ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

20 de janeiro de 2022 ( *1 )

[Texto retificado por Despacho de 2 de março de 2022]

«Reenvio prejudicial — Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Diretiva 2003/87/CE — Artigo 3.o‑E — Inclusão de atividades de aviação — Diretiva 2008/101/CE — Atribuição e concessão de licenças a título gratuito aos operadores de aeronaves — Cessação, por um destes operadores, das suas atividades devido a insolvência — Decisão da autoridade nacional competente que recusa a emissão de licenças ao administrador da insolvência da sociedade em liquidação»

No processo C‑165/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgericht Berlin (Tribunal Administrativo de Berlim, Alemanha), por Decisão de 30 de março de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de abril de 2020, no processo

ET, na qualidade de administrador da insolvência da Air Berlin PLC & Co. Luftverkehrs KG,

contra

Bundesrepublik Deutschland,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, C. Lycourgos (relator), presidente da Quarta Secção, I. Jarukaitis e M. Ilešič, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de junho de 2021,

vistas as observações apresentadas:

em representação de ET, na qualidade de administrador da insolvência da Air Berlin PLC & Co. Luftverkehrs KG, por B. Schröder e H. Krüger, Rechtsanwälte,

[Conforme retificado por Despacho de 2 de março de 2022] em representação da Bundesrepublik Deutschland, por A. Nendl‑Damerius, na qualidade de agente, assistido por G. Buchholz, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, inicialmente por J. Möller, P.‑L. Krüger e S. Heimerl e em, seguida, por J. Möller e P.‑L. Krüger, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B. De Meester, C. Hermes e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de setembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO 2003, L 275, p. 32), conforme alterada pelo Regulamento (UE) 2017/2392 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 350, p. 7) (a seguir «Diretiva 2003/87»), assim como a validade do artigo 10.o, n.o 5, do artigo 29.o, do artigo 55.o, n.o 1, alínea a), e n.o 3, e do artigo 56.o do Regulamento (UE) n.o 389/2013 da Comissão, de 2 de maio de 2013, que estabelece um Registo da União nos termos da Diretiva 2003/87 e das Decisões n.o 280/2004/CE e n.o 406/2009 CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga os Regulamentos (UE) n.o 920/2010 e (UE) n.o 1193/2011 da Comissão (JO 2013, L 122, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe ET, na qualidade de administrador da insolvência da Air Berlin PLC & Co. Luftverkehrs KG (a seguir «Air Berlin»), à Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha), representada pelo Umweltbundesamt (Instituto Federal do Meio Ambiente), a respeito de uma decisão que pôs termo à emissão a título gratuito de licenças de emissão de gases com efeito de estufa anteriormente atribuídas.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2003/87

3

Nos termos do artigo 1.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/87, sob a epígrafe «Objeto»:

«A presente diretiva cria um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa […] a fim de promover a redução das emissões de gases com efeito de estufa em condições que ofereçam uma boa relação custo‑eficácia e sejam economicamente eficientes.»

4

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se às emissões provenientes das atividades enumeradas no anexo I e aos gases com efeito de estufa enumerados no anexo II.»

5

O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

o)

“operador de aeronave”, a pessoa responsável pela operação de uma aeronave no momento em que a mesma realiza uma das atividades de aviação enumeradas no anexo I ou, se essa pessoa não for conhecida nem identificada pelo proprietário da aeronave, o proprietário da aeronave;

[…]»

6

O artigo 3.o‑C da mesma diretiva, sob a epígrafe «Quantidade total de licenças de emissão atribuídas às atividades de aviação», dispõe:

«1.   Para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2012, a quantidade total de licenças de emissão a atribuir aos operadores de aeronaves é equivalente a 97 % das emissões históricas da aviação.

2.   Para o período […] com início em 1 de janeiro de 2013 […] a quantidade total de licenças de emissão a atribuir aos operadores de aeronaves é equivalente a 95 % das emissões históricas da aviação multiplicadas pelo número de anos do período.

[…]

3‑A.   Após 31 de dezembro de 2023, a atribuição de licenças para as atividades da aviação com origem e destino em aeródromos situados em países fora do Espaço Económico Europeu (EEE) é objeto da revisão a que se refere o artigo 28.o‑B.

[…]»

7

O artigo 3.o‑D da Diretiva 2003/87, sob a epígrafe «Método de atribuição das licenças de emissão às atividades de aviação por leilão», prevê:

«1.   No período referido no n.o 1 do artigo 3.o‑C, são leiloados 15 % das licenças de emissão.

2.   A partir de 1 de janeiro de 2013, são leiloados 15 % das licenças de emissão. […]

[…]»

8

Nos termos do artigo 3.o‑E desta diretiva, sob a epígrafe «Atribuição e concessão de licenças de emissão aos operadores de aeronaves»:

«1.   Para cada um dos períodos referidos no artigo 3.o‑C, cada operador de aeronaves pode pedir que lhe sejam atribuídas licenças de emissão que devam ser atribuídas a título gratuito. Os pedidos podem ser feitos mediante apresentação, à autoridade competente do Estado‑Membro responsável, dos dados relativos às toneladas‑quilómetro verificadas para as atividades de aviação enumeradas no anexo I realizadas por esse operador de aeronaves no ano de monitorização. […] Qualquer pedido deve ser apresentado pelo menos 21 meses antes do início do período a que diz respeito […].

