ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

28 de outubro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — União aduaneira — Pauta aduaneira comum — Classificação pautal — Nomenclatura Combinada — Subposições pautais 15219091 e 15219099 — Interpretação das notas explicativas relativas à subposição 15219099 — Ceras de abelha fundidas e novamente solidificadas antes da sua importação»

Nos processos apensos C‑197/20 e C‑216/20,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo, Alemanha), por Decisões de 14 de abril de 2020, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 7 de maio de 2020, nos processos

KAHL GmbH & Co. KG

contra

Hauptzollamt Hannover (C‑197/20),

e

C. E. Roeper GmbH

contra

Hauptzollamt Hamburg (C‑216/20),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Nona Secção, S. Rodin e N. Piçarra (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da KAHL GmbH & Co. KG, por T. Peterka, Rechtsanwalt,

em representação da C. E. Roeper GmbH, por M. Hackert, Rechtsanwalt,

em representação da Comissão Europeia, por L. Mantl e M. Salyková, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação das subposições 15219091 e 15219099 da Nomenclatura Combinada (a seguir «NC») que figura no anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1), nas suas versões resultantes do Regulamento de Execução (UE) n.o 1101/2014 da Comissão, de 16 de outubro de 2014 (JO 2014, L 312, p. 1), e do Regulamento de Execução (UE) 2015/1754 da Comissão, de 6 de outubro de 2015 (JO 2015, L 285, p. 1).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, a KAHL GmbH & Co. KG (a seguir «KAHL») ao Hauptzollamt Hannover (Serviço Aduaneiro Principal de Hanôver, Alemanha) e, por outro, a C. E. Roeper GmbH (a seguir «Roeper») ao Hauptzollamt Hamburg (Serviço Aduaneiro Principal de Hamburgo, Alemanha) a respeito da classificação pautal das ceras de abelha fundidas e solidificadas, importadas por essas sociedades para a Alemanha.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

O Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (a seguir «SH») foi instituído pela Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, celebrada em Bruxelas, em 14 de junho de 1983, no âmbito da Organização Mundial das Alfândegas (OMA), e aprovada, com o seu Protocolo de Alteração de 24 de junho de 1986, em nome da Comunidade Económica Europeia, pela Decisão 87/369/CEE do Conselho, de 7 de abril de 1987 (JO 1987, L 198, p. 1).

4

As notas explicativas do SH, elaboradas no âmbito da OMA, em conformidade com as disposições daquela Convenção, na sua versão aplicável aos factos no processo principal, contêm as seguintes indicações a propósito das «Ceras de abelha ou de outros insetos, mesmo refinadas ou coradas», abrangidas pela subposição 152190 do SH:

«A cera de abelha é uma substância com que as abelhas constroem as células hexagonais dos favos. Pode consistir em cera virgem ou cera amarela, de estrutura granulosa, de cor amarelo‑clara, laranja e às vezes castanha, com cheiro particularmente agradável, ou em cera branqueada (no ar ou por processos químicos) de cor branca ou ligeiramente amarelada e com cheiro pouco intenso.

Utiliza‑se principalmente para a fabricação de velas, telas, papéis encerados, mástiques, produtos para polimentos ou de encáusticas.

[…]

As ceras de abelha ou de outros insetos podem apresentar‑se quer no estado bruto, mesmo em forma de favos, quer fundidas, prensadas ou refinadas, mesmo descoradas ou coradas.»

Direito da União

NC

5

Como resulta do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2658/87, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 254/2000 do Conselho, de 31 de janeiro de 2000 (JO 2000, L 28, p. 16), a NC, estabelecida pela Comissão Europeia, regula a classificação pautal das mercadorias importadas para a União Europeia. Retoma as posições e as subposições de seis algarismos do SH, sendo que só o sétimo e oitavo algarismos formam subdivisões que lhe são próprias.

6

As regras gerais para a interpretação da NC, que figuram na sua primeira parte, título I, secção A, dispõem:

«A classificação das mercadorias na [NC] rege‑se pelas seguintes regras:

1. Os títulos das secções, capítulos e subcapítulos têm apenas valor indicativo. Para os efeitos legais, a classificação é determinada pelos textos das posições e das notas de secção e de capítulo e, desde que não sejam contrárias aos textos das referidas posições e notas, pelas regras seguintes:

[…]

6. A classificação de mercadorias nas subposições de uma mesma posição é determinada, para efeitos legais, pelos textos dessas subposições e das notas de subposição respetivas, assim como, mutatis mutandis, pelas regras precedentes, entendendo‑se que apenas são comparáveis subposições do mesmo nível. Para os fins da presente regra, as notas de secção e de capítulo são também aplicáveis, salvo disposições em contrário.»

