ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

24 de fevereiro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Mercado interno do gás natural — Diretiva 2009/73/CE — Artigo 2.o, ponto 3 — Conceito de “transporte” — Artigo 23.o — Competências de decisão no que diz respeito à ligação de instalações de armazenamento, instalações de regaseificação de gás natural liquefeito e de clientes industriais à rede de transporte — Artigo 32.o, n.o 1 — Acesso de terceiros à rede — Possibilidade de ligação direta dos clientes finais à rede de transporte do gás natural»

No processo C‑290/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional, Letónia), por Decisão de 11 de junho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de junho de 2020, no processo

«Latvijas Gāze» AS,

sendo intervenientes:

Latvijas Republikas Saeima,

Sabiedrisko pakalpojumu regulēšanas komisija,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Passer (relator), F. Biltgen, L.S. Rossi e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação da «Latvijas Gāze» AS, por L. Liepa, advokāts,

em representação da Sabiedrisko pakalpojumu regulēšanas komisija, inicialmente, por R. Irklis, e, posteriormente, por I. Birziņš,

em representação do Governo letão, inicialmente, por K. Pommere e V. Soņeca, e, posteriormente, por K. Pommere, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por O. Beynet e A. Sauka, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, ponto 3, do artigo 23.o e do artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso de constitucionalidade interposto pela «Latvijas Gāze» AS de uma decisão da Sabiedrisko pakalpojumu regulēšanas komisija (Comissão Reguladora dos Serviços Públicos, Letónia) (a seguir «entidade reguladora»), segundo a qual qualquer utilizador de gás natural se pode ligar à rede de transporte de gás natural, sem a intermediação do operador da rede de distribuição.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2009/73/CE

3

Os considerandos 3, 4, 8, 14, 16, 23 a 26 e 61 da Diretiva 2009/73/CE têm a seguinte redação:

«3)

As liberdades que o Tratado garante aos cidadãos da União, nomeadamente a liberdade de circulação de mercadorias e a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços pressupõem um mercado plenamente aberto que permita a todos os consumidores a livre escolha de comercializadores e a todos os comercializadores o livre abastecimento dos seus clientes.

4)

Contudo, presentemente, existem obstáculos à venda de gás em igualdade de condições, sem discriminação ou desvantagem, em toda a Comunidade. Concretamente, não existe ainda um acesso não discriminatório à rede nem uma supervisão reguladora de eficácia equivalente em todos os Estados‑Membros.

[…]

8)

A separação efetiva só poderá ser assegurada mediante a supressão do incentivo que se apresenta às empresas verticalmente integradas para discriminarem os concorrentes no acesso às redes e no investimento. A separação da propriedade, que implica a nomeação do proprietário da rede como operador da rede e a sua independência em relação a quaisquer interesses de comercialização e de produção, é claramente uma forma eficaz e estável de resolver o inerente conflito de interesses e garantir a segurança do abastecimento. Por este motivo, o Parlamento Europeu, na sua resolução de 10 de julho de 2007 sobre as perspetivas do mercado interno do gás e da eletricidade [(JO 2008, C 175 E, p. 206)], considerou que a separação da propriedade a nível do transporte constitui o meio mais eficaz de promover o investimento nas infraestruturas de forma não discriminatória, um acesso equitativo à rede por parte dos novos operadores, bem como a transparência do mercado […].

[…]

14)

Se, em 3 de setembro de 2009, uma empresa proprietária de uma rede de transporte fizer parte de uma empresa verticalmente integrada, deverá ser facultada aos Estados‑Membros a escolha entre separar a propriedade e criar um operador de rede ou de transporte independente de interesses de comercialização e produção.

[…]

16)

A eficácia total das soluções do operador independente de rede ou de operador independente de transporte deverá ser assegurada mediante regras adicionais específicas. As regras relativas ao operador independente de rede de transporte fornecem um quadro regulamentar adequado para garantir uma concorrência leal, investimentos suficientes, o acesso de novos operadores e a integração dos mercados do gás natural. A separação efetiva através das disposições relativas ao operador independente de rede de transporte deverá basear‑se num pilar de medidas de organização e medidas relativas à governação dos operadores de redes de transporte, e num pilar de medidas relativas aos investimentos, à ligação à rede de novas capacidades de produção e à integração dos mercados mediante a cooperação regional. A independência do operador de transporte deverá ser também assegurada, nomeadamente, através de vários períodos de “incompatibilidade”, durante os quais nenhuma atividade de gestão ou outra atividade relevante que permita o acesso à mesma informação que poderia ter sido obtida numa posição de chefia será exercida na empresa verticalmente integrada. O modelo da separação efetiva através do operador independente de transporte corresponde às exigências fixadas pelo Conselho Europeu, na sua reunião de 8 e 9 de março de 2007.

