ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

28 de abril de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Direitos de propriedade intelectual — Diretiva 2004/48/CE — Artigo 14.o — Conceitos de “custas judiciais” e de “outras despesas” — Interpelação para assegurar o respeito de um direito de propriedade intelectual através da via extrajudicial — Honorários de advogado — Qualificação — Regulamentação nacional que limita o montante recuperável destes honorários em determinadas condições»

No processo C‑559/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Saarbrücken (Tribunal Regional de Saarbrücken, Alemanha), por Decisão de 6 de outubro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de outubro de 2020, no processo

Koch Media GmbH

contra

FU,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: I. Jarukaitis, presidente de secção, M. Ilešič (relator) e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Koch Media GmbH, por A. Nourbakhsch, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann e U. Bartl, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Braun, T. Scharf e S. L. Kalėda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de novembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 14.o da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45; retificação no JO 2004, L 195, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Koch Media GmbH a FU a respeito das despesas recuperáveis a título dos honorários de advogado que a Koch Media efetuou para assegurar o respeito dos seus direitos através de uma interpelação enviada a FU antes de ser intentada uma ação judicial.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/48

3

Os considerandos 10, 14 e 17 da Diretiva 2004/48 têm a seguinte redação:

«(10)

O objetivo da presente diretiva é aproximar essas legislações a fim de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno.

[…]

(14)

As medidas previstas no n.o 2 do artigo 6.o, no n.o 1 do artigo 8.o e no n.o 2 do artigo 9.o da presente Diretiva deverão ser aplicadas unicamente a atos praticados à escala comercial. Tal não prejudica a possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem estas medidas igualmente em relação a outros atos. Os atos praticados à escala comercial são aqueles que têm por finalidade uma vantagem económica ou comercial direta ou indireta, o que, em princípio, exclui os atos praticados por consumidores finais agindo de boa‑fé.

[…]

(17)

As medidas, procedimentos e recursos previstos na presente diretiva deverão ser determinados, em cada caso, de modo a ter devidamente em conta as características específicas desse mesmo caso, nomeadamente as características específicas de cada direito de propriedade intelectual e, se for caso disso, o caráter intencional ou não intencional da violação.»

4

Nos termos do artigo 1.o desta diretiva, intitulado «Objeto»:

«A presente diretiva estabelece as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual. Para efeitos da presente diretiva, a expressão “direitos de propriedade intelectual” engloba os direitos da propriedade industrial.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva, intitulado «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo dos meios já previstos ou que possam vir a ser previstos na legislação comunitária ou nacional e desde que esses meios sejam mais favoráveis aos titulares de direitos, as medidas, procedimentos e recursos previstos na presente diretiva são aplicáveis, nos termos do artigo 3.o, a qualquer violação dos direitos de propriedade intelectual previstos na legislação comunitária e/ou na legislação nacional do Estado‑Membro em causa.»

6

O capítulo II da mesma diretiva comporta os artigos 3.o a 15.o, relativos às medidas, aos procedimentos e aos recursos regidos pela Diretiva 2004/48.

7

O artigo 3.o da Diretiva 2004/48, intitulado «Obrigação geral», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos pela presente diretiva. Essas medidas, procedimentos e recursos devem ser justos e equitativos, não devendo ser desnecessariamente complexos ou onerosos, comportar prazos que não sejam razoáveis ou implicar atrasos injustificados.

2.   As medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos.»

8

Nos termos do artigo 13.o desta diretiva, intitulado «Indemnizações por perdas e danos»:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que, a pedido da parte lesada, as autoridades judiciais competentes ordenem ao infrator que, sabendo‑o ou tendo motivos razoáveis para o saber, tenha desenvolvido uma atividade ilícita, pague ao titular do direito uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efetivamente sofrido devido à violação.

Ao estabelecerem o montante das indemnizações por perdas e danos, as autoridades judiciais:

a)

Devem ter em conta todos os aspetos relevantes, como as consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infrator e, se for caso disso, outros elementos para além dos fatores económicos, como os danos morais causados pela violação ao titular do direito; ou

b)

Em alternativa à alínea a), podem, se for caso disso, estabelecer a indemnização por perdas e danos como uma quantia fixa, com base em elementos como, no mínimo, o montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão.

2.   Quando, sem o saber ou tendo motivos razoáveis para o saber, o infrator tenha desenvolvido uma atividade ilícita, os Estados‑Membros podem prever a possibilidade de as autoridades judiciais ordenarem a recuperação dos lucros ou o pagamento das indemnizações por perdas e danos, que podem ser pré‑estabelecidos.»

