ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

1 de agosto de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 7.o, 8.o e 52.o, n.o 1 — Diretiva 95/46/CE — Artigo 7.o, alínea c) — Artigo 8.o, n.o 1 — Regulamento (UE) 2016/679 — Artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), e n.o 3, segundo parágrafo — Artigo 9.o, n.o 1 — Tratamento necessário ao cumprimento de uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento está sujeito — Objetivo de interesse público — Proporcionalidade — Tratamento que tem por objeto categorias especiais de dados pessoais — Regulamentação nacional que impõe a publicação na Internet de dados contidos nas declarações de interesses privados das pessoas singulares que trabalham no serviço público ou de dirigentes de associações ou de estabelecimentos que recebem fundos públicos — Prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público»

No processo C‑184/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia), por Decisão de 31 de março de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de abril de 2020, no processo

OT

contra

Vyriausioji tarnybinės etikos komisija,

sendo interveniente:

Fondas «Nevyriausybinių organizacijų informacijos ir paramos centras»,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos, N. Jääskinen, I. Ziemele e J. Passer, presidentes de secção, M. Ilešič (relator), J.‑C. Bonichot, A. Kumin e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação do Governo lituano, por K. Dieninis e V. Vasiliauskienė, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

em representação do Governo finlandês, por M. Pere, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por S. L. Kalėda, H. Kranenborg e D. Nardi, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 9 de dezembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), e do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1; retificação no JO 2018, L 127, p. 2, a seguir «RGPD»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe OT à Vyriausioji tarnybinės etikos komisija (Comissão Superior de Prevenção dos Conflitos de Interesses na Função Pública, Lituânia) (a seguir «Comissão Superior») a respeito de uma decisão desta última que declara um incumprimento de OT da sua obrigação de apresentar uma declaração de interesses privados.

Quadro jurídico

Direito internacional

Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção

3

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Resolução 58/4, de 31 de outubro de 2003, da Assembleia‑Geral das Nações Unidas e que entrou em vigor em 14 de dezembro de 2005, foi ratificada por todos os Estados‑Membros e aprovada pela União Europeia pela Decisão 2008/801/CE do Conselho, de 25 de setembro de 2008 (JO 2008, L 287, p. 1).

4

Nos termos do artigo 1.o desta convenção:

«A presente Convenção tem por objeto:

a)

promover e reforçar as medidas que visam prevenir e combater de forma mais eficaz a corrupção;

[…]

c)

promover a integridade, a responsabilidade e a boa gestão dos assuntos e bens públicos.»

5

Nos termos do artigo 7.o, n.o 4, da referida convenção:

«Cada Estado Parte deverá, em conformidade com os princípios fundamentais do seu direito interno, esforçar‑se no sentido de adotar, manter e reforçar sistemas destinados a promover a transparência e a evitar os conflitos de interesses.»

Convenção Penal sobre a Corrupção

6

A Convenção Penal sobre a Corrupção, adotada pelo Conselho da Europa em 27 de janeiro de 1999 e ratificada por todos os Estados‑Membros, enuncia, no seu quarto considerando:

«Sublinhando que a corrupção constitui uma ameaça para o Estado de direito, a democracia e os direitos do homem, mina os princípios de boa administração, de equidade e de justiça social, falseia a concorrência, entrava o desenvolvimento económico e faz perigar à estabilidade das instituições democráticas e os fundamentos morais da sociedade.»

Direito da União

Convenção Relativa à Luta contra a Corrupção em que Estejam Implicados Funcionários

7

A Convenção estabelecida com base no artigo K.3, n.o 2, alínea c), do Tratado da União Europeia, Relativa à Luta contra a Corrupção em que Estejam Implicados Funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados‑Membros (JO 1997, C 195, p. 2), entrada em vigor em 28 de setembro de 2005, prevê, no seu artigo 2.o, epigrafado «Corrupção passiva»:

«1.   Para efeitos da presente convenção, constitui corrupção passiva o facto de um funcionário, intencionalmente, de forma direta ou por interposta pessoa, solicitar ou receber vantagens de qualquer natureza, para si próprio ou para terceiros, ou aceitar promessas dessas vantagens, para que pratique ou se abstenha de praticar, em violação dos deveres do seu cargo, atos que caibam nas suas funções ou no exercício das mesmas.

2.   Cada Estado‑Membro deve adotar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no n.o 1 sejam considerados infrações penais.»

8

O artigo 3.o desta convenção, epigrafado «Corrupção ativa», tem a seguinte redação:

«1.   Para efeitos da presente convenção, constitui corrupção ativa o facto de uma pessoa prometer ou dar intencionalmente, de forma direta ou por interposta pessoa, uma vantagem de qualquer natureza a um funcionário, para este ou para terceiros, para que pratique ou se abstenha de praticar, em violação dos deveres do seu cargo, atos que caibam nas suas funções ou no exercício das mesmas.

2.   Cada Estado‑Membro deve adotar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no n.o 1 sejam considerados infrações penais.»

Diretiva 95/46/CE

9

Os considerandos 10, 30 e 33 da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31), enunciavam:

«(10)

Considerando que o objetivo das legislações nacionais relativas ao tratamento de dados pessoais é assegurar o respeito dos direitos e liberdades fundamentais, nomeadamente do direito à vida privada, reconhecido não só no artigo 8.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais como nos princípios gerais do direito comunitário; que, por este motivo, a aproximação das referidas legislações não deve fazer diminuir a proteção que asseguram, devendo, pelo contrário, ter por objetivo garantir um elevado nível de proteção na Comunidade;

[…]

(30)

Considerando que, para ser lícito, o tratamento de dados pessoais deve, além disso, ser efetuado com o consentimento da pessoa em causa ou ser necessário para a celebração ou execução de um contrato que vincule a pessoa em causa, ou para o cumprimento de uma obrigação legal, ou para a execução de uma missão de interesse público ou para o exercício da autoridade pública, ou ainda para a realização do interesse legítimo de uma pessoa, desde que os interesses ou os direitos e liberdades da pessoa em causa não prevaleçam; […]

[…]

(33)

Considerando que os dados suscetíveis, pela sua natureza, de pôr em causa as liberdades fundamentais ou o direito à vida privada só deverão ser tratados com o consentimento explícito da pessoa em causa; que, no entanto, devem ser expressamente previstas derrogações a esta proibição no que respeita a necessidades específicas, designadamente quando o tratamento desses dados for efetuado com certas finalidades ligadas à saúde por pessoas sujeitas por lei à obrigação de segredo profissional ou para as atividades legítimas de certas associações ou fundações que tenham por objetivo permitir o exercício das liberdades fundamentais.»

10

O objeto desta diretiva estava definido no seu artigo 1.o, nos termos do qual:

«1.   Os Estados‑Membros assegurarão, em conformidade com a presente diretiva, a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais.

2.   Os Estados‑Membros não podem restringir ou proibir a livre circulação de dados pessoais entre Estados‑Membros por razões relativas à proteção assegurada por força do n.o 1.»

11

O artigo 2.o da referida diretiva dispunha:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Dados pessoais”, qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“pessoa em causa”); é considerado identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;

b)

“Tratamento de dados pessoais” (“tratamento”), qualquer operação ou conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição;

[…]»

12

O capítulo II da Diretiva 95/46, intitulado «Condições gerais de licitude do tratamento de dados pessoais», estava subdividido em nove secções.

13

Na secção I, intitulada «Princípios relativos à qualidade dos dados», o artigo 6.o da referida diretiva tinha a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer que os dados pessoais serão: […]

a)

Objeto de um tratamento leal e lícito;

b)

Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que não serão posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. […]

c)

Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e para que são tratados posteriormente;

[…]

2.   Incumbe ao responsável pelo tratamento assegurar a observância do disposto no n.o 1.»

14

Na secção II, epigrafado «Princípios relativos à legitimidade do tratamento de dados», o artigo 7.o da mesma diretiva dispunha:

«Os Estados‑Membros estabelecerão que o tratamento de dados pessoais só poderá ser efetuado se:

[…]

c)

O tratamento for necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito

ou

[…]

e)

O tratamento for necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados;

[…]»

15

Na secção III, epigrafado «Categorias específicas de tratamento», o artigo 8.o da Diretiva 95/46, relativo ao «[t]ratamento de certas categorias específicas de dados», previa:

«1.   Os Estados‑Membros proibirão o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual.

[…]

4.   Sob reserva de serem prestadas as garantias adequadas, os Estados‑Membros poderão estabelecer, por motivos de interesse público importante, outras derrogações para além das previstas no n.o 2, quer através de disposições legislativas nacionais, quer por decisão da autoridade de controlo.

[…]»

RGPD

16

Em conformidade com o seu artigo 94.o, n.o 1, o RGPD revogou a Diretiva 95/46 com efeitos a partir de 25 de maio de 2018. Nos termos do seu artigo 99.o, n.o 2, é aplicável desde essa mesma data.