[…]

23)

É necessário tomar novas medidas a fim de assegurar tarifas transparentes e não discriminatórias de acesso às redes. Essas tarifas deverão ser aplicáveis a todos os utilizadores de forma não discriminatória. Quando a instalação de armazenamento, o armazenamento na rede ou os serviços auxiliares funcionarem num mercado suficientemente competitivo, poderá permitir‑se o acesso com base em mecanismos assentes no mercado, transparentes e não discriminatórios.

24)

Importa assegurar a independência dos operadores das redes de armazenamento, a fim de melhorar o acesso de terceiros a instalações de armazenamento que são técnica ou economicamente necessárias para proporcionar um acesso eficaz à rede para o abastecimento dos clientes. […]

25)

O acesso não discriminatório à rede de distribuição determina o acesso a jusante aos clientes de retalho. […] Para efeitos de igualdade de condições de concorrência ao nível retalhista, os operadores das redes de distribuição deverão, pois, ser monitorizados para não poderem aproveitar a sua integração vertical no que respeita à posição concorrencial que detêm no mercado, sobretudo em relação a clientes domésticos e a pequenos clientes não domésticos.

26)

Os Estados‑Membros deverão tomar medidas concretas que contribuam para uma utilização acrescida do biogás e do gás proveniente da biomassa, cujos produtores deverão beneficiar de um acesso não discriminatório à rede de gás, desde que esse acesso seja permanentemente compatível com a regulamentação técnica e as normas de segurança relevantes.

[…]

61)

Ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 715/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso às redes de transporte de gás natural [e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1775/2005 (JO 2009, L 211, p. 36)], a Comissão [Europeia] pode aprovar orientações para alcançar o grau de harmonização necessário. Tais orientações, que são, por conseguinte, medidas de execução vinculativas, constituem também, relativamente a certas disposições da presente diretiva, um instrumento útil e, se necessário, rapidamente adaptável.»

4

Nos termos do artigo 2.o desta diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1.

“Empresa de gás natural”, uma pessoa singular ou coletiva que desempenhe, pelo menos, uma das seguintes funções: produção, transporte, distribuição, fornecimento, compra ou armazenamento de gás natural, incluindo [gás natural liquefeito (GNL)], e que seja responsável pelas atividades comerciais, técnicas e/ou de manutenção ligadas a essas funções, com exclusão porém dos clientes finais;

[…]

3.

“Transporte”, o transporte de gás natural através de uma rede essencialmente constituída por gasodutos de alta pressão, que não seja uma rede de gasodutos a montante nem uma parte dos gasodutos de alta pressão utilizados principalmente na distribuição local de gás natural, para efeitos do seu fornecimento a clientes, mas não incluindo o fornecimento;

[…]

5.

“Distribuição”, o transporte de gás natural através de redes locais ou regionais de gasodutos para entrega ao cliente, mas não incluindo a comercialização;

[…]

7.

“Comercialização”, a venda, incluindo a revenda, de gás natural, incluindo GNL, a clientes;

[…]

9.

“Instalação de armazenamento”, uma instalação utilizada para o armazenamento de gás natural, pertencente e/ou explorada por uma empresa de gás natural, incluindo a parte das instalações de GNL utilizada para o armazenamento, mas excluindo as instalações exclusivamente reservadas aos operadores das redes de transporte no exercício das suas funções;

[…]

11.

“Instalação de GNL”, um terminal utilizado para a liquefação de gás natural ou para a importação, descarga e regaseificação de GNL, incluindo os serviços auxiliares e as instalações de armazenamento temporário necessários para o processo de regaseificação e subsequente entrega à rede de transporte, mas excluindo as partes dos terminais de GNL utilizadas para o armazenamento;

[…]

24.

“Cliente”, o cliente grossista ou o cliente final de gás natural ou uma empresa de gás natural que compra gás natural;

25.

“Cliente doméstico”, o cliente que compra gás natural para consumo doméstico próprio;

26.

“Cliente não doméstico”, o cliente que compra gás natural não destinado ao consumo doméstico próprio;

27.

