Processo C‑160/20

Stichting Rookpreventie Jeugd e o.

contra

Staatssecretaris van Volksgezondheid, Welzijn en Sport

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Rotterdam)

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 22 de fevereiro de 2022

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2014/40/UE — Fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco — Produtos que não respeitam os níveis máximos de emissão — Proibição de comercialização — Método de medição — Cigarros com filtro com orifícios de ventilação — Medição das emissões com base em normas ISO — Normas não publicadas no Jornal Oficial da União Europeia — Conformidade com as exigências de publicação previstas no artigo 297.o, n.o 1, TFUE, lido à luz do princípio da segurança jurídica — Conformidade com o princípio da transparência»

  1. Aproximação das legislações — Fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco — Diretiva 2014/40 — Ingredientes e emissões — Níveis máximos de emissão de alcatrão, de nicotina, de monóxido de carbono e de outras substâncias — Métodos de medição — Cigarros que não respeitam os níveis máximos de emissão — Medição das emissões com base em normas ISO

    (Diretiva 2014/40 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 3.°, n.o 1, e 4.°, n.o 1)

    (cf. n.os 29‑33, 36 e disp. 1)

  2. Aproximação das legislações — Fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco — Diretiva 2014/40 — Ingredientes e emissões — Níveis máximos de emissão de alcatrão, de nicotina, de monóxido de carbono e de outras substâncias — Métodos de medição — Cigarros que não respeitam os níveis máximos de emissão — Medição das emissões com base em normas ISO — Falta de publicação destas normas no Jornal Oficial da União Europeia — Inoponibilidade aos particulares — Violação do princípio da transparência — Inexistência — Validade por referência do Regulamento n.o 216/2013 e do artigo 297.o, n.o 1, TFUE, lido à luz do princípio da segurança jurídica

    (Artigo 297.o, n.o 1, TFUE; Regulamento n.o 216/2013 do Conselho; Diretiva 2014/40 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 3.°, n.o 1, e 4.°, n.o 1)

    (cf. n.os 35‑38, 43‑49, 51‑53, disp. 2)

  3. Aproximação das legislações — Fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco — Diretiva 2014/40 — Ingredientes e emissões — Níveis máximos de emissão de alcatrão, de nicotina, de monóxido de carbono e de outras substâncias — Métodos de medição — Cigarros que não respeitam os níveis máximos de emissão — Medição das emissões com base em normas ISO — Participação da indústria tabaqueira na elaboração dessas normas — Validade por referência da Convenção‑Quadro da Organização Mundial de Saúde para o Controlo do Tabaco (CQCT)

    (Diretiva 2014/40 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 3.°, n.o 1, e 4.°, n.o 1)

    (cf. n.os 59‑63, disp. 3)

  4. Aproximação das legislações — Fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco — Diretiva 2014/40 — Ingredientes e emissões — Níveis máximos de emissão de alcatrão, de nicotina, de monóxido de carbono e de outras substâncias — Métodos de medição — Cigarros que não respeitam os níveis máximos de emissão — Medição das emissões com base em normas ISO — Apreciação da validade da diretiva por referência a estudos posteriores à data da sua adoção — Inadmissibilidade — Validade por referência ao artigo 114.o, n.o 3, TFUE, da Convenção‑Quadro da Organização Mundial de Saúde para o Controlo do Tabaco e aos artigos 24.° e 35.° da Carta

    (Artigo 114.o, n.o 3, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 24.° e 35.°; Diretiva 2014/40 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 3.°, n.o 1, e 4.°, n.o 1)

    (cf. n.os 67‑69, disp. 4)

  5. Aproximação das legislações — Fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco — Diretiva 2014/40 — Ingredientes e emissões — Níveis máximos de emissão de alcatrão, de nicotina, de monóxido de carbono e de outras substâncias — Métodos de medição — Cigarros que não respeitam os níveis máximos de emissão — Medição das emissões adaptada ao desenvolvimento científico e técnico ou às normas acordadas internacionalmente — Consideração de um elevado nível de proteção da saúde humana — Verificação da exatidão das medições — Responsabilidade dos laboratórios aprovados e monitorizados a nível nacional

    (Diretiva 2014/40 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 3.°, n.o 1, e 4.°, n.os 1 e 2)

    (cf. n.os 74‑79, disp. 5)

Resumo

Cigarros com filtro: o método estabelecido pela ISO para determinar os níveis máximos de emissão de alcatrão, de nicotina e de monóxido de carbono, para o qual remete o direito da União, é válido e oponível aos produtores de cigarros

Todavia, uma vez que não foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, este método não é oponível aos particulares em geral, tais como as associações de proteção da saúde dos consumidores

