ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de outubro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2000/78/CE — Estabelecimento de um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Proibição de discriminações baseadas na religião ou nas convicções — Regra interna de uma empresa privada que proíbe a manifestação de convicções religiosas, filosóficas ou políticas no local de trabalho — Proibição que abrange as palavras, o vestuário ou qualquer outro tipo de manifestação dessas convicções — Uso de vestuário com conotação religiosa»

No processo C‑344/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), por Decisão de 17 de julho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de julho de 2020, no processo

L.F.

contra

S.C.R.L.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, M. L. Arastey Sahún, MM. F. Biltgen (relator), N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação de L.F., por V. Van der Plancke, avocate,

em representação da S.C.R.L., por A. Kamp, avocate, e T. Perdieus, advocaat,

em representação do Governo belga, por C. Pochet, L. Van den Broeck e M. Van Regemorter, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e M. Van Hoof, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 28 de abril de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), e do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe L.F., demandante no processo principal, à S.C.R.L., demandada no processo principal, que é uma sociedade cooperativa de responsabilidade limitada cuja atividade principal consiste na locação e na exploração de habitações sociais, a respeito da não tomada em consideração da candidatura espontânea da demandante no processo principal a um estágio em razão da recusa desta última em respeitar a proibição feita pela S.C.R.L. aos seus trabalhadores de manifestarem, nomeadamente através do vestuário, as suas convicções religiosas, filosóficas ou políticas.

Quadro jurídico

Diretiva 2000/78

3

Os considerandos 1, 4, 11 e 12 da Diretiva 2000/78 enunciam:

«(1)

Nos termos do artigo 6.o [TUE], a União Europeia assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios estes que são comuns aos Estados‑Membros; a União respeita os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950,] e como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito [da União].

[…]

(4)

O direito das pessoas à igualdade perante a lei e à proteção contra a discriminação constitui um direito universal, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, pelos pactos internacionais das Nações Unidas sobre os direitos civis e políticos e sobre os direitos económicos, sociais e culturais, e pela Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais, de que todos os Estados‑Membros são signatários. A Convenção n.o 111 da Organização Internacional de Trabalho proíbe a discriminação em matéria de emprego e atividade profissional.

[…]

(11)

A discriminação baseada na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual pode comprometer a realização dos objetivos do Tratado [FUE], nomeadamente a promoção de um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e a livre circulação das pessoas.

(12)

Para o efeito, devem ser proibidas em toda a [União] quaisquer formas de discriminação direta ou indireta baseadas na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual, nos domínios abrangidos pela presente diretiva […]»

4

O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva prevê:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)

essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários […]

[…]

5.   A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

6

O artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe:

«Dentro dos limites das competências atribuídas à [União], a presente diretiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

[…]

c)

Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração;

[…]»

7

Nos termos do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78:

«Os Estados‑Membros podem introduzir ou manter disposições relativas à proteção do princípio da igualdade de tratamento mais favoráveis do que as estabelecidas na presente diretiva.»

Direito belga

8

A Lei de 10 de maio de 2007, Relativa à Luta Contra Certas Formas de Discriminação) (Moniteur belge de 30 de maio de 2007, p. 29016), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei Geral contra a Discriminação»), destina‑se a transpor a Diretiva 2000/78 para o direito belga.

9

O artigo 3.o desta lei dispõe:

«A presente lei tem por objetivo criar, nas matérias referidas no artigo 5.o, um quadro geral de luta contra a discriminação baseada na idade, na orientação sexual, no estado civil, no nascimento, na riqueza, nas convicções religiosas ou filosóficas, nas convicções políticas, nas convicções sindicais, na língua, no estado de saúde atual ou futuro, numa deficiência, numa característica física ou genética ou na origem social.»