2.   Pelo menos 18 meses antes do início do período a que dizem respeito os pedidos […], os Estados‑Membros comunicam à Comissão os pedidos recebidos ao abrigo do n.o 1.

3.   Pelo menos 15 meses antes do início de cada um dos períodos referidos no n.o 2 do artigo 3.o‑C […], a Comissão calcula e estabelece mediante a aprovação de uma decisão:

a)

A quantidade total de licenças de emissão a atribuir para esse período, nos termos do artigo 3.o‑C;

b)

O número de licenças de emissão a leiloar nesse período, nos termos do artigo 3.o‑D;

c)

O número de licenças de emissão da reserva especial para operadores de aeronaves nesse período, nos termos do n.o 1 do artigo 3.o‑F;

d)

O número de licenças de emissão a atribuir a título gratuito durante esse período, subtraindo o número de licenças de emissão a que se referem as alíneas b) e c) da quantidade total de licenças de emissão decididas ao abrigo da alínea a); e

e)

O valor de referência a utilizar para a atribuição das licenças de emissão a título gratuito aos operadores de aeronaves cujos pedidos tenham sido apresentados à Comissão nos termos do n.o 2.

[…]

4.   No prazo de três meses a contar da data da aprovação de uma decisão pela Comissão ao abrigo do n.o 3, cada Estado‑Membro responsável calcula e publica:

a)

O número total de licenças de emissão atribuídas para o período a cada um dos operadores de aeronaves cujo pedido tenha sido apresentado à Comissão nos termos do n.o 2, calculado multiplicando os dados relativos às toneladas‑quilómetro incluídos nos pedidos pelo valor de referência a que se refere a alínea e) do n.o 3; e

b)

O número de licenças de emissão atribuídas a cada operador de aeronaves para cada ano, calculado dividindo o número total de licenças de emissão que lhe tenham sido atribuídas para o período, calculado nos termos da alínea a), pelo número de anos do período durante o qual o operador de aeronaves realiza uma das atividades de aviação enumeradas no anexo I.

5.   Até 28 de fevereiro de 2012 e até 28 de fevereiro de cada ano subsequente, a autoridade competente do Estado‑Membro responsável concede, a cada um dos operadores de aeronaves, o número de licenças de emissão atribuídas a esse operador para o ano em causa ao abrigo do presente artigo ou do artigo 3.o‑F.»

9

O artigo 3.o‑F da referida diretiva, sob a epígrafe «Reserva especial para certos operadores de aeronaves», dispõe:

«1.   Em cada um dos períodos referidos no n.o 2 do artigo 3.o‑C, devem ser reservados 3 % da quantidade total de licenças de emissão a atribuir numa reserva especial destinada aos operadores de aeronaves:

a)

Que iniciem uma atividade de aviação abrangida pelo anexo I depois do ano de monitorização para o qual tenham sido apresentados dados referentes às toneladas‑quilómetro ao abrigo do n.o 1 do artigo 3.o‑E relativamente a um dos períodos a que se refere o n.o 2 do artigo 3.o‑C; ou

b)

Cujos dados relativos às toneladas‑quilómetro registem um aumento anual superior a 18 % entre o ano de monitorização para o qual tenham sido apresentados dados referentes às toneladas‑quilómetro ao abrigo do n.o 1 do artigo 3.o‑E relativamente a um dos períodos a que se refere o n.o 2 do artigo 3.o‑C e o segundo ano civil desse período;

e cuja atividade ao abrigo da alínea a), ou atividade adicional ao abrigo da alínea b), não seja, no todo ou em parte, uma continuação da atividade de aviação previamente realizada por outro operador de aeronaves.

2.   Um operador de aeronaves elegível ao abrigo do n.o 1 pode pedir que lhe sejam atribuídas licenças de emissão a título gratuito, a partir da reserva especial, apresentando um pedido nesse sentido à autoridade competente do seu Estado‑Membro responsável. Os pedidos devem ser apresentados até 30 de junho do terceiro ano do período a que se refere o n.o 2 do artigo 3.o‑C a que os mesmos dizem respeito.

[…]»

10

O artigo 12.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Transferência, devolução e anulação de licenças de emissão», prevê, no seu n.o 2‑A:

«Os Estados‑Membros responsáveis devem assegurar a devolução por cada operador de aeronaves, até 30 de abril de cada ano, de um número de licenças de emissão equivalente ao total das emissões do ano civil anterior […] provenientes de atividades de aviação enumeradas no anexo I em relação às quais é considerado o operador da aeronave. Os Estados‑Membros garantem que as licenças de emissão devolvidas nos termos do presente número são consequentemente anuladas.»

11

Nos termos do artigo 28.o‑A da Diretiva 2003/87, sob a epígrafe «Derrogações aplicáveis antes da aplicação da medida baseada no mercado global da [Organização da Aviação Civil Internacional (OACI)]»:

«1.   Não obstante o disposto no artigo 12.o, n.o 2‑A […], os Estados‑Membros consideraram cumpridos os requisitos estabelecidos nas referidas disposições e não adotam nenhuma medida contra os operadores de aeronaves no que diz respeito a:

a)

Todas as emissões provenientes de voos com origem ou destino em aeródromos situados em países que não pertencem ao EEE, em cada ano civil a partir de 1 de janeiro de 2013 e até 31 de dezembro de 2023, sem prejuízo da revisão a que se refere o artigo 28.o‑B;

b)

Todas as emissões provenientes de voos entre um aeródromo situado numa região ultraperiférica na aceção do artigo 349.o [TFUE] e um aeródromo situado noutra região do EEE em cada ano civil a partir de 1 de janeiro de 2013 e até 31 de dezembro de 2023, sem prejuízo da revisão a que se refere o artigo 28.o‑B.