17

Os considerandos 4, 10, 26, 35, 39 e 51 deste regulamento enunciam:

«(4)

O tratamento dos dados pessoais deverá ser concebido para servir as pessoas. O direito à proteção de dados pessoais não é absoluto; deve ser considerado em relação à sua função na sociedade e ser equilibrado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade. O presente regulamento respeita todos os direitos fundamentais e observa as liberdade e os princípios reconhecidos na [Carta dos direitos fundamentais da União Europeia (Carta)], consagrados nos Tratados, nomeadamente o respeito pela vida privada e familiar, pelo domicílio e pelas comunicações, a proteção dos dados pessoais, a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, a liberdade de expressão e de informação, a liberdade de empresa, o direito à ação e a um tribunal imparcial, e a diversidade cultural, religiosa e linguística.

[…]

(10)

A fim de assegurar um nível de proteção coerente e elevado das pessoas singulares e eliminar os obstáculos à circulação de dados pessoais na União, o nível de proteção dos direitos e liberdades das pessoas singulares relativamente ao tratamento desses dados deverá ser equivalente em todos os Estados‑Membros. […] No que diz respeito ao tratamento de dados pessoais para cumprimento de uma obrigação jurídica, para o exercício de funções de interesse público ou o exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento, os Estados‑Membros deverão poder manter ou aprovar disposições nacionais para especificar a aplicação das regras do presente regulamento. […] Nessa medida, o presente regulamento não exclui o direito dos Estados‑Membros que define as circunstâncias de situações específicas de tratamento, incluindo a determinação mais precisa das condições em que é lícito o tratamento de dados pessoais.

[…]

(26)

Os princípios da proteção de dados deverão aplicar‑se a qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável. […] Para determinar se uma pessoa singular é identificável, importa considerar todos os meios suscetíveis de ser razoavelmente utilizados, tais como a seleção, quer pelo responsável pelo tratamento quer por outra pessoa, para identificar direta ou indiretamente a pessoa singular. […]

[…]

(35)

Deverão ser considerados dados pessoais relativos à saúde todos os dados relativos ao estado de saúde de um titular de dados que revelem informações sobre a sua saúde física ou mental no passado, no presente ou no futuro. […]

[…]

(39)

Os dados pessoais deverão ser adequados, pertinentes e limitados ao necessário para os efeitos para os quais são tratados. Para isso, é necessário assegurar que o prazo de conservação dos dados seja limitado ao mínimo. Os dados pessoais apenas deverão ser tratados se a finalidade do tratamento não puder ser atingida de forma razoável por outros meios. […]

[…]

(51)

Merecem proteção específica os dados pessoais que sejam, pela sua natureza, especialmente sensíveis do ponto de vista dos direitos e liberdades fundamentais, dado que o contexto do tratamento desses dados poderá implicar riscos significativos para os direitos e liberdades fundamentais. […] Tais dados pessoais não deverão ser objeto de tratamento, salvo se essa operação for autorizada em casos específicos definidos no presente regulamento, tendo em conta que o direito dos Estados‑Membros pode estabelecer disposições de proteção de dados específicas, a fim de adaptar a aplicação das regras do presente regulamento para dar cumprimento a uma obrigação legal, para o exercício de funções de interesse público ou para o exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento. Para além dos requisitos específicos para este tipo de tratamento, os princípios gerais e outras disposições do presente regulamento deverão ser aplicáveis, em especial no que se refere às condições para o tratamento lícito. Deverão ser previstas de forma explícita derrogações à proibição geral de tratamento de categorias especiais de dados pessoais, por exemplo, se o titular dos dados der o seu consentimento expresso ou para ter em conta necessidades específicas, designadamente quando o tratamento for efetuado no exercício de atividades legítimas de certas associações ou fundações que tenham por finalidade permitir o exercício das liberdades fundamentais.»

18

O artigo 1.o do RGPD, epigrafado «Objeto e objetivos», dispõe, no seu n.o 2:

«2. O presente regulamento defende os direitos e as liberdades fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente o seu direito à proteção dos dados pessoais.»

19

O artigo 4.o deste regulamento, epigrafado «Definições», tem a seguinte redação:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1)

“Dados pessoais”, informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“titular dos dados”); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;

2)

“Tratamento”, uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição;

[…]

15)

“Dados relativos à saúde”, dados pessoais relacionados com a saúde física ou mental de uma pessoa singular, incluindo a prestação de serviços de saúde, que revelem informações sobre o seu estado de saúde;

[…]»

20

O capítulo II do RGPD, intitulado «Princípios», inclui os seus artigos 5.o a 11.o

21

O artigo 5.o deste regulamento, que tem por objeto os «[p]rincípios relativos ao tratamento de dados pessoais», prevê, no seu n.o 1:

«Os dados pessoais são:

a)

Objeto de um tratamento lícito, leal e transparente em relação ao titular dos dados (“licitude, lealdade e transparência”);

b)

Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e não podendo ser tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades; […] (“limitação das finalidades”);

c)

Adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados (“minimização dos dados”);

[…]»

22

O artigo 6.o do referido regulamento, epigrafado «Licitude do tratamento», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:

[…]

c)

O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

e)

O tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento;

[…]

3.   O fundamento jurídico para o tratamento referido no n.o 1, alíneas c) e e), é definido:

a)

Pelo direito da União; ou

b)

Pelo direito do Estado‑Membro ao qual o responsável pelo tratamento está sujeito.

A finalidade do tratamento é determinada com esse fundamento jurídico ou, no que respeita ao tratamento referido no n.o 1, alínea e), deve ser necessária ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento.[…]. O direito da União ou do Estado‑Membro deve responder a um objetivo de interesse público e ser proporcional ao objetivo legítimo prosseguido.»

23

O artigo 9.o do mesmo regulamento, epigrafado «Tratamento de categorias especiais de dados pessoais», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   É proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados genéticos, dados biométricos para identificar uma pessoa de forma inequívoca, dados relativos à saúde ou dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa.

2.   O disposto no n.o 1 não se aplica se se verificar um dos seguintes casos:

[…]

g)

Se o tratamento for necessário por motivos de interesse público importante, com base no direito da União ou de um Estado‑Membro, que deve ser proporcional ao objetivo visado, respeitar a essência do direito à proteção dos dados pessoais e prever medidas adequadas e específicas que salvaguardem os direitos fundamentais e os interesses do titular dos dados.

[…]»

Direito lituano

24

A Lietuvos Respublikos viešene jų ir privačių integraresų derinimo valstybinėje tarnyboje įstatymas Nr. VIII‑371 (Lei n.o VIII‑371 da República da Lituânia Relativa à Conciliação dos Interesses Públicos e Privados na Função Pública) de 2 de julho de 1997 (Žin., 1997, n.o 67‑1659), na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «Lei Relativa à Conciliação dos Interesses»), tem por objeto, em conformidade com o seu artigo 1.o, a conciliação dos interesses privados das pessoas que trabalham no serviço público e os interesses públicos da sociedade, em assegurar, na tomada de decisões, a prevalência do interesse público, garantir a imparcialidade das decisões e prevenir o aparecimento e o desenvolvimento da corrupção no serviço público.

25

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, desta lei, são abrangidas pelo conceito de «pessoas que trabalham no serviço público» nomeadamente, as pessoas que trabalham em associações ou estabelecimentos públicos financiados pelo orçamento ou fundos do Estado ou de uma autarquia local e investidas de competências administrativas.

26

O artigo 3.o da referida lei, epigrafado «Obrigações das pessoas que se candidatam um posto de trabalho, que trabalham ou que tenham trabalhado no serviço público», prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«2.   As pessoas que se candidatam um posto de trabalho no serviço público, bem como as pessoas referidas no artigo 4.o, n.o 1, da presente lei, devem declarar os seus interesses privados.

3.   As pessoas que tenham cessado funções no serviço público estão sujeitas às restrições previstas na quinta secção da presente lei.»

27

O artigo 4.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, epigrafado «Declaração de interesses privados», dispõe, no seu n.o 1:

«As pessoas que trabalham no serviço público, bem como qualquer pessoa que se candidate a funções no serviço público, devem declarar os seus interesses privados através da apresentação de uma declaração de interesses privados (a seguir “declaração”) Conciliação dos Interesses privados (a seguir “declaração”) em conformidade com as modalidades previstas pela presente lei e por outros atos. […]»

28

Nos termos do artigo 5.o desta lei:

«1.   As pessoas que declaram os seus interesses privados devem apresentar a sua declaração por via eletrónica, segundo as modalidades definidas pela [Comissão Superior], no prazo de 30 dias a contar da data da sua eleição, recrutamento ou nomeação (exceto nos casos referidos no artigo 4.o, n.o 2, da presente lei e nos n.os 2, 3 e 4 deste artigo).

2.   As pessoas que se candidatam um posto de trabalho na função pública (com exceção das pessoas referidas no artigo 4.o, n.o 2, da presente lei e das pessoas cujos dados são classificados nos termos da lei e/ou que exerçam uma atividade de informação, de contraespionagem ou de informação em matéria criminal) apresentam a sua declaração antes da data da sua eleição, recrutamento ou nomeação, salvo disposição em contrário noutros diplomas legais.