10

O artigo 4.o da referida lei, que diz respeito às definições, enuncia:

«Para efeitos da aplicação da presente lei, deve entender‑se por:

[…]

4.o critérios protegidos: a idade, a orientação sexual, o estado civil, o nascimento, a riqueza, as convicções religiosas ou filosóficas, as convicções políticas, a língua, o estado de saúde atual ou futuro, uma deficiência, uma característica física ou genética, a origem social;

[…]

6.o distinção direta: situação que se verifica quando, com base num dos critérios protegidos, uma pessoa seja, tenha sido ou possa vir a ser tratada menos favoravelmente do que outra pessoa numa situação comparável;

7.o discriminação direta: distinção direta, baseada num dos critérios protegidos, que não pode ser justificada com base em disposições do título II;

[…]»

11

O artigo 5.o, n.o 1, da mesma lei prevê:

«Com exceção das matérias da competência das Comunidades ou das Regiões, a presente lei aplica‑se a todas as pessoas, tanto no setor público como no setor privado, incluindo os organismos públicos […]»

12

O artigo 7.o da Lei Geral contra a Discriminação enuncia:

«Qualquer distinção direta baseada num dos critérios protegidos constitui uma discriminação direta, a menos que essa distinção direta seja objetivamente justificada por um objetivo legítimo e que os meios para alcançar esse objetivo sejam adequados e necessários.»

13

O artigo 8.o, n.o 1, desta lei dispõe:

«Em derrogação do artigo 7.o, e sem prejuízo das demais disposições do presente título, a distinção direta baseada na idade, na orientação sexual, nas convicções religiosas ou filosóficas, ou numa deficiência nos domínios referidos no artigo 5.o, n.os 1, 4, 5 e 7, apenas pode ser justificada por exigências profissionais essenciais e determinantes.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

Em 14 de março de 2018, no contexto da sua formação profissional em burótica, a demandante no processo principal, de confissão muçulmana e que usa o lenço islâmico, apresentou uma candidatura espontânea à S.C.R.L. para nela efetuar um estágio não remunerado de seis semanas.

15

Em 22 de março de 2018, a demandante no processo principal foi recebida para uma entrevista responsáveis da S.C.R.L., no termo da qual estes últimos indicaram ter um parecer positivo quanto à sua candidatura e perguntaram‑lhe se podia aceitar cumprir a regra da neutralidade promovida na S.C.R.L.

16

Esta regra da neutralidade está inscrita no artigo 46.o do Regulamento de Trabalho da S.C.R.L., que prevê que «[o]s trabalhadores comprometem‑se a respeitar a política de estrita neutralidade vigente na empresa» e que esses trabalhadores «assegurarão, por conseguinte, não manifestar de nenhuma maneira, quer seja por palavras, quer através do seu vestuário, quer de nenhuma outra maneira, as suas convicções religiosas, filosóficas ou políticas, sejam elas quais forem».

17

A demandante no processo principal informou os responsáveis da S.C.R.L. de que se recusaria a retirar o seu lenço e cumprir a referida regra da neutralidade.

18

Não tendo sido dado seguimento à sua candidatura, a demandante no processo principal renovou, no mês de abril de 2018, o seu pedido de estágio na S.C.R.L., propondo cobrir a cabeça com outro tipo de adereço. Em resposta a este novo pedido, a S.C.R.L. informou‑a de que não podia propor‑lhe esse estágio, uma vez que não era autorizado nos seus locais o uso de nenhum adereço para cobrir a cabeça, quer fosse um boné, um gorro ou um lenço.

19

Em maio de 2019, após ter assinalado a discriminação ao organismo público independente competente para a luta contra a discriminação e após a troca de correspondência entre este organismo e a S.C.R.L., a demandante no processo principal intentou no órgão jurisdicional de reenvio uma ação inibitória. Com essa ação, queixa‑se da não celebração de um contrato de estágio, facto que considera baseado, direta ou indiretamente, nas convicções religiosas, e pretende obter a declaração da existência de uma violação por parte da S.C.R.L., nomeadamente das disposições da Lei Geral contra a Discriminação.

20

No órgão jurisdicional de reenvio, a S.C.R.L. alega, com base no Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203), que o seu Regulamento de Trabalho não gera uma discriminação direta, uma vez que trata de maneira idêntica todos os trabalhadores da empresa, impondo‑lhes, de maneira geral e indiferenciada, nomeadamente uma neutralidade em matéria de vestuário que se opõe ao uso de sinais visíveis das suas convicções religiosas, filosóficas ou políticas.