“Cliente final”, o cliente que compra gás natural para consumo próprio;

[…]»

5

O artigo 8.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Normas técnicas», dispõe:

«As entidades reguladoras, quando os Estados‑Membros tiverem disposto nesse sentido, ou os Estados‑Membros devem assegurar que sejam definidos critérios técnicos de segurança e elaboradas e publicadas normas técnicas que estabeleçam os requisitos mínimos de conceção e funcionamento em matéria de ligação à rede de instalações de GNL, instalações de armazenamento, outras redes de transporte ou distribuição e condutas diretas. Essas normas técnicas devem garantir a interoperabilidade das redes e ser objetivas e não discriminatórias. A Agência pode formular recomendações adequadas no sentido de assegurar a compatibilidade dessas normas. […]»

6

O artigo 9.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Separação entre as redes de transporte e os operadores das redes de transporte», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que, a partir de 3 de março de 2012:

a)

Cada empresa proprietária de uma rede de transporte atue como operador da rede de transporte;

b)

A mesma pessoa ou as mesmas pessoas não sejam autorizadas:

i)

a, direta ou indiretamente, exercer controlo sobre uma empresa que exerça qualquer das atividades de produção ou comercialização nem a, direta ou indiretamente, exercer controlo ou exercer direitos sobre um operador de rede de transporte ou uma rede de transporte, ou,

ii)

a, direta ou indiretamente, exercer controlo sobre um operador de rede de transporte ou uma rede de transporte nem a, direta ou indiretamente, exercer controlo ou exercer direitos sobre uma empresa que exerça qualquer das atividades de produção ou comercialização;

c)

A mesma pessoa ou as mesmas pessoas não sejam autorizadas a designar membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização ou dos órgãos que representam legalmente a empresa, de um operador de rede de transporte ou de uma rede de transporte, nem a, direta ou indiretamente, exercer controlo ou exercer direitos sobre uma empresa que exerça qualquer das atividades de produção ou comercialização; e

d)

A mesma pessoa não seja autorizada a ser membro do órgão de administração ou do órgão de fiscalização ou dos órgãos que representam legalmente a empresa, simultaneamente de uma empresa que exerça uma das atividades de produção ou comercialização e de um operador de rede de transporte ou de uma rede de transporte.

[…]

8.   Se, em 3 de setembro de 2009, a rede de transporte pertencer a uma empresa verticalmente integrada, um Estado‑Membro pode decidir não aplicar o disposto no n.o 1.

Nesse caso, o Estado‑Membro em causa deve:

a)

Designar um operador de rede independente nos termos do artigo 14.o, ou

b)

Cumprir o disposto no capítulo IV.

9.   Se, em 3 de setembro de 2009, a rede de transporte pertencer a uma empresa verticalmente integrada e existirem disposições que garantam uma maior independência efetiva do operador da rede de transporte do que as previstas no capítulo IV, o Estado‑Membro pode decidir não aplicar o disposto no n.o 1.

[…]»

7

Nos termos do artigo 23.o da Diretiva 2009/73, sob a epígrafe «Competências de decisão no que diz respeito à ligação de instalações de armazenamento, instalações de regaseificação de GNL e clientes industriais à rede de transporte»:

«1.   Os operadores da rede de transporte são obrigados a elaborar e publicar procedimentos transparentes e eficientes e tarifas para a ligação não discriminatória de instalações de armazenamento, de instalações de regaseificação de GNL e de clientes industriais à rede de transporte. Os procedimentos devem ser submetidos à aprovação da entidade reguladora.

2.   Os operadores das redes de transporte não têm o direito de recusar a ligação de uma nova instalação de armazenamento, de uma instalação de regaseificação de GNL e de clientes industriais alegando uma eventual limitação futura da capacidade disponível da rede ou custos adicionais relacionados com o necessário aumento da capacidade da rede. O operador da rede de transporte é obrigado a garantir uma capacidade suficiente de entrada e de saída para a nova ligação.»

8

O artigo 32.o desta diretiva, sob a epígrafe «Acesso de terceiros», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem garantir a aplicação de um sistema de acesso de terceiros às redes de transporte e distribuição e às instalações de GNL baseado em tarifas publicadas, aplicáveis a todos os clientes elegíveis, incluindo as empresas de comercialização, e aplicadas objetivamente e sem discriminação aos utilizadores da rede. Os Estados‑Membros devem assegurar que essas tarifas, ou as metodologias em que se baseia o respetivo cálculo, sejam aprovadas em conformidade com o artigo 41.o pela entidade reguladora a que se refere o n.o 1 do artigo 39.o antes de entrarem em vigor, e que essas tarifas — e as metodologias, no caso de apenas serem aprovadas metodologias — sejam publicadas antes de entrarem em vigor.»

9

O artigo 41.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Obrigações e competências das entidades reguladoras», dispõe, no seu n.o 1:

«As entidades reguladoras têm as seguintes obrigações:

[…]

m)

Monitorizar o tempo que os operadores de transporte e distribuição demoram a executar as ligações e reparações;

[…]»

Regulamento n.o 715/2009

10

Nos termos do artigo 1.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 715/2009, conforme alterado pela Decisão 2010/685/UE da Comissão, de 10 de novembro de 2010 (JO 2010, L 293, p. 67) (a seguir «Regulamento n.o 715/2009»), este último visa, nomeadamente, criar regras não discriminatórias para as condições de acesso às redes de transporte de gás natural, tendo em conta as características particulares dos mercados nacionais e regionais, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno do gás.

