ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

1 de março de 2022 ( *1 )

«Recurso de anulação — Decisão (UE) 2020/470 — Prorrogação do período de aplicação do direito concedido às coproduções audiovisuais nos termos previstos no artigo 5.o do Protocolo relativo à cooperação no domínio da cultura no âmbito do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro — Base jurídico‑processual — Artigo 218.o, n.o 7, TFUE — Processo e regra de votação aplicáveis»

No processo C‑275/20,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, que deu entrada em 23 de junho de 2020,

Comissão Europeia, representada por J.‑F. Brakeland, M. Afonso e D. Schaffrin, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por P. Plaza García e B. Driessen, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

República Francesa, representada por J.‑L. Carré, T. Stehelin, E. de Moustier e A. Daniel, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bulterman, C. S. Schillemans e J. Langer, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, I. Jarukaitis (relator), I. Ziemele e J. Passer, presidentes de secção, M. Ilešič, T. von Danwitz, F. Biltgen, P. G. Xuereb e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão Europeia pede a anulação da Decisão (UE) 2020/470 do Conselho, de 25 de março de 2020, respeitante à prorrogação do período de aplicação do direito concedido às coproduções audiovisuais nos termos previstos no artigo 5.o do Protocolo relativo à cooperação no domínio da cultura no âmbito do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro (JO 2020, L 101, p. 1; a seguir «decisão impugnada»).

Quadro jurídico

Protocolo relativo à cooperação no domínio da cultura

2

O Protocolo relativo à cooperação no domínio da cultura (JO 2011, L 127, p. 1418; a seguir «protocolo»), no âmbito do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro (JO 2011, L 127, p. 6; a seguir «acordo»), prevê, no seu artigo 5.o, sob a epígrafe «Coproduções audiovisuais», o direito de as coproduções audiovisuais beneficiarem dos respetivos mecanismos de promoção de conteúdos locais/regionais (a seguir «direito em causa»). Este artigo tem a seguinte redação:

«[…]

3.   As Partes, de acordo com a respetiva legislação, facilitam coproduções entre produtores da Parte [União Europeia] e da Coreia, designadamente fazendo beneficiar as coproduções [do direito em causa].

[…]

8.   

a)

O [direito em causa] é conferido por um período de três anos após a aplicação do presente Protocolo. Por recomendação dos grupos consultivos internos, seis meses antes da expiração deste prazo, o Comité sobre cooperação no domínio da cultura procede a uma concertação para avaliar os resultados da aplicação deste direito em termos de reforço da diversidade cultural e cooperação mutuamente vantajosa no que diz respeito às obras coproduzidas.

b)

O direito acima referido é renovado por um período de três anos e em seguida automaticamente por períodos sucessivos da mesma duração, a menos que uma Parte lhe ponha termo mediante aviso escrito pelo menos três meses antes da expiração do período inicial ou de qualquer período ulterior. Seis meses antes da expiração de cada período de renovação, o Comité sobre cooperação no domínio da cultura efetua uma avaliação similar à descrita na alínea a).

[…]»

Decisão 2011/265/UE

3

O considerando 6 da Decisão 2011/265/UE do Conselho, de 16 de setembro de 2010, relativa à assinatura, em nome da União Europeia, e à aplicação provisória do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro (JO 2011, L 127, p. 1), enuncia:

«Nos termos do n.o 7 do artigo 218.o [TFUE], o Conselho [da União Europeia] pode autorizar a Comissão a aprovar algumas pequenas alterações ao Acordo. A Comissão deverá ser autorizada a extinguir o [direito em causa], a menos que determine que o direito deva manter‑se e que tal seja aprovado pelo Conselho, pelo procedimento específico requerido pela natureza sensível deste elemento do Acordo e pelo facto de este último dever ser celebrado pela União e pelos seus Estados‑Membros. […]»

4

O artigo 4.o, n.o 1, da referida decisão prevê:

«A Comissão informa antecipadamente a [República da] Coreia da intenção da União de não prorrogar o período de aplicação do [direito em causa], nos termos do n.o 8 do artigo 5.o desse protocolo, salvo se, sob proposta da Comissão e quatro meses antes do termo do referido período, o Conselho decidir prorrogar o período de aplicação do direito. Neste último caso, a presente disposição é novamente aplicável no termo do período de aplicação prorrogado. Para efeitos específicos da decisão de prorrogação do período de aplicação do direito, o Conselho delibera por unanimidade.»