21

O órgão jurisdicional de reenvio, embora tenha conhecimento da existência dos Acórdãos de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203), bem como de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, EU:C:2017:204), considera que a interpretação do conceito de «discriminação direta» adotada pelo Tribunal de Justiça no primeiro destes acórdãos «é seriamente questionável». Entre as hesitações de que dá nota esse órgão jurisdicional figura a da apreciação da comparabilidade das situações que é da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Assim, há que distinguir devidamente entre, por um lado, o poder de interpretação da competência do Tribunal de Justiça e, por outro, a aplicação do direito aos factos concretos que é da competência exclusiva do órgão jurisdicional nacional em causa. No Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203), o Tribunal de Justiça baseou‑se na constatação de uma aplicação geral e indiferenciada da regra interna de proibição do uso visível de sinais políticos, filosóficos ou religiosos no local de trabalho, mas não excluiu que, com base em elementos de que não dispunha, a aplicação desta regra à interessada pudesse diferir da sua aplicação a qualquer outro trabalhador. Uma vez que o dispositivo deste acórdão não reproduz esta nuance significativa, coloca‑se a questão de saber se o juiz nacional ainda tem margem de apreciação ou se este último está privado da possibilidade de apreciar in concreto a comparabilidade das situações quando se trate de examinar o caráter discriminatório de uma regra interna de uma empresa privada que proíbe o uso visível de qualquer sinal político, filosófico ou religioso no local de trabalho.

22

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se ainda sobre a questão de saber se, nos Acórdãos de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2017:203), bem como de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, EU:C:2017:204), o Tribunal de Justiça pretendeu fazer das convicções religiosas, das convicções filosóficas e das convicções políticas um só critério protegido, pelo que não haverá que distinguir esses critérios entre si. Isso equivaleria a interpretar o artigo 1.o da Diretiva 2000/78 no sentido de que «a religião ou as convicções», na aceção deste artigo, são as duas facetas de um único critério protegido. Ora, se a religião devesse ser posta em pé de igualdade com as convicções que não são convicções religiosas, isso reduziria significativamente o âmbito de pesquisa da pessoa de referência para efeitos do exame de comparabilidade das situações no âmbito da apreciação da existência de uma discriminação direta. Com efeito, isso quereria dizer que, perante uma regra interna como a que está em causa no processo principal, o trabalhador que alegue ter convicções religiosas não pode ser comparado ao trabalhador com convicções filosóficas ou convicções políticas. Essa interrogação suscitaria outra, nomeadamente a de saber se uma legislação nacional que confere uma proteção separada às convicções religiosas, às convicções filosóficas e às convicções políticas e visa, assim, reforçar o grau dessa proteção através do destaque das especificidades de cada uma delas, bem como de uma maior visibilidade destas, pode ser considerada uma disposição nacional «relativa à proteção do princípio da igualdade de tratamento mais favorável do que a estabelecida na [Diretiva 2000/78]», na aceção do artigo 8.o, n.o 1, desta. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio menciona alguns critérios factuais que considera pertinentes para estabelecer se uma diferença de tratamento constitui uma discriminação direta.

23

Nestas condições, o tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 1.o da Diretiva [2000/78] ser interpretado no sentido de que a religião e as convicções são as duas faces de um mesmo critério protegido ou, pelo contrário, no sentido de que a religião e as convicções constituem critérios distintos, a saber, por um lado, o da religião, incluindo as convicções que lhe estão associadas e, por outro, o das convicções, sejam elas quais forem?

2)

No caso de o artigo 1.o da Diretiva [2000/78] dever ser interpretado no sentido de que a religião e as convicções são as duas faces de um mesmo critério protegido, isso opõe‑se a que, com base no artigo 8.o da mesma diretiva e para evitar uma redução do nível de proteção contra a discriminação, o juiz nacional continue a interpretar uma regra de direito interno como o artigo 4.o, n.o 4, da Lei [Geral Contra a Discriminação] no sentido de que as convicções religiosas, filosóficas e políticas constituem critérios protegidos distintos?

