ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

8 de julho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transportes ferroviários — Repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária — Diretiva 2001/14/CE — Artigo 4.o, n.o 5 — Tarificação — Artigo 30.o — Entidade reguladora nacional responsável por zelar pela conformidade das taxas de utilização com esta diretiva — Contrato de utilização de uma infraestrutura celebrado entre o gestor da infraestrutura e uma empresa ferroviária — Transposição incorreta — Responsabilidade do Estado — Pedido de indemnização — Consulta prévia da entidade reguladora nacional»

No processo C‑120/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), por Decisão de 28 de novembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de março de 2020, no processo

Koleje Mazowieckie — KM Sp. z o.o.

contra

Skarb Państwa — Minister Infrastruktury i Budownictwa obecnie Minister Infrastruktury i Prezes Urzędu Transportu Kolejowego,

PKP Polskie Linie Kolejowe S.A.,

sendo interveniente:

Rzecznik Praw Obywatelskich (RPO),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, M. Ilešič, E. Juhász (relator), C. Lycourgos e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Koleje Mazowieckie — KM sp. z o.o., por P. Duda, adwokat,

em representação da Skarb Państwa — Minister Infrastruktury i Budownictwa obecnie Minister Infrastruktury i Prezes Urzędu Transportu Kolejowego, por P. Dobroczek,

em representação da PKP Polskie Linie Kolejowe S.A., por J. Kowalczyk, adwokat, e por C. Wiśniewski e M. Szrajer, radcowie prawni,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo espanhol, por J. Rodríguez de la Rúa Puig, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por W. Mölls, P. J. O. Van Nuffel, C. Vrignon e B. Sasinowska, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 5, e do artigo 30.o, n.os 1 a 3, 5 e 6, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária (JO 2001, L 75, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007 (JO 2007, L 315, p. 44) (a seguir «Diretiva 2001/14»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Koleje Mazowieckie — Km sp. z o.o. (a seguir «KM») ao Skarb Państwa — Minister Infrastruktury i Budownictwa obecnie Minister Infrastruktury i Prezes Urzędu Transportu Kolejowego (Fazenda Pública, representada pelo Ministro da Infraestrutura e Construção, atualmente Ministro da Infraestrutura, e presidente do Serviço dos Transportes Ferroviários, Polónia) (a seguir «UTK») e à PKP Polskie Linie Kolejowe S.A. (a seguir «PKP PLK»), a respeito de um pedido de indemnização apresentado pela KM devido a uma transposição incorreta da Diretiva 2001/14.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 11, 16 e 46 da Diretiva 2001/14 enunciam:

«(11)

Os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem proporcionar a todas as empresas um acesso equitativo e não discriminatório e procurar, na medida do possível, satisfazer as necessidades de todos os utilizadores e todos os tipos de tráfego, de um modo equitativo e não discriminatório.

[…]

(16)

Os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem favorecer uma concorrência leal no fornecimento de serviços ferroviários.

[…]

(46)

A gestão eficaz e a utilização justa e não discriminatória da infraestrutura ferroviária requerem a instituição de uma entidade reguladora que supervisione a aplicação das regras e atos comunitários em causa como uma instância de recurso, sem prejuízo da possibilidade de controlo jurisdicional.»

4

O artigo 2.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Detenção», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)

“Candidato”, uma empresa de transporte ferroviário detentora de licença e/ou um agrupamento internacional de empresas de transporte ferroviário e, nos Estados‑Membros em que se preveja essa possibilidade, quaisquer outras pessoas singulares ou coletivas com um interesse de serviço público ou comercial na aquisição de capacidade de infraestrutura, tais como autoridades públicas ao abrigo do Regulamento (CEE) n.o 1191/69 [do Conselho, de 26 de junho de 1969, relativo à ação dos Estados‑Membros em matéria de obrigações inerentes à noção de serviço público no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO 1969, L 156, p.1),] bem como carregadores marítimos, transitários e operadores de transportes combinados […];

[…]

f)

“Acordo‑quadro”, um acordo geral juridicamente vinculativo, de direito público ou privado, que estabelece os direitos e obrigações de um candidato e do gestor da infraestrutura ou do organismo de repartição em relação à capacidade de infraestrutura a repartir e às taxas a aplicar num período superior ao período de vigência de um horário de serviço;