Decisão de Execução 2014/226/UE

5

Pela Decisão de Execução 2014/226/UE do Conselho, de 14 de abril de 2014, relativamente à prorrogação do período de aplicação do direito concedido às coproduções audiovisuais nos termos previstos no artigo 5.o do Protocolo relativo à Cooperação no domínio da Cultura no âmbito do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro (JO 2014, L 124, p. 25), o período de aplicação do direito em causa foi prorrogado por três anos, de 1 de julho de 2014 a 30 de junho de 2017.

Decisão (UE) 2015/2169

6

Pela Decisão (UE) 2015/2169 do Conselho, de 1 de outubro de 2015, relativa à celebração do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro (JO 2015, L 307, p. 2), este acordo foi aprovado em nome da União. O considerando 6 desta decisão está redigido nos mesmos termos que o considerando 6 da Decisão 2011/265. De igual modo, o artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 está formulado em termos semelhantes aos do artigo 4.o, n.o 1, da Decisão 2011/265.

Decisão (UE) 2017/1107

7

Pela Decisão (UE) 2017/1107 do Conselho, de 8 de junho de 2017, no que respeita à prorrogação do período de aplicação do direito concedido às coproduções nos termos previstos no artigo 5.o do Protocolo relativo à Cooperação no domínio da Cultura no âmbito do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro (JO 2017, L 160, p. 33), o período de aplicação do direito em causa foi prorrogado por um período de três anos, de 1 de julho de 2017 a 30 de junho de 2020.

Decisão impugnada

8

A decisão impugnada, adotada ao abrigo do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169, prevê que o período de aplicação do direito em causa é prorrogado por um período de três anos, de 1 de julho de 2020 a 30 de junho de 2023.

Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

9

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne anular a decisão impugnada e condenar o Conselho nas despesas.

10

O Conselho conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso e que a Comissão seja condenada nas despesas. A título subsidiário, se a decisão impugnada vier a ser anulada, pede ao Tribunal de Justiça que mantenha os efeitos da mesma até que os fundamentos de anulação constatados sejam corrigidos.

11

Pelas Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 2020, foi admitida a intervenção da República Francesa e do Reino dos Países Baixos em apoio dos pedidos do Conselho.

Quanto ao recurso

Argumentos das partes

12

Em apoio do seu recurso de anulação, a Comissão invoca um único fundamento, relativo ao facto de a utilização, como base jurídica, do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 para fundamentar a decisão impugnada ser contrária aos Tratados e à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

13

No âmbito deste fundamento único, a Comissão sustenta que, ao recorrer a esta base jurídica, que exige que o Conselho delibere por unanimidade e que exclui a participação do Parlamento Europeu, em vez de adotar, como base jurídica processual, o artigo 218.o, n.o 6, alíneas a), v), TFUE, que prevê, lido em conjugação com o artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, TFUE, uma votação por maioria qualificada no Conselho, após aprovação do Parlamento, como ela tinha proposto, o Conselho alterou a regra de votação aplicável e violou as prerrogativas do Parlamento no que respeita à prorrogação da aplicação de uma parte de um acordo internacional.

14

A Comissão considera que o artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 constitui uma «base jurídica derivada» cuja utilização é contrária ao princípio da atribuição de competências enunciado no artigo 13.o, n.o 2, TUE, assim como ao princípio do equilíbrio institucional.

15

Além disso, segundo esta instituição, é incoerente exigir que o Conselho delibere por unanimidade para a renovação do direito em causa, quando o estabelecimento deste último foi decidido por maioria qualificada, aquando da adoção da Decisão 2011/265, e a União aceitou, ao abrigo do direito internacional, que o referido direito fosse, em princípio, automaticamente renovado. A aplicação de uma regra interna mais estrita e a exigência segundo a qual o Conselho deve aceitar a renovação deste direito são contrárias ao objetivo da renovação automática acordada pelas partes no acordo e, por conseguinte, contrárias à jurisprudência relativa ao primado dos acordos internacionais sobre o direito derivado da União.

