ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

5 de maio de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Artigo 157.o TFUE — Protocolo (n.o 33) — Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de emprego e de trabalho — Diretiva 2006/54/CE — Artigo 5.o, alínea c), e artigo 12.o — Proibição de discriminação indireta em razão do sexo — Regime profissional de segurança social aplicável posteriormente à data prevista nesse protocolo e nesse artigo 12.o — Pensões de reforma dos funcionários públicos — Regulamentação nacional que prevê uma atualização anual das pensões de reforma — Atualização degressiva em função da importância do montante da pensão de reforma com exclusão total de atualização além de um determinado montante — Justificações»

No processo C‑405/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), por Decisão de 31 de julho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de agosto de 2020, no processo

EB,

JS,

DP

contra

Versicherungsanstalt öffentlich Bediensteter, Eisenbahnen und Bergbau (BVAEB),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, L. Bay Larsen, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, I. Ziemele, T. von Danwitz (relator) e P. G. Xuereb, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de JS e EB, por M. Riedl, Rechtsanwalt,

em representação de DP, por M. Riedl, Rechtsanwalt, e pelo próprio,

em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll e C. Leeb, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de janeiro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 157.o TFUE, do Protocolo (n.o 33) relativo ao artigo 157.o TFUE, anexo ao Tratado FUE (a seguir «Protocolo n.o 33»), bem como dos artigos 5.o e 12.o da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO 2006, L 204, p. 23).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de três litígios que opõem, respetivamente, EB, JS e DP à Versicherungsanstalt öffentlich Bediensteter, Eisenbahnen und Bergbau (BVAEB) (Caixa de Previdência da Função Pública, Caminhos de Ferro e Setor Mineiro, Áustria), a respeito da atualização anual das suas pensões de reforma.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O Protocolo n.o 33 dispõe:

«Para efeitos da aplicação do artigo 157.o [TFUE], as prestações ao abrigo de um regime profissional de segurança social não serão consideradas remuneração se e na medida em que puderem corresponder a períodos de trabalho anteriores a 17 de maio de 1990, exceto no que se refere aos trabalhadores ou às pessoas a seu cargo que tenham, antes dessa data, intentado uma ação judicial ou apresentado uma reclamação equivalente nos termos da legislação nacional aplicável.»

4

Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2006/54:

«A presente diretiva visa assegurar a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na atividade profissional.

Para o efeito, contém disposições de aplicação do princípio da igualdade de tratamento em matéria de:

[…]

c) Regimes profissionais de segurança social.

[…]»

5

O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Discriminação direta”: sempre que, em razão do sexo, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

“Discriminação indireta”: sempre que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

[…]

f)

“Regimes profissionais de segurança social”: os regimes não regulados pela Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social [(JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174)], que tenham por objetivo proporcionar aos trabalhadores, assalariados ou independentes, de uma empresa ou de um grupo de empresas, de um ramo de atividade económica ou de um setor profissional ou interprofissional, prestações destinadas a completar as prestações dos regimes legais de segurança social ou a substituir estas últimas, quer a inscrição nesses regimes seja obrigatória ou facultativa.»

6

Nos termos do artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Ação positiva»:

«Os Estados‑Membros podem manter ou adotar medidas na aceção do [artigo 157.o, n.o 4, TFUE], a fim de assegurar, na prática, a plena igualdade entre homens e mulheres na vida profissional.»

7

O capítulo 2, intitulado «Igualdade de tratamento nos regimes profissionais de segurança social», do título II da mesma diretiva, compreende, nomeadamente, os artigos 5.o e 12.o desta.

8

Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2006/54, sob a epígrafe «Proibição da discriminação»:

«Sem prejuízo do artigo 4.o, não haverá qualquer discriminação direta ou indireta em razão do sexo, no que respeita:

a)

Ao âmbito de tais regimes e às condições de acesso aos regimes,

b)

À obrigação de pagar as quotizações e ao cálculo destas,

c)

Ao cálculo das prestações, incluindo as majorações devidas na qualidade de cônjuge e por pessoas a cargo, e às condições de duração e de manutenção do direito às prestações.»

9

O artigo 12.o desta diretiva, sob a epígrafe «Efeito retroativo», dispõe:

«1.   Qualquer medida de execução do presente capítulo, no que se refere aos trabalhadores, abrangerá todas as prestações dos regimes profissionais de segurança social decorrentes de períodos de emprego posteriores a 17 de maio de 1990 e será retroativa a essa data, sem prejuízo dos trabalhadores ou das pessoas a seu cargo que, antes dessa data, tenham intentado uma ação judicial ou apresentado reclamação equivalente nos termos do direito nacional. Neste caso, as medidas de execução terão efeitos retroativos a 8 de abril de 1976 e cobrirão todas as prestações decorrentes de períodos de emprego posteriores a essa data. Para os Estados‑Membros que aderiram à [União] depois de 8 de abril de 1976, e antes de 17 de maio de 1990, esta data será substituída pela data na qual o artigo [157.o TFUE] passou a ser aplicável no seu território.

2.   O segundo período do n.o 1 do presente artigo não obsta a que as disposições nacionais relativas aos prazos de interposição de ações nos termos do direito interno sejam oponíveis aos trabalhadores ou às pessoas a seu cargo que tenham intentado uma ação judicial ou apresentado reclamação equivalente nos termos do direito nacional, antes de 17 de maio de 1990, desde que estas não sejam menos favoráveis para este tipo de ação do que para ações semelhantes de natureza interna e que não impossibilitem, na prática, o exercício dos direitos conferidos pelo direito [da União].