3)

Pode o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva [2000/78] ser interpretado no sentido de que a regra contida no regulamento de trabalho interno de uma empresa que proíbe os trabalhadores de “manifestar de qualquer forma, verbalmente, através do vestuário, ou de qualquer outra maneira, as suas convicções religiosas, filosóficas ou políticas, quaisquer que elas sejam”, constitui uma discriminação direta, quando a aplicação concreta dessa regra interna mostra que:

a)

a trabalhadora que pretenda exercer a sua liberdade de religião pelo uso visível de um sinal (com conotações), neste caso um lenço, é tratada de forma menos favorável do que outro trabalhador que não segue nenhuma religião, não expressa as suas convicções filosóficas e não segue nenhuma obediência política e que, por esse facto, não tem necessidade de usar nenhum sinal político, filosófico ou religioso?

b)

a trabalhadora que pretenda exercer a sua liberdade de religião pelo uso visível de um sinal (com conotações), neste caso um lenço, é tratada de forma menos favorável do que outro trabalhador que tem convicções filosóficas ou políticas, mas cuja necessidade de as manifestar publicamente pelo uso visível de um sinal (com conotações) é menor, ou até inexistente?

c)

a trabalhadora que pretenda exercer a sua liberdade de religião pelo uso visível de um sinal (com conotações), neste caso um lenço, é tratada de forma menos favorável do que outro trabalhador que segue outra religião, ou até a mesma, mas cuja necessidade de o manifestar publicamente mediante o uso de um sinal (com conotações) é menor, ou mesmo inexistente?

d)

partindo da constatação de que uma convicção não tem necessariamente caráter religioso, filosófico ou político e pode ser de outra ordem (artística, estética, desportiva, musical,...), a trabalhadora que pretenda exercer a sua liberdade de religião pelo uso visível de um sinal (com conotações), neste caso um lenço, é tratada de forma menos favorável do que outro trabalhador que tem convicções de índole não religiosa, filosófica ou política, e que as manifesta através do seu vestuário?

e)

partindo do princípio de que o aspeto negativo da liberdade de manifestar as suas convicções religiosas significa também que o indivíduo não pode ser obrigado a declarar a sua pertença ou as suas convicções religiosas, a trabalhadora que pretenda exercer a sua liberdade de religião pelo uso de um lenço, que, em si mesmo, não é um símbolo unívoco dessa religião, visto que outra trabalhadora poderia optar por usá‑lo por motivos estéticos, culturais ou mesmo por um motivo de saúde e que não se distingue forçosamente de uma simples bandana, é tratada de forma menos favorável do que outro trabalhador que manifesta verbalmente as suas convicções religiosas, filosóficas ou políticas, uma vez que, para a trabalhadora que usa o lenço, isso implica uma violação ainda mais grave da sua liberdade de religião com base no artigo 9.1. da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais] […], dado que, sob pena de se dar livre curso aos preconceitos, a carga ideológica de um lenço não é manifesta e só pode ser revelada, na maior parte das vezes, se a pessoa que o exibe for obrigada a revelar a sua motivação ao seu empregador?

f)

a trabalhadora que pretenda exercer a sua liberdade de religião pelo uso visível de um sinal (com conotações), neste caso um lenço, é tratada de forma menos favorável do que outro trabalhador com as mesmas convicções que opta por manifestá‑las usando barba, o que não é especificamente proibido pelo regulamento de trabalho interno, contrariamente às manifestações através do vestuário?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

24

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que os termos «a religião ou as convicções» que aí figuram constituem um só e único motivo de discriminação ou se, inversamente, estes termos visam motivos de discriminação distintos.

25

Para responder a esta questão, importa salientar que o artigo 1.o da Diretiva 2000/78 cita no mesmo plano de igualdade «a religião» e «as convicções», à semelhança da redação de diversas disposições do direito primário da União, a saber, o artigo 19.o TFUE, nos termos do qual o legislador da União pode tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão, nomeadamente, da «religião ou crença», e o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), que refere, entre os diversos motivos de discriminação que cita, a «religião ou convicções» (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 47).

26

O Tribunal de Justiça concluiu daí que, para efeitos da aplicação da Diretiva 2000/78, os termos «religião» e «convicções» devem ser analisados como as duas faces «de um mesmo e único motivo de discriminação» (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 47).