11

Em conformidade com o artigo 23.o, n.o 2, deste regulamento, as orientações relativas, nomeadamente, à definição das informações técnicas necessárias aos utilizadores para obterem acesso efetivo à rede e sobre a definição de todos os pontos relevantes em termos de requisitos de transparência, incluindo a informação a publicar em todos os pontos relevantes e o calendário de publicação, são enunciadas no anexo I do referido regulamento em relação aos operadores das redes de transporte.

12

O ponto 3.2. do anexo I do referido regulamento, intitulado «Definição de todos os pontos relevantes em termos de requisitos de transparência», tem a seguinte redação:

«1.

Os pontos relevantes devem incluir, no mínimo:

a)

Todos os pontos de entrada e de saída de uma rede de transporte explorada por um operador de rede de transporte, com exceção dos pontos de saída ligados a um só cliente final e com exceção dos pontos de entrada ligados a uma instalação de produção de um só produtor, que esteja situada na [União Europeia];

[…]

2.

As informações destinadas a clientes finais únicos e instalações de produção, excluídas da definição dos pontos relevantes no ponto 3.2.1, alínea a), devem ser publicadas de modo agregado, pelo menos por zona de compensação. A agregação de clientes finais únicos e de instalações de produção, excluídas da definição dos pontos relevantes no ponto 3.2.1, alínea a), deve, para efeitos da aplicação do presente anexo, ser considerada um mesmo ponto relevante.»

Direito letão

13

O artigo 84.1, n.o 1, da enerģētikas likums (Lei Relativa à Energia), de 3 de setembro de 1998 (Latvijas Vēstnesis, 1998, n.o 273/275), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei Relativa à Energia»), dispõe:

«A entidade reguladora aprova as regras relativas à ligação à rede de transporte de gás natural para os produtores de biometano, os operadores de redes de GNL e os clientes de gás natural, elaboradas pelo operador da rede de transporte, assim como as regras de ligação à rede de distribuição de gás natural para os clientes de gás natural elaboradas pelo operador da rede de distribuição. Estas regras devem ser objetiva e economicamente justificadas, justas, equitativas e transparentes. A entidade reguladora pode propor a revisão dessas regras de ligação e exigir ao operador da rede de gás natural em causa que submeta um projeto de regulamentação a este respeito num determinado prazo.»

14

Através da Decisão n.o 1/7, de 18 de abril de 2019, a entidade reguladora aprovou as «Regras relativas à ligação da rede de transporte de gás natural para os produtores de biometano, os operadores de redes de gás natural liquefeito (GNL) e os utilizadores de gás natural». Segundo essas regras, nomeadamente, qualquer utilizador de gás natural pode ligar‑se à rede de transporte de gás natural, sem a intermediação do operador da rede de distribuição, em conformidade com o procedimento e as condições previstas.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

Até 3 de abril de 2017, Latvijas Gāze, recorrente no processo principal, era a única empresa presente, como empresa verticalmente integrada, no mercado letão para assegurar a compra, o armazenamento, o transporte, a distribuição e a comercialização de gás natural.

16

Depois dessa data, no âmbito do processo de liberalização do mercado do gás natural na Letónia, foi criada a «Conexus Baltic Grid» AS e separada da recorrente no processo principal. Foi transferida para esta sociedade, da qual a recorrente no processo principal não é acionista, a gestão da infraestrutura nacional de transporte de gás natural e da rede única de transporte de gás natural.

17

No contexto deste mesmo processo, foi criada a «Gaso» AS como filial da recorrente no processo principal. Esta sociedade presta, ao abrigo de uma licença, um serviço de distribuição de gás natural na Letónia. A recorrente no processo principal é a única acionista desta sociedade e, por força da referida licença, esta última é o único operador da rede de distribuição de gás natural nesse Estado‑Membro.

18

Em 18 de abril de 2019, em aplicação do artigo 84.1, n.o 1, da Lei Relativa à Energia, a entidade reguladora adotou a Decisão n.o 1/7.

19

A recorrente no processo principal interpôs um recurso de constitucionalidade dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio, o Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional, Letónia).

20

A recorrente no processo principal alega, nomeadamente, que resulta do artigo 23.o da Diretiva 2009/73 que uma regulamentação criada por um Estado‑Membro só pode permitir a ligação direta dos clientes de gás natural a uma rede de transporte de gás natural se o operador da rede de distribuição lhes tiver recusado essa ligação por razões técnicas ou de exploração ou se existirem outras razões objetivas que tornem necessária a ligação direta desses clientes à rede de transporte de gás natural.

21

A entidade reguladora considera, pelo contrário, que nem a legislação nacional nem o artigo 23.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73 preveem restrições em matéria de ligação das instalações dos clientes de gás natural à rede de transporte.