[…]

h)

“Gestor da infraestrutura”, qualquer organismo ou empresa responsável, nomeadamente, pela instalação e manutenção da infraestrutura ferroviária bem como eventualmente pela gestão dos sistemas de controlo e de segurança. As funções do gestor da infraestrutura de uma rede, ou de parte de uma rede, podem ser repartidas por diferentes organismos ou empresas;

i)

“Rede”, o conjunto da infraestrutura ferroviária pertencente a um gestor de infraestrutura e/ou por ele gerida;

[…]

k)

“Empresa de transporte ferroviário”, qualquer empresa de estatuto privado ou público, detentora de uma licença nos termos da legislação comunitária aplicável, cuja atividade principal consista na prestação de serviços de transporte de mercadorias e/ou de passageiros por caminho de ferro, devendo a tração ser obrigatoriamente assegurada por essa empresa, incluindo empresas que apenas prestem serviços de tração;

l)

“Traçado”, a capacidade de infraestrutura necessária para a circulação de um comboio entre dois pontos em determinado momento;

[…]»

5

O capítulo II da Diretiva 2001/14, sob a epígrafe «Taxas de utilização da infraestrutura», inclui os artigos 4.o a 12.o desta diretiva.

6

O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Fixação, determinação e cobrança de taxas», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros devem definir um quadro para a tarificação, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.o da Diretiva 91/440/CEE.

Sob a mesma condição de independência de gestão, os Estados‑Membros devem proceder também ao estabelecimento de regras de tarificação específicas, ou delegar essas funções no gestor da infraestrutura. A determinação das taxas de utilização da infraestrutura e a cobrança dessas taxas é da responsabilidade do gestor da infraestrutura.

[…]

5.   O gestor da infraestrutura deve garantir que o regime de tarificação seja aplicado de modo a que as taxas cobradas às diferentes empresas de transporte ferroviário que prestam serviços equivalentes num segmento análogo de mercado sejam equivalentes e não discriminatórias e que as taxas efetivamente aplicadas observem o disposto nas regras definidas nas especificações da rede.

[…]»

7

O artigo 6.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Custos e contabilidade da infraestrutura», prevê, no seu n.o 2:

«Tendo devidamente em conta as exigências de segurança e a preservação e melhoria da qualidade de serviço da infraestrutura, o gestor da infraestrutura terá acesso a incentivos conducentes à redução dos custos de fornecimento da infraestrutura e do nível das taxas de acesso à mesma.»

8

O artigo 7.o da Diretiva 2001/14, sob a epígrafe «Princípios de tarificação», dispõe, nos seus n.os 2 e 3:

«2.   Os Estados‑Membros podem requerer ao gestor da infraestrutura que forneça todas as informações necessárias sobre as taxas aplicadas. O gestor da infraestrutura deve, nesse contexto, estar em condições de justificar que as taxas de utilização das infraestruturas efetivamente faturadas a cada operador, por força do disposto nos artigos 4.o a 12.o, observam a metodologia, as regras e, sendo o caso, as escalas previstas nas especificações da rede.

3.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5 e no artigo 8.o, as taxas de utilização do pacote mínimo de acesso e do acesso por via‑férrea às instalações de serviços devem corresponder ao custo diretamente imputável à exploração do serviço ferroviário.»

9

O artigo 9.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Descontos», dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 81.o, 82.o, 86.o e 87.o do Tratado e não obstante o disposto no n.o 3 do artigo 7.o da presente diretiva, os descontos nas taxas aplicadas pelo gestor da infraestrutura a uma empresa de transporte ferroviário pela prestação de um serviço devem obedecer aos critérios estabelecidos no presente artigo.