16

Na réplica, a Comissão acrescenta, em resposta à argumentação do Conselho segundo a qual a decisão impugnada não se baseia numa «base jurídica derivada», mas no artigo 218.o, n.o 7, TFUE, que partilha a posição do Conselho de que esta decisão tem por objeto uma alteração de um acordo, na aceção desta disposição, na medida em que prorroga a aplicação de uma disposição que figura no protocolo. Todavia, considera que o artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 não pode ser considerado um caso de aplicação do artigo 218.o, n.o 7, TFUE, uma vez que este protocolo, ao prever uma renovação automática do direito em causa para novos períodos sucessivos com a mesma duração, não prevê nenhuma etapa processual particular para a renovação desse direito, pelo que não é necessário que o Conselho autorize a Comissão a aprovar essa renovação.

17

Além disso, as condições processuais que acompanham a habilitação pretensamente concedida à Comissão são incompatíveis com o artigo 218.o TFUE e o recurso a uma «base jurídica derivada» que exige uma votação por unanimidade no Conselho é ilegal.

18

De resto, o artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 não confere uma habilitação para aprovar, em nome da União, alterações ao acordo, na aceção do artigo 218.o, n.o 7, TFUE, mas reflete simplesmente o poder de a Comissão assegurar, no caso de uma decisão que se opõe à renovação do direito em causa, a representação externa da União, em conformidade com o artigo 17.o TUE, continuando o Conselho, apesar disso, a ser competente para decidir sobre essa renovação. Assim, não houve transferência efetiva do poder de decisão, acompanhado de condições específicas, a favor da Comissão.

19

O Conselho, apoiado pela República Francesa e pelo Reino dos Países Baixos, opõe‑se à argumentação da Comissão, alegando principalmente que o processo aplicado para adotar a decisão impugnada se baseia no artigo 218.o, n.o 7, TFUE, como indica muito claramente a referência expressa a esta disposição que figura no considerando 6 da Decisão 2015/2169, e que esse processo é compatível com a referida disposição do Tratado FUE.

20

Com efeito, o Conselho alega que as condições de aplicabilidade do artigo 218.o, n.o 7, TFUE estão preenchidas, uma vez que, por um lado, a renovação do direito em causa constitui uma alteração de uma parte específica e independente do acordo efetuada mediante um processo simplificado estabelecido no artigo 5.o, n.o 8, do protocolo. A Comissão está particularmente habilitada, na sua qualidade de negociadora, a alterar o direito em causa suprimindo‑o no termo do período de três anos em curso e a informar a República da Coreia desta decisão. Por outro lado, o processo previsto no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 submete a condições válidas essa habilitação concedida à Comissão.

21

De facto, no que se refere à exigência de uma votação por unanimidade no Conselho, este último sustenta que a renovação do direito em causa constitui uma derrogação à regra geral segundo a qual o direito em causa é suprimido na falta de decisão contrária, o que justifica a aplicação de condições mais estritas.

22

A título subsidiário, o Conselho alega que, caso o Tribunal de Justiça conclua que não era possível prever esse voto por unanimidade entre as condições referidas no artigo 218.o, n.o 7, TFUE, só a obrigação de deliberar por unanimidade é que não seria válida. No entanto, uma vez que a decisão impugnada foi adotada por unanimidade, obteve necessariamente a maioria qualificada no Conselho e, assim, em seu entender, deve considerar‑se que foi validamente adotada.

23

Na tréplica, o Conselho opõe‑se, nomeadamente, à argumentação da Comissão segundo a qual o direito em causa podia ser renovado pela União sem recurso a um processo interno quando a intenção da Comissão é de renovar esse direito, ao passo que seria necessário um processo decisório para lhe pôr termo. Na sua opinião, o caráter automático da renovação do direito em causa em relação a cada uma das partes no acordo não pode, com efeito, excluir nenhum tipo de processo decisório interno, uma vez que, estando a duração da aplicabilidade deste direito limitada a três anos, é necessária uma tomada de decisão de três em três anos segundo os processos decisórios internos adequados. Em caso de não observância destes processos decisórios, a autonomia da ordem jurídica da União e o equilíbrio institucional estabelecido pelos autores dos Tratados são postos em causa.