22

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta, à primeira vista, do artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2009/73 que o transporte de gás natural como tipo de atividade de fornecimento de gás natural exclui, nomeadamente, o transporte de gás natural numa parte da rede de gasodutos de alta pressão utilizados principalmente na distribuição local de gás natural para efeitos do seu fornecimento ao cliente final.

23

No entanto, decorre do artigo 23.o da Diretiva 2009/73 que os clientes industriais ou, pelo menos, os novos clientes industriais podem ligar‑se a uma rede de transporte de gás natural. Ora, resulta dos trabalhos preparatórios desta diretiva que o conceito de «cliente industrial», que não é definido nesta diretiva, pode abranger os «clientes não domésticos» finais, na aceção do artigo 2.o, ponto 26, da referida diretiva.

24

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o princípio relativo ao acesso de terceiros ao mercado interno do gás natural, como consagrado no artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73, deve, tendo em conta o objetivo desta diretiva de proteger os interesses dos consumidores, indiretamente, ser aplicável aos clientes finais. Não obstante, parece resultar, por analogia, do Acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o. (C‑239/07, EU:C:2008:551), que esta disposição da Diretiva 2009/73 deve ser interpretada no sentido de que apenas define as obrigações dos Estados‑Membros no que se refere ao acesso de terceiros às redes de transporte e de distribuição de gás natural, e não à ligação destes a essas redes.

25

Nestas condições, o Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 23.o e o artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73/CE ser interpretados no sentido de que os Estados‑Membros têm de adotar uma regulamentação […] segundo a qual, por um lado, qualquer cliente final pode escolher a que tipo de rede — rede de transporte ou de distribuição — se ligará e, por outro, o operador da rede é obrigado a permitir‑lhe ligar‑se à rede em causa?

2)

Deve o artigo 23.o da Diretiva 2009/73/CE ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros têm de adotar uma regulamentação […] [segundo a] qual apenas os clientes finais não domésticos (isto é, os clientes industriais) se podem ligar à rede de transporte de gás natural?

3)

Deve o artigo 23.o da Diretiva 2009/73/CE, em especial o conceito de “cliente industrial”, ser interpretado no sentido de que este artigo impõe aos Estados‑Membros a obrigação de adotarem uma regulamentação […] [segundo a] qual apenas os clientes finais não domésticos (isto é, os clientes industriais) que não tenham estado anteriormente ligados à rede de distribuição se podem ligar à rede de transporte de gás natural?

4)

Devem o artigo 2.o, ponto 3, e o artigo 23.o da Diretiva 2009/73/CE ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação […] de um Estado‑Membro segundo a qual o transporte de gás natural abrange o transporte de gás natural diretamente para a rede de fornecimento de gás natural do cliente final?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

26

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 23.o e o artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73 devem ser interpretados no sentido de que os Estados‑Membros devem adotar uma regulamentação por força da qual, por um lado, qualquer cliente final pode escolher ser ligado à rede de transporte ou à rede de distribuição de gás natural e, por outro, o operador da rede é obrigado a permitir‑lhe ligar‑se a essa rede.

27

Em primeiro lugar, no que diz respeito ao artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73, importa começar por salientar que a redação desta disposição é análoga à do artigo 20.o, n.o 1, da Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO 2003, L 176, p. 37), bem como, por outro lado, à do artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54 (JO 2009, L 211, p. 55).

28

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 20.o da Diretiva 2003/54 deve ser interpretado no sentido de que não especifica as obrigações dos Estados‑Membros no que respeita à ligação dos clientes às redes elétricas mas apenas as obrigações desses Estados relativamente ao acesso a essas redes (v., neste sentido, Acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07, EU:C:2008:551, n.o 42).

29

Ora, por um lado, como salientou o advogado‑geral nos n.os 24, 25 e 62 das suas conclusões, resulta da regulamentação da União que o mercado interno do gás natural está organizado de maneira semelhante ao mercado da eletricidade.

30

Por outro lado, os conceitos de «acesso» e de «ligação» à rede figuram na Diretiva 2009/73 com os mesmos significados que os adotados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o. (C‑239/07, EU:C:2008:551, n.os 40 a 42), no que respeita à Diretiva 2003/54.

31

Com efeito, resulta nomeadamente dos considerandos 4, 8 e 23 a 26 da Diretiva 2009/73 que, tal como na Diretiva 2003/54, o conceito de «acesso» à rede está relacionado, na Diretiva 2009/73, ao abastecimento de gás natural, incluindo nomeadamente a qualidade, a regularidade e os custos do serviço, e é frequentemente utilizado no contexto da garantia de tarifas não discriminatórias. Assim, o acesso à rede é, em substância, entendido como o direito de utilizar a rede de gás natural. Em contrapartida, decorre nomeadamente dos artigos 8.o e 23.o, bem como do artigo 41.o, n.o 1, alínea m), da Diretiva 2009/73 que, à semelhança do conceito utilizado na Diretiva 2003/54, o conceito de «ligação» diz respeito à ligação física à rede de gás natural (v., por analogia, Acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07 EU:C:2008:551, n.os 40 a 42).