27

Segundo esta jurisprudência, como resulta do artigo 21.o da Carta, o motivo de discriminação em razão da «religião ou das convicções» deve ser distinguido do motivo relativo às «opiniões políticas ou outras» e abrange, portanto, tanto as convicções religiosas como as convicções filosóficas ou espirituais (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 47).

28

Quanto à expressão «sejam elas quais forem» empregue no que respeita às convicções evocadas no regulamento de trabalho em causa no processo principal, basta observar que a proteção contra a discriminação garantida na Diretiva 2000/78 abrange apenas os motivos mencionados exaustivamente no artigo 1.o desta diretiva, pelo que esta não abrange as convicções políticas ou sindicais nem as convicções ou preferências artísticas, desportivas, estéticas ou outras. Por conseguinte, as disposições da referida diretiva não regulam a proteção destas convicções pelos Estados‑Membros.

29

Atendendo a estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que os termos «a religião ou as convicções» que aí figuram constituem um só e único motivo de discriminação que abrange tanto as convicções religiosas como as convicções filosóficas ou espirituais.

Quanto à terceira questão

30

Com a sua terceira questão, que importa examinar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma disposição de um regulamento de trabalho de uma empresa que proíbe os trabalhadores de manifestarem verbalmente, através do vestuário ou de qualquer outra maneira, as suas convicções religiosas, filosóficas ou políticas, sejam elas quais forem, constitui, relativamente aos trabalhadores que pretendem exercer a sua liberdade de religião ou de consciência pelo uso visível de um sinal ou de vestuário com conotações religiosas, uma discriminação direta «baseada na religião ou nas convicções», na aceção desta diretiva.

31

Para responder a esta questão, importa recordar que é verdade que o Tribunal de Justiça considerou que uma regra interna de uma empresa que proíbe apenas o uso de sinais ostentatórios de grande dimensão de convicções nomeadamente religiosas ou filosóficas pode constituir uma discriminação direta, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, nos casos em que esse critério está indissociavelmente ligado a uma ou a várias religiões ou determinadas convicções (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.os 72 e 73).

32

Todavia, no caso em apreço, a questão submetida ao Tribunal de Justiça prende‑se com uma regra que proíbe, não o uso de sinais ostentatórios de grande dimensão, mas o uso de qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho.

33

Ora, o Tribunal de Justiça também declarou reiteradamente que o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que uma regra interna de uma empresa privada que proíbe o uso de qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho não é constitutiva de uma discriminação direta «em razão da religião ou das convicções», na aceção dessa disposição, uma vez que a mesma se refere indistintamente a qualquer manifestação dessas convicções e trata de maneira idêntica todos os trabalhadores da empresa, impondo‑lhes, de maneira geral e indiferenciada, designadamente, uma neutralidade indumentária que se opõe ao uso desses sinais (Acórdãos de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions,C‑157/15, EU:C:2017:203, n.os 30 e 32, e de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 52).

34

A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que, uma vez que cada pessoa pode ter quer uma religião quer convicções religiosas, filosóficas ou espirituais, essa regra, desde que seja aplicada de maneira geral e indiferenciada, não instaura uma diferença de tratamento baseada num critério indissociavelmente ligado à religião ou a essas convicções (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 52).

35

Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça teve o cuidado de recordar que o direito à liberdade de consciência e de religião, consagrado no artigo 10.o, n.o 1, da Carta, e que é parte integrante do contexto pertinente para interpretar a Diretiva 2000/78, corresponde ao direito garantido no artigo 9.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e que, por força do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, tem o mesmo sentido e o mesmo âmbito que aquele (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 48). Ora, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, previsto no artigo 9.o da CEDH, «representa um dos fundamentos de uma “sociedade democrática” na aceção [da referida] Convenção» e constitui, «na sua dimensão religiosa, um dos elementos mais vitais que contribuem para formar a identidade dos crentes e a sua conceção da vida», bem como «um bem precioso para os ateus, agnósticos, céticos ou indiferentes», contribuindo para o «pluralismo – conquistado a custo ao longo dos séculos – consubstancial a tal sociedade» (TEDH, 15 de fevereiro de 2001, Dahlab c. Suíça, CE:ECHR:2001:0215DEC004239398).