3.   Para os Estados‑Membros que aderiram à [União] após 17 de maio de 1990 e que, em 1 de janeiro de 1994, eram partes contratantes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, a data de 17 de maio de 1990 referida na primeira frase do n.o 1 é substituída pela de 1 de janeiro de 1994.

4.   Para os outros Estados‑Membros cuja adesão ocorreu após 17 de maio de 1990, a data de 17 de maio de 1990 mencionada nos n.os 1 e 2 é substituída pela data em que o artigo [157.o TFUE] se tornou aplicável no respetivo território.»

Direito austríaco

10

O § 41.o da Bundesgesetz über die Pensionsansprüche der Bundesbeamten, ihrer Hinterbliebenen und Angehörigen (Pensionsgesetz 1965) [Lei Federal Relativa aos Direitos à Pensão dos Funcionários Federais, dos Seus Sobreviventes e dos Membros da Sua Família (Lei Relativa às Pensões de 1965)], de 18 de novembro de 1965 (BGBl., 340/1965), na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «PG 1965»), dispõe:

«[…]

(2)   As pensões de reforma e as pensões de sobrevivência devidas nos termos da presente lei […] devem ser atualizadas no mesmo momento e na mesma medida que as pensões abrangidas pelo regime de seguro de pensões legal,

1.

quando o direito à pensão já tiver sido constituído antes de 1 de janeiro do ano em causa,

[…]

(4)   O método de atualização das pensões previsto no § 711.o da [Allgemeines Sozialversicherungsgesetz (Lei Geral da Segurança Social)] para o ano civil de 2018 é aplicável por analogia […]. Em caso de aumento nos termos do § 711.o, n.o 1, ponto 2, da [Lei Geral da Segurança Social], o montante total do aumento deve ser imputado à pensão de reforma ou de sobrevivência.»

11

O § 108f da Lei Geral da Segurança Social, na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «ASVG»), prevê:

«(1)   O Ministro Federal da Segurança Social, das Gerações e da Proteção dos Consumidores fixa o coeficiente de atualização para cada ano civil tendo em conta o valor de referência.

(2)   O valor de referência é fixado de modo a que o aumento das pensões resultante da atualização com o valor de referência corresponda ao aumento dos preços no consumidor, em conformidade com o n.o 3. O valor de referência é arredondado a três casas decimais.

(3)   O aumento dos preços no consumidor é determinado em função do aumento médio ao longo de doze meses civis até ao mês de julho do ano que precede o ano de atualização, recorrendo‑se ao índice de preços no consumidor para 2000 ou a qualquer outro índice que o tenha substituído. Para este efeito, há que calcular a média aritmética das taxas de inflação anuais publicadas pelo Statistik Austria [Instituto Austríaco de Estatística, Áustria] para o período de cálculo.»

12

O § 108h da ASVG tem a seguinte redação:

«(1)   Com efeitos em 1 de janeiro de cada ano,

a)

todas as pensões pagas pelo seguro de pensões para as quais o dia de referência (§ 223, n.o 2) seja anterior a 1 de janeiro desse ano,

[…]

são multiplicadas pelo coeficiente de atualização. […]

(2)   A atualização referida no n.o 1 é efetuada com base na pensão relativamente à qual tinha sido constituído um direito ao abrigo das disposições em vigor em 31 de dezembro do ano anterior […]»

13

O § 711 da ASVG dispõe:

«(1)   Em derrogação do § 108h, n.o 1, primeira frase, e n.o 2, o aumento das pensões para o ano civil de 2018 não é efetuado de acordo com o fator de atualização, mas sim nos seguintes termos: o montante total da pensão (n.o 2) é aumentado:

1. em 2,2 % se não exceder 1500 euros por mês;

2. em 33 euros se não exceder 2000 euros por mês;

3. em 1,6 % se for superior a 2000 euros e inferior a 3355 euros por mês;

4. numa percentagem que diminui linearmente entre os referidos valores de 1,6 % e 0 %, se for superior a 3355 euros e inferior a 4980 euros por mês.

Se o valor total da pensão for superior a 4980 euros por mês, não se verifica nenhum aumento.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

Os recorrentes no processo principal, EB, JS e DP, são três pessoas do sexo masculino nascidas antes de 1955 que trabalharam na qualidade de funcionários federais na Áustria. Aposentaram‑se, respetivamente, em 2000, 2013 e 2006. Em 2017, o montante mensal bruto da sua pensão de reforma ascendia a 6872,43 euros no que respeita ao primeiro, a 4676,48 euros quanto ao segundo e a 5713,22 euros quanto ao terceiro.

15

Cada um dos recorrentes no processo principal requereu à BVAEB uma revalorização do montante da sua pensão de reforma a partir de 1 de janeiro de 2018. Este organismo constatou que as pensões de EB e de DP não eram elegíveis para uma revalorização, uma vez que ultrapassavam o limite máximo de 4980 euros mensais previsto no § 711.o, n.o 1, da ASVG. Quanto à pensão de reforma de JS, a atualização foi determinada por aplicação de um aumento de 0,2989 %.