32

Além disso, como na Diretiva 2003/54 e na Diretiva 2009/72 no que se refere à eletricidade, o transporte e a distribuição de gás natural, conforme definidos no artigo 2.o, pontos 3 e 5, da Diretiva 2009/73, não incluem o seu fornecimento. Assim, para os clientes elegíveis, o direito de acesso às redes é exercido por intermédio de um fornecedor que esses clientes devem poder escolher livremente, como enunciado no considerando 3 desta última diretiva, sendo esta liberdade de escolha garantida, quer o fornecedor os ligue a uma rede de transporte ou a uma rede de distribuição (v., por analogia, Acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07 EU:C:2008:551, n.o 43).

33

Daqui resulta que, à semelhança do artigo 20.o, n.o 1, da Diretiva 2003/54, o artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73 deve ser interpretado no sentido de que só prevê as obrigações dos Estados‑Membros no que respeita ao acesso às redes e não à ligação a estas (v., por analogia, Acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07 EU:C:2008:551, n.o 42). Por conseguinte, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que impõe a esses Estados que instituam nas respetivas legislações o direito de qualquer cliente final de se ligar à rede de transporte de gás natural.

34

Em segundo lugar, tal obrigação também não pode ser inferida do artigo 23.o da referida diretiva.

35

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 9.o da Diretiva 2009/73, lido à luz do considerando 14 desta, os Estados‑Membros devem proceder à separação entre as redes de transporte e os operadores das redes de transporte no que se refere às estruturas de produção e de comercialização de acordo com um dos modelos seguintes, a saber, a separação da propriedade, que implica a nomeação do proprietário da rede como operador da rede e a sua independência em relação a quaisquer interesses de comercialização e de produção (a seguir «primeiro modelo de separação»), operador de rede independente (a seguir «segundo modelo de separação»), ou operador de transporte independente (a seguir «terceiro modelo de separação»).

36

Ora, só quando o Estado‑Membro em causa decide não recorrer ao primeiro modelo de separação é que esse Estado‑Membro deve designar, como prevê o artigo 9.o, n.o 8, alínea a), da Diretiva 2009/73, um operador de rede independente, nos termos do artigo 14.o (segundo modelo de separação), ou deve cumprir, em aplicação do artigo 9.o, n.o 8, alínea b), da diretiva, o disposto no capítulo IV (terceiro modelo de separação) [v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2020, Comissão/Bélgica (Mercados da eletricidade e do gás natural), C‑767/19, EU:C:2020:984, n.o 48].

37

Com efeito, como enuncia o considerando 16 da Diretiva 2009/73, é na hipótese de o Estado‑Membro em questão ter optado pelo segundo ou pelo terceiro modelo de separação que importa assegurar a plena eficácia destas soluções através de regras adicionais específicas, a saber, regras diferentes das previstas no artigo 9.o, n.os 1 a 7, desta diretiva. Estas «regras adicionais específicas» são, respetivamente, as disposições do artigo 14.o da referida diretiva e do capítulo IV da mesma diretiva, de que faz parte o artigo 23.o desta.

38

Em contrapartida, o Estado‑Membro em causa não está sujeito a estas regras adicionais quando opta por implementar o primeiro modelo de separação (v., por analogia, Acórdão de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa, C‑347/16, EU:C:2017:816, n.os 33 a 35).

39

No caso em apreço, como salientou o advogado‑geral nos n.os 38 a 40 das suas conclusões, resulta dos elementos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, no âmbito da aplicação da Diretiva 2009/73, a República da Letónia parece ter optado pelo primeiro modelo de separação.

40

Daqui resulta que, sob reserva das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, o artigo 23.o da Diretiva 2009/73 não parece ser pertinente para a resolução do litígio no processo principal.

41

Em todo o caso, na hipótese de o artigo 23.o da Diretiva 2009/73 ser aplicável ao caso em apreço, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que impõe aos Estados‑Membros que prevejam o direito de todos os clientes finais de se ligarem, em todas as circunstâncias, à rede de transporte de gás natural.

42

Por força do artigo 23.o, n.o 2, desta diretiva, os operadores das redes de transporte não têm o direito de recusar a ligação de uma nova instalação de armazenamento, de uma instalação de regaseificação de GNL e de clientes industriais alegando uma eventual limitação futura da capacidade disponível da rede ou custos adicionais relacionados com o necessário aumento da capacidade da rede.