36

Importa, a este respeito, acrescentar que resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que não se alega que a S.C.R.L. não aplicou o regulamento de trabalho em causa no processo principal de maneira geral e indiferenciada ou que a demandante no processo principal tenha sido tratada diferentemente de qualquer outro trabalhador que tenha manifestado a sua religião ou as suas convicções religiosas ou filosóficas pelo uso visível de sinais, de vestuário ou de qualquer outra forma.

37

Resulta igualmente da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma regra interna como a que está em causa no processo principal pode constituir uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, quando se demonstre, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que a obrigação aparentemente neutra que essa regra contém conduz, de facto, a uma desvantagem específica para as pessoas que professam uma religião ou determinadas convicções (Acórdãos de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 34, e de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 59).

38

Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78, essa diferença de tratamento não constitui todavia uma discriminação indireta, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva, se for objetivamente justificada por um objetivo legítimo e se os meios para alcançar esse objetivo forem adequados e necessários.

39

Quanto à condição relativa à existência de um objetivo legítimo, a vontade de uma entidade patronal de exibir, nas relações com os clientes quer públicos quer privados, uma política de neutralidade política, filosófica ou religiosa pode ser considerada legítima. Com efeito, a vontade de um empregador de exibir uma imagem de neutralidade em relação aos clientes diz respeito à liberdade de empresa, reconhecida no artigo 16.o da Carta, e reveste, em princípio, caráter legítimo, designadamente quando a entidade patronal envolve na prossecução desse objetivo apenas os trabalhadores que é suposto entrarem em contacto com os clientes da entidade patronal (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 63).

40

Todavia, o Tribunal de Justiça precisou igualmente que a simples vontade de uma entidade patronal de prosseguir uma política de neutralidade, embora constituindo, em si, um objetivo legítimo, não basta, enquanto tal, para justificar objetivamente uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções, uma vez que o caráter objetivo dessa justificação só pode ser identificado perante uma verdadeira necessidade dessa entidade patronal, que lhe incumbe demonstrar (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 64).

41

Esta interpretação inspira‑se na preocupação de encorajar, por princípio, a tolerância e o respeito, bem como a aceitação de um maior grau de diversidade, e de evitar um desvio ao estabelecimento de uma política de neutralidade na empresa em detrimento de trabalhadores que observam preceitos religiosos que impõem o uso de um certo vestuário.

42

Tendo em conta o exposto, há que responder à terceira questão que o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma disposição de um regulamento de trabalho de uma empresa que proíbe os trabalhadores de manifestarem verbalmente, através do vestuário ou de qualquer outra maneira, as suas convicções religiosas ou filosóficas, sejam elas quais forem, não constitui, relativamente aos trabalhadores que pretendem exercer a sua liberdade de religião e de consciência pelo uso visível de um sinal ou de vestuário com conotações religiosas, uma discriminação direta «baseada na religião ou nas convicções», na aceção desta diretiva, desde que esta disposição seja aplicada de maneira geral e indiferenciada.

Quanto à segunda questão

43

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que disposições nacionais destinadas a assegurar a transposição desta diretiva para o direito nacional, que são interpretadas no sentido de as convicções religiosas, filosóficas e políticas constituírem três motivos de discriminação distintos, possam ser tidas em conta como «disposições relativas à proteção do princípio da igualdade de tratamento mais favoráveis do que as estabelecidas [nesta diretiva]», na aceção do artigo 8.o, n.o 1, desta.

44

Para responder a esta questão importa, por um lado, recordar que, como resulta do n.o 28 do presente acórdão, a proteção contra a discriminação garantida na Diretiva 2000/78 abrange apenas os motivos exaustivamente mencionados no artigo 1.o desta diretiva, pelo que a diretiva não abrange as convicções políticas visadas pela referida questão.

45

Por outro lado, como resulta da resposta dada à primeira questão, os termos «a religião ou as convicções» que figuram no artigo 1.o da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que constituem um só e único motivo de discriminação que abrange tanto as convicções religiosas como as convicções filosóficas ou espirituais.

46

Feita esta clarificação, resulta do pedido de decisão prejudicial que a segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio visa, em substância, clarificar a margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem para adotar ou manter disposições mais favoráveis à proteção do princípio da igualdade de tratamento do que as previstas na Diretiva 2000/78, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva.