16

Os recorrentes no processo principal interpuseram todos recursos no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), alegando que o § 41.o, n.o 4, da PG 1965 — conjugado com o § 711.o, n.o 1, ponto 4, e última frase, da ASVG, que os priva inteiramente, em relação a dois deles, ou quase inteiramente, em relação ao terceiro, tendo em conta o montante da sua pensão, de uma revalorização desse montante — instituía a seu respeito uma discriminação indireta em razão do sexo, contrária ao direito da União.

17

Em apoio dos seus recursos, os recorrentes no processo principal alegaram que a regulamentação nacional em matéria de atualização das pensões que lhes era aplicável não tinha deixado de afetar a sua situação desde 1995 e que, no decurso dos anos 2001 a 2017, as pensões de montante mais elevado só tinham sido atualizadas em pequena medida. Além disso, sustentaram que esta regulamentação constituía uma discriminação indireta em razão do sexo, apresentando, para este efeito, uma análise estatística segundo a qual os beneficiários de pensões de reforma abrangidas pela PG 1965 de um montante mensal superior a 4980 euros correspondiam a 8417 homens e a 1040 mulheres, ao passo que o número de beneficiários de uma pensão de reforma da função pública federal ascendia a 79491 homens e a 22470 mulheres.

18

O Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) negou provimento aos recursos dos recorrentes no processo principal, considerando que havia razões justificativas que permitiam afastar o argumento relativo a uma discriminação em razão do sexo. No que respeita apenas a EB e a DP, este órgão jurisdicional constatou igualmente que não se contestava que muito mais homens do que mulheres eram abrangidos pelo § 41.o, n.o 4, da PG 1965, conjugado com o § 711.o, n.o 1, última frase, da ASVG.

19

Os recorrentes no processo principal interpuseram recurso de «Revision» destas decisões no órgão jurisdicional de reenvio, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria).

20

O órgão jurisdicional de reenvio considera que as pensões de reforma auferidas pelos recorrentes no processo principal ao abrigo da PG 1965 estão, na medida em que eles nasceram antes de 1955, abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 157.o TFUE, do Protocolo n.o 33 e do artigo 12.o da Diretiva 2006/54. Por conseguinte, este órgão jurisdicional interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a eventual incidência, nos seus recursos, da limitação no tempo do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres prevista nesse protocolo e nesse artigo da Diretiva 2006/54, no que respeita ao período anterior a 1 de janeiro de 1994 para a República da Áustria. Segundo o referido órgão jurisdicional, embora esta limitação possa ser considerada aplicável a elementos de prestação como a atualização das pensões contestada pelos recorrentes no processo principal, ainda que parcialmente, na proporção dos períodos de trabalho que efetuaram antes de 1 de janeiro de 1994, a jurisprudência do Tribunal de Justiça decorrente, nomeadamente, do Acórdão de 6 de outubro de 1993, Ten Oever (C‑109/91, EU:C:1993:833), milita a favor da interpretação de que a referida limitação é inaplicável a essa atualização e não pode impedir os recorrentes no processo principal de invocarem o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres.

21

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio expõe, em segundo lugar, que, tendo em conta a regulamentação nacional em causa, os funcionários federais aposentados que recebem, nos termos da PG 1965, uma pensão mensal bruta superior a um determinado montante se viram inteiramente ou quase inteiramente privados de uma atualização desse montante para o ano de 2018, contrariamente às pessoas que auferem pensões mais modestas. Tal desvantagem pode ser constitutiva de uma discriminação em razão do sexo se disser respeito a um número muito mais elevado de homens do que de mulheres. Este órgão jurisdicional precisa que, desde 1997, a atualização anual destas pensões já não segue a evolução dos vencimentos dos funcionários no ativo, mas, em princípio, por força de uma remissão do § 41.o da PG 1965 para a ASVG, a taxa de inflação, com o objetivo de garantir a preservação do poder de compra dos beneficiários. Embora este sistema tenha sido concebido para se aplicar de maneira geral e a longo prazo, o legislador austríaco recorreu regularmente à possibilidade de adotar, em determinados anos, regulamentações derrogatórias da indexação geral das pensões à inflação.

22

No que respeita à atualização das pensões para o ano de 2018, o referido órgão jurisdicional salienta que o Governo austríaco fundamentou esta derrogação pela existência de uma componente social. A BVAEB invocou igualmente esta finalidade social a título de justificação para uma eventual discriminação indireta, considerando, por um lado, que a aplicação anual de uma percentagem uniforme conduz rapidamente a um «fosso injustificável» entre os níveis de pensões de reforma e, por outro, que as pensões mais elevadas podiam suportar uma atualização inferior sem que o seu valor ou o nível de vida dos seus beneficiários fosse comprometido, de modo que essa atualização, no interesse do financiamento do conjunto do volume de ajustamento de que o Estado dispõe, nada tinha de intolerável e se justificava por razões de solidariedade.