43

Ora, primeiro, o conceito de «instalação de armazenamento» é definido no artigo 2.o, ponto 9, da referida diretiva como uma instalação pertencente e/ou explorada por uma «empresa de gás natural», conceito definido no ponto 1 desse mesmo artigo «com exclusão dos clientes finais».

44

Segundo, o conceito de «instalação de GNL» é definido no artigo 2.o, ponto 11, da mesma diretiva como um terminal utilizado para a liquefação de gás natural ou para a importação, a descarga e a regaseificação de GNL, «incluindo os serviços auxiliares e as instalações de armazenamento temporário necessários para o processo de regaseificação e subsequente entrega à rede de transporte». Trata‑se, portanto, de uma entidade que, contrariamente aos «clientes finais», na aceção do artigo 2.o, ponto 27, da Diretiva 2009/73, se encontra em situação de abastecer a rede de transporte.

45

A exclusão dos clientes finais dos dois conceitos referidos nos n.os 44 e 45 do presente acórdão corresponde, aliás, ao que é enunciado no considerando 16 da Diretiva 2009/73. Segundo este considerando, a separação efetiva através das disposições relativas ao operador independente de rede de transporte, em conformidade com o terceiro modelo de separação, deverá basear‑se num pilar de medidas de organização e de medidas relativas à governação dos operadores de redes de transporte, e num pilar de medidas relativas aos investimentos, à ligação à rede de novas capacidades de produção e à integração dos mercados mediante a cooperação regional. Estas medidas são implementadas pelas disposições do capítulo IV desta diretiva, uma vez que as medidas relativas à ligação à rede de novas capacidades «de produção» são especificamente executadas pelo artigo 23.o da referida diretiva.

46

Terceiro, embora, tendo em conta as definições dos conceitos de «cliente» e de «cliente final», que figuram, respetivamente, nos n.os 24 e 27 do artigo 2.o da Diretiva 2009/73, não é de excluir que o conceito de «cliente industrial», que figura também, sem ser definido, no artigo 23.o, n.o 2, desta diretiva, visa determinadas categorias de clientes finais, não é menos verdade que, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 78 das suas conclusões, este conceito não abrange todos os clientes finais. Não abrange, em especial, os «clientes domésticos» na aceção do artigo 2.o, ponto 25, da referida diretiva, a saber, o cliente que compra gás natural para consumo doméstico próprio.

47

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 23.o e o artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73 devem ser interpretados no sentido de que não decorre destas disposições que os Estados‑Membros são obrigados a adotar uma regulamentação por força da qual, por um lado, qualquer cliente final pode escolher ser ligado à rede de transporte ou à rede de distribuição de gás natural e, por outro, o operador da rede em causa é obrigado a permitir‑lhe ligar‑se a essa rede.

Quanto à segunda e terceira questões

48

Com as segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 23.o da Diretiva 2009/73 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros devem adotar uma regulamentação por força da qual apenas os clientes industriais ou, eventualmente, apenas os clientes industriais que nunca tenham estado ligados à rede de distribuição podem ligar‑se à rede de transporte de gás natural.

49

A este respeito, é necessário recordar que resulta dos n.os 36 a 41 do presente acórdão que o artigo 23.o da Diretiva 2009/73 parece, sob reserva das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, não ser pertinente para a resolução do litígio no processo principal.

50

Em todo o caso, mesmo admitindo que a referida disposição possa ser aplicável no caso em apreço, a proibição, que esta faz recair sobre o operador da rede de transporte, de recusar a determinadas entidades o direito de se ligarem a essa rede não implica, de modo algum, enquanto tal, a obrigação de recusar essa ligação a qualquer outro tipo de cliente.

51

Com efeito, na hipótese de o Estado‑Membro em causa optar pelo terceiro modelo de separação, o artigo 23.o da Diretiva 2009/73 vem apenas limitar a margem de manobra de que este Estado‑Membro dispõe para orientar os utilizadores das redes para um ou outro tipo de rede (v., por analogia, Acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07, EU:C:2008:551, n.o 47).

52

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às segunda e terceira questões que o artigo 23.o da Diretiva 2009/73 deve ser interpretado no sentido de que não obriga os Estados‑Membros a adotar uma regulamentação por força da qual apenas os clientes industriais se podem ligar à rede de transporte de gás natural.

Quanto à quarta questão

53

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 2.o, ponto 3, e o artigo 23.o da Diretiva 2009/73 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual o transporte de gás natural abrange o transporte de gás natural diretamente para a rede de fornecimento de gás natural do cliente final.

54

No que respeita, em primeiro lugar, ao artigo 23.o da Diretiva 2009/73, há que salientar que, por motivos análogos aos expostos nos n.os 50 a 52 do presente acórdão, admitindo que a referida disposição seja aplicável no caso em apreço, esta não se opõe a essa regulamentação nacional.