[…]

2.   Não obstante o disposto nos artigos 3.o‑E e 3.o‑F, deve ser emitido, a cada ano, aos operadores de aeronaves que beneficiem das exceções previstas no n.o 1 do presente artigo, alíneas a) e b), um número de licenças de emissão a título gratuito reduzido proporcionalmente em função da redução da obrigação de devolução prevista nas referidas alíneas.

[…]

No que diz respeito às atividades no período compreendido entre 1 de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2023, os Estados‑Membros publicam, até 1 de setembro de 2018, o número de licenças do setor da aviação concedidas a cada operador de aeronaves.

[…]»

12

O artigo 28.o‑B desta diretiva, sob a epígrafe «Comunicação e revisão de informações pela Comissão sobre a aplicação da medida baseada no mercado global da OACI», dispõe:

«1.   Até 1 de janeiro de 2019 e periodicamente a partir dessa data, a Comissão informa o Parlamento Europeu e o Conselho sobre a evolução das negociações na OACI para a aplicação, a partir de 2021, da medida baseada no mercado global às emissões […].

[…]

2.   No prazo de 12 meses a contar da adoção pela OACI dos instrumentos pertinentes, e antes de a medida baseada no mercado global se tornar operacional, a Comissão apresenta um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho no qual analisa as formas de aplicar os referidos instrumentos no direito da União através da revisão da presente diretiva. […]

[…]»

13

O anexo I da referida diretiva, sob a epígrafe «Categorias de atividades abrangidas pela presente diretiva», inclui uma rubrica «Aviação», que compreende, com algumas exceções, os «[v]oos com chegada ou partida num aeródromo situado no território de um Estado‑Membro ao qual se aplica o Tratado».

Diretiva 2008/101/CE

14

Nos termos do considerando 20 da Diretiva 2008/101/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, que altera a Diretiva 2003/87 de modo a incluir as atividades da aviação no regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade (JO 2009, L 8, p. 3):

«A fim de evitar distorções da concorrência, deverá ser definida uma metodologia harmonizada para determinar a quantidade total de licenças de emissão a emitir e para as distribuir pelos operadores de aeronaves. Parte das licenças de emissão será atribuída por leilão, segundo regras a definir pela Comissão. Deverá ser constituída uma reserva especial de licenças de emissão a fim de garantir o acesso ao mercado de novos operadores de aeronaves e assistir os operadores de aeronaves que aumentem repentinamente o número de toneladas‑quilómetro efetuadas. Os operadores de aeronaves que cessem as suas operações deverão continuar a receber licenças de emissão até ao final do período para o qual já tenham sido atribuídas licenças de emissão a título gratuito.»

Regulamento n.o 389/2013

15

O artigo 10.o do Regulamento n.o 389/2013, sob a epígrafe «Estado das contas», dispõe:

«1.   As contas devem ter um dos seguintes estados: aberta, bloqueada, excluída ou encerrada.

[…]

5.   Após a notificação pela autoridade competente de que os voos de um operador de aeronave já não estão incluídos no regime da União em conformidade com o estabelecido no anexo I da Diretiva [2003/87], o administrador nacional deve atribuir à respetiva conta de depósito de operador de aeronave o estado de excluída, depois de informar previamente o operador de aeronave em causa e até que a autoridade competente o informe de que os voos do operador de aeronave estão novamente incluídos no regime da União.

[…]»

16

Nos termos do artigo 29.o deste regulamento, sob a epígrafe «Encerramento de contas de depósito de operador de aeronave»:

«As contas de depósito de operador de aeronave só devem ser encerradas pelo administrador nacional se este tiver recebido instruções da autoridade competente nesse sentido pelo facto de a autoridade competente ter tido conhecimento de que se verificou uma fusão do operador de aeronave com outro operador de aeronave ou que o operador de aeronave cessou permanentemente todas as suas atividades abrangidas pelo anexo I da Diretiva [2003/87], quer através de uma notificação apresentada pelo titular da conta quer por qualquer outro meio de prova.»

17

O artigo 55.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Alterações da tabela nacional de atribuição para a aviação», prevê:

«1.   O administrador nacional deve proceder a alterações da tabela nacional de atribuição para a aviação […] quando:

a)

Um operador de aeronave cessou todas as suas operações abrangidas pelo anexo I da Diretiva [2003/87];

[…]

3.   A Comissão deve dar instruções ao administrador central para efetuar as alterações correspondentes na tabela nacional de atribuição para a aviação […] se considerar que a alteração à tabela nacional de atribuição para a aviação está em conformidade com a Diretiva [2003/87] […].

[…]»

18

O artigo 56.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Atribuição de licenças de emissão para a aviação a título gratuito», estabelece:

«1.   O administrador nacional deve indicar, em relação a cada operador de aeronave e cada ano, se o operador de aeronave deve ou não receber uma atribuição para esse ano na tabela nacional de atribuição para a aviação.