9

O artigo 14.o da referida diretiva, intitulado «Custas», enuncia:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que as custas judiciais e outras despesas, razoáveis e proporcionadas, da parte vencedora no processo, sejam geralmente custead[a]s pela parte vencida, exceto se, por uma questão de equidade, tal não for possível.»

Diretiva 2001/29/CE

10

O artigo 1.o da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10), intitulado «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 2:

«[…] [A] presente diretiva não afeta de modo algum as disposições comunitárias existentes em matéria de:

a)

Proteção jurídica dos programas de computador;

[…]»

11

O artigo 8.o desta diretiva, intitulado «Sanções e vias de recurso», dispõe, no seu n.o 2:

«Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para assegurar que os titulares dos direitos cujos interesses sejam afetados por uma violação praticada no seu território possam intentar uma ação de indemnização e/ou requerer uma injunção e, quando adequado, a apreensão do material ilícito, bem como dos dispositivos, produtos ou componentes referidos no n.o 2 do artigo 6.o»

Diretiva 2009/24/CE

12

A Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO 2009, L 111, p. 16), codificou e revogou a Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO 1991, L 122, p. 42).

13

O artigo 1.o da Diretiva 2009/24, intitulado «Objeto da proteção», dispõe, no seu n.o 1:

«De acordo com o disposto na presente diretiva, os Estados‑Membros estabelecem uma proteção jurídica dos programas de computador, mediante a concessão de direitos de autor, enquanto obras literárias, na aceção da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas[, assinada em Berna em 9 de setembro de 1886 (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), na sua versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979]. Para efeitos da presente diretiva, a expressão “programas de computador” inclui o material de conceção.»

14

O artigo 7.o da referida diretiva, intitulado «Medidas de proteção especiais», prevê, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 4.o, 5.o e 6.o, os Estados‑Membros tomam medidas adequadas, nos termos das respetivas legislações nacionais, contra as pessoas que pratiquem qualquer dos atos seguintes:

a)

Ponham em circulação uma cópia de um programa de computador, conhecendo ou não podendo ignorar o seu caráter ilícito;

[…]»

Direito alemão

15

O § 97a da Gesetz über Urheberrecht und verwandte Schutzrechte — Urheberrechtsgesetz (Lei Relativa aos Direitos de Autor e Direitos Conexos), de 9 de setembro de 1965 (BGBl. 1965 I, p. 1273), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «UrhG»), intitulado «Interpelação», tem a seguinte redação:

«1)   Antes de intentar uma ação judicial, a parte lesada deve enviar ao infrator uma interpelação escrita convidando‑o a cessar a infração em questão e dando‑lhe a possibilidade de resolver o litígio mediante o compromisso de se abster de atuar dessa forma, acompanhada de uma penalização contratual adequada.

2)   A interpelação escrita deve, de forma clara e compreensível:

1.

indicar o nome ou a denominação social da parte lesada, se quem emitir a interpelação não for a própria parte lesada, mas sim um representante,

2.

descrever exatamente a violação de um direito,

3.

fornecer um cálculo detalhado dos pedidos de pagamento consoante se trate de uma indemnização por perdas e danos ou do reembolso de despesas; e

4.

no caso de se exigir um compromisso que obrigue à abstenção de determinadas práticas, indicar em que medida o compromisso proposto vai além da infração que constitui o objeto da interpelação escrita.

Uma interpelação não conforme com o primeiro período não produz efeitos.

3)   Na medida em que a interpelação seja justificada e conforme com o disposto no n.o 2, primeiro período, pontos 1 a 4, pode ser exigido o reembolso das despesas necessárias. Quanto à utilização dos serviços de um advogado, o reembolso das despesas necessárias é limitado, no que respeita aos honorários legais, a um montante correspondente a um valor em litígio de 1000 euros para uma ação de proibição e de cessação, quando a pessoa interpelada:

1.

seja uma pessoa singular que não utilize obras ou outros objetos protegidos ao abrigo da presente lei para efeitos da sua atividade comercial ou profissional independente; e

2.

não esteja já obrigada à cessação de certas práticas em virtude de um direito contratual da pessoa que emite a interpelação escrita ou devido a uma decisão judicial transitada em julgado ou a uma medida cautelar.