55

No que respeita, em segundo lugar, ao artigo 2.o, ponto 3, desta diretiva, há que observar que esta disposição define «transporte», para efeitos desta mesma diretiva, como o «transporte de gás natural através de uma rede essencialmente constituída por gasodutos de alta pressão, que não seja uma rede de gasodutos a montante nem uma parte dos gasodutos de alta pressão utilizados principalmente na distribuição local de gás natural, para efeitos do seu fornecimento a clientes, mas não incluindo o fornecimento».

56

Ora, primeiro, embora seja verdade que esta definição exclui «o transporte de gás natural através […] da parte dos gasodutos de alta pressão utilizados principalmente na distribuição local de gás natural», inclui, no entanto, «o transporte de gás natural […] para efeitos do seu fornecimento a clientes». Além disso, decorre, por um lado, do artigo 2.o, ponto 24, da Diretiva 2009/73 que o conceito de «clientes» visa nomeadamente os clientes finais e, por outro, do ponto 7 desse mesmo artigo 2.o que o conceito de «comercialização» abrange «a venda, incluindo a revenda, de gás natural, incluindo GNL, a clientes». Por conseguinte, não se pode deduzir apenas da redação do ponto 3 do referido artigo 2.o, que define o conceito de «transporte», que está excluída a possibilidade de um cliente final estar diretamente ligado à rede de transporte.

57

Segundo, há que salientar que o conceito de «transporte» era definido de maneira análoga no artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2003/54, a saber, como «o transporte de eletricidade, mas sem incluir o fornecimento, numa rede interligada de muito alta tensão e de alta tensão, para efeitos de fornecimento a clientes finais ou a distribuidores; ou a distribuidores, mas não incluindo o fornecimento». Ora, no Acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o. (C‑239/07, EU:C:2008:551), o Tribunal reconheceu a possibilidade de ligação direta dos clientes finais à rede de transporte de eletricidade.

58

Esta definição foi retomada, sem alteração, no artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2009/72.

59

Terceiro, a interpretação segundo a qual a definição do conceito de «transporte» não exclui a possibilidade de uma ligação direta de um cliente final à rede de transporte é também corroborada pelo texto do Regulamento n.o 715/2009.

60

Este regulamento, que tem por objeto, em conformidade com o seu artigo 1.o, criar regras não discriminatórias para as condições de acesso às redes de transporte de gás natural, inclui, no seu anexo I, orientações vinculativas que também devem ser tidas em conta no contexto da Diretiva 2009/73, como resulta do considerando 61 desta diretiva.

61

Ora, o ponto 3.2.1. destas orientações, referente à definição de todos os pontos relevantes em termos de requisitos de transparência, prevê nomeadamente que esta definição deve incluir, no mínimo, todos os pontos de entrada e de saída de uma rede de transporte explorada por um operador de rede de transporte, com exceção dos pontos de saída «ligados a um só cliente final» e com exceção dos pontos de entrada ligados a uma instalação de produção de um só produtor, que esteja situada na União.

62

Por seu turno, o ponto 3.2.2. das referidas orientações dispõe, por um lado, que as informações destinadas a «clientes finais únicos» e às instalações de produção, excluídas da definição dos pontos relevantes no ponto 3.2.1, alínea a), devem ser publicadas de modo agregado, pelo menos por zona de compensação e, por outro lado, para efeitos da aplicação do presente anexo, a agregação de clientes finais únicos e de instalações de produção, deve ser considerada um mesmo ponto pertinente.

63

À luz das considerações precedentes, há que responder à quarta questão que o artigo 2.o, ponto 3, e o artigo 23.o da Diretiva 2009/73 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual o transporte de gás natural abrange o transporte de gás natural diretamente para a rede de fornecimento de gás natural de um cliente final.

Quanto às despesas

64

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 23.o e o artigo 32.o, n.o 1, da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE, devem ser interpretados no sentido de que não decorre destas disposições que os Estados‑Membros são obrigados a adotar uma regulamentação por força da qual, por um lado, qualquer cliente final pode escolher ser ligado à rede de transporte ou à rede de distribuição de gás natural e, por outro, o operador da rede em causa é obrigado a permitir‑lhe ligar‑se a essa rede.

 

2)

O artigo 23.o da Diretiva 2009/73 deve ser interpretado no sentido de que não obriga os Estados‑Membros a adotar uma regulamentação por força da qual apenas os clientes industriais se podem ligar à rede de transporte de gás natural.

 

3)

O artigo 2.o, ponto 3, e o artigo 23.o da Diretiva 2009/73 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual o transporte de gás natural abrange o transporte de gás natural diretamente para a rede de fornecimento de gás natural de um cliente final.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: letão.