23

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, todavia, sobre se estas razões são suscetíveis de justificar uma eventual discriminação indireta e se as exigências do princípio da proporcionalidade são respeitadas. Especialmente, este órgão jurisdicional tem dúvidas quanto ao caráter necessário, adequado e coerente da regulamentação nacional relativa à atualização das pensões em causa. Assim, a medida que esta última comporta limita‑se aos beneficiários de pensões de reforma e, além disso, a certas categorias desses beneficiários, quando há outros instrumentos de política social adaptados, como taxas progressivas de imposto sobre o rendimento, transferências e outras prestações de assistência financiadas pelos impostos. Além disso, por força do direito interno, os funcionários federais aposentados abrangidos pelo § 41.o da PG 1965 estão numa situação especial que os diferencia das pessoas que recebem pensões abrangidas pelas regras da segurança social, como a ASVG. Com efeito, segundo a jurisprudência do Verfassungsgerichtshof (Tribunal Constitucional, Áustria), as pensões de aposentação desses funcionários devem ser consideradas uma remuneração de direito público pelos serviços prestados durante o período de serviço ativo, no âmbito de uma relação laboral vitalícia. Enquanto as pensões atribuídas ao abrigo dos regimes de segurança social assentam no princípio de um financiamento através de contribuições e são devidas por um organismo de segurança social, as contribuições dos funcionários no ativo são pagas ao orçamento do Estado e o conceito que está na base da PG 1965 não é idêntico ao desses regimes.

24

O órgão jurisdicional de reenvio salienta ainda que o legislador nacional não adotou a mesma medida de «compensação social» em benefício dos funcionários no ativo, que beneficiaram, para o ano de 2018, de um aumento das remunerações superior à inflação sem degressividade, a fim de beneficiar do crescimento económico. Do mesmo modo, este legislador não sujeitou as pensões de reforma pagas a título de outros regimes profissionais de segurança social, por exemplo privados, ao mesmo regime de atualização, com exceção da categoria limitada das pensões devidas por empresas ligadas ao Estado. Este órgão jurisdicional interroga‑se igualmente sobre a questão de saber se deve ser tomada em consideração, na apreciação da proporcionalidade e da coerência da pretensa medida discriminatória, a circunstância de esta medida não ser isolada, uma vez que os recorrentes no processo principal invocam os efeitos cumulativos das diferentes medidas de atualização do montante das pensões adotadas desde a sua passagem à reforma.

25

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) indicou que o tratamento desfavorável sofrido pelos reformados que auferem pensões mais elevadas, na maioria do sexo masculino, devia ser examinado à luz do facto de as mulheres terem sido historicamente prejudicadas, ou seja, sub‑representadas nos cargos mais bem remunerados. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre as consequências a retirar dessa constatação no que respeita aos litígios no processo principal.

26

Nestas condições, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve a limitação do âmbito de aplicação temporal do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, resultante do Acórdão [de 17 de maio de 1990, Barber (C‑262/88, EU:C:1990:209)], bem como do [Protocolo n.o 33] e do artigo 12.o da Diretiva [2006/54], ser interpretada no sentido de que um pensionista (austríaco) não pode invocar legitimamente o princípio da igualdade de tratamento, ou só o pode invocar (proporcionalmente) em relação à parte do seu direito correspondente a períodos de trabalho posteriores a 1 de janeiro de 1994, para alegar que foi discriminado por regras em matéria de atualização das pensões dos funcionários públicos fixada para o ano de 2018, como a aplicada no processo principal?

2)

Deve o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres (nos termos do artigo 157.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 5.o da Diretiva [2006/54]) ser interpretado no sentido de que se justifica uma diferença indireta de tratamento como a que eventualmente resulta das regras de atualização das pensões em 2018, aplicáveis nos processos principais, mesmo tendo em conta medidas semelhantes adotadas anteriormente e a perda considerável causada pelo seu efeito cumulativo, em comparação com uma atualização do valor real das pensões em função da inflação (25 % neste caso), em particular

para evitar um “fosso” (gerado por uma atualização periódica com uma taxa única) entre as pensões de reforma mais elevadas e mais baixas, embora seja puramente nominal, permanecendo invariável a relação entre os valores;

a fim de aplicar uma “componente social” de caráter geral, destinada a reforçar o poder de compra dos beneficiários de pensões mais baixas embora a) este objetivo possa ser alcançado sem limitar a atualização das remunerações mais elevadas e b) o legislador não preveja da mesma forma tal medida para reforçar o poder de compra ao ajustar à inflação as remunerações mais baixas dos funcionários no ativo (em detrimento da atualização das remunerações mais elevadas) e também não tenha adotado nenhuma medida de intervenção comparável ao atualizar as pensões provenientes de outros regimes profissionais de segurança social (sem participação do Estado), para reforçar o poder de compra das pensões mais baixas (em detrimento da atualização das pensões mais elevadas);

para manter e financiar “o sistema”, embora as pensões de reforma dos funcionários públicos sejam devidas não por um organismo de segurança social pertencente a um sistema estruturado sob a forma de seguro e de caráter contributivo, mas pelo Estado federal, enquanto empregador dos funcionários reformados, a título de remuneração pelo trabalho prestado, de modo que são determinantes não a manutenção ou o financiamento de um sistema mas, em última análise, apenas considerações de ordem orçamental;

porque isto constitui uma justificação autónoma ou (como pressuposto do anterior) exclui a priori a hipótese de uma discriminação indireta em razão do sexo, na aceção da Diretiva [2006/54], em detrimento dos homens, caso o número estatisticamente muito maior de homens no grupo dos beneficiários de pensões mais elevadas deva ser considerado a consequência da falta de igualdade de oportunidades, em particular no passado, para as mulheres em matéria de emprego e de trabalho, ou

porque a regulamentação é admissível como medida de discriminação positiva no sentido do artigo 157.o, n.o 4, TFUE?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

27

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Protocolo n.o 33 e o artigo 12.o da Diretiva 2006/54 devem ser interpretados no sentido de que a limitação no tempo dos efeitos do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres prevista nestas disposições se aplica a uma regulamentação nacional que prevê uma atualização anual das pensões de reforma atribuídas ao abrigo de um regime profissional de segurança social, aplicável posteriormente à data referida nessas disposições.