3.   As pessoas cujos dados sejam classificados por lei e/ou que exerçam atividades de informação, contraespionagem ou de informação em matéria criminal devem, no prazo de 30 dias a contar da data da sua eleição, recrutamento ou nomeação, apresentar a sua declaração ao diretor, ou ao seu representante devidamente mandatado, da instituição (pessoa coletiva) na qual trabalham, nas modalidades definidas por essa instituição (por esta pessoa coletiva).

4.   Os membros de comissões de contratação pública, as pessoas encarregadas pelo diretor de um poder de adjudicação para celebrar contratos com procedimento simplificado e os peritos que intervenham em procedimentos de contratação pública, apresentam as suas declarações de interesses privados por via eletrónica (se ainda não o fizeram) antes de participar em processos contratação pública. Um membro de uma comissão de contratação pública, uma pessoa encarregada pelo diretor de um poder de adjudicação para celebrar contratos públicos seguindo o procedimento simplificado ou um especialista que intervenha num procedimento de contratação que não tenha apresentado uma declaração de interesses privados não é autorizado a participar no procedimento de contratação e deve ser suspenso das funções em causa.

5.   Se tal estiver previsto no diploma que define as modalidades de funcionamento da instituição (da pessoa coletiva) na qual o interessado trabalha, a declaração pode ser entregue não só ao diretor, ou ao seu representante devidamente mandatado, dessa instituição (dessa pessoa coletiva), mas também ao diretor, ou ao seu representante devidamente mandatado, de uma pessoa coletiva subcontratante dessa instituição (dessa pessoa coletiva) ou que lhe preste contas, ou de uma outra pessoa coletiva.

6.   As instituições autorizadas a aceder às declarações pedem‑nas, nos casos previstos e segundo as modalidades definidas na lei, no local de trabalho do declarante ou à [Comissão Superior].»

29

O artigo 6.o desta lei, epigrafado «Conteúdo da declaração», enuncia:

«1.   O declarante deve mencionar na sua declaração as seguintes informações a seu respeito e do seu cônjuge, concubino ou parceiro:

1)

o nome próprio, apelido, número de identificação pessoal, número de segurança social, empregador(es) e funções;

2)

a pessoa coletiva da qual o declarante ou o seu cônjuge, concubino ou parceiro seja sócio ou acionista;

3)

a atividade por conta própria, como definida na Lei da República da Lituânia Relativa ao Imposto sobre o Rendimento;

4)

a pertença a empresas, estabelecimentos, associações ou fundos e funções aí exercidas, com exceção da filiação em partidos políticos e sindicatos;

5)

os presentes (exceto os de familiares) recebidos no decurso dos últimos doze meses civis, se o seu valor for superior a 150 euros;

6)

as informações sobre as transações celebradas durante os últimos doze meses civis e outras transações em curso, se o valor da transação for superior a 3000 euros;

7)

os familiares próximos ou outras pessoas ou dados conhecidos do declarante que possam estar na origem de um conflito de interesses.

2.   O declarante pode omitir os dados relativos ao seu cônjuge, concubino ou parceiro se viverem separados, não formarem um agregado comum e, portanto, não possua esses dados.»

30

O artigo 10.o da mesma lei, epigrafado «Publicidade de dados relativos a interesses privados», dispõe:

«1.   São públicos e publicados no sítio Internet da Comissão Superior, em conformidade com as modalidades que esta defina, os dados que constam das declarações dos eleitos e das pessoas que ocupam cargos políticos, dos funcionários e agentes do Estado, dos juízes, dos diretores e diretores adjuntos das instituições do Estado ou de uma autarquia local, dos funcionários e agentes de confiança política (pessoal), dos funcionários do Estado que exerçam as funções de diretores e diretores adjuntos de subdivisões de instituições ou estabelecimentos, dos diretores e diretores adjuntos de empresas públicas e de autoridades orçamentais do Estado ou de uma autarquia local, dos diretores e diretores adjuntos de associações ou de estabelecimentos públicos que recebam fundos provenientes do orçamento ou de fundos do Estado ou de uma autarquia local, dos funcionários do Banco da Lituânia investidos de competências de Administração Pública (cargos de fiscalização dos mercados financeiros, de regulação extrajudicial de conflitos entre consumidores e intervenientes nos mercados financeiros e outras funções da Administração Pública), dos membros dos conselhos de fiscalização e de administração e dos diretores e diretores adjuntos de sociedades por ações ou de responsabilidade limitada nas quais o Estado ou uma autarquia local seja proprietário de participações que lhe confiram mais de metade dos direitos de voto em assembleia geral de sócios, dos membros do conselho de administração de empresas públicas do Estado ou de uma autarquia local, dos presidentes e vice‑presidentes de partidos políticos, dos consultores não remunerados, dos assessores e conselheiros de eleitos e de pessoas que ocupam cargos políticos, dos peritos consultados pelas comissões do Parlamento da República da Lituânia, dos membros dos gabinetes ministeriais, dos membros do Conselho do seguro de saúde obrigatório, dos conselheiros não remunerados do Conselho do seguro de saúde obrigatório, dos membros do Conselho nacional da saúde, dos médicos, dentistas e farmacêuticos que trabalham em autoridades orçamentais ou públicas do Estado ou de uma autarquia local, em empresas públicas do Estado ou de autarquias locais ou em empresas das quis o Estado ou uma autarquia local é proprietário de participações que lhe confiram mais de metade dos direitos de voto em assembleia geral de associados, dos titulares de uma licença de estabelecimento de saúde ou de farmácia, e dos membros de comissões de contratação pública, das pessoas encarregadas pelo diretor de um poder de adjudicação de celebrar contratos com procedimento simplificado e dos peritos que intervenham em procedimentos de contratação pública, [com exceção dos dados que constam das declarações de pessoas cujos dados são classificados por lei e/ou que exerçam uma atividade de informação, de contraespionagem ou de informação em matéria criminal]. Quando uma pessoa, cujos dados são públicos, perde o estatuto de declarante, a Comissão Superior, a pedido do interessado, retira a declaração do seu sítio Internet.

2.   Não podem ser tornados públicos os seguintes dados fornecidos na declaração: o número de identificação pessoal, o número de segurança social, dados pessoais específicos, e outras informações cuja divulgação seja proibida por lei. Além disso, os dados da outra parte numa transação, quando se trate de uma pessoa singular, não são publicados.»

31

Nos termos do artigo 22.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, epigrafado «Autoridades e agentes encarregados do controlo»:

«O modo como as pessoas, às quais é aplicável, aplicam a presente lei é controlado:

1)

pela [Comissão Superior];

2)

pelos diretores, ou os seus representantes devidamente mandatados, das instituições ou estabelecimentos do Estado ou das autarquias locais em causa;

3)

pelo diretor da entidade adjudicante ou as pessoas por si devidamente mandatadas (no que respeita aos membros das comissões de adjudicação de contratos públicos, às pessoas encarregadas pelo diretor de uma entidade adjudicante de celebrar contratos seguindo o procedimento simplificado e os peritos que intervêm em processos de comissões de contratação pública);

4)

por outros órgãos do Estado, em conformidade com o previsto na lei.

[…]

3.   Quando existam informações fundamentadas de que uma pessoa não respeita as obrigações legais, os diretores ou os seus representantes devidamente mandatados, das instituições ou estabelecimentos do Estado ou de autarquias locais, ou a instituição com direção colegial do Estado ou da autarquia local investigam, oficiosamente ou mediante instruções da [Comissão Superior], a atividade de serviço da pessoa que trabalha na função pública. A [Comissão Superior] é informada das conclusões do inquérito; tem o poder de avaliar se a apreciação feita no relatório de inquérito sobre o comportamento do interessado está em conformidade com as disposições da presente lei. […]»

32

O artigo 2.o, n.o 5, da Lei da República da Lituânia Relativa à Conciliação dos Interesses Públicos e Privados, na versão em vigor a partir de 1 de janeiro de 2020 (a seguir «Lei Alterada Relativa à Conciliação dos Interesses»), que define o conceito de «pessoas que trabalham na função pública», já não menciona, entre estas, as pessoas que trabalham em associações ou estabelecimentos públicos financiados pelo orçamento ou por fundos do Estado ou de uma autarquia local e investidas de competências administrativas.