7

Nos termos do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2658/87, conforme alterado pelo Regulamento n.o 254/2000, a Comissão adotará anualmente um regulamento com a versão completa da NC e das taxas dos direitos, tal como resulta das medidas aprovadas pelo Conselho da União Europeia ou pela Comissão. Esse regulamento é publicado no Jornal Oficial da União Europeia até 31 de outubro e é aplicável a partir de 1 de janeiro do ano seguinte.

8

Com base nesta disposição, foram adotados os Regulamentos de Execução n.o 1101/2014 e 2015/1754. Cada um destes regulamentos modificou a NC a contar, respetivamente, de 1 de janeiro de 2015 e de 1 de janeiro de 2016. As disposições desta nomenclatura que são pertinentes para os processos principais mantiveram, no entanto, a mesma redação.

9

A segunda parte da NC, conforme resulta de cada um destes regulamentos de execução, intitulada «Tabela de direitos», contém uma secção III, intitulada «Gorduras e óleos animais ou vegetais; produtos da sua dissociação; gorduras alimentícias elaboradas; ceras de origem animal ou vegetal».

10

Esta secção compreende um capítulo 15, com o mesmo título, que inclui a posição 1521 da NC, estruturada da seguinte forma:

«Código NC

Designação das mercadorias

Taxas dos direitos convencionais (%)

1521

Ceras vegetais (exceto os triglicéridos), ceras de abelha ou de outros insetos e espermacete, mesmo refinados ou corados:

 

1521 10 00

— Ceras vegetais

[…]

1521 90

— Outros:

 

1521 90 10

— — Espermacete, mesmo refinado ou corado

[…]

 

— — Cera de abelhas e de outros insetos, mesmo refinada ou corada

 

1521 90 91

‐ ‐ Em bruto

Isenção

1521 90 99

‐ ‐ ‐ Outra

2,5»

Notas explicativas da NC

11

As notas explicativas da NC são adotadas pela Comissão, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, alínea a), primeiro travessão, do Regulamento n.o 2658/87, conforme alterado pelo Regulamento n.o 254/2000.

12

As que foram publicadas no Jornal Oficial da União Europeia de 4 de março de 2015 (JO 2015, C 76, p. 1) enunciam:

«1521 90 91

Em bruto

Classificam‑se, nomeadamente, nesta subposição as ceras apresentadas em favos.

1521 90 99

Outra

Esta subposição inclui as ceras fundidas, prensadas ou refinadas, mesmo branqueadas ou coradas.»

Regulamento (UE) n.o 142/2011

13

O artigo 25.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento (UE) n.o 142/2011 da Comissão, de 25 de fevereiro de 2011, que aplica o Regulamento (CE) n.o 1069/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho que define regras sanitárias relativas a subprodutos animais e produtos derivados não destinados ao consumo humano e que aplica a Diretiva 97/78/CE do Conselho no que se refere a certas amostras e certos artigos isentos de controlos veterinários nas fronteiras ao abrigo da referida diretiva (JO 2011, L 54, p. 1) sujeita a cera de abelhas em forma de favos a uma proibição de importação e de trânsito.

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C‑197/20

14

Em 11 de dezembro de 2015, a KAHL, que tem por atividade a importação para a União e a transformação de ceras, solicitou ao Serviço Aduaneiro Principal de Hanôver uma informação pautal vinculativa (a seguir «IPV») relativa à classificação de uma mercadoria que designou por «ceras de abelhas, em bruto», propondo classificá‑la na subposição 15219091 da NC, que prevê uma isenção de direitos aduaneiros.

15

Por Decisão de 10 de fevereiro de 2016, o Serviço Aduaneiro Principal de Hanôver emitiu à KAHL uma IPV classificando a mercadoria em causa na subposição 15219099 da NC, que se refere às ceras de abelha «[o]utra», à qual corresponde um direito aduaneiro de 2,5 %.