28

Antes de mais, importa recordar que o artigo 157.o TFUE consagra o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual.

29

Quanto à Diretiva 2006/54, como resulta do seu artigo 1.o, esta contém disposições de aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria, nomeadamente, de regimes profissionais de segurança social.

30

Conforme resulta do pedido de decisão prejudicial e o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar, uma pensão de reforma, como a dos funcionários federais austríacos atribuída ao abrigo da PG 1965, está abrangida, por um lado, pelo conceito de «remuneração», na aceção do artigo 157.o TFUE, na medida em que o seu montante depende dos períodos de serviço e dos períodos equiparáveis, bem como do vencimento auferido pelo funcionário, constituindo esta pensão um pagamento futuro em dinheiro, feito pelo empregador aos seus trabalhadores, como consequência direta da relação laboral destes. Com efeito, essa pensão é considerada, segundo o direito nacional, como uma remuneração que continua a ser paga no âmbito de uma relação de trabalho de direito público que prossegue após a passagem do funcionário público à reforma (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2015, Felber, C‑529/13, EU:C:2015:20, n.o 23).

31

Por outro lado, essa pensão é atribuída ao abrigo de um «regime profissional de segurança social», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2006/54, que proporciona aos trabalhadores de um determinado setor profissional prestações destinadas a substituir as prestações de um regime legal de segurança social. Com efeito, na Áustria, os funcionários federais estão excluídos do regime do seguro de reforma instituído pela ASVG, devido ao seu vínculo à função pública do Estado federal, uma vez que a sua relação de trabalho lhes confere direito a prestações de reforma equivalentes às previstas no regime do seguro de reforma (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2016, Lesar, C‑159/15, EU:C:2016:451, n.o 28).

32

Em primeiro lugar, importa recordar que, em conformidade com a redação do Protocolo n.o 33, para efeitos da aplicação do artigo 157.o TFUE, as prestações ao abrigo de um regime profissional de segurança social não serão consideradas remuneração «se e na medida em que» puderem corresponder a períodos de trabalho «anteriores» em 17 de maio de 1990. O mesmo se diga da redação do artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54, que dispõe que «todas» as prestações de tais regimes decorrentes de períodos de emprego «posteriores» a essa data são abrangidas pelas medidas de execução das disposições do título II, capítulo 2, desta diretiva, relativas à igualdade de tratamento nos referidos regimes.

33

Uma vez que a limitação dos efeitos no tempo do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres prevista nestas disposições constitui uma derrogação à regra geral prevista no Tratado FUE, há que a interpretar de forma estrita.

34

Em segundo lugar, há que salientar que a redação do Protocolo n.o 33 é idêntica à do Protocolo (n.o 17) relativo ao artigo 141.o CE, anexo ao Tratado CE, que apresentam um nexo evidente com o Acórdão de 17 de maio de 1990, Barber (C‑262/88, EU:C:1990:209), uma vez que se referem, especialmente, à data da prolação desse acórdão.

35

Ora, como o Tribunal de Justiça precisou no Acórdão de 6 de outubro de 1993, Ten Oever (C‑109/91, EU:C:1993:833), por força do Acórdão de 17 de maio de 1990, Barber (C‑262/88, EU:C:1990:209), o efeito direto do artigo 119.o do Tratado CEE (que passou, após alteração, a artigo 141.o CE, e este ao atual artigo 157.o TFUE) só pode ser invocado, a fim de exigir a igualdade de tratamento em matéria de pensões profissionais, em relação às prestações devidas ao abrigo de períodos de emprego posteriores a 17 de maio de 1990, data da prolação desse acórdão, sem prejuízo da exceção prevista a favor dos trabalhadores ou dos seus sucessores que tenham, antes dessa data, intentado uma ação judicial ou apresentado uma reclamação equivalente nos termos da legislação nacional aplicável (Acórdão de 23 de outubro de 2003, Schönheit e Becker, C‑4/02 e C‑5/02, EU:C:2003:583, n.o 100 e jurisprudência referida).

36

Com efeito, considerações imperiosas de segurança jurídica obstam que sejam postas em causa situações jurídicas que esgotaram os seus efeitos no passado, já que, nesse caso, o equilíbrio financeiro de diversos regimes de pensões correria o risco de ser retroativamente perturbado (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2003, Schönheit e Becker, C‑4/02 e C‑5/02, EU:C:2003:583, n.o 99).

37

Esta limitação é retomada pelo Protocolo n.o 33 e figura igualmente no artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54.

38

No que respeita à República da Áustria, a data de referência visada pelo Acórdão de 17 de maio de 1990, Barber (C‑262/88, EU:C:1990:209), foi substituída, nos termos do artigo 12.o, n.o 3, desta diretiva, pela data de 1 de janeiro de 1994.