33

Nos termos do artigo 4.o, n.o 3, da Lei Alterada Relativa à Conciliação dos Interesses:

«As disposições da presente lei relativas à declaração de interesses privados, bem como os artigos 11.o e 13.o da presente lei, são igualmente aplicáveis:

[…]

8)

aos diretores com poder de adjudicação ou de entidades adjudicantes (a seguir, em conjunto, “entidade adjudicante”), aos membros das comissões de contratação pública, de uma entidade adjudicante, às pessoas encarregadas pelo diretor de uma entidade adjudicante de celebrar contratos após o procedimento simplificado, aos peritos que intervenham em processos de contratação pública, aos iniciadores de concessão […] de uma entidade adjudicante do setor dos serviços de fornecimento, tratamento de águas residuais, energia, transporte ou postais;

[…]»

34

Nos termos do artigo 2.o, n.o 8, da Lietuvos Respublikos asmens duomenų teisinės apsaugos įstatymas Nr. I‑1374 (Lei n.o I‑1374 da República da Lituânia Relativa à Proteção Jurídica dos Dados Pessoais), de 11 de junho de 1996 (Žin., 1996, n.o 63‑1479), na versão em vigor até 16 de julho de 2018:

«Entende‑se por “dados pessoais especiais” dados relativos à origem racial ou étnica, às convicções políticas, religiosas, filosóficas ou outras, à filiação sindical, à saúde, à vida sexual de uma pessoa, bem como informações relativas a uma condenação penal dessa pessoa.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

35

A Comissão Superior é uma autoridade pública encarregada, nomeadamente, de fiscalizar a aplicação da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses e, em especial, de recolher as declarações de interesses privados e de assegurar a sua fiscalização.

36

OT exerce as funções de diretor de QP, um estabelecimento de direito lituano que recebe fundos públicos com atividade no domínio da proteção do ambiente.

37

Por Decisão de 7 de fevereiro de 2018, a Comissão Superior declarou que, não tendo apresentado uma declaração de interesses privados, OT tinha infringido o artigo 3.o, n.o 2, e o artigo 4.o, n.o 1, da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses.

38

Em 6 de março de 2018, OT interpôs recurso de anulação dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio.

39

Em apoio do recurso, OT alega, por um lado, que não figura entre as pessoas sujeitas à obrigação de declaração dos interesses privados, conforme referidas no artigo 2.o, n.o 1, da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses. Com efeito, na sua qualidade de diretor de QP, não está investido de competências de administração pública e não assegura a prestação de um serviço público à população. Além disso, QP, enquanto organização não governamental, exerce a sua atividade de maneira independente em relação aos poderes públicos.

40

Por outro lado, e de qualquer modo, admitindo que seja obrigado a apresentar uma declaração de interesses privados, OT alega que a sua publicação violaria tanto o seu direito ao respeito da sua vida privada como o das outras pessoas que, sendo caso disso, deveria mencionar na sua declaração.

41

A Comissão Superior alega que, na medida em que estava investido de competências administrativas num estabelecimento que beneficiava de um financiamento proveniente de fundos estruturais da União e do orçamento do Estado lituano, OT era obrigado a apresentar uma declaração de interesses privados, mesmo que não fosse funcionário e mesmo admitindo que não exercia competências de Administração Pública. Além disso, a Comissão Superior observa que, embora a publicação de tal declaração seja suscetível de constituir uma ingerência na vida privada do interessado e do seu cônjuge, essa ingerência está prevista na Lei Relativa à Conciliação dos Interesses.

42

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade do regime previsto pela Lei Relativa à Conciliação dos Interesses com o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alíneas c) e e), e n.o 3, do RGPD e com o seu artigo 9.o, n.o 1). Considera que os dados pessoais contidos numa declaração de interesses privados podem revelar informações sobre a vida privada do declarante, do seu cônjuge, concubino ou parceiro e dos seus filhos, pelo que a sua divulgação é de molde a violar o direito das pessoas em questão ao respeito da sua vida privada. Com efeito, esses dados são suscetíveis de desvendar informações particularmente sensíveis, como o facto de a pessoa em causa viver em concubinato ou com uma pessoa do mesmo sexo, cuja divulgação pode provocar grandes incómodos na vida privada dessas pessoas. Os dados relativos aos presentes recebidos e às transações realizadas pelo declarante e pelo seu cônjuge, concubino ou parceiro, também divulgariam determinados detalhes da sua vida privada. Os dados relativos os familiares próximos ou aos conhecimentos do declarante suscetíveis de estar na origem de um conflito de interesses revelariam, por outro lado, informações sobre a família do declarante e sobre as suas relações pessoais.

43

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, embora a Lei Relativa à Conciliação dos Interesses tenha por objetivo garantir o respeito do princípio da transparência no exercício de funções públicas, especialmente quando da tomada de decisões respeitantes à execução do interesse público, a publicação na Internet de elementos suscetíveis de influenciar a tomada dessas decisões não é necessária para alcançar o referido objetivo. Com efeito, a comunicação dos dados pessoais aos organismos visados no artigo 5.o desta lei, bem como a missão de controlo atribuída aos órgãos visados no artigo 22.o da referida lei, constituem medidas suficientes para assegurar a realização do referido objetivo.

44

Nestas condições, o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de VÍlnius, Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve a condição prevista no artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do [RGPD], segundo a qual o tratamento deve ser necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento, ser interpretada, face aos requisitos estabelecidos no artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento, incluindo o requisito de que o direito do Estado‑Membro deve responder a um objetivo de interesse público e ser proporcional ao objetivo legítimo prosseguido, e face aos artigos 7.o e 8.o da Carta, no sentido de que o direito nacional não pode exigir a divulgação de declarações de interesses privados e a respetiva publicação no sítio Web do responsável pelo tratamento, — a [Comissão Superior] —, facultando assim o acesso a esses dados a todas as pessoas que têm acesso à Internet?

2)

Deve a proibição de tratamento de categorias especiais de dados pessoais, estabelecida no artigo 9.o, n.o 1, do [RGPD], tendo em conta as condições estabelecidas no artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento, incluindo a condição estabelecida na sua alínea g), segundo a qual o tratamento deve ser necessário por motivos de interesse público importante, com base no direito da União ou de um Estado‑Membro, deve ser proporcional ao objetivo visado, respeitar a essência do direito à proteção dos dados pessoais e prever medidas adequadas e específicas que salvaguardem os direitos fundamentais e os interesses do titular dos dados, ser interpretada, também face aos artigos 7.o e 8.o da Carta, no sentido de que o direito nacional não pode exigir a divulgação de dados relacionados com declarações de interesses privados que possam implicar a divulgação de dados pessoais, incluindo dados que permitam determinar as opiniões políticas de uma pessoa, filiação sindical, orientação sexual e outras informações pessoais, e a respetiva publicação no sítio Web do responsável pelo tratamento, — a [Comissão Superior] —, facultando o acesso a esses dados a todas as pessoas que têm acesso à Internet?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

45

O Governo lituano e a Comissão Europeia salientaram que, na sequência da alteração da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2020, o recorrente no processo principal deixou de ser abrangido pelo âmbito de aplicação ratione personae desta lei.

46

Por outro lado, a Comissão observa que, num Acórdão de 20 de setembro de 2018, o Lietuvos Respublikos Konstitucinis Teismas (Tribunal Constitucional da República da Lituânia), que tinha sido chamado a pronunciar‑se pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre a constitucionalidade de determinadas disposições da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, constatou que o seu artigo 10.o, que impõe a publicação dos dados relativos aos interesses privados, não estava em causa no litígio no processo principal.

47

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o processo instituído no artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a solução dos litígios que são chamados a decidir (Acórdão de 12 de março de 1998, Djabali, C‑314/96, EU:C:1998:104, n.o 17, e Despacho de 3 de dezembro de 2020, Fedasil, C‑67/20 a C‑69/20, não publicado, EU:C:2020:1024, n.o 18).

48

Segundo jurisprudência igualmente constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. A recusa, por parte do Tribunal de Justiça, sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Stichting Rookpreventie Jeugd e o., C‑160/20, EU:C:2022:101, n.o 82 e jurisprudência referida).

49

Neste caso, importa salientar que, em resposta a um pedido de informações dirigido pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio esclareceu, por um lado, que a legalidade da decisão em causa no processo principal devia ser apreciada tendo em conta as disposições nacionais em vigor à data da adoção dessa decisão. Ora, a Lei Relativa à Conciliação dos Interesses incluía entre as pessoas que deviam apresentar uma declaração de interesses privados as que trabalham em associações ou estabelecimentos públicos financiados pelo orçamento ou pelos fundos do Estado ou de uma autarquia local e investidas de competências administrativas.

50

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio referiu que o recorrente no processo principal, embora já não pudesse ser equiparado a uma pessoa que trabalha no serviço público, na aceção da Lei Alterada Relativa à Conciliação dos Interesses, podia, não obstante, ser abrangido pela categoria de pessoas referida no artigo 4.o, n.o 3, ponto 8, desta lei e que, a esse título, podia ser obrigado a apresentar uma declaração de interesses privados.

51

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio esclareceu que era irrelevante para o litígio no processo principal o Acórdão do Lietuvos Respublikos Konstitucinis Teismas (Tribunal Constitucional da República da Lituânia) de 20 de setembro de 2018, no qual este declarou inadmissível o pedido do órgão jurisdicional de reenvio convidando‑o a pronunciar‑se sobre a conformidade do artigo 10.o, n.os 1 e 2, da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses com a Constituição da República da Lituânia e com o princípio constitucional da proporcionalidade, com o fundamento de que a questão a decidir no processo principal dizia respeito não à publicidade dos dados fornecidos nas declarações de interesses privados, mas à obrigação de apresentar essa declaração.