O valor referido no segundo período é igualmente aplicável se forem invocados, paralelamente, um direito de proibição e um direito de cessação. O segundo período não é aplicável se esse valor não for equitativo nas circunstâncias específicas do caso concreto.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

A Koch Media é titular, no território da República Federal da Alemanha, de direitos de propriedade intelectual relativos ao jogo de computador «This War of Mine». Este jogo de computador foi colocado no mercado em novembro de 2014 e, segundo as indicações da Koch Media, foi‑lhe atribuído o prémio alemão de jogo de computador. Segundo a decisão de reenvio, o preço de venda da obra no mercado atingiu montantes superiores a 30 euros nos primeiros meses que se seguiram à sua publicação.

17

Considerando que, ao disponibilizar este jogo de computador ao público, através da sua ligação Internet, para ser descarregado numa plataforma de partilha de ficheiros no âmbito de uma rede de pessoa para pessoa (peer‑to‑peer), FU, pessoa singular, cometeu várias infrações aos seus direitos de propriedade intelectual, a Koch Media mandatou um escritório de advogados para garantir que os seus direitos fossem respeitados, nomeadamente enviando a FU uma interpelação para que pusesse termo aos seus atos, em conformidade com o § 97a da UrhG.

18

Por carta de 9 de abril de 2015, os advogados da Koch Media propuseram a FU uma resolução amigável do litígio, pedindo‑lhe que se comprometesse, sob pena de penalidade contratual, a deixar de disponibilizar este jogo através da respetiva disponibilização ao público numa plataforma de partilha de ficheiros, bem como a pagar uma indemnização.

19

Uma vez que FU não aceitou a proposta em relação à parte da indemnização, tendo aceitado apenas pôr termo aos seus atos, a Koch Media intentou uma ação de indemnização no Amtsgericht Saarbrücken (Tribunal de Primeira Instância de Saarbrücken, Alemanha). Julgando esta ação procedente, por Decisão de 29 de janeiro de 2020, este órgão jurisdicional constatou que, entre 26 e 28 de novembro de 2014, FU disponibilizou, em pelo menos em treze ocasiões, o jogo de computador em questão, através da sua ligação Internet, para que fosse descarregado numa plataforma de partilha de ficheiros. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional condenou FU nas despesas, incluindo no montante de 124 euros, acrescidos de juros de mora, a título dos honorários de advogado que a Koch Media suportou para através da interpelação alegar o seu direito a que fosse posto termo ao comportamento de FU.

20

A Koch Media, por considerar, nomeadamente, que devia ser reembolsada da totalidade dos honorários de advogado pré‑contenciosos que no caso concreto ascendiam a 984,60 euros, o que corresponde ao valor de um litígio de 20000 euros, interpôs recurso desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio, o Landgericht Saarbrücken (Tribunal Regional de Saarbrücken, Alemanha).

21

O órgão jurisdicional de reenvio refere que o reembolso dos honorários de advogado suportados no âmbito da fase pré‑contenciosa de um litígio em matéria de defesa dos direitos de propriedade intelectual, relativos ao exercício do direito de cessação, é regido, no direito alemão, pelo § 97a da UrhG. Segundo esta disposição, podem, em princípio, ser reembolsadas as «despesas necessárias» do titular do direito de autor que foi violado. A este respeito, resulta, por um lado, do § 97a, n.o 3, segundo período, da UrhG, que o legislador alemão limita em princípio a 1000 euros o valor de litígio do montante a reembolsar por pessoas singulares, o que significa que uma parte significativa dos honorários de advogado fica a cargo do titular dos direitos de propriedade intelectual. Por outro lado, resulta do § 97a, n.o 3, quarto período, da UrhG, que, a título de exceção, o juiz competente pode não tomar este limite em consideração em caso de «iniquidade». Em contrapartida, resulta da jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha) que, quando um titular de direitos relativos a filmes, a música ou a DVD contemporâneos alegue o seu direito de cessação, o valor de litígio ascende, seja como for, a mais de 10000 euros.

22

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, primeiro, se os honorários de advogado relacionados com a interpelação, como os que estão em causa no processo que lhe foi submetido, se enquadram no conceito das «custas judiciais» ou das «outras despesas», visadas no artigo 14.o da Diretiva 2004/48, ou das «indemnizações», mencionadas no artigo 13.o desta diretiva, a menos que não se enquadrem de todo nesta última.

23

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a interpelação referida no § 97a da UrhG prossegue um duplo objetivo, a saber, por um lado, tentar evitar um processo através da resolução amigável do litígio entre as partes e, por outro, proteger, em caso de processo judicial, o titular do direito de propriedade intelectual do risco de ser condenado nas despesas na hipótese de intentar a ação de cessação sem ter previamente enviado a interpelação, embora a parte demandada reconheça imediatamente a procedência do pedido.