39

Em terceiro lugar, há que recordar que o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos previsto no artigo 157.o TFUE faz parte dos fundamentos da União. Por outro lado, segundo o artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, TUE, a União promove, nomeadamente, a igualdade entre homens e mulheres e, por força do artigo 23.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Tesco Stores, C‑624/19, EU:C:2021:429, n.os 33 e 34 e jurisprudência referida).

40

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que a atualização anual das pensões de reforma prevista na regulamentação nacional em causa no processo principal para o ano de 2018 é calculada com base no montante da pensão de reforma que o beneficiário recebia no ano anterior, ao qual já assistia um direito, operando‑se esta atualização de modo degressivo para se tornar inexistente além de um determinado montante. Além disso, a referida atualização não depende da data dos períodos de emprego ou de inscrição do beneficiário em causa.

41

Perante o órgão jurisdicional de reenvio, os recorrentes no processo principal invocam uma violação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres unicamente no que diz respeito a essa regulamentação nacional, a qual não tem efeitos retroativos. Por outro lado, estes últimos reformaram‑se após 1 de janeiro de 1994 e beneficiam de uma pensão em relação à qual não contestam nem a data de início nem o montante inicialmente fixado. Também não questionam o montante da sua pensão em relação aos pagamentos efetuados no passado nem a períodos de emprego anteriores a 1 de janeiro de 1994.

42

Ora, tendo em conta as considerações recordadas, em substância, nos n.os 32 a 39 do presente acórdão, não há que interpretar o Protocolo n.o 33 e o artigo 12.o da Diretiva 2006/54 no sentido de que a limitação no tempo dos efeitos do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres prevista nestas disposições se deve aplicar a uma atualização anual das pensões de reforma, na medida em que esse mecanismo não tem como consequência pôr em causa direitos adquiridos ou pagamentos efetuados antes da data de referência prevista nas referidas disposições. Daqui resulta que, no caso em apreço, esta limitação não pode ser oposta aos recorrentes no processo principal no que respeita a uma atualização anual das pensões de reforma como a prevista na regulamentação nacional em causa no processo principal apenas para o ano de 2018.

43

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o Protocolo n.o 33 e o artigo 12.o da Diretiva 2006/54 devem ser interpretados no sentido de que a limitação no tempo dos efeitos do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres prevista nestas disposições não se aplica a uma regulamentação nacional que prevê uma atualização anual das pensões de reforma atribuídas ao abrigo de um regime profissional de segurança social, aplicável posteriormente à data referida nessas disposições.

Quanto à segunda questão

44

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 157.o TFUE e o artigo 5.o da Diretiva 2006/54 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê uma atualização anual degressiva do montante das pensões de reforma dos funcionários nacionais em função da importância desse montante, com exclusão total de atualização além de um determinado montante de pensão.

45

O artigo 5.o, alínea c), desta diretiva proíbe qualquer discriminação direta ou indireta em razão do sexo nos regimes profissionais de segurança social no que respeita ao cálculo das prestações.

46

Antes de mais, há que observar que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal não implica uma discriminação direta, uma vez que ela se aplica indistintamente aos trabalhadores masculinos e femininos.

47

Quanto à questão de saber se essa regulamentação implica uma discriminação indireta, tal como definida, para efeitos da referida diretiva, no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da mesma, resulta do pedido de decisão prejudicial que, nos termos do § 41.o, n.o 4, da PG 1965, conjugado com o § 711.o, n.o 1, da ASVG, os funcionários federais austríacos que recebam uma pensão de reforma mensal superior a um determinado montante são prejudicados em relação àqueles cuja pensão de reforma é menos elevada, uma vez que os primeiros não beneficiaram de um aumento do seu montante, ou só dele beneficiaram em pequena medida. Uma regulamentação deste tipo estabelece assim uma diferença de tratamento entre os funcionários federais austríacos segundo um critério aparentemente neutro, a saber, o montante da sua pensão.

48

Quanto à questão de saber se esta diferença de tratamento prejudica particularmente pessoas de um sexo relativamente a pessoas do outro sexo, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, com base nos elementos apresentados pelos recorrentes no processo principal e nas constatações feitas pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), não está excluído que estejam reunidas, de um ponto de vista estatístico, as condições que estabelecem uma discriminação indireta em razão do sexo. Especialmente, no que respeita a dois dos recorrentes no processo principal, não se contesta que muito mais homens do que mulheres sejam afetados pelo § 41.o, n.o 4, da PG 1965, conjugado com o § 711.o, n.o 1, última frase, da ASVG, na medida em que estão representados mais homens na categoria das pessoas que recebem pensões superiores à base máxima fixada nessa regulamentação.

49

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que a existência dessa particular desvantagem pode ser demonstrada, designadamente, se se provar que uma regulamentação nacional afeta negativamente uma proporção significativamente maior de pessoas de um dos sexos do que do outro [v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 49 e jurisprudência referida].

50

A apreciação dos factos constitutivos da presunção de discriminação indireta incumbe ao órgão jurisdicional nacional, em conformidade com o direito nacional e/ou as práticas nacionais que podem prever, especialmente, que a discriminação indireta pode ser demonstrada por quaisquer meios, incluindo através de dados estatísticos. Assim, incumbe ao órgão jurisdicional nacional apreciar em que medida os dados estatísticos que lhe foram apresentados são fiáveis e se podem ser tomados em consideração, isto é, nomeadamente, se esses dados não são expressão de fenómenos puramente fortuitos ou conjunturais e se são suficientemente significativos [Acórdão de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.os 50 e 51 e jurisprudência referida].