Em julho e agosto de 2018, a Stichting Rookpreventie Jeugd (Fundação para a Prevenção do Tabagismo entre os Jovens, Países Baixos) e outras catorze entidades (a seguir «recorrentes») apresentaram um pedido de intimação à Nederlandse Voedsel‑en Warenautoriteit (Autoridade neerlandesa para a Segurança dos Produtos Alimentares e dos Produtos de Consumo). Os recorrentes pediam a essa autoridade que, por um lado, se certificasse de que os cigarros com filtro propostos aos consumidores nos Países Baixos cumpriam, quando utilizados em conformidade com o fim a que se destinam, os níveis máximos de emissão de alcatrão, de nicotina e de monóxido de carbono fixados pela Diretiva 2014/40 ( 1 ) e, por outro, ordenasse aos fabricantes, importadores e distribuidores de tabaco, a retirar do mercado os cigarros com filtro que não cumprissem estes níveis de emissão.

A decisão de indeferimento deste pedido foi objeto de recurso administrativo interposto pelos recorrentes junto do Secretário de Estado. Após esta reclamação ter sido considerada improcedente, os recorrentes interpuseram recurso judicial no Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância de Roterdão, Países Baixos) Estes alegavam que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 ( 2 ) não impõe o recurso a um determinado método de medição dos níveis de emissão e que resulta, entre outros, de diversos estudos, que deve ser aplicado outro método de medição (dito «Canadian intense») para determinar os níveis exatos de emissão para os cigarros com filtro utilizados em conformidade com o fim a que se destinam.

O Tribunal de Primeira Instância de Roterdão submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial relativo, nomeadamente, à validade do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 por referência ao princípio da transparência ( 3 ), a várias disposições do direito da União ( 4 ), e por referência à Convenção‑Quadro da Organização Mundial de Saúde para o Controlo do Tabaco ( 5 ).

Com o seu acórdão, proferido em Grande Secção, o Tribunal de Justiça confirma a validade desta disposição, considerando que a mesma está em conformidade, nomeadamente, com os princípios e as disposições do direito da União e do direito internacional visados pelo reenvio prejudicial ( 6 ).

Apreciação do Tribunal de Justiça

Em primeiro lugar, o Tribunal considera que, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40, os níveis máximos de emissão fixados por esta diretiva para os cigarros destinados a ser comercializados ou fabricados nos Estados‑Membros, devem ser medidos em aplicação dos métodos de medição resultantes das normas ISO a que se refere esta disposição. Com efeito, esta remete de maneira imperativa para essas normas ISO e não menciona nenhum outro método de medição.

Em segundo lugar, o Tribunal começa por analisar a validade do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 por referência ao princípio da transparência. A este respeito, salienta que, na hipótese de esta disposição remeter para as normas ISO que não foram objeto de publicação no Jornal Oficial, não prevê nenhuma restrição quanto ao acesso a essas normas, incluindo submetendo esse acesso à apresentação de um pedido formulado ao abrigo das disposições relativas ao acesso do público aos documentos das instituições europeias ( 7 ). No que respeita, em seguida, à validade do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 por referência ao Regulamento n.o 216/2013 ( 8 ), o Tribunal observa que a legalidade interna desta diretiva, ao abrigo da jurisprudência, não pode ser apreciada por referência a este regulamento. Por último, relativamente à validade do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 por referência ao artigo 297.o, n.o 1, TFUE ( 9 ), lido à luz do princípio da segurança jurídica, o Tribunal salienta que o legislador da União pode remeter, tendo em conta o amplo poder de apreciação de que dispõe no âmbito do exercício das competências que lhe são conferidas quando a sua ação implica escolhas de natureza política, económica e social e quando é chamado a efetuar apreciações e avaliações complexas, nos atos que adota, para normas técnicas estabelecidas por um organismo de normalização, como a Organização Internacional de Normalização (ISO).

Todavia, o Tribunal especifica que o princípio da segurança jurídica exige que a remissão para tais normas seja clara, precisa e previsível nos seus efeitos, para que os interessados se possam orientar em situações e relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União. No caso em apreço, o Tribunal considera que, na medida em que a remissão feita pelo artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 para as normas ISO está em conformidade com este requisito e em que esta diretiva foi publicada no Jornal Oficial, o simples facto de essa disposição remeter para normas ISO que, nessa fase, não tinham sido objeto dessa publicação não é suscetível de pôr em causa a validade da referida disposição.

Dito isto, no que respeita à oponibilidade das normas ISO aos particulares, o Tribunal recorda que, por força do princípio da segurança jurídica, essas normas, tornadas obrigatórias por um ato legislativo da União, só são oponíveis aos particulares em geral se elas próprias tiverem sido objeto de publicação no Jornal Oficial. Assim, na falta de publicação no Jornal Oficial das normas para as quais remete o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40, os particulares não estão em condições de conhecer os métodos de medição dos níveis de emissão fixados por esta diretiva para os cigarros. Em contrapartida, quanto à oponibilidade das normas ISO às empresas, o Tribunal sublinha que, na medida em que estas têm acesso à versão oficial e autêntica das normas referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40, através dos organismos nacionais de normalização, as referidas normas são oponíveis a essas empresas.