52

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisou que, embora a questão a decidir no processo principal seja efetivamente, como indicou o Lietuvos Respublikos Konstitucinis Teismas (Tribunal Constitucional da República da Lituânia), a da eventual violação do artigo 3.o, n.o 2, e do artigo 4.o, n.o 1, desta lei devido à inobservância pelo recorrente no processo principal, da sua obrigação de apresentar uma declaração de interesses privados, a verificação da legalidade da decisão em causa no processo principal exige a tomada em conta das consequências imperativas, que decorrem da aplicação do artigo 10.o da referida lei, dessa apresentação, a saber a publicação de determinados dados contidos na declaração de interesses no sítio Internet da Comissão Superior, uma vez que o recorrente invoca a ilegalidade dessa publicação em apoio do seu recurso de anulação interposto dessa decisão.

53

Tendo em conta as indicações assim fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, os elementos adiantados pelo Governo lituano e pela Comissão não são suficientes para ilidir a presunção de pertinência de que beneficiam as questões submetidas e não se pode considerar manifesto que a interpretação das disposições do direito da União solicitada não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, nem que o problema seja hipotético, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio pode ter em conta esta interpretação para efeitos da adoção da sua decisão. Além disso, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas.

54

Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto ao direito aplicável ratione temporis

55

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio solicita a interpretação do RGPD. Em conformidade com o seu artigo 99.o, n.o 2, este regulamento é aplicável desde 25 de maio de 2018, data em que, por força do seu artigo 94.o, n.o 1, revogou a Diretiva 95/46.

56

Por conseguinte, a decisão em causa no processo principal, que foi adotada pela Comissão Superior em 7 de fevereiro de 2018, era regida pela Diretiva 95/46.

57

No entanto, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, através dessa decisão, a Comissão Superior acusou o recorrente no processo principal de não ter apresentado uma declaração de interesses privados, em violação da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses. Nestas condições, tendo em conta as informações mencionadas no n.o 50 do presente acórdão e na falta de elementos que indiquem que o recorrente no processo principal apresentou essa declaração antes de 25 de maio de 2018, ou seja, a data em que o RGPD se tornou aplicável, não está excluído que este regulamento seja aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

58

Por outro lado, não há que distinguir entre as disposições da Diretiva 95/46 e as do RGPD evocadas nas duas questões prejudiciais, conforme reformuladas, devendo considerar‑se que estas disposições têm um alcance semelhante para efeitos da interpretação que o Tribunal de Justiça vier a fazer no âmbito do presente processo (v., por analogia, Acórdão de 21 de novembro de 2013, Dixons Retail, C‑494/12, EU:C:2013:758, n.o 18).

59

Portanto, a fim de fornecer respostas úteis às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que as examinar com fundamento tanto na Diretiva 95/46 como no RGPD.

Quanto à primeira questão

60

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, alíneas c) e e), da Diretiva 95/46 e o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alíneas c) e e), e n.o 3, do RGPD, lidos à luz dos artigos 7.o e 8.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional que prevê a colocação em linha de dados pessoais contidos nas declarações de interesses privados que qualquer diretor de um estabelecimento que receba fundos públicos deve apresentar à autoridade nacional encarregada da recolha dessas declarações e da fiscalização do seu teor.

61

A título preliminar, há que recordar que, segundo o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 95/46, conjugado com o considerando 10 desta, e o artigo 1.o, n.o 2, do RGPD, conjugado com os considerandos 4 e 10 deste, essa diretiva e esse regulamento têm por objeto, nomeadamente, garantir um nível elevado de proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, uma vez que esse está direito igualmente reconhecido no artigo 8.o da Carta e estreitamente ligado ao direito ao respeito da vida privada, consagrado no artigo 7.o da Carta.

62

Para esse fim, o capítulo II da Diretiva 95/46 e os capítulos II e III do RGPD enunciam os princípios que regem o tratamento dos dados pessoais e os direitos da pessoa em causa que este deve respeitar. Em especial, qualquer tratamento de dados pessoais devia, antes da aplicabilidade do RGPD, ser conforme com os princípios relativos à qualidade dos dados e à legitimação dos seus tratamentos enunciados nos artigos 6.o e 7.o desta diretiva e, a partir dessa aplicabilidade, aos princípios relativos ao tratamento dos dados e às condições de licitude do tratamento enumerados nos artigos 5.o e 6.o deste regulamento [v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 2021(Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 96, e de 24 de fevereiro de 2022, Valsts ieņēmumu dienests (Tratamento dos dados pessoais para efeitos fiscais), C‑175/20, EU:C:2022:124, n.o 50].

63

No caso em apreço, o artigo 10.o, n.o 1, da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses prevê que a Comissão Superior proceda à publicação, no seu sítio Internet, das informações que figurem nas declarações de interesses privados apresentadas pelos responsáveis públicos referidos nesta disposição e cujo conteúdo está definido no artigo 6.o, n.o 1, desta lei, com exceção das informações enumeradas no artigo 10.o, n.o 2, da referida lei.

64

A este respeito, há que sublinhar que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça visam unicamente a publicação, no sítio Internet da Comissão Superior, das informações que figurem na declaração de interesses privados que deve apresentar o diretor de uma instituição que receba fundos públicos, e não a obrigação de declaração enquanto tal ou a publicação de uma declaração de interesses noutras circunstâncias.

65

A este propósito, uma vez que dizem respeito a pessoas singulares identificadas pelos seu nomes próprio e apelido, as informações destinadas a serem publicadas no sítio Internet da Comissão Superior constituem dados pessoais, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46 e do artigo 4.o, ponto 1, do RGPD, uma vez que a circunstância de as referidas informações se inscreverem no contexto da atividade profissional do declarante não é suscetível de lhes retirar essa qualificação (Acórdão de 9 de março de 2017, Manni, C‑398/15, EU:C:2017:197, n.o 34 e jurisprudência referida). Acresce que a operação que consiste em fazer figurar dados pessoais numa página Internet constitui um «tratamento», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 95/46 e do artigo 4.o, n.o 2, do RGPD (v., neste sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2015, Weltimmo, C‑230/14, EU:C:2015:639, n.o 37), pelo qual a Comissão Superior é responsável, na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 95/46 e do artigo 4.o, n.o 7, do RGPD [v., por analogia, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 101].

66

Feita esta clarificação, importa examinar se o artigo 7.o da Diretiva 95/46 e o artigo 6.o do RGPD, lidos à luz dos artigos 7.o e 8.o da Carta, se opõem à publicação na Internet de uma parte dos dados pessoais que figurem na declaração de interesses privados que deve ser entregue por qualquer diretor de uma instituição que receba fundos públicos, como a prevista no artigo 10.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses.

67

O artigo 7.o da Diretiva 95/46 e o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RGPD preveem uma lista exaustiva e taxativa dos casos em que um tratamento de dados pessoais pode ser considerado lícito. Assim, para ser considerado como tal, um tratamento deve ser abrangido por um dos casos previstos nessas disposições [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 99 e jurisprudência referida].

68

Ao abrigo do artigo 7.o, alínea e), da Diretiva 95/46 e do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), do RGPD, referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão, é lícito o tratamento que é necessário à execução de uma missão de interesse público ou abrangida pelo exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento. Além disso, segundo artigo 7.o, alínea c), desta diretiva e o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), deste regulamento, ao qual esse órgão jurisdicional fez referência nos fundamentos do seu pedido de decisão prejudicial, é igualmente lícito o tratamento que é necessário ao respeito de uma obrigação legal à qual o responsável pelo tratamento esteja sujeito.

69

O artigo 6.o, n.o 3, do RGPD precisa, a respeito destas duas hipóteses de licitude, que o tratamento deve ser baseado no direito da União ou no direito do Estado‑Membro ao qual o responsável pelo tratamento está sujeito e que essa base jurídica deve corresponder a um objetivo de interesse público e ser proporcionada ao objetivo legítimo prosseguido. Uma vez que estas exigências constituem uma expressão das que decorrem do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, devem ser interpretados à luz esta última disposição e aplicar‑se mutatis mutandis ao artigo 7.o, alíneas c) e e) da Diretiva 95/46.

70

Com efeito, importa recordar que os direitos fundamentais ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais, garantidos nos artigos 7.o e 8.o da Carta, não são prerrogativas absolutas, mas devem ser tomados em consideração a sua função na sociedade e ser ponderados juntamente com outros direitos fundamentais. Podem, assim, ser introduzidas restrições, desde que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, sejam previstas por lei e respeitem o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade. Por força deste último princípio, só podem ser introduzidas restrições se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de outrem. Tais restrições devem ser introduzidas na estrita medida do necessário e a regulamentação que comporte a ingerência deve prever regras claras e precisas que regulem o alcance e a aplicação da medida em causa [Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 105 e jurisprudência referida].