[…]

4.   Os descontos apenas podem estar relacionados com as taxas aplicadas a uma secção específica da infraestrutura.

5.   São aplicados regimes de desconto semelhantes a tipos de serviço semelhantes.»

10

Nos termos do artigo 30.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Entidade reguladora»:

«1.   Sem prejuízo do disposto no n.o 6 do artigo 21.o, os Estados‑Membros devem instituir uma entidade reguladora. Esta entidade, que pode ser o Ministério dos Transportes ou outra instância, será independente, a nível de organização, de financiamento das decisões e a nível jurídico e decisório, de qualquer gestor da infraestrutura, organismo de tarificação, organismo de repartição ou candidato. Será também funcionalmente independente de qualquer autoridade competente envolvida na adjudicação de um contrato de serviço público. A referida entidade deve exercer as suas funções segundo os princípios enunciados no presente artigo, nos termos do qual as funções de recurso e de regulamentação podem ser atribuídas a instâncias distintas.

2.   Qualquer candidato tem o direito de recorrer para esta entidade reguladora, se considerar ter sido tratado de forma injusta ou discriminatória ou de algum outro modo lesado, em particular contra decisões tomadas pelo gestor da infraestrutura ou, sendo o caso, pela empresa de caminhos de ferro no que se refere:

[…]

d)

Ao regime de tarificação;

e)

Ao nível ou estrutura das taxas de utilização da infraestrutura que as empresas pagam ou possam vir a pagar;

[…]

3.   A entidade reguladora deve garantir que as taxas fixadas pelo gestor da infraestrutura cumprem o disposto no capítulo II e não são discriminatórias. A negociação do nível das taxas de utilização da infraestrutura entre os candidatos e o gestor de infraestrutura só é permitida se for efetuada sob a supervisão da entidade reguladora. A entidade reguladora deve intervir se as negociações puderem ser contrárias ao disposto na presente diretiva.

[…]

5.   A entidade reguladora será chamada a decidir de eventuais queixas e a diligenciar no sentido de resolver a situação num prazo máximo de dois meses a contar da data de receção de toda a informação.

Sem prejuízo do disposto no n.o 6, as decisões da entidade reguladora são vinculativas para todas as partes a que dizem respeito.

Em caso de recurso por recusa de concessão de capacidade de infraestrutura ou contra as condições de uma oferta de capacidade, a entidade reguladora deve confirmar a decisão do gestor da infraestrutura ou determinar a modificação da decisão de acordo com as diretrizes por si traçadas.

6.   Os Estados‑Membros devem adotar as medidas necessárias para garantir que as decisões tomadas pela entidade reguladora sejam sujeitas a controlo jurisdicional.»

Direito polaco

11

O artigo 417.o do Kodeks cywilny (Código Civil), (Dz.u 1964, n.o 16, posição 93), dispõe:

«1.   A Fazenda Pública, as autarquias locais ou outras pessoas coletivas que exerçam o poder público por força da lei são responsáveis pelo prejuízo causado por um ato ou omissão ilícita no exercício do poder público.

2.   Quando a execução de missões de serviço público tenha sido confiada por contrato a uma autarquia local ou a outra pessoa coletiva, a responsabilidade conjunta pelos danos causados é suportada pelo contratante e pela autarquia local comitente ou a Fazenda Pública.»

12

O artigo 4171 deste código prevê:

«1.   A reparação de um dano causado pela adoção de um ato normativo pode ser pedida após verificação, segundo o procedimento adequado, da sua incompatibilidade com a Constituição, com um acordo internacional ratificado ou com a lei.

2.   Salvo disposição em contrário, pode ser pedida a reparação de um dano causado por sentença transitada em julgado ou por uma decisão final, após declaração da respetiva ilegalidade num processo adequado. O mesmo acontece quando a decisão definitiva ou a decisão final tenham sido adotadas com base num ato normativo contrário à Constituição, a um acordo internacional ratificado ou a uma lei.

3.   Salvo disposição em contrário, a reparação de um dano causado pela falta de adoção de uma sentença ou de uma decisão cuja adoção é legalmente exigida pode ser requerida após verificação, segundo o procedimento adequado, da ilegalidade dessa omissão.

4.   Quando o dano tiver sido causado pela não adoção de um ato normativo cuja adoção é legalmente exigida, a ilegalidade dessa omissão é declarada pelo tribunal onde foi intentada a ação de indemnização.»