Em terceiro lugar, no que respeita à validade do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 por referência ao artigo 5.o, n.o 3, da CQCT ( 10 ), o Tribunal salienta que esta última disposição não proíbe qualquer participação da indústria tabaqueira na definição e na aplicação da regulamentação do controlo do tabaco, destinando se apenas a impedir que as políticas de controlo do tabaco das partes nessa convenção sejam influenciadas por interesses dessa indústria. Por conseguinte, a simples participação da indústria tabaqueira na elaboração das normas em causa junto da ISO não é suscetível de pôr em causa a validade do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40.

Em quarto lugar, no que respeita à validade do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 por referência ao imperativo do elevado nível de proteção da saúde humana ( 11 ) e dos artigos 24.° e 35.° da Carta ( 12 ), o Tribunal sublinha que, segundo jurisprudência constante, a validade desta disposição da Diretiva 2014/40 não pode ser apreciada com base em estudos mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio no pedido de decisão prejudicial. Com efeito, estes estudos são posteriores a 3 de abril de 2014, data da adoção desta diretiva.

Em quinto e último lugar, o Tribunal especifica as características que deve apresentar o método de medição das emissões para os cigarros a utilizar, para verificar o respeito dos níveis máximos de emissão fixados pela Diretiva 2014/40, na hipótese de a remissão operada no artigo 4.o, n.o 1, da mesma para as normas ISO não ser oponível aos particulares. Assim, declara que este método deve ser adequado, tendo em conta o desenvolvimento científico e técnico ou as normas acordadas internacionalmente, para medir os níveis de emissão obtidos quando um cigarro é utilizado para os fins previstos, e deve ter por base um elevado nível de proteção da saúde humana, especialmente dos jovens. A exatidão das medições obtidas através desse método ser verificada por laboratórios aprovados e monitorizados pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros referidos no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2014/40. Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se os métodos efetivamente utilizados para medir os níveis de emissão das referidas substâncias estão em conformidade com a Diretiva 2014/40, sem ter em conta o artigo 4.o, n.o 1, desta.


( 1 ) Diretiva 2014/40/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros no que respeita ao fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco e produtos afins e que revoga a Diretiva 2001/37/CE (JO 2014, L 127, p. 1). O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva prevê os níveis máximos de emissão de alcatrão, de nicotina e de monóxido de carbono para os cigarros comercializados ou fabricados nos Estados‑Membros (a seguir «níveis máximos de emissão fixados pela Diretiva 2014/40»).

( 2 ) Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40, «[a]s emissões de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono dos cigarros são medidas segundo a norma ISO 4387 para o alcatrão, a norma ISO 10315 para a nicotina e a norma ISO 8454 para o monóxido de carbono. A exatidão das medições relativas ao alcatrão, à nicotina e ao monóxido de carbono é determinada segundo a norma ISO 8243.»

( 3 ) Previsto no artigo 1.o, segundo parágrafo, e no artigo 10.o, n.o 3, TUE, no artigo 15.o, n.o 1, e no artigo 298.o, n.o 1, TFUE, bem como no artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

( 4 ) Artigo 114.o, n.o 3, e artigo 297.o, n.o 1, TFUE, Regulamento (UE) n.o 216/2013 do Conselho, de 7 de março de 2013, relativo à publicação eletrónica do Jornal Oficial da União Europeia (JO 2013, L 69, p. 1), e os artigos 24.° e 35.° da Carta.

( 5 ) Convenção‑Quadro da Organização Mundial de Saúde para o Controlo do Tabaco (a seguir «CQCT»), celebrada em Genebra, em 21 de maio de 2003, da qual são partes a União Europeia e os seus Estados‑Membros.

( 6 ) Nomeadamente, o artigo 5.o, n.o 3, da CQCT.

( 7 ) Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

( 8 ) O Regulamento (UE) n.o 216/2013 prevê, nomeadamente, as regras relativas à publicação no Jornal Oficial dos atos legislativos da União.

( 9 ) Nos termos desta disposição, «[o]s atos legislativos são publicados no Jornal Oficial da União Europeia. Entram em vigor na data por eles fixada ou, na falta desta, no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação».

( 10 ) Esta disposição prevê que, ao definirem e aplicarem as respetivas políticas de saúde pública em matéria de controlo do tabaco, as partes nesta convenção procurarão evitar que tais políticas sejam influenciadas pelos interesses da indústria tabaqueira, em conformidade com a legislação nacional.

( 11 ) Previsto, nomeadamente, no artigo 114.o, n.o 3, TFUE.

( 12 ) O artigo 24.o da Carta refere‑se aos direitos da criança. Por sua vez, o artigo 35.o da Carta diz respeito à proteção da saúde.