16

Na sequência do indeferimento da reclamação que apresentou, em 22 de fevereiro de 2016, contra essa decisão, em 30 de agosto de 2017, a KAHL intentou uma ação no órgão jurisdicional de reenvio, alegando, em apoio do seu pedido de classificação da mercadoria em causa na subposição 15219091 da NC, que a classificação de uma cera de abelhas nessa subposição não podia depender do grau de impurezas contido na mesma e que a eliminação de algumas substâncias estranhas no decurso do processo de fundição não tinha nenhuma incidência a este respeito.

17

O Serviço Aduaneiro Principal de Hanôver mantém a sua posição, segundo a qual a mercadoria em causa, por não revestir a forma de favos e apresentar impurezas típicas das ceras sob esta forma, não está abrangida pela subposição 15219091 da NC, mas pela subposição 15219099 da mesma.

18

O órgão jurisdicional de reenvio descreve a mercadoria em causa como cera de abelhas que foi fundida e filtrada grosseiramente no Estado de exportação, e em seguida solidificada antes de ser exportada e que é composta por blocos fundidos de cerca de 15 × 5 centímetros (cm) e por pedaços de cerca de 7 × 4 cm, fáceis de cortar, de cor de mel, com cheiro a cera de abelhas, com fissuras e estruturas resultantes da solidificação da cera fundida, que contém algumas impurezas escuras que aderem exteriormente. Segundo este órgão jurisdicional, não é possível determinar se são substâncias estranhas que se encontravam na cera antes da fundição ou sujidades provenientes dos moldes em que a cera líquida arrefeceu, uma vez que nenhum corpo estranho é visível na cera a olho nu.

19

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio observa que existe uma divergência entre as versões linguísticas das notas explicativas relativas à subposição 15219099 da NC. Com efeito, enquanto o termo «fundidas» acresce aos termos «prensadas ou refinadas» em certas versões destas notas, como nas versões em língua espanhola, alemã, francesa, italiana, neerlandesa, portuguesa e romena destas, o mesmo não figura a par destes dois últimos termos noutras línguas, como nas versões em língua checa, dinamarquesa, inglesa, maltesa, polaca e sueca, das referidas notas. Este órgão jurisdicional considera que é necessário pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a questão de saber se as notas explicativas relativas à subposição 15219099 da NC devem ser aplicadas na sua versão linguística onde figura o termo «fundidas».

20

Segundo esse órgão jurisdicional, no caso de o Tribunal de Justiça responder negativamente a esta questão, a interpretação da expressão «[e]m bruto» que figura na subposição 15219091 da NC torna‑se decisiva para efeitos da classificação pautal das ceras de abelha das quais se eliminaram parcialmente substâncias estranhas. Tendo em conta o significado usual deste termo, bem como as suas definições específicas do domínio referido, o órgão jurisdicional inclina‑se para classificar a mercadoria em causa na subposição 15219091 da NC, tanto mais que essa classificação corresponde igualmente, em seu entender, à perceção do público.

21

Nestas circunstâncias, o Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

As notas explicativas [relativas] à subposição 15219099 da [NC] são aplicáveis, na medida em que utilizam a palavra “fundidas”?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão […]: deve a expressão “[e]m bruto” na aceção da subposição 15219091 da [NC] ser interpretada no sentido de que deve ser classificada nesta subposição a cera de abelhas que foi [fundida] no país de exportação e da qual foram extraídos mecanicamente corpos estranhos no decurso do processo de fundição, mas na qual ainda se observa a presença de corpos estranhos?»

Processo C‑216/20

22

A Roeper importa ceras de abelha para a União com vista à sua revenda a empresas que procedem a um tratamento aprofundado para a indústria cosmética, farmacêutica e alimentar. Em 7 de janeiro de 2015, a Roeper declarou ao Serviço Aduaneiro Principal de Hamburgo, com vista à sua introdução em livre prática, 800 sacos de cera de abelhas.

23

Após análise da amostra, o Serviço Aduaneiro Principal de Hamburgo considerou que a mercadoria em causa devia ser classificada na subposição 15219099 da NC, enquanto ceras de abelha «[o]utra». Nestas condições, por Decisão de 4 de novembro de 2015, este serviço aduaneiro imputou à Roeper uma dívida num montante de 2614 euros, correspondente ao direito aduaneiro de 2,5 % aplicado a esta mercadoria.