71

No caso em apreço, uma vez que a publicação, no seu sítio Internet, de uma parte dos dados pessoais que figuram na declaração de interesses privados que deve apresentar qualquer diretor de uma instituição que receba fundos públicos, resulta de uma disposição legislativa do direito do Estado‑Membro a que a Comissão Superior está submetida, a saber, do artigo 10.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, esse tratamento é necessário ao cumprimento de uma obrigação legal à qual essa autoridade está vinculada enquanto responsável pelo tratamento e, portanto, é abrangido pela hipótese visada no artigo 7.o, alínea c), da Diretiva 95/46 e no artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), do RGPD. Nestas condições, não é necessário determinar se esse tratamento é igualmente abrangido pela hipótese prevista no artigo 7.o, alínea e), desta diretiva e no artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), desse regulamento.

72

Além disso, uma vez que, como resulta do n.o 63 do presente acórdão, o artigo 10.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses define o alcance da limitação do exercício do direito à proteção dos dados pessoais, a ingerência que daí resulta deve considerar‑se como estando prevista pela lei, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Valsts ieņēmumu dienests (Tratamento de dados pessoais para efeitos fiscais), C‑175/20, EU:C:2022:124, n.o 54].

73

No entanto, como precisado no n.o 69 do presente acórdão, é ainda necessário que o artigo 10.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, enquanto base legal para o tratamento em causa no processo principal, preencha os outros requisitos decorrentes do artigo 52.o, n.o 1, da Carta e do artigo 6.o, n.o 3, do RGPD, nomeadamente que responda a um objetivo de interesse público e que seja proporcionado ao objetivo legítimo prosseguido.

74

No caso em apreço, resulta do artigo 1.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses que, ao adotar o princípio da transparência das declarações de interesses, esta lei visa assegurar a prevalência do interesse público quando da tomada de decisões pelas pessoas que trabalham no serviço público, garantir a imparcialidade dessas decisões e prevenir as situações de conflito de interesses bem como o aparecimento e o aumento da corrupção no serviço público.

75

Tais objetivos, na medida em que consistem em reforçar as garantias de probidade e de imparcialidade dos decisores do setor público, em prevenir os conflitos de interesses e em lutar contra a corrupção no setor público, são incontestavelmente de interesse público e, consequentemente, legítimos.

76

Com efeito, assegurar que os decisores do setor público exercem as suas funções de modo imparcial e objetivo, e evitar que sejam influenciados por considerações relativas a interesses privados visam garantir a boa gestão dos assuntos públicos e dos bens públicos.

77

Além disso, a luta contra a corrupção constitui um objetivo que os Estados‑Membros subscreveram tanto ao nível internacional como ao nível da União.

78

Em especial, ao nível da União, os Estados‑Membros aderiram à Convenção Relativa à Luta contra a Corrupção em que Estejam Implicados Funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados‑Membros, nos termos da qual cada Estado‑Membro deve adotar as medidas necessárias para que a corrupção, ativa ou passiva, que envolva funcionários seja reprimida penalmente.

79

No plano internacional, o artigo 1.o da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção enuncia que esta tem por objeto, nomeadamente, promover e reforçar as medidas que visem prevenir e combater a corrupção de modo mais eficaz bem como promover a integridade, a responsabilidade e a boa gestão dos assuntos e dos bens públicos. Para o efeito, o artigo 7.o, n.o 4, da referida convenção prevê que «[c]ada Estado Parte deverá, em conformidade com os princípios do seu direito interno, esforçar‑se no sentido de adotar, manter e reforçar sistemas destinados a promover a transparência e a evitar os conflitos de interesses».

80

Decorre das considerações que precedem que o tratamento dos dados pessoais em aplicação da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses se destina a responder a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta e a objetivos de interesse público e, portanto, legítimos, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, do RGPD.

81

Por conseguinte, em conformidade com estas disposições, os objetivos mencionados nos n.os 74 e 75 do presente acórdão autorizam limitações ao exercício dos direitos garantidos nos artigos 7.o e 8.o da Carta, desde que, nomeadamente, estas correspondam efetivamente a esses objetivos e sejam proporcionadas aos referidos objetivos.

82

Nestas condições, há que verificar se a colocação em linha, no sítio Internet da Comissão Superior, de uma parte dos dados pessoais contidos na declaração de interesses privados que qualquer diretor de estabelecimento que receba fundos públicos deve apresentar junto dessa autoridade é adequada a alcançar os objetivos de interesse geral definidos no artigo 1.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, e não vai além do que é necessário para alcançar esses objetivos [v., por analogia, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 109].

83

No que respeita, antes de mais, à questão de saber se a publicação no sítio Internet da Comissão Superior, de dados pessoais contidos nas declarações de interesses privados é apta a alcançar o objetivo de interesse geral definido no artigo 1.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, importa salientar que o facto de disponibilizar em linha alguns dos dados pessoais contidos nas declarações de interesses privados dos decisores do setor público, na medida em que permite revelar a existência de eventuais conflitos de interesses que podem influir no exercício das suas funções, é suscetível de os incitar a agir de modo imparcial. Assim, essa aplicação do princípio da transparência é adequada para prevenir os conflitos de interesses e a corrupção, incentivar a responsabilidade dos atores do setor público e, portanto, reforçar a confiança dos cidadãos na ação pública.

84

Por conseguinte, a medida em causa no processo principal afigura‑se apta a contribuir para a realização dos objetivos de interesse geral que essa medida prossegue.

85

No que respeita, em seguida, à exigência de necessidade, resulta do considerando 39 do RGPD que esta está preenchida quando o objetivo de interesse geral visado possa ser razoavelmente alcançado de modo igualmente eficaz através de outros meios menos atentatórios dos direitos fundamentais dos titulares dos dados, em especial os direitos ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais garantidos nos artigos 7.o e 8.o da Carta, uma vez que as derrogações e as restrições ao princípio da proteção desses dados devem operar dentro dos limites do estritamente necessário [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 110 e jurisprudência referida]. Por conseguinte, no caso em apreço, há que verificar se o objetivo de prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público ao reforçar a probidade e a imparcialidade dos seus responsáveis poderia razoavelmente ser alcançado de modo igualmente eficaz através de outras medidas menos atentatórias dos direitos ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais dos diretores de estabelecimentos que recebam fundos públicos.

86

Essa apreciação deve ser efetuada tendo em conta todos os elementos de direito e de facto próprios do Estado‑Membro em questão, como a existência de outras medidas destinadas a prevenir conflitos de interesses e a lutar contra a corrupção, a amplitude desses conflitos e o fenómeno de corrupção no serviço público, bem como a natureza das informações em causa e a importância das funções exercidas pelo declarante, nomeadamente a sua posição hierárquica, o alcance das competências de Administração Pública de que está eventualmente investido e os poderes de que dispõe em matéria de contratação e de gestão de fundos públicos.

87

No caso em apreço, em primeiro lugar, importa salientar que, como resulta do n.o 43 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar que a obrigação de declarar os seus interesses privados nos órgãos referidos nos artigos 5.o e 22.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, bem como a fiscalização, por estes, do cumprimento dessa obrigação e do conteúdo dessa declaração permitem alcançar de modo igualmente eficaz os objetivos prosseguidos por esta lei, a saber, a prevenção dos conflitos de interesses e a luta contra a corrupção no setor público.

88

Segundo as explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, um dos principais argumentos adiantados pela Comissão Superior no processo principal para justificar a publicação das declarações de interesses privados é o facto de não dispor de recursos humanos suficientes para fiscalizar efetivamente todas as declarações que lhe são submetidas.

89

Importa, porém, sublinhar que a falta de recursos concedidos às autoridades públicas não pode, em caso algum, constituir um motivo legítimo que permite justificar uma violação dos direitos fundamentais garantidos pela Carta.

90

Importa igualmente perguntar‑se se é estritamente necessário, para alcançar os objetivos de interesse geral previstos no artigo 1.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, que os diretores de estabelecimentos que recebam fundos públicos estejam, à semelhança das outras categorias de funções referidas na lista mencionada no artigo 10.o, n.o 1, desta lei, sujeitos à publicidade que esta prescreve.

91

A este respeito, o Governo lituano expôs perante o Tribunal de Justiça que a obrigação de fornecer uma declaração de imparcialidade, à qual esses diretores estão sujeitos por força do direito nacional, é suficiente para alcançar os objetivos da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses e que, portanto, a aplicação, a estes, do artigo 10.o desta lei, prevista até à entrada da Lei Alterada Relativa à Conciliação dos Interesses em vigor, em 1 de janeiro de 2020, excedia o estritamente necessário tendo em conta esses objetivos.