24

O Conselho alega que o artigo 218.o, n.o 7, TFUE constitui uma base jurídica adequada para o processo previsto no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169. Sublinha, em especial, que o artigo 5.o, n.o 8, do protocolo estabelece um processo simplificado para a alteração deste protocolo ao prever um consentimento tácito para a renovação do direito em causa e uma notificação prévia para pôr termo a esse direito.

25

A República Francesa alega que a decisão impugnada aplica um processo baseado no artigo 218.o, n.o 7, TFUE e que, por conseguinte, a Comissão afirmou erradamente que o Conselho baseou essa decisão numa base jurídica não prevista pelo Tratado FUE. Em primeiro lugar, considera que as modalidades de renovação do direito em causa constituem um caso de aplicação desta disposição do Tratado FUE. Com efeito, em seu entender, por um lado, a renovação do direito em causa alarga a aplicação no tempo das disposições relativas a esse direito, que constituem uma componente específica e autónoma do protocolo e, em sentido inverso, a não renovação do referido direito equivale, em substância, a privar essas disposições de efeito jurídico. Assim, a renovação do direito em causa constitui uma alteração desse protocolo.

26

Por outro lado, a renovação automática, em caso de silêncio das partes, do direito em causa entra, segundo este Estado‑Membro, na categoria das disposições derrogatórias do processo de revisão de direito comum dos acordos internacionais, do qual constitui uma simplificação.

27

Em segundo lugar, a República Francesa considera que o regime previsto no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 aplica corretamente o artigo 218.o, n.o 7, TFUE, na medida em que estabelece que o Conselho deve aprovar a decisão da Comissão de não notificar a cessação do direito em causa. Observa, a este respeito, que o artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 confere à Comissão um poder decisório real sobre a escolha a efetuar de três em três anos, fazendo acompanhar essa habilitação de condições específicas, na aceção do artigo 218.o, n.o 7, TFUE. Esta restrição é legítima, uma vez que esta última disposição constitui uma derrogação ao artigo 218.o, n.os 5, 6 e 9, TFUE e que a renovação do direito em causa faz parte dos atos de definição das políticas da União e de elaboração da ação externa desta. O recurso à votação por unanimidade constitui apenas uma modalidade de exercício da aprovação, pelo Conselho, da opção da Comissão de não se opor à renovação deste direito e o caráter lícito, ou não, desta modalidade não é relevante para efeitos da validade da exigência de tal aprovação.

28

Em terceiro e último lugar, a República Francesa afirma que, em todo o caso, tendo em conta o princípio da autonomia da ordem jurídica da União, o direito em causa não poderia ter sido renovado na falta de um ato da União que o previsse especificamente, e isto independentemente da circunstância de essa renovação expressa não ser necessária na ordem jurídica internacional.

29

O Reino dos Países Baixos declarou subscrever plenamente a posição do Conselho e todos os argumentos invocados em seu apoio.

Apreciação do Tribunal de Justiça

30

Resulta da decisão impugnada que esta foi adotada ao abrigo do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169, que prevê, nomeadamente, à semelhança do artigo 4.o, n.o 1, da Decisão 2011/265, que a Comissão informa antecipadamente a República da Coreia da intenção da União de não prorrogar o período de aplicação do direito em causa, salvo se, sob proposta da Comissão e quatro meses antes do termo desse período de aplicação, o Conselho decidir, por unanimidade, prorrogar o período de aplicação desse direito.

31

A Comissão sustenta, em apoio do fundamento único, que, ao basear a decisão impugnada no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169, o Conselho utilizou ilegalmente uma «base jurídica derivada».