24

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, atendendo aos ensinamentos que decorrem do Acórdão de 28 de julho de 2016, United Video Properties (C‑57/15, EU:C:2016:611), as diretivas pertinentes devem ser interpretadas no sentido de que, em princípio, as despesas relacionadas com a interpelação também devem ser integralmente reembolsadas quando os direitos de propriedade intelectual tenham sido violados por pessoas singulares que não perseguem um interesse profissional ou comercial e quando certos fatores puderem conduzir apenas ao reembolso de uma parte mínima destas despesas. Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se sobre quais serão então essas despesas recuperáveis.

25

Em terceiro lugar, em conformidade com o disposto no artigo 14.o da Diretiva 2004/48, os honorários de advogado suportados pelas partes devem, em regra, ser suportados pela parte vencida, exceto se, por uma questão de equidade, tal não for possível. Ora, o § 97a, n.o 3, quarto período, da UrhG inverteu a relação entre esta regra e a sua exceção. Assim, segundo esta disposição, o limite de 1000 euros relativo ao valor de litígio aplicável à fixação das despesas só não se aplica quando este valor apresentar um caráter que não é equitativo à luz das circunstâncias do caso concreto.

26

Em conclusão, este órgão jurisdicional indica que o seu pedido de decisão prejudicial se inscreve no contexto de um grande número de litígios que lhe foram submetidos cuja solução, no que se refere ao reembolso dos honorários de advogado respeitantes à fase pré‑contenciosa de um litígio em matéria de defesa dos direitos de propriedade intelectual depende da interpretação do direito da União, uma vez que a jurisprudência alemã é muito divergente a este respeito.

27

Nestas condições, o Landgericht Saarbrücken (Tribunal Regional de Saarbrücken) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

Deve o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 ser interpretado no sentido de que abrange, […] enquanto “custas judiciais” ou “outras despesas”, [os honorários de advogado] em que um titular de direitos de propriedade intelectual na aceção do artigo 2.o da Diretiva 2004/48 incorre pelo facto de interpelar extrajudicialmente o infrator desses direitos com vista à cessação dessa infração?

b)

Em caso de resposta negativa à questão 1a): deve o artigo 13.o da Diretiva 2004/48 ser interpretado no sentido de que abrange [os honorários de advogados referidos] na questão a) enquanto indemnizações por perdas e danos?

2)

a)

Deve o direito da União, em especial à luz

dos artigos 3.o, 13.o e 14.o da Diretiva 2004/48,

do artigo 8.o da Diretiva 2001/29, e

do artigo 7.o da Diretiva 2009/24

ser interpretado no sentido de que um titular de direitos de propriedade intelectual, na aceção do artigo 2.o da Diretiva 2004/48, tem, em princípio, direito ao reembolso da totalidade [dos honorários de advogados referidos] na questão 1a), ou, em todo o caso, de uma parte razoável e substancial dessas despesas, mesmo que

a [violação dos direitos visada] tenha sido cometida por uma pessoa singular à margem da sua atividade profissional ou comercial, e

uma legislação nacional preveja, nesse caso, que essas despesas com advogados só são reembolsáveis, em regra, num montante reduzido?

b)

Em caso de resposta afirmativa à questão 2a): deve o direito da União referido na questão 2a) ser interpretado no sentido de que pode admitir‑se uma exceção ao princípio, enunciado […] — segundo o qual [os honorários de advogados referidos] na questão 1a) devem ser integralmente reembolsad[o]s ao titular do direito, ou, em todo o caso, uma parte razoável e substancial das mesmas,

tendo em consideração outros fatores (como a atualidade da obra, a duração da publicação e o facto de a infração ter sido cometida por uma pessoa singular à margem dos seus interesses comerciais profissionais),

mesmo quando a violação dos direitos de propriedade intelectual na aceção do artigo 2.o da Diretiva 2004/48 consistir na partilha de ficheiros, ou seja, na colocação à disposição do público de uma obra, através da possibilidade oferecida a todos os participantes de a descarregarem gratuitamente [numa plataforma] de intercâmbio [de livre acesso] sem gestão dos direitos digitais [(“digital rights management”)]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

28

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que as despesas efetuadas por um titular de direitos de propriedade intelectual a título da sua representação feita por um consultor para assegurar o respeito destes direitos através da via extrajudicial, como as despesas relativas à interpelação, são abrangidas pelo conceito de «custas judiciais» ou de «outras despesas», na aceção desta disposição. A título subsidiário, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se se essas despesas são abrangidas pelo conceito de «indemnizações por perdas e danos», na aceção do artigo 13.o desta diretiva.