92

Em segundo lugar, ainda que a publicação dos dados de caráter privado em causa no processo principal se revelasse necessária para alcançar os objetivos prosseguidos pela Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, importa salientar que um número potencialmente ilimitado de pessoas pode consultar os dados pessoais em causa. Ora, não resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o legislador lituano tenha examinado, quando da adoção desta disposição, se a publicação, sem nenhuma restrição de acesso, desses dados na Internet é estritamente necessária ou se os objetivos visados pela Lei Relativa à Conciliação dos Interesses podem ser alcançados de modo igualmente eficaz, limitando o número de pessoas que podem consultar esses dados.

93

Em terceiro lugar, de qualquer modo, há que recordar que a condição relativa à necessidade do tratamento deve ser examinada conjuntamente com o princípio dito da «minimização dos dados» consagrado no artigo 6.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 95/46 e no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do RGPD, segundo o qual os dados pessoais devem ser adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário à luz das finalidades para que são tratados (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2019, Asociaţia de Proprietari bloc M5A‑ScaraA, C‑708/18, EU:C:2019:1064, n.o 48).

94

Portanto, apenas os dados cuja publicação seja efetivamente de molde a reforçar as garantias de probidade e de imparcialidade dos responsáveis públicos, a prevenir conflitos de interesses e a lutar contra a corrupção no setor público, podem ser objeto de um tratamento da natureza do previsto no artigo 10.o, n.o 1, da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses.

95

No caso em apreço, resulta do artigo 10.o, n.o 2, da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses, e das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio em resposta ao pedido de informações dirigido pelo Tribunal de Justiça, que a maior parte dos dados que devem figurar na declaração de interesses privados, por força do artigo 6.o, n.o 1, desta lei, podem ser publicados no sítio Internet da Comissão Superior, com exceção, nomeadamente, dos números de identificação pessoal das pessoas em causa.

96

A este respeito, se, com um objetivo de prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público, pode ser pertinente exigir que figurem, nas declarações de interesses privados, informações que permitam identificar a pessoa do declarante bem como informações relativas às atividades do cônjuge, concubino ou parceiro do declarante, a divulgação pública, em linha, de dados nominativos relativos ao cônjuge, concubino ou parceiro de um diretor de um estabelecimento que receba fundos públicos, bem como aos próximos ou outras pessoas conhecidas deste suscetíveis de dar origem a um conflito de interesses afigura‑se ir além do que é estritamente necessário. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 66 das suas conclusões, não se afigura que os objetivos de interesse público prosseguidos não poderiam ser alcançados se fosse feita unicamente referência, para efeitos da publicação, à expressão genérica de cônjuge, concubino ou parceiro consoante o caso, juntamente com a indicação pertinente dos interesses detidos por estes últimos em relação com as suas atividades.

97

Também não se afigura que a publicação sistemática, em linha, da lista das transações do declarante cujo valor é superior a 3000 euros seja estritamente necessária tendo em conta os objetivos prosseguidos.

98

Por último, importa recordar que um objetivo de interesse geral não pode ser prosseguido sem ter em conta o facto de que deve ser conciliado com os direitos fundamentais aos quais a medida diz respeito, e isso efetuando uma ponderação equilibrada entre, por um lado, o objetivo de interesse geral e, por outro, os direitos fundamentais em causa (Acórdão de 5 de abril de 2022, Commissioner of An Garda Síochána e o., C‑140/20, EU:C:2022:258, n.o 52). Consequentemente, importa, para apreciar o caráter proporcionado do tratamento em causa no processo principal, medir a gravidade da ingerência nos direitos fundamentais ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais que comporta esse tratamento e verificar se a importância do objetivo de interesse geral por este prosseguido está em relação com essa gravidade.

99

Para avaliar a gravidade dessa ingerência, deve nomeadamente ser tida em conta a natureza dos dados pessoais em causa, em especial a natureza potencialmente sensível desses dados, bem como a natureza e as modalidades concretas do tratamento dos dados em questão, sobretudo o número de pessoas que têm acesso a esses dados e as modalidades de acesso a estes últimos (Acórdão de 11 de dezembro de 2019, Asociaţia de Proprietari bloc M5A‑ScaraA, C‑708/18, EU:C:2019:1064, n.o 57).

100

No caso em apreço, importa salientar, por um lado, que a divulgação pública, em linha, de dados nominativos relativos ao cônjuge, parceiro ou concubino do recorrente ou às pessoas próximas ou deste conhecidas suscetíveis de dar origem a um conflito de interesses, bem como a menção do objeto das transações cujo valor é superior a 3000 euros são suscetíveis de revelar informações sobre certos aspetos sensíveis da vida privada das pessoas em questão, incluindo, por exemplo, a sua orientação sexual. Além disso, na medida em que prevê essa divulgação pública de dados nominativos relativos a pessoas diferentes do declarante na sua qualidade de decisor público, o tratamento de dados pessoais previsto no artigo 10.o da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses também abrange pessoas que não têm essa qualidade e relativamente às quais os objetivos visados por esta lei não se impõem do mesmo modo que para o recorrente.

101

A gravidade dessa ingerência pode ainda aumentar pelo efeito cumulativo dos dados pessoais que são objeto de uma publicação como a que está em causa no processo principal, uma vez que a sua combinação permite elaborar um retrato particularmente detalhado da vida privada das pessoas em questão [v., neste sentido, Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017, EU:C:2017:592, n.o 128].

102

Por outro lado, é pacífico que essa publicação torna esses dados pessoais livremente acessíveis na Internet a todo o público e, por conseguinte, a um número potencialmente ilimitado de pessoas.

103

Por conseguinte, o referido tratamento é suscetível de permitir aceder livremente a esses dados a pessoas que, por razões alheias ao objetivo de interesse geral de prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público, procuram informar‑se sobre a situação pessoal, material e financeira do declarante e dos membros da sua família [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 118].

104

Assim, como salientou o advogado‑geral no n.o 78 das suas conclusões, a divulgação dos referidos dados pode, por exemplo, expor os interessados a operações repetidas de publicidade direcionada e a prospeções de caráter comercial, ou até a riscos de comportamentos criminosos.

105

Portanto, um tratamento, como o que está em causa no processo principal, dos dados pessoais referidos no n.o 100 deste acórdão, deve ser considerado constitutivo de uma ingerência grave nos direitos fundamentais ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais das pessoas em questão.

106

A gravidade dessa ingerência deve ser ponderada com a importância dos objetivos de prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público.

107

A este respeito, o Tribunal de Justiça considera útil, para recordar a importância do objetivo de luta contra a corrupção na União, tomar em consideração o conteúdo do relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 3 de fevereiro de 2014, intitulado «Relatório anticorrupção da UE», [COM (2014) 38 final], do qual resulta que a corrupção, cujos efeitos alteram a boa governança, a sã gestão dos dinheiros públicos e a concorrência ao nível dos mercados, dificulta o desenvolvimento económico, ataca a democracia, compromete a justiça social e o Estado de direito, e que é suscetível de minar a confiança dos cidadãos nas instituições e nos processos democráticos. Este relatório precisa que toda a União é afetada por este fenómeno, de maneira mais ou menos extensa em função dos Estados‑Membros.

108

De modo semelhante, a Convenção Penal sobre a Corrupção, adotada pelo Conselho da Europa qualifica, no seu quarto considerando, a corrupção de «ameaça para o Estado de direito, a democracia e os direitos do homem, [que] mina os princípios de boa administração, de equidade e de justiça social, falseia a concorrência, entrava o desenvolvimento económico e faz perigar à estabilidade das instituições democráticas e os fundamentos morais da sociedade».

109

Tendo em conta o que precede, é incontestável que a luta contra a corrupção reveste a maior importância na União.

110

Neste contexto, a ponderação da ingerência resultante da publicação de dados pessoais contidos nas declarações de interesses privados com os objetivos de interesse geral de prevenção dos conflitos de interesses e da corrupção no setor público implica que se tome em consideração, nomeadamente, a realidade e a amplitude do fenómeno de corrupção no serviço público do Estado‑Membro em questão, pelo que o resultado da ponderação a efetuar entre os objetivos, por um lado, e os direitos ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais da pessoa em questão, por outro, não é forçosamente o mesmo para todos os Estados‑Membros [v., por analogia, Acórdão de 24 de setembro de 2019, (Âmbito territorial da supressão de referências), C‑507/17, EU:C:2019:772, n.o 67].

111

Além disso, como decorre do n.o 86 do presente acórdão, para efeitos dessa ponderação deve ser tido em conta, nomeadamente, o facto de o interesse geral em que sejam publicados dados pessoais poder variar consoante a importância das funções exercidas pelo declarante, designadamente a sua posição hierárquica, o alcance das competências da Administração Pública de que esteja eventualmente investido e os poderes de que dispõe em matéria de contratação e de gestão de fundos públicos (v., por analogia, Acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google, C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 81).