47

No que respeita à interpretação do artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva, o Tribunal de Justiça declarou que as disposições nacionais constitucionais que protegem a liberdade de religião podem ser tomadas em conta enquanto disposições mais favoráveis na aceção desta disposição, no âmbito do exame da adequação de uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 90).

48

Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça recordou que a Diretiva 2000/78 estabelece um quadro geral a favor da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho, que deixa uma margem de apreciação aos Estados‑Membros, em especial no que respeita à conciliação dos diferentes direitos e interesses em questão, tendo em conta a diversidade das suas abordagens quanto à importância que atribuem internamente à religião ou às convicções. A margem de apreciação assim reconhecida aos Estados‑Membros, na falta de consenso a nível da União, deve, no entanto, ser acompanhada de fiscalização, que incumbe ao juiz da União e que consiste, designadamente, em averiguar se as medidas tomadas a nível nacional se justificam no seu princípio e se são proporcionadas (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 86 e jurisprudência referida).

49

O Tribunal de Justiça acrescentou que o quadro assim criado revela que, na Diretiva 2000/78, o legislador da União não procedeu ele mesmo à conciliação necessária entre a liberdade de pensamento, de convicção e de religião e os objetivos legítimos que podem ser invocados como justificação de uma desigualdade de tratamento, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), desta diretiva, mas deixou o cuidado de proceder a essa conciliação aos Estados‑Membros e aos seus órgãos jurisdicionais (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 87 e jurisprudência referida).

50

O Tribunal de Justiça concluiu que a Diretiva 2000/78 permite ter em conta o contexto próprio de cada Estado‑Membro e reconhecer a cada um deles uma margem de apreciação no âmbito da conciliação necessária dos diferentes direitos e interesses em questão, a fim de assegurar um justo equilíbrio entre estes últimos (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 88).

51

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, no âmbito da apreciação do caráter necessário de uma proibição semelhante à que está em causa no processo principal, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, atendendo a todos os elementos dos autos em questão, ter em conta os interesses presentes e limitar as restrições «às liberdades em causa ao estritamente necessário» (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 83 e jurisprudência referida).

52

Resulta, assim, desta jurisprudência que o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional conceda, no âmbito da ponderação dos interesses divergentes, uma maior importância aos da religião ou das convicções do que aos que resultam, nomeadamente, da liberdade de empresa, desde que tal decorra do seu direito interno. Nesse caso, pode ser conferida à liberdade de consciência e de religião uma proteção maior do que outras liberdades, como a liberdade de empresa reconhecida no artigo 16.o da Carta, uma vez que essa proteção produz efeitos na fase da apreciação da existência da justificação de uma discriminação indireta, na aceção da jurisprudência mencionada no n.o 39 do presente acórdão.

53

Não se pode deixar de observar que não é esse o caso das disposições nacionais examinadas no presente processo. Com efeito, segundo as explicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, estas disposições têm por efeito tratar a «religião» e as «convicções» como motivos de discriminação distintos.

54

Ora, a margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros não pode ir ao ponto de permitir a estes ou aos órgãos jurisdicionais nacionais cindir em vários motivos um dos motivos de discriminação enumerados exaustivamente no artigo 1.o da Diretiva 2000/78, sob pena de pôr em causa o teor, o contexto e a finalidade desse motivo e de comprometer o efeito útil do quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional instituído por esta diretiva.

55

Com efeito, uma vez que o motivo de discriminação constituído pela «religião ou convicções» abrange todos os trabalhadores da mesma maneira, uma abordagem segmentada deste motivo, segundo o objetivo prosseguido pela regra em causa, teria por consequência criar subgrupos de trabalhadores, violando assim o quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional instituído pela Diretiva 2000/78.

56

Esta interpretação não é posta em causa pelo argumento de que poderia, sendo caso disso, conduzir a uma redução do nível de proteção contra a discriminação baseada na religião ou nas convicções religiosas, uma vez que, num caso como o que está em causa no processo principal, nada parece opor‑se a que os órgãos jurisdicionais nacionais interpretem as disposições nacionais em causa de modo a que, no âmbito da ponderação dos interesses divergentes entre um trabalhador e a sua entidade patronal, as convicções filosóficas ou espirituais beneficiem do mesmo nível de proteção que a religião ou as convicções religiosas.