24

Na sequência do indeferimento da reclamação que apresentou, em 1 de dezembro de 2015, contra esta decisão, em 25 de setembro de 2017, a Roeper intentou uma ação no órgão jurisdicional de reenvio. Em apoio da sua posição segundo a qual a mercadoria em causa constitui ceras de abelha «[e]m bruto», da subposição 15219091 da NC, alegou que o termo «fundidas», na aceção das notas explicativas relativas à subposição 15219099 da NC, não designa simplesmente o tratamento térmico e a filtragem mecânica das ceras de abelha, mas abrange também a transformação posterior que compreende a purificação e a separação dos componentes da cera, uma vez que estas últimas etapas só ocorrem depois da importação. Além disso, a Roeper pôs em dúvida a aplicação, enquanto critério de delimitação entre ceras de abelha «[e]m bruto» e ceras de abelha «[o]utra», do grau de impureza da cera.

25

O Serviço Aduaneiro Principal de Hamburgo mantém a sua posição segundo a qual a mercadoria em causa está abrangida pela subposição 15219099 da NC, que visa as ceras de abelha «[o]utra», e não pela subposição 15219091 da NC, que visa as ceras de abelha «[e]m bruto».

26

A fundamentação do pedido de decisão prejudicial no processo C‑216/20 corresponde à do pedido de decisão prejudicial no processo C‑197/20, conforme resumida nos n.os 18 a 20 do presente acórdão.

27

Nestas condições, o Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais cuja redação é idêntica à das questões submetidas no processo C‑197/20, enunciadas no n.o 21 do presente acórdão.

28

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2020, os processos C‑197/20 e C‑216/20 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

29

Com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a NC deve ser interpretada no sentido de que as ceras de abelha que foram fundidas, e das quais foi extraída mecanicamente uma parte dos corpos estranhos no decurso do processo de fundição, e depois solidificadas para formar blocos ou placas estão abrangidas pela subposição 15219091 desta nomenclatura, que visa as ceras «[e]m bruto», ou pela subposição 15219099, que visa as ceras «[o]utra».

30

A título preliminar, há que precisar que — uma vez que, no processo C‑197/20, o litígio teve origem numa IPV emitida pelo Serviço Aduaneiro Principal de Hanôver em 10 de fevereiro de 2016 e que, no processo C‑216/20, os factos no processo principal ocorreram no decurso do ano de 2015 — as versões da NC aplicáveis ratione temporis aos litígios nos processos principais são as que resultam, respetivamente, do Regulamento de Execução 2015/1754, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2016, e do Regulamento de Execução n.o 1101/2014, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2015 (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2016, Schenker, C‑409/14,EU:C:2016:643, n.o 10, e de 2 de maio de 2019, Onlineshop, C‑268/18, EU:C:2019:353, n.os 22 a 24). Conforme foi salientado no n.o 8 do presente acórdão, as disposições desta nomenclatura pertinentes para os processos principais mantiveram, contudo, a mesma redação.

31

No que respeita à interpretação da NC solicitada, há que recordar que, em conformidade com as regras gerais para a sua interpretação, a classificação das mercadorias é determinada segundo os termos das posições e das notas de secções e de capítulos desta nomenclatura. Para garantir a segurança jurídica e a facilidade dos controlos, o critério decisivo para a classificação pautal das mercadorias deve ser procurado, de maneira geral, nas suas características e propriedades objetivas, como definidas pela redação da posição da referida nomenclatura e das notas de secção ou de capítulo. O destino do produto pode constituir um critério objetivo de classificação, desde que seja inerente ao produto, uma vez que a inerência deve poder ser apreciada em função das características e das propriedades objetivas do referido produto (Acórdão de 3 de junho de 2021, Flavourstream, C‑822/19, EU:C:2021:444, n.o 34 e jurisprudência referida).

32

Além disso, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que, apesar de as notas explicativas da NC e do SH não terem força vinculativa, essas notas constituem instrumentos importantes para assegurar uma aplicação uniforme da pauta aduaneira comum e fornecem, enquanto tais, elementos válidos para a sua interpretação (Acórdão de 18 de junho de 2020, Hydro Energo, C‑340/19, EU:C:2020:488, n.o 36 e jurisprudência referida).