32

A este respeito, importa recordar que as regras relativas à formação da vontade das instituições da União estão estabelecidas nos Tratados e não estão à disposição dos Estados‑Membros nem das próprias instituições. Por conseguinte, apenas os Tratados podem, em casos especiais, autorizar uma instituição a alterar um processo decisório neles previsto. Assim, reconhecer a uma instituição a possibilidade de estabelecer bases jurídicas derivadas, quer no sentido de reforçar quer no sentido de simplificar as modalidades de adoção de um ato, equivaleria a atribuir‑lhe um poder legislativo que excede o que está previsto nos Tratados. Isso conduziria igualmente a permitir a essa instituição violar o princípio do equilíbrio institucional, que implica que cada uma das referidas instituições exerça as suas competências com respeito pelas competências das outras (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de maio de 2008, Parlamento/Conselho, C‑133/06, EU:C:2008:257, n.os 54 a 57, e de 22 de setembro de 2016, Parlamento/Conselho, C‑14/15 e C‑116/15, EU:C:2016:715, n.o 47).

33

No caso em apreço, resulta do considerando 6 da Decisão 2015/2169 que o processo decisório previsto no artigo 3.o, n.o 1, desta decisão tem como base jurídica o artigo 218.o, n.o 7, TFUE, indicando este considerando que, em conformidade com esta disposição do Tratado FUE, o Conselho deverá autorizar a Comissão a aprovar algumas pequenas alterações ao acordo e que a Comissão deverá ser autorizada a extinguir o direito em causa, a menos que determine que o direito se deva manter e que tal seja aprovado pelo Conselho, pelo procedimento específico requerido pela natureza sensível deste elemento do acordo e pelo facto de este último dever ser celebrado pela União e pelos seus Estados‑Membros.

34

Daqui resulta que o fundamento único invocado pela Comissão deverá ser julgado improcedente se o processo instituído no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169, implementado pela decisão impugnada, entrar no âmbito de aplicação do artigo 218.o, n.o 7, TFUE e estiver em conformidade com o artigo 218.o TFUE, na medida em que exige, para a renovação do direito em causa, uma votação por unanimidade no Conselho.

35

O artigo 218.o, n.o 7, TFUE prevê que, em derrogação dos n.os 5, 6 e 9 deste artigo, ao celebrar um acordo, o Conselho pode conferir poderes ao negociador para aprovar, em nome da União, as alterações ao acordo, quando este disponha que essas alterações devam ser adotadas por um processo simplificado ou por uma instância criada pelo próprio acordo. Além disso, prevê que o Conselho pode submeter esses poderes a condições específicas.

36

Por conseguinte, há que examinar, em primeiro lugar, se o artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 habilita a Comissão a aprovar, em nome da União, uma alteração do protocolo e se este último prevê que essa alteração deve ser adotada segundo um processo simplificado ou por uma instância criada pelo acordo ou por esse protocolo.

37

No que respeita, por um lado, à questão de saber se, através do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169, o Conselho habilita a Comissão a aprovar, em nome da União, uma alteração do protocolo, há que salientar que resulta do artigo 5.o, n.o 8, alíneas a) e b), deste último que as partes no acordo e, por extensão, no protocolo devem, de três em três anos, na sequência de uma avaliação efetuada pelo Comité sobre cooperação no domínio da cultura constituído em aplicação do artigo 3.o, n.o 1, desse protocolo, apreciar se pretendem ou não renovar o direito em causa por um período adicional de três anos.

38

O artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 prevê, a este respeito, um processo interno à União, na medida em que permite à Comissão pôr fim ao direito em causa no termo de cada período de três anos ou, se considerar que esse direito deve ser renovado, fazer uma proposta nesse sentido ao Conselho antes da expiração de cada período. Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 60 das suas conclusões, a não renovação do referido direito equivale à supressão de um direito instituído pelo protocolo e que é, em princípio, renovado tacitamente e automaticamente de três em três anos, devendo essa supressão ser assim analisada como uma alteração desse protocolo.

39

Por conseguinte, embora não se possa considerar que uma decisão como a decisão impugnada, que tem por objeto renovar o direito em causa por um período de três anos, se destina, enquanto tal, a alterar o protocolo, não deixa de ser verdade que o processo previsto no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169, aplicável para adotar uma decisão desse tipo, habilita a Comissão a apreciar de três em três anos se há que renovar ou extinguir esse direito, a decidir sozinha essa extinção ou a decidir submeter a questão à apreciação do Conselho para efeitos de uma renovação do referido direito. Este processo habilita, assim, a Comissão a adotar decisões relativas à alteração deste protocolo.