2.   A partir de 1 de fevereiro de 2013, o administrador central deve assegurar que o Registo da União proceda à transferência automática de licenças de emissão da aviação da conta de atribuição para a aviação UE, em conformidade com a tabela nacional de atribuição relevante, para a conta de depósito de operador de aeronave aberta ou bloqueada relevante […]

[…]»

Direito alemão

19

O § 2, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», da Treibhausgas‑Emissionshandelsgesetz (Lei do Comércio das Licenças de Emissão de Gases com Efeito de Estufa), de 21 de julho de 2011 (BGBl. 2011 I, p. 1475), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «TEHG»), dispõe, no seu n.o 6:

«No que diz respeito às atividades de aviação, o âmbito de aplicação da presente lei abrange todas as emissões de uma aeronave resultantes do consumo de combustível. […] Esta lei aplica‑se apenas às atividades de aviação exercidas:

1.

por operadores de aeronaves titulares de uma licença de exploração alemã […] em vigor; ou

2.

por operadores de aeronaves que foram atribuídos à Alemanha enquanto Estado‑Membro responsável […] e que não sejam titulares de uma licença de exploração válida emitida por outro Estado [parte no EEE].

[…]»

20

O § 9 da TEHG, sob a epígrafe «Atribuição de licenças de emissão a título gratuito a operadores de instalações», estabelece, no seu n.o 6:

«A decisão de atribuição deve ser revogada se, na sequência de um ato jurídico da União Europeia, tiver de ser alterada retroativamente. […]»

21

Nos termos do § 11 da TEHG, sob a epígrafe «Atribuição geral de licenças de emissão a título gratuito a operadores de aeronaves»:

«1)   É atribuído ao operador de aeronaves, para um período de comércio, um número de licenças de emissão a título gratuito que corresponde ao produto do desempenho do transporte durante o ano de base […] e ao valor de referência calculado nos termos […] da Diretiva 2003/87.

[…]

6)   A autoridade competente deve atribuir licenças de emissão a título gratuito no prazo de três meses a contar da data de publicação pela Comissão […] do valor de referência nos termos do artigo 3.o‑E, n.o 3, da Diretiva 2003/87. […]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22

Por Decisão de 12 de dezembro de 2011, a Deutsche Emissionshandelsstelle (Autoridade Alemã do Comércio de Licenças de Emissão, a seguir «DEHSt») atribuiu à Air Berlin, ao abrigo do § 11 da TEHG, um total de 28759739 licenças de emissão de gases com efeito de estufa a título gratuito (a seguir «licenças de emissão da aviação»), das quais 3360363 foram atribuídas para o ano de 2012 e 3174922 anualmente para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2020.

23

Por Decisão de 15 de janeiro de 2015, a DEHSt revogou 9980071 licenças de emissão da aviação, devido à introdução, por um ato da União, de uma isenção temporária, para os anos de 2013 a 2016, da obrigação de comércio de licenças para determinados voos internacionais. Esta revogação tornou‑se definitiva e o número de licenças de emissão da aviação atribuídas à Air Berlin para os anos de 2012 a 2020 diminuiu, assim, para 18779668 unidades.

24

Em 15 de agosto de 2017, a Air Berlin requereu a abertura de um processo de insolvência a seu respeito. No mesmo dia, o Amtsgericht Charlottenburg (Tribunal de Primeira Instância de Charlottenbourg, Alemanha) deu início ao processo provisório de insolvência sem inibição da atividade e designou o demandante no processo principal administrador provisório dos bens.

25

Em 28 de outubro de 2017, a Air Berlin cessou oficialmente as suas atividades de aviação.

26

Por Despacho de 1 de novembro de 2017, o Amtsgericht Charlottenburg (Tribunal de Primeira Instância de Charlottenbourg) deu início ao processo principal de insolvência e designou o demandante no processo principal administrador dos bens. Em seguida, por Decisão de 16 de janeiro de 2018, esse órgão jurisdicional, a pedido da Air Berlin, pôs termo ao processo de insolvência sem inibição da atividade e nomeou o demandante no processo principal administrador da insolvência.

27

Por Decisão de 28 de fevereiro de 2018 dirigida ao demandante no processo principal, a DEHSt procedeu a uma nova revogação parcial de licenças de emissão da aviação, reavaliando o número destas licenças atribuídas à Air Berlin para os anos de 2013 a 2020 em 12159960 unidades.

28

A DEHSt baseou esta decisão, por um lado, na extensão, para os anos de 2017 a 2020, da isenção da obrigação de comércio de licenças para determinados voos internacionais e, por outro, no facto de, antes do final de 2017, a Air Berlin ter posto termo às suas atividades de aviação. Tendo em conta esta última circunstância, a DEHSt afirmou que não havia que atribuir licenças de emissão da aviação para os anos de 2018 a 2020. Por esta mesma razão, decidiu atribuir à conta de depósito de operador de aeronaves da Air Berlin o estado de «excluída», na aceção do artigo 10.o, n.o 5, do Regulamento n.o 389/2013.

29

O demandante no processo principal reclamou desta decisão, na medida em que a mesma se baseava na cessação das atividades da Air Berlin. Invocou, nomeadamente, o princípio da proteção da confiança legítima e o considerando 20, quarto período, da Diretiva 2008/101.