29

Como enuncia o seu considerando 10, a Diretiva 2004/48 tem por objetivo aproximar as legislações dos Estados‑Membros no que se refere aos meios para assegurar o respeito dos direitos de propriedade intelectual, a fim de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno.

30

Para este efeito, em conformidade com o disposto no seu artigo 1.o, a Diretiva 2004/48 estabelece as medidas, os procedimentos e os recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual. O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva precisa que essas medidas, esses procedimentos e esses recursos são aplicáveis a qualquer violação destes direitos, prevista na legislação da União e/ou na legislação nacional do Estado‑Membro em causa.

31

No entanto, as disposições da Diretiva 2004/48 não pretendem reger todos os aspetos relacionados com os direitos de propriedade intelectual, mas apenas aqueles que são inerentes, por um lado, ao respeito destes direitos e, por outro, às violações destes últimos, impondo a existência de meios jurídicos eficazes destinados a prevenir, fazer cessar ou remediar qualquer violação de um direito de propriedade intelectual existente (Acórdão de 16 de julho de 2015, Diageo Brands, C‑681/13, EU:C:2015:471, n.o 73 e jurisprudência referida).

32

Além disso, quando da adoção desta diretiva, o legislador da União optou por proceder a uma harmonização mínima do respeito pelos direitos de propriedade intelectual em geral (Acórdão de 9 de julho de 2020, Constantin Film Verleih, C‑264/19, EU:C:2020:542, n.o 36 e jurisprudência referida).

33

No entanto, à semelhança daquilo que, em substância, o advogado‑geral salientou no n.o 44 das suas conclusões, há que constatar que, à luz do seu objetivo de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual, a Diretiva 2004/48 aplica‑se tanto a processos judiciais como a processos extrajudiciais, podendo estes dois tipos de processos ser necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual.

34

Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que um processo autónomo que antecede uma ação de indemnização, como o pedido de informação, através do qual, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2004/48, um queixoso pede a um fornecedor de acesso à Internet as informações que permitem identificar os seus clientes para poder utilmente intentar uma ação judicial contra os presumidos autores de atos ilícitos, preenche o requisito previsto nesta disposição, a saber, que esse pedido seja apresentado no contexto «dos procedimentos relativos à violação de um direito de propriedade intelectual» (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2021, M.C.I.M., C‑597/19, EU:C:2021:492, n.os 81 e 82).

35

Uma vez que o processo de interpelação extrajudicial constitui uma forma de se chegar a uma resolução amigável antes de intentar uma ação judicial propriamente dita, não se pode considerar que este processo não é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/48.

36

No que se refere à questão de saber se as despesas relacionadas com uma interpelação são abrangidas pelos conceitos de «custas judiciais» ou de «outras despesas», na aceção do artigo 14.o da Diretiva 2004/48, ou ainda pelo conceito de «indemnização por perdas e danos», na aceção do artigo 13.o desta, há que constatar que a redação do artigo 14.o da Diretiva 2004/48 abrange não apenas as «custas judiciais», no sentido estrito do termo, mas também as «outras despesas» efetuadas pela «parte vencedora no processo».

37

Esta disposição visa reforçar o nível de proteção da propriedade intelectual, evitando que uma parte lesada seja dissuadida de intentar um processo judicial para salvaguardar os seus direitos (Acórdão de 16 de julho de 2015, Diageo Brands, C‑681/13, EU:C:2015:471, n.o 77 e jurisprudência referida).

38

O objetivo específico que esta disposição prossegue inscreve‑se plenamente naquele que é procurado, de forma geral, pela Diretiva 2004/48, a saber, a aproximação das legislações dos Estados‑Membros a fim de assegurar um nível de proteção elevado, equivalente e homogéneo da propriedade intelectual Em conformidade com estes objetivos, o autor da violação dos direitos de propriedade intelectual deve em regra suportar integralmente as consequências financeiras decorrentes do seu comportamento (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2011, Realchemie Nederland, C‑406/09, EU:C:2011:668, n.o 49).