33

Constitui igualmente jurisprudência constante que a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas, uma vez que as disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União (v., designadamente, Acórdão de 24 de março de 2021, A, C‑950/19, EU:C:2021:230, n.o 37 e jurisprudência referida).

34

No que respeita às disposições da NC pertinentes para os processos principais, a posição 1521, que compreende as «[c]eras vegetais (exceto os triglicéridos), ceras de abelha ou de outros insetos e espermacete, mesmo refinados ou corados», divide‑se em duas subposições, a saber, a subposição 15211000, intitulada «Ceras vegetais», e a subposição 152190, intitulada «Outros». Entre os produtos abrangidos por esta última subposição, figuram, nomeadamente, a «[c]era de abelhas e de outros insetos, mesmo refinada ou corada». Esta está compreendida em duas subposições da NC, a saber, a subposição 15219091, intitulada «Em bruto», e a subposição 15219099, intitulada «Outra». Esta última, como indica a sua redação, é uma subposição residual que abrange as ceras de abelha e de outros insetos não incluídas na subposição 15219091 da NC.

35

As disposições da NC não contêm nenhum elemento que precise até que grau de transformação a cera de abelhas ou de outros insetos conserva o seu caráter «[e]m bruto», para efeitos de classificação na subposição 15219091 da NC, e além de que grau de transformação essa cera deve ser classificada na subposição 15219099 da NC, de ceras «[o]utra». Na falta de tal precisão na NC, há que fazer referência ao sentido habitual da expressão «[e]m bruto» na linguagem corrente, que designa o que está em estado natural, que ainda não foi tratado ou transformado.

36

A este respeito, uma interpretação da subposição 15219091 da NC no sentido de que as ceras que foram objeto de um tratamento térmico, por ocasião do qual uma parte das substâncias estranhas é retirada e que constitui a primeira etapa do processo de transformação e de refinação dessas ceras, não estão abrangidas pelo conceito de ceras «[e]m bruto», e portanto, por esta subposição, impõe‑se devido ao sentido habitual da expressão «[e]m bruto» na linguagem corrente, ao qual há que fazer referência, em conformidade com a jurisprudência citada no n.o 31 do presente acórdão, com o objetivo de garantir a segurança jurídica e a facilidade dos controlos aduaneiros.

37

Esta interpretação da subposição 15219091 da NC é corroborada pelas notas explicativas do SH relativas à subposição 152190 deste, que precisam, na sua versão oficial em língua francesa, bem como, nomeadamente, na sua versão em língua alemã, que «[a]s ceras de abelha ou de outros insetos [se] podem [apresentar] quer no estado bruto, mesmo em forma de favos, quer fundidas, prensadas ou refinadas, mesmo descoradas ou coradas». A enumeração das ceras apresentadas sob forma fundida a par de outras ceras que sofreram processos de tratamento por prensagem ou por refinação indica que as ceras fundidas não são consideradas ceras «no estado bruto».

38

Embora seja verdade que o termo «fundidas» («melted») não consta da versão oficial em língua inglesa das notas explicativas do SH relativas à subposição 152190 deste, onde figuram apenas os termos «pressed or refined», decorre, contudo, da distinção feita nesta versão e na versão oficial dessas notas em língua francesa entre, por um lado, as ceras «no estado bruto» e, por outro, as ceras «prensadas ou refinadas, mesmo branqueadas ou coradas», que as ceras não tratadas ou transformadas são consideradas diferentes das ceras que sofreram um tratamento, seja ele químico ou não químico, com vista à sua transformação.

39

A interpretação adotada no n.o 36 do presente acórdão é, além disso, confirmada pelas notas explicativas da NC. Estas precisam, por um lado, que estão abrangidas na subposição 15219091«nomeadamente […] as ceras apresentadas em favos» e, por outro, que a subposição 15219099«inclui as ceras fundidas, prensadas ou refinadas, mesmo branqueadas ou coradas». Resulta da própria redação destas notas explicativas, nas versões linguísticas em que figura o termo «fundidas», a saber, pelo menos nas versões em língua espanhola, alemã, francesa, italiana, neerlandesa, portuguesa e romena, que as ceras que sofreram um tratamento por fundição pertencem à subposição 15219099 da NC.