51

Se as estatísticas que o órgão jurisdicional de reenvio possa ter em conta demonstrarem efetivamente que a percentagem dos trabalhadores de um sexo é afetada pela regulamentação nacional em causa de maneira consideravelmente mais elevada do que a dos trabalhadores do outro sexo que são igualmente abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa regulamentação, há que considerar que essa situação revela uma discriminação indireta em razão do sexo, contrária ao artigo 5.o, alínea c), da Diretiva 2006/54, a menos que a referida regulamentação seja justificada por fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de dezembro de 2007, Voß, C‑300/06, EU:C:2007:757, n.o 42 e jurisprudência referida, bem como de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 54].

52

Nesse caso, caberia então a esse órgão jurisdicional examinar em que medida essa diferença de tratamento pode, não obstante, ser justificada por fatores alheios a qualquer discriminação em razão do sexo, como decorre do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/54.

53

A este respeito, importa recordar que é esse o caso, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, especialmente se os meios escolhidos responderem a um objetivo legítimo de política social, forem aptos para alcançar o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa e forem necessários para esse efeito, entendendo‑se que só podem ser considerados adequados para garantir o objetivo invocado se responderem verdadeiramente à intenção de o alcançar e se forem aplicados de maneira coerente e sistemática [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 2014, Leone, C‑173/13, EU:C:2014:2090, n.os 53 e 54 e jurisprudência referida, e de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 56].

54

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que, ao escolherem as medidas suscetíveis de realizar os objetivos da sua política social e de emprego, os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação [Acórdão de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 57 e jurisprudência referida].

55

Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora caiba em última análise ao juiz nacional, que tem competência exclusiva para apreciar a matéria de facto e para interpretar a legislação nacional, determinar se e em que medida a disposição legislativa em causa se justifica por esse fator objetivo, o Tribunal de Justiça, ao qual se pede que forneça àquele respostas úteis, é competente para dar indicações de modo que lhe permita decidir [v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 58].

56

No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a regulamentação nacional em causa no processo principal visa preservar o poder de compra dos beneficiários de pensões de reforma favorecendo, através de uma «compensação social», as pensões de reforma modestas relativamente às mais elevadas, evitar que surja uma diferença demasiado significativa entre essas pensões e assegurar o seu financiamento sustentável.

57

Segundo o Tribunal de Justiça, embora considerações de ordem orçamental não possam justificar uma discriminação em detrimento de um dos sexos, as finalidades que consistem em assegurar o financiamento sustentável das pensões de reforma e em reduzir a diferença entre os níveis de pensões financiadas pelo Estado podem ser consideradas constitutivas de objetivos legítimos de política social alheios a qualquer discriminação em razão do sexo [v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 61, e de 21 de janeiro de 2021, INSS, C‑843/19, EU:C:2021:55, n.o 38].

58

Daqui resulta que a regulamentação nacional em causa no processo principal prossegue objetivos legítimos de política social alheios a qualquer discriminação em razão do sexo.

59

Quanto à questão de saber se esta regulamentação nacional responde às exigências de proporcionalidade recordadas no n.o 53 do presente acórdão, nomeadamente no que respeita ao seu caráter adequado, resulta das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe que a mesma permite aumentar unicamente as pensões de reforma cujo montante é medianamente ou pouco elevado, garantindo simultaneamente que aquelas cujo montante é menos elevado o sejam numa medida superior à inflação, contribuindo assim para o financiamento sustentável dessas pensões e para reduzir as diferenças entre elas.

60

É certo que, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, uma indexação das pensões de reforma à taxa de inflação não altera, por si só, as disparidades de nível entre as várias pensões, e a diferença entre estas permanece inalterada de um ponto de vista matemático. Todavia, o aumento dos preços pesa mais sobre o nível de vida das pessoas que recebem pensões de reforma de montante pouco elevado. Além disso, a regulamentação nacional em causa no processo principal, ao incidir apenas sobre as prestações cujo montante exceda um determinado limite, tem por efeito aproximar estas últimas do nível das pensões mais modestas.

61

Quanto à questão de saber se esta regulamentação é aplicada de maneira coerente e sistemática, há que salientar, como resulta do pedido de decisão prejudicial e das observações escritas do Governo austríaco, que a mesma se aplica a todas as pensões de reforma dos funcionários, mas igualmente aos beneficiários de pensões de reforma concedidas ao abrigo tanto dos regimes profissionais de segurança social de empresas sujeitas à fiscalização do Estado como do regime de seguro de pensão legal previsto pela ASVG. A atualização anual das pensões em causa no processo principal aplica‑se, assim, a todos os beneficiários de pensões estatais, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

62

Tendo em conta a ampla margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros na escolha das medidas suscetíveis de realizar os objetivos da sua política social e do emprego, recordada no n.o 54 do presente acórdão, a coerência da aplicação da medida de atualização não pode ser posta em causa pelo simples facto de já estarem em vigor outros instrumentos de política social específicos, que visam alcançar o objetivo de apoio aos rendimentos modestos.

63

O mesmo se diga do facto de nem as pensões dos regimes profissionais de segurança social privados nem os salários dos funcionários no ativo terem sido objeto da mesma medida de atualização.