30

Por Decisão de 19 de junho de 2018, a DEHSt indeferiu essa reclamação. Em seu entender, o demandante no processo principal não pode utilmente invocar o princípio da proteção da confiança legítima, uma vez que resulta do artigo 10.o, n.o 5, do Regulamento n.o 389/2013 que as licenças de emissão da aviação deixam de poder ser atribuídas quando o operador de aeronaves em causa já não efetua voos sujeitos ao comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa. Não há que ter em conta o considerando 20, quarto período, da Diretiva 2008/101, visto que o conteúdo deste período não está refletido nas disposições substantivas da legislação da União.

31

Em 23 de julho de 2018, o demandante no processo principal pediu apoio judiciário para interpor um recurso. Por Despacho de 16 de dezembro de 2019, o Oberverwaltungsgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Administrativo Superior de Berlim‑Brandemburgo, Alemanha) concedeu tal apoio, considerando que é possível inferir da Diretiva 2008/101 que a cessação das atividades de aviação não justifica a revogação de licenças de emissão da aviação.

32

Em 2 de janeiro de 2020, o demandante no processo principal interpôs recurso da Decisão de 28 de fevereiro de 2018 no Verwaltungsgericht Berlin (Tribunal Administrativo de Berlim, Alemanha). Observa que a TEHG não previa a possibilidade de as licenças de emissão da aviação serem revogadas em caso de cessação das atividades de aviação. Decorre inequivocamente do considerando 20, quarto período, da Diretiva 2008/101 que o legislador da União pretendeu que as licenças de emissão da aviação atribuídas continuassem a ser emitidas nesse caso.

33

O demandante no processo principal afirma que, alguns meses antes da cessação das suas atividades de aviação, a Air Berlin vendeu a maioria das licenças de emissão da aviação que lhe tinham sido atribuídas para o ano de 2017. Fê‑lo por considerar, com total confiança legítima, que as licenças de emissão da aviação atribuídas para os anos de 2018 a 2020 continuariam a ser‑lhe emitidas e que, assim, estaria em condições de cumprir, no que respeita ao ano de 2018, as suas obrigações de devolução de licenças para as emissões resultantes dos seus voos efetuados durante o ano de 2017.

34

O direito de um operador de aeronaves à manutenção das licenças de aviação que lhe foram atribuídas não está sujeito a nenhuma condição especial e também não depende da questão de saber se, após a cessação das atividades desse operador, estas são continuadas por outros operadores, na aceção do artigo 3.o‑F, n.o 1, da Diretiva 2003/87. Não obstante, o demandante no processo principal precisa que, na sequência da cessação das atividades da Air Berlin, as faixas horárias (slots) desta foram vendidas a outras companhias aéreas.

35

Segundo a demandada no processo principal, a decisão de atribuição inicial assentava na presunção de que a Air Berlin exercia, durante todo o período de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (a seguir «período de comércio») em causa, atividades de aviação sujeitas à obrigação de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa. Ora, depois da sua cessação de atividades, a Air Berlin deixaria de estar sujeita ao regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (a seguir «RCLE») previsto na Diretiva 2003/87, pelo que, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 5, do Regulamento n.o 389/2013, a sua conta de depósito de operador de aeronaves foi excluída deste regime. Por outro lado, com a expiração, em 1 de fevereiro de 2018, da sua licença de exploração, a Air Berlin deixou de ter o estatuto de operador de aeronaves, na aceção do § 2, n.o 6, da TEHG.

36

No que respeita ao considerando 20, quarto período, da Diretiva 2008/101, a demandada no processo principal alega que este período está em contradição com o RCLE e, por conseguinte, não pode ser tido em conta. Além disso, considera que o demandante no processo principal não pode invocar qualquer confiança legítima da Air Berlin, uma vez que esta sociedade não podia razoavelmente pressupor que continuaria a receber licenças de emissão da aviação após a cessação das suas atividades.

37

O órgão jurisdicional de reenvio constata que a legalidade da revogação das licenças de emissão da aviação para os anos de 2018 a 2020 depende em larga medida dos efeitos jurídicos da cessação, pela Air Berlin, das suas atividades de aviação. A este respeito, interroga‑se, nomeadamente, sobre o alcance do considerando 20, quarto período, da Diretiva 2008/101. Na falta de uma disposição substantiva que corrobore este período, a questão de saber se as licenças de emissão da aviação devem ser mantidas ou revogadas em caso de cessação das atividades deve ser esclarecida pelo Tribunal de Justiça.

38

Importa igualmente interpretar o conceito de «continuação», por outros operadores, das atividades de aviação, na aceção do artigo 3.o‑F, n.o 1, da Diretiva 2003/87, e determinar se a manutenção das licenças de emissão da aviação depende de tal continuação.

39

Na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que o direito da União se opõe à revogação de licenças de emissão da aviação em caso de cessação das atividades de aviação, será ainda necessário, por um lado, apreciar a validade dos artigos 10.o, 29.o, 55.o e 56.o do Regulamento n.o 389/2013, na medida em que estas disposições preveem, em caso de cessação de tais atividades, a exclusão ou o encerramento da conta de depósito de operador de aeronaves, e, por outro, determinar se o período de comércio em causa terminou, para os operadores de aeronaves, em 31 de dezembro de 2020 ou se, ao abrigo dos artigos 28.o‑A e 28.o‑B da Diretiva 2003/87, apenas terminará em 31 de dezembro de 2023. A respeito desta última questão, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que este período terminou em 31 de dezembro de 2020, importa ainda precisar se as licenças de emissão da aviação relativas ao referido período poderão continuar a ser emitidas depois de 31 de dezembro de 2020, em execução de uma decisão jurisdicional proferida após esta data.