40

Por conseguinte, há que considerar que o artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169, aplicado pela decisão impugnada, constitui efetivamente uma habilitação, dada à Comissão pelo Conselho, aquando da celebração do acordo e, por extensão, do protocolo anexo ao mesmo, para aprovar, em nome da União, «alterações ao acordo», na aceção do artigo 218.o, n.o 7, TFUE.

41

No que respeita, por outro lado, à questão de saber se o protocolo prevê que as alterações deste último devem ser adotadas segundo um processo simplificado ou por uma instância criada pelo acordo ou pelo protocolo, como exige o artigo 218.o, n.o 7, TFUE, há que constatar que o artigo 5.o, n.o 8, alíneas a) e b), do protocolo não confere ao Comité sobre cooperação no domínio da cultura o poder de introduzir alterações ao protocolo, dando‑lhe apenas a missão de efetuar avaliações dos resultados da aplicação do direito em causa, como foi salientado no n.o 37 do presente acórdão. Em contrapartida, esta última disposição prevê efetivamente um processo simplificado na medida em que, como salientou o advogado‑geral no n.o 67 das suas conclusões, para pôr termo a esse direito basta que uma parte no acordo o faça mediante um pré‑aviso escrito notificado três meses antes da expiração do período inicial ou de qualquer período posterior, sob pena de o referido direito ser automaticamente renovado.

42

Por outro lado, há que acrescentar que se pode considerar que as regras previstas no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 aplicam a possibilidade, prevista no artigo 218.o, n.o 7, TFUE, de o Conselho submeter a condições específicas a habilitação dada à Comissão, uma vez que esta disposição da Decisão 2015/2169 impõe à Comissão, se esta última considerar que não deve ser posto termo ao direito em causa, mas que este deve ser renovado por um período de três anos, que apresente uma proposta ao Conselho nesse sentido quatro meses antes da expiração do período em curso.

43

Daqui resulta que, contrariamente ao que a Comissão sustenta, o processo instituído no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169, aplicado pela decisão impugnada, entra no âmbito de aplicação do artigo 218.o, n.o 7, TFUE, pelo que esta decisão não tinha de ser adotada segundo o processo previsto no artigo 218.o, n.o 6, alínea a), TFUE.

44

No que respeita, em segundo lugar, à questão de saber se o processo instituído no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 é conforme com o artigo 218.o TFUE, ao exigir, para a renovação do direito em causa, uma votação por unanimidade no Conselho, importa salientar que o artigo 218.o, n.o 7, TFUE não prevê nenhuma regra de votação com vista à adoção pelo Conselho das decisões para as quais este tenha, no âmbito da habilitação que concedeu à Comissão com base nesta disposição, mantido a sua competência.

45

Nestas condições, é por referência ao artigo 218.o, n.o 8, TFUE que a regra de votação aplicável deve ser determinada em cada caso concreto. Tendo em conta a utilização, por um lado, da expressão «[a]o longo de todo o processo», no primeiro parágrafo desta disposição, e, por outro, do termo «[t]odavia», no início do segundo parágrafo da referida disposição, há que considerar que, regra geral, o Conselho delibera por maioria qualificada e que só nos casos expostos neste segundo parágrafo delibera por unanimidade. Nestas condições, a regra de votação aplicável deve, em cada caso concreto, ser determinada consoante esteja ou não abrangida por estes últimos casos [v., por analogia, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Conselho (Acordo com a Arménia), C‑180/20, EU:C:2021:658, n.o 29].

46

Em particular, o primeiro caso, que é o único aqui pertinente, em que o artigo 218.o, n.o 8, segundo parágrafo, TFUE exige que o Conselho delibere por unanimidade concerne à hipótese em que o acordo diz respeito a um domínio para o qual é exigida a unanimidade para adotar um ato da União, estabelecendo assim um nexo entre a base jurídica material de uma decisão adotada ao abrigo desse artigo e a regra de votação aplicável para adotar a decisão [v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão), C‑244/17, EU:C:2018:662, n.o 29].