40

Embora o termo «fundidas» não conste de outras versões linguísticas das notas explicativas da NC, como as versões em língua checa, dinamarquesa, inglesa, maltesa, polaca e sueca, a subposição 15219091 não pode ser interpretada, mesmo perante essa divergência entre as versões linguísticas dessas notas, no sentido de que estão abrangidas nessa subposição as ceras de abelha que foram objeto dos processos mencionados nas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

41

Antes de mais, as ceras de abelha que sofreram esses processos não são apresentadas, ao contrário das ceras «em favos», referidas nas notas explicativas relativas à subposição 15219091 da NC, no estado natural, como exige a redação desta subposição, lida à luz do objetivo mencionado no n.o 31 do presente acórdão.

42

Em seguida, a redação das notas explicativas relativas à subposição 15219099 da NC, que visa as ceras «[o]utra», inclui, em todas as versões linguísticas dessas notas, as ceras «prensadas ou refinadas, mesmo branqueadas ou coradas», e designa, assim, os produtos que foram objeto de um tratamento com vista à sua transformação. Por conseguinte, esta subposição, contrariamente ao que sustentam as recorrentes no processo principal, não pode ser interpretada de forma restritiva, no sentido de que visa apenas tratamentos que alteram a substância ou a composição material da cera, que deviam ser distinguidos de um simples tratamento térmico, que deixa essa substância ou composição material intacta.

43

Por último, não há nenhuma indicação, nas notas explicativas relativas às subposições 15219091 e 15219099 da NC, no sentido de que, para efeitos da classificação numa ou noutra dessas subposições, se deva distinguir entre os processos que alteram a substância ou a composição material das ceras, que estariam na origem de um produto abrangido pela segunda subposição, e os processos que não implicam essa alteração, que conduziriam a um produto abrangido pela primeira subposição. Bem pelo contrário, a redação das notas explicativas relativas à subposição 15219091 da NC sugere que esta deve ser entendida em sentido estrito, sendo excluídas as ceras que foram objeto de qualquer tratamento com vista à sua transformação ou refinação e devendo, por conseguinte, ser classificadas na subposição 15219099 da NC, de ceras «[o]utra».

44

No caso em apreço, resulta das decisões de reenvio que os produtos em causa no processo principal constituem ceras de abelha que foram fundidas, e das quais foram extraídos mecanicamente corpos estranhos no decurso do processo de fundição, que foram depois novamente aquecidas a uma temperatura máxima de 120 graus Celsius, antes de serem despejadas, através das peneiras, dos mosquiteiros ou de simples tecidos de algodão, em moldes e solidificadas para formar blocos ou placas. Ora, essas ceras, que sofreram diferentes processos com vista à sua transformação, incluindo processos de fundição e de filtragem, não se apresentam no seu estado natural, pelo que a sua classificação na subposição 15219091 da NC, de ceras «[e]m bruto», está excluída. Consequentemente, essas ceras estão abrangidas pela subposição 15219099 desta nomenclatura.

45

Tendo em conta o que precede, há que responder às questões submetidas que a NC deve ser interpretada no sentido de que as ceras de abelha que foram fundidas, e das quais foi extraída mecanicamente uma parte dos corpos estranhos no decurso do processo de fundição, e depois solidificadas para formar blocos ou placas estão abrangidas pela subposição 15219099 desta nomenclatura, que visa as ceras «[o]utra», e não pela subposição 15219091 da referida nomenclatura, que visa as ceras «[e]m bruto».

Quanto às despesas

46

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

A Nomenclatura Combinada que figura no anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, nas suas versões resultantes do Regulamento de Execução (UE) n.o 1101/2014 da Comissão, de 16 de outubro de 2014, e do Regulamento de Execução (UE) 2015/1754 da Comissão, de 6 de outubro de 2015, deve ser interpretada no sentido de que as ceras de abelha que foram fundidas, e das quais foi extraída mecanicamente uma parte dos corpos estranhos no decurso do processo de fundição, e depois solidificadas para formar blocos ou placas estão abrangidas pela subposição 15219099 desta nomenclatura, que visa as ceras «[o]utra», e não pela subposição 15219091 da referida nomenclatura, que visa as ceras «[e]m bruto».

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.