40

Neste contexto, o Verwaltungsgericht Berlin (Tribunal Administrativo de Berlim) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem a Diretiva 2003/87 e a Diretiva 2008/101 ser interpretadas, atendendo ao considerando 20 da Diretiva 2008/101, no sentido de que se opõem à anulação da atribuição, a título gratuito, de licenças de emissão de gases com efeito de estufa para a atividade de aviação a um operador de aeronaves para os anos de 2018 a 2020, se tiverem sido emitidas licenças para os anos de 2013 a 2020 e o operador de aeronaves tiver cessado as suas atividades de aviação em 2017, devido a insolvência?

Deve o artigo 3.o‑F, n.o 1, da Diretiva 2003/87 ser interpretado no sentido de que a anulação da decisão de atribuição de licenças de emissão, na sequência da cessação das atividades de aviação devido a insolvência, depende da continuação das atividades de aviação por outros operadores da atividade de aviação? Deve o artigo 3.o‑F, n.o 1, da Diretiva 2003/87 deve ser interpretado no sentido de que a atividade de aviação continua quando os direitos de aterragem nos chamados aeroportos coordenados (faixas horárias ou slots) tiverem sido parcialmente vendidos (para os voos de curto e médio curso do operador da atividade de aviação insolvente) a três outros operadores da atividade de aviação?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

São as normas do artigo 10.o, n.o 5, do artigo 29.o, do artigo 55.o, n.o 1, alínea a), e n.o 3, e do artigo 56.o do Regulamento n.o 389/2013 compatíveis com a Diretiva 2003/87 e com a Diretiva 2008/101 e válidas, na parte em que se opõem à emissão de licenças de emissão gratuitas atribuídas, mas ainda não emitidas, no caso de o operador cessar a atividade de aviação devido a insolvência?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Devem as Diretivas 2003/87 e 2008/101 ser interpretadas no sentido de que a revogação da decisão sobre a atribuição gratuita de licenças de emissão para a atividade de aviação é necessariamente imposta pelo direito da União?

4)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão e de resposta negativa à terceira questão:

Devem o artigo 3.o‑C, n.o 3‑A[,] o artigo 28.o‑A, n.os 1 e 2, e o artigo 28.o‑B, n.o 2, da Diretiva 2003/87 […] ser interpretad[o]s no sentido de que o terceiro período de comércio de licenças de emissão não termina no fim de 2020, mas apenas em 2023?

5)

Em caso de resposta negativa à quarta questão:

Pode o direito à atribuição complementar de licenças de emissão [da aviação] a título gratuito aos operadores de atividade de aviação, para o terceiro período de comércio de licenças de emissão ser satisfeito após o decurso desse terceiro período de comércio, através de licenças de [aviação] para o quarto período de comércio de licenças de emissão, se a existência desse direito à atribuição só for judicialmente reconhecida após o decurso do terceiro período de comércio de licenças de emissão ou os direitos à atribuição de licenças de emissão que ainda não tenham sido satisfeitos extinguem‑se, no termo do terceiro período de comércio de licenças de emissão?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e terceira questões

41

A primeira e terceira questões, que importa examinar em conjunto, visam saber como deve ser aplicado o regime de concessão de licenças de aviação em caso de cessação, pelo operador de aeronaves em causa, das suas atividades de aviação.

42

Este regime figura nos artigos 3.o‑E e 3.o‑F da Diretiva 2003/87, que estão abrangidos pelo capítulo II desta, que tem por epígrafe «Aviação» e foi inserido nesta diretiva pela Diretiva 2008/101.

43

Por conseguinte, há que considerar que, com a sua primeira e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se os artigos 3.o‑E e 3.o‑F da Diretiva 2003/87 devem ser interpretados no sentido de que o número de licenças de emissão da aviação atribuídas a um operador de aeronaves deve, em caso de cessação das atividades de aviação desse operador durante o período de comércio em causa, ser reduzido proporcionalmente à parte desse período durante a qual tais atividades deixaram de ser realizadas.

44

A este respeito, importa salientar, antes de mais, que o artigo 3.o‑E, n.os 1 a 3, da Diretiva 2003/87 permite a cada operador de aeronaves pedir a atribuição de licenças de emissão da aviação, devendo tal pedido ser apresentado pelo menos 21 meses antes do início de um novo período de comércio. Pelo menos 18 meses antes do início desse período, cabe aos Estados‑Membros comunicar os pedidos recebidos à Comissão, que aprova, pelo menos 15 meses antes do início do referido período, uma decisão que estabelece, nomeadamente, o número de licenças de emissão da aviação disponíveis e o valor de referência a utilizar para a sua atribuição.

45

O artigo 3.o‑E, n.o 4, desta diretiva prevê que, no prazo de três meses a contar da data da aprovação da referida decisão, cada Estado‑Membro calcula e publica, por um lado, o número total de licenças de emissão da aviação atribuídas para o período em causa a cada um dos operadores de aeronaves em questão e, por outro, «[o] número de licenças de emissão atribuídas a cada operador de aeronaves para cada ano, calculado dividindo o número total de licenças de emissão que lhe tenham sido atribuídas para o período […] pelo número de anos do período durante o qual o operador de aeronaves realiza uma das atividades de aviação enumeradas no anexo I».

