito da União impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais que não apliquem qualquer jurisprudência nacional contrária a esta disposição do direito da União conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça [v., neste sentido, Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), n.o 78 e jurisprudência referida].

91

Por outro lado, importa recordar que, na hipótese em que, na sequência dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça, um tribunal nacional considera que a jurisprudência de um tribunal constitucional é contrária ao direito da União, o facto de esse tribunal nacional não aplicar a referida jurisprudência constitucional, em conformidade com o princípio do primado deste direito, não pode dar origem à sua responsabilidade disciplinar [Acórdão Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), n.o 151 e jurisprudência referida].

92

Assim, incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑671/20 afastar as disposições nacionais referidas nos n.os 86 e 87 do presente acórdão, bem como a jurisprudência do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) referida no n.o 89 deste mesmo acórdão, na medida em que as referidas disposições e a referida jurisprudência se revelem suscetíveis de obstar a que esse órgão jurisdicional de reenvio afaste a aplicação da resolução controvertida e se abstenha, consequentemente, de se pronunciar sobre o processo principal.

93

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão submetida no processo C‑671/20 que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, assim como os princípios do primado do direito da União e da cooperação leal devem ser interpretados no sentido de que se opõem:

por um lado, às disposições nacionais que proíbem um órgão jurisdicional nacional, sob pena de sanções disciplinares aplicadas aos juízes que o compõem, de examinar o caráter vinculativo de um ato adotado por uma instância cuja independência e imparcialidade não estão garantidas e que autorizou a instauração de uma ação penal contra um juiz e ordenou a suspensão desse juiz das suas funções, bem como a redução da sua remuneração, e, sendo caso disso, de afastar a aplicação desse ato, e,

por outro lado, à jurisprudência de um tribunal constitucional por força da qual os atos de nomeação dos juízes não podem ser objeto de fiscalização jurisdicional, na medida em que a referida jurisprudência seja suscetível de obstar a essa mesma fiscalização.

Quanto às despesas

94

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições nacionais que conferem a uma instância, cuja independência e imparcialidade não estão garantidas, a competência para autorizar a instauração de ações penais contra juízes dos tribunais comuns e, em caso de concessão dessa autorização, para suspender os juízes em causa das suas funções e para reduzir a sua remuneração durante a referida suspensão.

 

2)

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o princípio do primado do direito da União e o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE devem ser interpretados no sentido de que:

por um lado, uma formação de julgamento de um órgão jurisdicional nacional, que conhece de um processo e é composta por um juiz singular contra o qual uma instância, cuja independência e imparcialidade não estão garantidas, adotou uma resolução que autoriza a instauração de uma ação penal e ordena a suspensão desse juiz das suas funções, bem como a redução da sua remuneração pode legitimamente afastar a aplicação dessa resolução que obsta ao exercício da sua competência nesse processo, e,

por outro lado, os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento desse órgão jurisdicional nacional devem igualmente afastar a aplicação dessa resolução que obsta ao exercício dessa competência pela referida formação de julgamento.

 

3)

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, assim como os princípios do primado do direito da União e da cooperação leal devem ser interpretados no sentido de que:

por um lado, uma formação de julgamento de um órgão jurisdicional nacional que, tendo‑lhe sido reatribuído um processo até então atribuído a outra formação de julgamento desse órgão jurisdicional em consequência de uma resolução adotada por uma instância cuja independência e imparcialidade não estão garantidas e que autorizou a instauração de uma ação penal contra o juiz singular que compõe esta última formação de julgamento e ordenou a suspensão desse juiz das suas funções, bem como a redução da sua remuneração, decidiu suspender o tratamento desse processo enquanto aguardava uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça deve afastar a aplicação dessa resolução e abster‑se de prosseguir a apreciação do referido processo, e,

por outro lado, os órgãos judiciais competentes em matéria de determinação e de alteração da composição das formações de julgamento do órgão jurisdicional nacional são, nesse caso, obrigados a reatribuir esse processo à formação de julgamento inicialmente encarregada do mesmo.

 

4)

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, assim como os princípios do primado do direito da União e da cooperação leal devem ser interpretados no sentido de que se opõem:

por um lado, a disposições nacionais que proíbem um órgão jurisdicional nacional, sob pena de sanções disciplinares aplicadas aos juízes que o compõem, de examinar o caráter vinculativo de um ato adotado por uma instância cuja independência e imparcialidade não estão garantidas e que autorizou a instauração de uma ação penal contra um juiz e ordenou a suspensão desse juiz das suas funções, bem como a redução da sua remuneração, e, sendo caso disso, de afastar a aplicação desse ato, e,

por outro lado, à jurisprudência de um tribunal constitucional por força da qual os atos de nomeação dos juízes não podem ser objeto de fiscalização jurisdicional, na medida em que a referida jurisprudência seja suscetível de obstar a essa mesma fiscalização.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.