39

Atendendo a estes objetivos, bem como à formulação ampla e genérica do artigo 14.o da Diretiva 2004/48, que se refere à «parte vencedora no processo» e à «parte vencida», sem acrescentar qualquer esclarecimento nem fixar limitações quanto à natureza do processo a que a regra que enuncia se aplica, esta disposição é aplicável às custas judiciais efetuadas no âmbito de qualquer processo abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva (Acórdão de 16 de julho de 2015, Diageo Brands, C‑681/13, EU:C:2015:471, n.o 78 e jurisprudência referida).

40

No entanto, uma interpretação extensiva do artigo 14.o da Diretiva 2004/48, no sentido de que este implica que a parte vencida deve suportar, em regra, as despesas efetuadas pela parte vencedora do processo, sem apresentar nenhuma precisão quanto à natureza dessas despesas, corre o risco de conferir a este artigo um âmbito de aplicação excessivo, privando assim o artigo 13.o desta diretiva do seu efeito útil (Acórdão de 28 de julho de 2016, United Video Properties, C‑57/15, EU:C:2016:611, n.o 36).

41

Foi assim que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 36 do Acórdão de 28 de julho de 2016, United Video Properties (C‑57/15, EU:C:2016:611), que o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que são abrangidas pelo conceito de «outras despesas», na aceção desta disposição, as despesas que estão direta e estreitamente ligadas ao processo judicial em causa.

42

Se, conforme foi declarado no Acórdão de 28 de julho de 2016, United Video Properties (C‑57/15, EU:C:2016:611), atendendo às características do processo que deu origem a este último, as «outras despesas», na aceção do artigo 14.o da Diretiva 2004/48, devem preencher estes requisitos para serem recuperáveis, o mesmo sucederá, por maioria de razão, com as «custas judiciais» referidas nesta disposição.

43

No que se refere à questão de saber se as despesas relacionadas com uma interpelação constituem «custas judiciais» ou «outras despesas», na aceção do artigo 14.o da Diretiva 2000/48, há que constatar que, embora seja certo que as despesas relacionadas com uma interpelação não podem ser qualificadas de «custas judiciais», na aceção desta disposição, uma vez que, nesta fase, ainda nenhum litígio foi intentado perante um órgão jurisdicional, nada na Diretiva 2004/48 se opõe a que estas despesas sejam qualificadas de «outras despesas», embora, nesta fase pré‑contenciosa, não ser ainda certo se o titular do direito de propriedade intelectual em causa pretende ou não intentar, posteriormente, uma ação judicial ou se a sua proposta de resolução amigável será ou não aceite pelo pretenso autor de atos ilícitos.

44

Na medida em que o procedimento de interpelação constitui um procedimento necessário para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual que visa evitar ou inclusivamente substituir‑se a um processo judicial posterior, há que considerar, pelas mesmas razões que foram expostas nos n.os 32 a 35 do presente acórdão, que as despesas relacionadas com a assistência e a representação neste procedimento são abrangidas pelo conceito de «outras despesas», na aceção do artigo 14.o da Diretiva 2004/48.

45

Atendendo às considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que as despesas efetuadas por um titular de direitos de propriedade intelectual a título da sua representação feita por um consultor para assegurar o respeito destes direitos através da via extrajudicial, como as despesas relativas à interpelação, são abrangidas pelo conceito de «outras despesas», na aceção desta disposição.

Quanto à segunda questão

46

A título preliminar, há que recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia, C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 42 e jurisprudência referida).

47

É nesta medida que há que considerar que, através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que, numa situação em que um direito de propriedade intelectual foi violado por uma pessoa singular fora da sua atividade profissional ou comercial, o reembolso das «outras despesas», referidas nesta disposição, a que o titular deste direito pode ter direito, é calculado de forma fixa, com base num valor de litígio limitado por esta regulamentação, exceto se o juiz nacional considerar que, atendendo às características específicas do caso concreto que lhe foi submetido, a aplicação de tal limite não é equitativa. Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio também pretende saber quais são os fatores que, sendo caso disso, deve tomar em consideração para determinar se essas despesas são razoáveis e proporcionadas, na aceção do artigo 14.o

48

Em primeiro lugar, o artigo 14.o exige que as custas judiciais e outras despesas, razoáveis e proporcionadas, da parte vencedora no processo, sejam geralmente custeadas pela parte vencida.

49

Por um lado, o artigo 14.o desta diretiva obriga os Estados‑Membros a assegurarem apenas o reembolso das custas judiciais «razoáveis». Esta exigência, que se aplica tanto às «custas judiciais» como às «outras despesas», na aceção desta disposição, reflete a obrigação geral prevista no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, segundo a qual os Estados‑Membros devem garantir, nomeadamente, que as medidas, os procedimentos e os recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos por esta diretiva não sejam desnecessariamente onerosos (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, United Video Properties, C‑57/15, EU:C:2016:611, n.o 24).