47

O nexo assim assegurado entre a base jurídica material das decisões adotadas no quadro de um acordo e a regra de votação aplicável para a adoção dessas decisões contribui para preservar a simetria entre os processos relativos à ação interna da União e os processos relativos à sua ação externa, no respeito do equilíbrio institucional estabelecido pelos autores dos Tratados [v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão), C‑244/17, EU:C:2018:662, n.o 30].

48

Tal simetria deve, assim, ser igualmente assegurada quando é adotada uma decisão relativa a uma alteração de um acordo conforme prevista no artigo 218.o, n.o 7, TFUE.

49

Uma vez que o direito em causa não faz parte de um domínio para o qual seja exigida uma votação por unanimidade no Conselho para a adoção de um ato da União, o processo instituído no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/2169 não é, contrariamente ao que o Conselho sustenta, conforme com o artigo 218.o TFUE, na medida em que exige essa votação por unanimidade. Por conseguinte, a regra de votação aplicável para a adoção de decisões como a decisão impugnada deve ser a prevista no artigo 218.o, n.o 8, primeiro parágrafo, TFUE, a saber, uma votação por maioria qualificada no Conselho.

50

Dado que o considerando 6 da Decisão 2015/2169 indica que a prorrogação da aplicabilidade do direito em causa é aprovada pelo Conselho pelo procedimento específico requerido pela natureza sensível deste elemento do acordo e pelo facto de este último dever ser celebrado pela União e pelos seus Estados‑Membros, importa acrescentar que, por um lado, a natureza sensível da matéria em causa não pode justificar a adoção de uma base jurídica derivada que estabeleça um procedimento específico (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2008, Parlamento/Conselho, C‑133/06, EU:C:2008:257, n.o 59). Por outro lado, essas justificações não podem permitir que o Conselho se exima ao cumprimento das regras de votação previstas pelo artigo 218.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2015, Comissão/Conselho, C‑28/12, EU:C:2015:282, n.o 55) e, em particular, derrogá‑las no âmbito das condições específicas a que pode estar submetida a habilitação dada ao negociador por força do artigo 218.o, n.o 7, TFUE.

51

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que julgar procedente o fundamento único invocado pela Comissão e, consequentemente, anular a decisão impugnada.

Quando à manutenção dos efeitos da decisão impugnada

52

O Conselho pede ao Tribunal de Justiça, na hipótese de este anular a decisão impugnada, que mantenha os efeitos desta última até que os fundamentos de anulação constatados sejam corrigidos.

53

Nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça pode indicar, quando o considerar necessário, quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar subsistentes.

54

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, atendendo a motivos relacionados com a segurança jurídica, os efeitos desse ato podem ser mantidos, nomeadamente, quando os efeitos imediatos da sua anulação fossem suscetíveis de originar consequências negativas graves para as partes em causa [v., por analogia, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Conselho (Acordo com a Arménia), C‑180/20, EU:C:2021:658, n.o 62 e jurisprudência referida].

55

No caso em apreço, a anulação da decisão impugnada sem que os seus efeitos sejam mantidos pode pôr em dúvida o empenho da União relativamente à prorrogação do período de aplicação do direito em causa por um período de três anos, de 1 de julho de 2020 a 30 de junho de 2023, e, desta maneira, dificultar a boa execução do Acordo [v., por analogia, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Conselho (Acordo com a Arménia), C‑180/20, EU:C:2021:658, n.o 63 e jurisprudência referida].

56

Assim, por motivos de segurança jurídica, devem ser mantidos os efeitos da decisão impugnada, que é anulada pelo presente acórdão, até que os fundamentos de anulação constatados sejam corrigidos.

Quanto às despesas

57

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Conselho nas despesas e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

58

Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, há que decidir que a República Francesa e o Reino dos Países Baixos suportam as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

A Decisão (UE) 2020/470 do Conselho, de 25 de março de 2020, respeitante à prorrogação do período de aplicação do direito concedido às coproduções audiovisuais nos termos previstos no artigo 5.o do Protocolo relativo à cooperação no domínio da cultura no âmbito do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Coreia, por outro, é anulada.

 

2)

Os efeitos da Decisão 2020/470 são mantidos em vigor até que os fundamentos de anulação constatados sejam corrigidos.

 

3)

O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.

 

4)

A República Francesa e o Reino dos Países Baixos suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.