64

Com efeito, por um lado, quanto a esses regimes privados, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, os mesmos não dependem do Estado. Por outro lado, no que respeita aos funcionários no ativo, embora, por força do direito interno, a sua nomeação crie uma relação de emprego vitalícia e a sua pensão de reforma corresponda a uma remuneração devida pelo Estado pelos serviços prestados durante o período de serviço ativo, resulta igualmente do pedido de decisão prejudicial e das observações escritas do Governo austríaco que o regime de pensões dos funcionários foi objeto de diversas alterações nos últimos vinte anos, com vista a um alinhamento com o regime da ASVG. Especialmente, a atualização das suas pensões já não segue a evolução do salário dos funcionários no ativo, mas, em princípio, a evolução da taxa de inflação, como acontece com as pensões devidas ao abrigo deste último regime. Por outro lado, à luz dos objetivos prosseguidos pela regulamentação nacional em causa no processo principal, os funcionários aposentados e no ativo não se parecem encontrar numa situação comparável, uma vez que o objetivo, nomeadamente, de reduzir a diferença entre as pensões de reforma, a fim de evitar que se crie ao longo do tempo um fosso entre os níveis dessas pensões, exige que se estabeleça uma distinção entre a sua gestão e a gestão dos salários.

65

O facto de as pensões de reforma dos funcionários serem devidas, não por um organismo de segurança social ao qual pagaram as suas contribuições, mas diretamente pelo Estado também não parece determinante à luz do objetivo do financiamento das pensões de reforma e da redução da diferença entre estas prosseguido pelo legislador austríaco ao adotar a regulamentação nacional em causa no processo principal. Além disso, uma atualização das pensões não constitui uma prestação representativa da contrapartida das contribuições efetuadas (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2011, Brachner, C‑123/10, EU:C:2011:675, n.o 79).

66

Por conseguinte, esta regulamentação afigura‑se aplicada de maneira sistemática e coerente, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar a esse respeito.

67

A referida regulamentação também não parece ir além do necessário para alcançar os objetivos prosseguidos. É certo que os recorrentes no processo principal invocam uma desvalorização significativa do montante das suas pensões de reforma relativamente à hipótese de terem beneficiado anualmente desde a passagem à reforma, nos termos do direito nacional, de uma atualização igual à inflação. No entanto, há que salientar que a regulamentação nacional em causa no processo principal tem em conta as capacidades contributivas das pessoas em causa. Com efeito, as limitações do aumento das pensões previstas no § 711.o da ASVG, para o qual remete o § 41.o, n.o 4, da PG 1965, são escalonadas em função dos montantes das prestações concedidas e só relativamente às pensões mais elevadas é que esse aumento está excluído.

68

Nestas condições, não é necessário examinar se estas limitações são suscetíveis de ser justificadas à luz do artigo 157.o, n.o 4, TFUE ou do artigo 3.o da Diretiva 2006/54. Em todo o caso, há que recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, estas disposições não se podem aplicar a uma regulamentação nacional que se limita a conceder às mulheres um acréscimo de pensão, sem resolver os problemas que venham a ter ao longo da sua carreira profissional e que não parece que possa compensar as desvantagens a que as mulheres estão expostas, ajudando‑as na sua carreira, e, assim, assegurar, na prática, uma plena igualdade entre homens e mulheres na vida profissional [v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2019, Instituto Nacional de la Seguridad Social (Complemento de pensão para as mães), C‑450/18, EU:C:2019:1075, n.o 65 e jurisprudência referida].

69

Tendo em conta todos estes elementos, há que responder à segunda questão que o artigo 157.o TFUE e o artigo 5.o, alínea c), da Diretiva 2006/54 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê uma atualização anual degressiva do montante das pensões de reforma dos funcionários nacionais em função da importância desse montante, com exclusão total de atualização além de um determinado montante de pensão, na hipótese de essa regulamentação afetar negativamente uma proporção significativamente mais importante de beneficiários masculinos do que femininos, desde que a referida regulamentação prossiga, de maneira coerente e sistemática, os objetivos de assegurar o financiamento sustentável das pensões de reforma e de reduzir a diferença entre os níveis de pensões financiadas pelo Estado, sem ir além do necessário para alcançar esses objetivos.

Quanto às despesas

70

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O Protocolo (n.o 33) relativo ao artigo 157.o TFUE, anexo ao Tratado FUE, e o artigo 12.o da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional, devem ser interpretados no sentido de que a limitação no tempo dos efeitos do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres prevista nestas disposições não se aplica a uma regulamentação nacional que prevê uma atualização anual das pensões de reforma atribuídas ao abrigo de um regime profissional de segurança social, aplicável posteriormente à data referida nessas disposições.

 

2)

O artigo 157.o TFUE e o artigo 5.o, alínea c), da Diretiva 2006/54 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê uma atualização anual degressiva do montante das pensões de reforma dos funcionários nacionais em função da importância desse montante, com exclusão total de atualização além de um determinado montante de pensão, na hipótese de essa regulamentação afetar negativamente uma proporção significativamente mais importante de beneficiários masculinos do que femininos, desde que a referida regulamentação prossiga, de maneira coerente e sistemática, os objetivos de assegurar o financiamento sustentável das pensões de reforma e de reduzir a diferença entre os níveis de pensões financiadas pelo Estado, sem ir além do necessário para alcançar esses objetivos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.