50

Deste modo, o Tribunal de Justiça declarou que não são razoáveis as despesas excessivas devido a honorários desnecessariamente elevados acordados entre a parte vencedora e o seu advogado, ou devido à prestação, pelo advogado, de serviços que não se considera serem necessários para assegurar o respeito pelo direito de propriedade intelectual em causa (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, United Video Properties, C‑57/15, EU:C:2016:611, n.o 25).

51

Por outro lado, o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 prevê que as custas judiciais e as outras despesas que a parte vencedora deve suportar devem ser «proporcionadas».

52

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que não se pode apreciar de forma independente a questão de saber se essas custas e outras despesas são proporcionadas e a questão das custas que a parte vencedora efetivamente suportou a título da assistência prestada por um advogado, desde que estas sejam «razoáveis», na aceção do n.o 49 do presente acórdão. Com efeito, embora a exigência de proporcionalidade não implique que a parte vencida deva necessariamente reembolsar a totalidade das despesas suportadas pela outra parte, exige, todavia, que esta última tenha direito ao reembolso, pelo menos, de uma parte significativa e adequada das despesas razoáveis efetivamente suportadas pela parte vencedora (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, United Video Properties, C‑57/15, EU:C:2016:611, n.o 29).

53

Por outro lado, no que se refere, em especial, à situação de uma pessoa singular que, fora da sua atividade profissional ou comercial, violou um direito de propriedade intelectual, há que salientar que, conforme resulta do considerando 14 da Diretiva 2004/48, o requisito segundo o qual, para ser abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva, as violações devem ocorrer à escala comercial só se deve aplicar às medidas relativas aos elementos de prova, às medidas relativas ao direito de informação, bem como às medidas provisórias e cautelares, previstas no seu capítulo II, sem prejuízo da possibilidade que os Estados‑Membros têm de também aplicar estas medidas a atos que não são cometidos à escala comercial (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2021, M.I.C.M., C‑597/19, EU:C:2021:492, n.o 88).

54

Este requisito não se aplica às «custas judiciais» nem às «outras despesas» a que se refere o artigo 14.o da Diretiva 2004/48. Por conseguinte, ao abrigo desta disposição, os titulares de direitos de propriedade intelectual podem, em princípio, exigir aos autores de atos ilícitos que sejam pessoas singulares que paguem a totalidade destas despesas, desde que sejam razoáveis e proporcionadas (v., por analogia, Acórdão de 17 de junho de 2021, M.I.C.M., C‑597/19, EU:C:2021:492, n.o 89).

55

No entanto, o Tribunal de Justiça reconheceu que, quando transpõem, para a sua ordem jurídica interna, a regra geral prevista no artigo 14.o da Diretiva 2004/48, os Estados‑Membros podem prever quantias fixas. Contudo, o Tribunal precisou que estas quantias devem garantir que as despesas que, ao abrigo dessa regulamentação nacional, possam ser imputadas à parte vencida sejam razoáveis e que os montantes máximos que podem ser exigidos a título destas despesas também não sejam mais elevados do que os montantes habitualmente cobrados por um advogado no domínio da propriedade intelectual (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, United Video Properties, C‑57/15, EU:C:2016:611, n.os 25, 26, 30 e 32).

56

Com efeito, se o autor do ato ilícito só pudesse ser condenado a reembolsar uma parte reduzida dos honorários de advogado razoáveis suportados pelo titular do direitos de propriedade intelectual lesado, o efeito dissuasivo de uma ação de contrafação seria seriamente reduzido, contrariando‑se a obrigação geral prevista no artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2004/48, bem como o objetivo principal prosseguido por esta, que consiste em assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual no mercado interno, objetivo que está expressamente referido no considerando 10 desta diretiva, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, M.I.C.M., C‑57/15, EU:C:2016:611, n.o 27).

57

Além disso, incumbe ao juiz nacional verificar também que o montante previsível das custas judiciais suscetíveis de ser suportadas pelo titular de direitos de propriedade intelectual não é suscetível de o dissuadir de defender judicialmente os seus direitos, atendendo aos montantes que ficam a seu cargo a título de despesas extrajudiciais suportadas, bem como à respetiva utilidade para a ação principal de indemnização (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2016, Hansson, C‑481/14, EU:C:2016:419, n.o 63).