112

Feita esta clarificação, impõe‑se observar que a publicação em linha da maior parte dos dados pessoais contidos na declaração de interesses privados de qualquer diretor de um estabelecimento que receba fundos públicos, como a que está em causa no processo principal, não satisfaz as exigências de uma ponderação equilibrada. Com efeito, em comparação com uma obrigação de declaração associada a uma fiscalização do conteúdo desta última exercido pela Comissão Superior cujo caráter efetivo incumbe ao Estado‑Membro em causa assegurar, dotando o referido órgão dos meios necessários para o efeito, essa publicação representa uma violação consideravelmente mais grave dos direitos fundamentais garantidos nos artigos 7.o e 8.o da Carta, sem que esse agravamento possa ser compensado pelos eventuais benefícios que poderiam resultar da publicação de todos esses dados na prevenção dos conflitos e na luta contra a corrupção.

113

Além disso, não resulta de nenhum elemento dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, que garantias contra os riscos de abuso, como os evocados nos n.os 103 e 104 do presente acórdão, seriam previstas pela legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

114

Todavia, no que respeita aos dados relativos ao facto de o declarante ou, de modo não nominativo, o seu cônjuge, concubino ou parceiro fazerem parte de empresas, estabelecimentos, associações ou fundos, bem como os relativos às suas atividades independentes e às pessoas coletivas nas quais têm a qualidade de sócio ou acionista, há que considerar que a transparência sobre a existência ou a ausência desses interesses permite aos cidadãos, e aos operadores económicos ter uma perceção fiel da independência financeira das pessoas que estão investidas de um poder decisório na gestão de fundos públicos. Além disso, os dados relativos aos presentes recebidos, com exceção das de familiares próximos, cujo valor excede 150 euros, são suscetíveis de revelar a existência de atos de corrupção.

115

Mediante o respeito de uma ponderação equilibrada tendo em conta o grau de poder decisório do declarante, e desde que o princípio da minimização dos dados seja respeitado, a publicação desses dados contidos na declaração de interesses pode ser justificada pelos benefícios que essa transparência proporciona, a título de reforço das garantias de probidade e de imparcialidade dos responsáveis públicos, na prevenção dos conflitos de interesses e na luta contra a corrupção.

116

Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 7.o, alínea c), da Diretiva 95/46 e o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), e n.o 3, do RGPD, lidos à luz dos artigos 7.o, 8.o e 52.o, n.o 1, da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê a publicação em linha da declaração de interesses privados que qualquer diretor de um estabelecimento que receba fundos públicos deve apresentar, na medida em que, designadamente, essa publicação tenha por objeto dados nominativos relativos ao seu cônjuge, concubino ou parceiro, bem como às pessoas próximas ou conhecidas do declarante suscetíveis dar origem a um conflito de interesses, ou ainda qualquer transação celebrada nos últimos doze meses civis cujo valor exceda 3000 euros.

Quanto à segunda questão

117

////Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 e o artigo 9.o, n.o 1, do RGPD devem ser interpretados no sentido de que a publicação, no sítio Internet da autoridade pública encarregada da recolha e da fiscalização do teor das declarações de interesses privados, de dados pessoais suscetíveis de divulgar indiretamente as opiniões políticas, a filiação sindical ou a orientação sexual de uma pessoa singular, constitui um tratamento que tem por objeto categorias específicas de dados pessoais, na aceção destas disposições.

118

Nos termos do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 e do artigo 9.o, n.o 1, do RGPD, são proibidos, nomeadamente, o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa singular. Trata‑se, segundo o título destes artigos, de tratamento de certas categorias especiais de dados pessoais, sendo esses dados igualmente qualificados de «dados sensíveis» no considerando 34 dessa diretiva e no considerando 10 desse regulamento.

119

No caso em apreço, embora os dados pessoais cuja publicação é obrigatória em aplicação do artigo 10.o, n.o 1, da Lei Relativa à Conciliação dos Interesses não constituam, pela sua natureza, dados sensíveis na aceção da Diretiva 95/46 e do RGPD, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio considera que é possível deduzir, a partir dos dados nominativos relativos ao cônjuge, ao concubino ou ao parceiro do recorrente determinadas informações sobre a vida ou a sua orientação sexual e do seu cônjuge, concubino ou parceiro.

120

Nestas condições, há que determinar se os dados que podem revelar, através de uma operação intelectual de aproximação ou de dedução, a orientação sexual de uma pessoa singular pertencem a «certas categorias especiais de dados pessoais», na aceção do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 e do artigo 9.o, n.o 1, do RGPD.

121

A este respeito, segundo jurisprudência constante, para interpretar uma disposição do direito da União, importa ter em conta não só os seus termos mas igualmente o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que aquela faz parte (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Bank Melli Iran, C‑124/20, EU:C:2021:1035, n.o 43 e jurisprudência referida).

122

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 enuncia que os Estados‑Membros proibirão o tratamento de dados pessoais que «revelem» a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual. Quanto ao artigo 9.o, n.o 1, do RGPD, dispõe que são proibidos o tratamento dos dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas ou a filiação sindical, bem como o tratamento dos dados genéticos, dados biométricos para identificar uma pessoa de maneira inequívoca, dos dados «relativos» à saúde ou dos dados «relativos» à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa.

123

Como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 85 das suas conclusões, se o emprego, nessas disposições, do verbo «revelar» se harmoniza com a tomada em consideração de um tratamento que incide não só sobre dados intrinsecamente sensíveis, mas também sobre dados que revelem indiretamente, no termo de uma operação intelectual de dedução ou de aproximação, informações desta natureza, o adjetivo «relativos» parecem, pelo contrário, implicar a existência de uma relação mais direta e imediata entre o tratamento e os dados em causa, considerados na sua natureza intrínseca.

124

Tal interpretação, que levaria a fazer uma distinção em função do tipo de dados sensíveis em causa, não seria, no entanto, coerente com uma análise contextual dessas disposições, em especial com o artigo 4.o, ponto 15, do RGPD, nos termos do qual constituem «dados relativos à saúde», dados pessoais relacionados com a saúde física ou mental de uma pessoa singular, incluindo a prestação de serviços de cuidados de saúde, que «revelem» informações sobre o seu estado de saúde, e com o considerando 35 deste regulamento que enuncia que deveriam ser considerados dados pessoais relativos à saúde todos os dados relativos ao estado de saúde da pessoa em questão que «revelem» informações sobre a saúde física ou mental no passado, no presente ou no futuro da pessoa em questão.

125

Além disso, uma interpretação lata dos conceitos de «categorias específicas de dados pessoais» e de «dados sensíveis» é confortada pelo objetivo da Diretiva 95/46 e do RGPD, recordado no n.o 61 do presente acórdão, que consiste em garantir um nível elevado de proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente da sua vida privada, quanto ao tratamento de dados pessoais que lhes digam respeito (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2003, Lindqvist, C‑101/01, EU:C:2003:596, n.o 50).

126

A interpretação contrária iria, além do mais, contra a finalidade do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 e do artigo 9.o, n.o 1, do RGPD, que consiste em assegurar uma proteção acrescida contra tratamentos que, em razão da sensibilidade particular de dados que são objeto desses tratamentos, podem constituir, conforme também resulta do considerando 33 da Diretiva 95/46 e do considerando 51 do RGPD, uma ingerência particularmente grave nos direitos fundamentais ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais, garantidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2019, GC e o. (Supressão de dados sensíveis), C‑136/17, EU:C:2019:773, n.o 44].

127

Consequentemente, essas disposições não podem ser interpretadas no sentido de que o tratamento de dados pessoais suscetíveis de desvendar, de modo indireto, informações sensíveis, relativas a uma pessoa singular está subtraído ao regime de proteção reforçada previsto por essas disposições, caso contrário seriam postas em causa a eficácia desse regime e a proteção dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas singulares que este se destina a assegurar.

128

Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à segunda questão que o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 e o artigo 9.o, n.o 1, do RGPD devem ser interpretados no sentido de que a publicação, no sítio Internet da autoridade pública encarregada da recolha e da fiscalização do teor das declarações de interesses privados, de dados pessoais suscetíveis de divulgar indiretamente a orientação sexual de uma pessoa singular constitui um tratamento de categorias especiais de dados pessoais, na aceção destas disposições.

Quanto às despesas

129

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

O artigo 7.o, alínea c), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), e terceiro parágrafo, do Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), lidos à luz dos artigos 7.o, 8.o e 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê a publicação em linha da declaração de interesses privados que qualquer diretor de um estabelecimento que receba fundos públicos deve apresentar, na medida em que, designadamente, essa publicação tenha por objeto dados nominativos relativos ao seu cônjuge, concubino ou parceiro, bem como às pessoas próximas ou conhecidas do declarante suscetíveis de dar origem a um conflito de interesses, ou ainda qualquer transação celebrada nos últimos doze meses civis cujo valor exceda 3000 euros.

 

2)

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 95/46 e o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 devem ser interpretados no sentido de que a publicação, no sítio Internet da autoridade pública encarregada da recolha e da fiscalização do teor das declarações de interesses privados, de dados pessoais suscetíveis de divulgar indiretamente a orientação sexual de uma pessoa singular constitui um tratamento que tem por objeto categorias especiais de dados pessoais, na aceção destas disposições.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: lituano.