46

Assim, resulta do artigo 3.o‑E, n.o 4, da Diretiva 2003/87 que a quantidade total de licenças de emissão da aviação atribuídas a um operador de aeronaves para um determinado período de comércio é calculada ex ante e que, nesse momento, o número de licenças de emissão da aviação atribuídas por ano é igualmente fixado, dividindo essa quantidade total pelo número de anos nesse período durante os quais esse operador realiza as atividades de aviação enumeradas no anexo I desta diretiva, sendo que apenas estas atividades estão sujeitas ao RCLE.

47

Em seguida, é precisado, no artigo 3.o‑E, n.o 5, da referida diretiva, que esse número anual de licenças de emissão da aviação é concedido a cada um dos «operadores de aeronaves» em causa até 28 de fevereiro de cada ano do referido período.

48

Decorre destes elementos que o regime de concessão de licenças de emissão da aviação pressupõe a realização, pelo beneficiário dessa concessão, de atividades de aviação enumeradas no anexo I da Diretiva 2003/87 e que estas licenças são emitidas em frações anuais desde que o beneficiário seja, também no momento dessa entrega efetiva das referidas licenças, um «operador de aeronave», estando este conceito definido no artigo 3.o, alínea o), desta diretiva, no sentido de que diz respeito à «pessoa responsável pela operação de uma aeronave no momento em que a mesma realiza uma das atividades de aviação enumeradas no anexo I».

49

À luz destas modalidades do regime de concessão de licenças de emissão da aviação e, em particular, do nexo expressamente estabelecido pelo legislador da União entre, por um lado, a atribuição e a emissão dessas licenças e, por outro, a realização de atividades de aviação sujeitas ao RCLE, há que considerar que a realização de tais atividades durante todo o período de comércio em causa não constitui uma simples presunção com base na qual o cálculo ex ante das licenças de emissão da aviação é efetuado, mas uma condição material para a emissão efetiva das frações anuais dessas licenças até ao termo do referido período.

50

Por conseguinte, quando um operador de aeronaves cessa as suas atividades durante um período de comércio e, assim, perde a sua qualidade de operador de aeronaves na aceção da Diretiva 2003/87, ficando, por conseguinte, privado das licenças da aviação atribuídas para os anos em que deixou de haver atividade de aviação, o administrador da insolvência deste antigo operador de aeronaves não pode utilmente invocar uma violação do princípio da proteção da confiança legítima.

51

A este respeito, importa recordar que o referido princípio é extensivo a qualquer particular a quem uma autoridade administrativa criou expectativas fundadas devido a garantias precisas por ela fornecidas (Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C‑846/19, EU:C:2021:277, n.o 90 e jurisprudência referida). Ora, como salientou o advogado‑geral, no n.o 81 das suas conclusões, não há nenhuma indicação nos autos do processo no Tribunal de Justiça de que tenham sido dadas garantias precisas no sentido de uma atribuição das licenças de emissão da aviação até ao fim do período de comércio, em momento algum desse período, à Air Berlin ou, uma vez que esta que se tornou insolvente, ao demandante no processo principal. Em particular, conforme foi exposto nos n.os 48 e 49 do presente acórdão, a atribuição de licenças de emissão da aviação para um período de comércio não pode ser entendida no sentido de que garante, em qualquer circunstância, a emissão destas licenças até ao fim desse período.

52

Esta conclusão não é infirmada pelo considerando 20, quarto período, da Diretiva 2008/101.

53

É certo que, lido isoladamente, este período, que figura no preâmbulo do ato através do qual o legislador da União integrou as atividades de aviação no RCLE, e nos termos do qual «[o]s operadores de aeronaves que cessem as suas operações deverão continuar a receber licenças de emissão até ao final do período para o qual já tenham sido atribuídas licenças de emissão a título gratuito», parece indiciar que o legislador da União pretendeu que as frações anuais das licenças de emissão atribuídas para um período de comércio sejam emitidas até ao fim deste período, mesmo quando se verifica a cessação das atividades de aviação.

54

No entanto, e sem que seja necessário o Tribunal de Justiça apreciar as circunstâncias que levaram a referida frase a figurar no preâmbulo da Diretiva 2008/101, há que concluir que este preâmbulo é contrariado pelo artigo 3.o‑E, n.os 4 e 5, da Diretiva 2003/87, cuja própria redação evidencia o nexo indispensável entre, por um lado, a atribuição e a emissão das licenças da aviação e, por outro, o exercício efetivo de atividades de aviação enumeradas no anexo I desta diretiva.

55

Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo e não pode ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar essas disposições em sentido manifestamente contrário à sua redação [v., nomeadamente, Acórdãos de 19 de junho de 2014, Karen Millen Fashions, C‑345/13, EU:C:2014:2013, n.o 31, e de 25 de novembro de 2020, Istituto nazionale della previdenza sociale (Prestações familiares para residentes de longa duração),C‑303/19, EU:C:2020:958, n.o 26], há que afastar a possibilidade de o administrador da insolvência de um antigo operador de aeronaves invocar o considerando 20, quarto período, da Diretiva 2008/101 a fim de reclamar, em benefício do património da sociedade em liquidação, o pagamento de licenças de emissão da aviação para os anos sem atividade de aviação.