58

Em segundo lugar, além da fiscalização do caráter razoável e proporcionado das despesas recuperáveis, o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 prevê que a regra geral de repartição destas despesas não se aplica se a equidade proibir que se imponha à parte vencida o reembolso das despesas efetuadas pela parte vencedora, mesmo quando sejam razoáveis e proporcionadas.

59

O Tribunal de Justiça já declarou que esta disposição visa as regras nacionais que permitem que o juiz, num caso específico no qual a aplicação do regime geral em matéria de custas judiciais conduziria a um resultado considerado injusto, se afaste, a título de exceção, da regra geral. No entanto, especificou que a equidade, pela sua própria natureza, não pode justificar uma exclusão geral e incondicional de um reembolso de despesas que ultrapassem um determinado limite (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, United Video Properties, C‑57/15, EU:C:2016:611, n.o 31).

60

Em terceiro lugar, em conformidade com o artigo 14.o da Diretiva 2004/48, lido à luz do seu considerando 17, a regulamentação nacional que transpõe este artigo 14.o deve, seja como for, permitir que o juiz responsável por decretar a condenação nas despesas tome em consideração, em cada caso, as características específicas deste último.

61

Deste modo, a título destas características específicas, o juiz nacional pode nomeadamente tomar em consideração a atualidade da obra, a duração da publicação, o facto de a violação dos direitos ter sido cometida por uma pessoa singular fora da sua atividade profissional ou comercial, bem como, conforme resulta do considerando 17 da Diretiva 2004/48, as características específicas do direito de propriedade intelectual em causa e, se for caso disso, o caráter intencional ou não intencional da violação.

62

Por outro lado, no âmbito desta tomada em consideração das características específicas de cada caso, é também necessário que o órgão jurisdicional de reenvio possa verificar, em conformidade com a obrigação geral prevista no artigo 3.o da Diretiva 2004/48, nomeadamente o caráter justo, equitativo e não abusivo de um pedido de condenação nas despesas relativo às despesas de um representante relativas a uma carta de interpelação (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2021, M.C.I.M., C‑597/19, EU:C:2021:492, n.os 93 e 94).

63

No que se refere à regulamentação nacional em causa no processo principal, a saber, o § 97a da UrhG, este prevê que as despesas recuperáveis são reduzidas através da aplicação de um valor de litígio máximo de 1000 euros no caso de a pessoa interpelada ser uma pessoa singular que não utiliza obras protegidas ou outros objetos protegidos na sua atividade comercial ou na sua atividade profissional independente. No entanto, este § 97a prevê, no seu n.o 3, quarto período, uma exceção na hipótese de o referido valor não ser equitativo nas circunstâncias específicas do caso concreto.

64

O artigo 14.o da Diretiva 2004/48 não se opõe a tal regulamentação se esta visar garantir que as despesas que devem ser suportadas pela parte vencida são razoáveis e proporcionadas, desde que preveja a possibilidade de o juiz responsável por decretar a condenação nas despesas tomar em consideração, em cada caso, as características específicas deste último.

65

Nestas condições, há que responder à segunda questão que o artigo 14.o da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que, numa situação em que um direito de propriedade intelectual foi violado por uma pessoa singular fora do âmbito da sua atividade profissional ou comercial, o reembolso das «outras despesas», referidas nesta disposição, a que o titular deste direito pode ter direito, é calculado de forma fixa, com base num valor de litígio limitado por esta regulamentação, exceto se o juiz nacional considerar que, atendendo às características específicas do caso concreto que lhe foi submetido, a aplicação de tal limite não é equitativa.

Quanto às despesas

66

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

1)

O artigo 14.o da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, deve ser interpretado no sentido de que as despesas efetuadas por um titular de direitos de propriedade intelectual a título da sua representação feita por um consultor para assegurar o respeito destes direitos através da via extrajudicial, como as despesas relativas à interpelação, são abrangidas pelo conceito de «outras despesas», na aceção desta disposição.

 

2)

O artigo 14.o da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que, numa situação em que um direito de propriedade intelectual foi violado por uma pessoa singular fora do âmbito da sua atividade profissional ou comercial, o reembolso das «outras despesas», referidas nesta disposição, a que o titular deste direito pode ter direito, é calculado de forma fixa, com base num valor de litígio limitado por esta regulamentação, exceto se o juiz nacional considerar que, atendendo às características específicas do caso concreto que lhe foi submetido, a aplicação de tal limite não é equitativa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.