57

Por último, no que respeita mais especificamente à argumentação exposta pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual a existência de um critério único, que englobe as convicções religiosas e filosóficas, teria por efeito reduzir o nível de proteção contra as discriminações diretas baseadas nesses motivos, na medida em que obstaria a comparações entre trabalhadores respetivamente com convicções religiosas e com convicções filosóficas, há que precisar o seguinte.

58

Por um lado, como esse órgão jurisdicional salientou, a problemática dessa comparabilidade só é pertinente para efeitos da apreciação da existência de uma discriminação direta. Ora, a verificação de uma discriminação direta está excluída em circunstâncias como as do processo principal, como foi recordado no n.o 33 do presente acórdão.

59

Por outro lado, e em qualquer hipótese, o Tribunal de Justiça teve oportunidade de especificar que proibição da discriminação prevista na Diretiva 2000/78 não se limita às diferenças de tratamento existentes entre pessoas que professam uma religião ou determinadas convicções e as que não professam uma religião ou determinadas convicções (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 49). Por outras palavras, a existência de um critério único, que englobe a religião e as convicções, não obsta a comparações entre os trabalhadores animados por convicções religiosas e os animados por outras convicções, nem ainda a comparações entre trabalhadores animados por convicções religiosas diferentes.

60

O objetivo prosseguido pela Diretiva 2000/78 milita, além disso, a favor de uma interpretação do artigo 2.o, n.os 1 e 2, desta diretiva no sentido de que a mesma não limita o círculo de pessoas em relação às quais pode ser feita uma comparação para identificar uma «discriminação baseada na religião ou nas convicções», na aceção da referida diretiva, com as que não professam uma certa religião ou determinadas convicções (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 50).

61

Assim, a Diretiva 2000/78 tem por objeto, no que diz respeito ao emprego e à atividade profissional, lutar contra todas as formas de discriminação baseadas na religião ou nas convicções (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Szpital Kliniczny im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie, C‑16/19, EU:C:2021:64, n.o 34), entendendo‑se que uma discriminação «baseada» na religião ou nas convicções na aceção desta diretiva só pode ser declarada quando o tratamento menos favorável ou a desvantagem particular em questão é suportado em função da religião ou das convicções (Acórdão de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel, C‑804/18 e C‑341/19, EU:C:2021:594, n.o 49).

62

Atendendo ao exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 1.o da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que disposições nacionais que asseguram a transposição desta diretiva para o direito nacional, que são interpretadas no sentido de as convicções religiosas e as convicções filosóficas constituírem dois motivos de discriminação distintos, possam ser tidas em conta como «disposições relativas à proteção do princípio da igualdade de tratamento mais favoráveis do que as estabelecidas [nesta diretiva]», na aceção do artigo 8.o, n.o 1, desta.

Quanto às despesas

63

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que os termos «a religião ou as convicções» que aí figuram constituem um só e único motivo de discriminação que abrange tanto as convicções religiosas como as convicções filosóficas ou espirituais.

 

2)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma disposição de um regulamento de trabalho de uma empresa que proíbe os trabalhadores de manifestarem verbalmente, através do vestuário ou de qualquer outra maneira, as suas convicções religiosas ou filosóficas, sejam elas quais forem, não constitui, relativamente aos trabalhadores que pretendem exercer a sua liberdade de religião e de consciência pelo uso visível de um sinal ou de vestuário com conotações religiosas, uma discriminação direta «baseada na religião ou nas convicções», na aceção desta diretiva, desde que esta disposição seja aplicada de maneira geral e indiferenciada.

 

3)

O artigo 1.o da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que disposições nacionais que asseguram a transposição desta diretiva para o direito nacional, que são interpretadas no sentido de que as convicções religiosas e as convicções filosóficas constituem dois motivos de discriminação distintos, possam ser tidas em conta como «disposições relativas à proteção do princípio da igualdade de tratamento mais favoráveis do que as estabelecidas [nesta diretiva]», na aceção do artigo 8.o, n.o 1, desta.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.