56

Há que acrescentar que a emissão, ao administrador da insolvência de um antigo operador de aeronaves, de licenças de emissão da aviação para os anos em que não é realizada nenhuma atividade de aviação enumerada no anexo I da Diretiva 2003/87 é incompatível não só com a redação do artigo 3.o‑E desta diretiva mas também com a finalidade e a economia geral do RCLE.

57

A este respeito, importa recordar que o RCLE, conforme estabelecido pela Diretiva 2003/87, tem por objetivo último a proteção do ambiente e assenta numa lógica económica, que incita qualquer participante a emitir uma quantidade de gases com efeito de estufa inferior às licenças de emissão que lhe tenham sido inicialmente atribuídas, a fim de ceder o excedente a outro participante que tenha produzido uma quantidade de emissões superior às licenças de emissão que lhe tenham sido atribuídas (Acórdão de 3 de dezembro de 2020, Ingredion Germany, C‑320/19, EU:C:2020:983, n.os 38 e 39). Devido às alterações introduzidas pela Diretiva 2008/101, esta finalidade e esta lógica do RCLE foram estendidas ao setor da aviação (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.os 138 a 140).

58

Assim, a economia geral da Diretiva 2003/87 assenta numa contabilidade rigorosa da concessão, detenção, transferência e anulação das licenças de emissão de gases com efeito de estufa (Acórdão de 8 de março de 2017, ArcelorMittal Rodange e Schifflange, C‑321/15, EU:C:2017:179, n.o 24 e jurisprudência referida). A este respeito, a referida diretiva exige, nomeadamente, no seu artigo 12.o, n.o 2‑A, a devolução por cada operador de aeronaves, em cada ano, «de um número de licenças de emissão equivalente ao total das emissões do ano civil anterior […] provenientes de atividades de aviação enumeradas no anexo I em relação às quais é considerado o operador da aeronave».

59

Como observou o advogado‑geral no n.o 95 das suas conclusões, a atribuição de licenças de emissão da aviação ao administrador da insolvência de um antigo operador de aeronaves para os anos em que este já não realizava atividades de aviação é alheia tanto a essa finalidade como a essa economia geral do RCLE e apenas dá origem a uma vantagem imprevista para os credores desse antigo operador de aeronaves.

60

Por último, na medida em que a questão do órgão jurisdicional de reenvio incide igualmente sobre o artigo 3.o‑F da Diretiva 2003/87, há que assinalar que este artigo prevê, no seu n.o 1, a criação de uma reserva especial para a atribuição de licenças de emissão da aviação em caso de realização de atividades de aviação novas ou adicionais, desde que estas atividades não sejam uma continuação da atividade de aviação previamente realizada por outro operador de aeronaves.

61

Assim, verifica‑se que esta disposição não visa a hipótese em que um operador de aeronaves cessa as suas atividades, mas a hipótese em que esse operador realiza atividades novas ou adicionais. Por conseguinte, a reserva especial prevista pela referida disposição não pode dizer respeito à Air Berlin nem ao demandante no processo principal.

62

Além disso, admitindo que as atividades de aviação da Air Berlin tenham sido continuadas por outros operadores, decorre da própria redação do referido artigo 3.o‑F, n.o 1, que tais atividades novas ou adicionais realizadas por esses operadores no âmbito da continuação de atividades de aviação previamente realizadas pela Air Berlin estariam excluídas do âmbito de aplicação desta disposição.

63

Daqui resulta que o artigo 3.o‑F da Diretiva 2003/87 não é pertinente para responder à primeira e terceira questões.

64

No que respeita à questão de saber se os operadores que, eventualmente, continuaram as atividades de aviação da Air Berlin poderiam, independentemente do artigo 3.o‑F desta diretiva, invocar um direito à transferência, para as suas contas de depósito de operador de aeronaves, das licenças inicialmente atribuídas à Air Berlin e posteriormente revogadas devido à cessação das suas atividades de aviação, há que salientar que nenhum elemento da decisão de reenvio ou das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça indica que tal direito foi invocado no litígio no processo principal. Por conseguinte, a questão dessa transferência não pode ser apreciada no âmbito do presente reenvio prejudicial.

65

Tendo em consideração o exposto, há que responder à primeira e terceira questões que o artigo 3.o‑E da Diretiva 2003/87 deve ser interpretado no sentido de que o número de licenças de emissão da aviação atribuídas a um operador de aeronaves deve, em caso de cessação das atividades de aviação desse operador no decurso do período de comércio em causa, ser reduzido proporcionalmente à parte desse período durante a qual tais atividades deixaram de ser realizadas.

Quanto à segunda, quarta e quinta questões

66

Tendo em conta a resposta dada à primeira e terceira questões, não há que examinar a segunda, quarta e quinta questões.

Quanto às despesas

67

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 3.o‑E da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho, conforme alterada pelo Regulamento (UE) 2017/2392 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2017, deve ser interpretado no sentido de que o número de licenças de emissão de gases com efeito de estufa atribuídas a título gratuito a um operador de aeronaves deve, em caso de cessação das atividades de aviação desse operador no decurso do período de comércio de emissões de licenças de emissão de gases com efeito de estufa em causa, ser reduzido proporcionalmente à parte desse período durante a qual tais atividades deixaram de ser realizadas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.