13

O artigo 33.o da Ustawa o transporcie kolejowym (Lei relativa ao Transporte Ferroviário), de 28 de março de 2003 (Dz. U. n.o 86, posição 789), na sua versão aplicável aos factos no processo principal, dispõe:

«1.   O gestor fixa o montante das taxas devidas pela utilização da infraestrutura pelos transportadores ferroviários.

2.   A taxa de base para a utilização da infraestrutura ferroviária é determinada tomando em consideração os custos, suportados pelo gestor, que são diretamente imputáveis à exploração do serviço ferroviário pelo transportador ferroviário.

3.   A taxa de utilização da infraestrutura ferroviária é composta pela taxa de base e pelas taxas suplementares.

bis.   No âmbito da taxa de base, o gestor aplica uma taxa distinta para:

1)

o acesso mínimo à infraestrutura ferroviária que englobe os serviços referidos na parte I, n.o 1, do anexo da lei;

2)

o acesso às instalações associadas à manutenção dos comboios que engloba os serviços referidos na parte I, n.o 2, do anexo da lei.»

14

O artigo 35.o da Lei relativa ao Transporte Ferroviário prevê uma delegação legislativa do poder regulamentar no ministro competente em matéria de transportes.

15

O artigo 8.o do rozporządzenie Ministra Infrastruktury w sprawie warunków dostępu i korzystania z infrastruktury kolejowej (Regulamento do Ministro das Infraestruturas relativo às Condições de Acesso e de Utilização da Infraestrutura Ferroviária), de 27 de fevereiro de 2009 (Dz. U. n.o 35, posição 274), na sua versão aplicável aos factos no processo principal, enuncia:

«1.   Para calcular as taxas de disponibilização da infraestrutura ferroviária, o gestor toma em consideração:

1)

custos diretos que cubram:

a)

as despesas de manutenção,

b)

as despesas de exploração do tráfego,

c)

a amortização;

2)

custos indiretos da atividade que cubram as despesas razoáveis do gestor, para além das mencionadas nos pontos 1 e 3;

3)

os custos financeiros relacionados com o reembolso de empréstimos que o gestor contraiu para desenvolver e modernizar a infraestrutura disponibilizada;

4)

o trabalho de exploração definido para as diferentes categorias de linhas e de comboios mencionados no artigo 7.o

2.   A taxa varia em função da categoria de linha de caminho de ferro e da massa bruta total do comboio, elevando‑se com o aumento destes parâmetros.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

A PKP PLK é, na Polónia, o gestor da infraestrutura, na aceção do artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2001/14. Foi criada pela Polskie Koleje Państwowe S.A., que é, juntamente com a Fazenda Pública, sua acionista.

17

A KM é uma empresa pública de transporte ferroviário cujas ações são detidas pelo Województwo Mazowieckie (Voivodato da Mazóvia, Polónia).

18

Em 19 de maio de 2009, a KM celebrou com o Voivodato da Mazóvia um acordo‑quadro relativo à prestação de serviços públicos de transporte ferroviário regional de passageiros no território desta autarquia local. Este acordo‑quadro previa, nomeadamente, que todos os custos relacionados com a prestação do serviço público que excedessem as receitas da empresa ferroviária seriam cobertos por uma compensação paga pelo Voivodato da Mazóvia, acrescida de um lucro razoável igualmente pago por este último.

19

Relativamente aos períodos 2009/2010 e 2010/2011, a PKP PLK e a KM celebraram acordos de utilização de canais horários, por força dos quais a primeira concedia à segunda um acesso à infraestrutura ferroviária. As taxas unitárias da taxa a cargo da KM, estabelecidas pela PKP PLK, foram aprovadas por decisão da UTK.

20

Uma vez que não foi celebrado nenhum acordo entre a PKP PLK e a KM relativamente aos períodos 2011/2012 e 2012/2013, a UTK fixou os requisitos de disponibilização da infraestrutura ferroviária.

21

Por Acórdão de 30 de maio de 2013, Comissão/Polónia (C‑512/10, EU:C:2013:338), o Tribunal de Justiça declarou que, não tendo adotado medidas destinadas a incentivar o gestor da infraestrutura ferroviária a reduzir os custos de fornecimento da infraestrutura e o nível das taxas de acesso, bem como ao ter permitido que fossem incluídos no cálculo das taxas de utilização do pacote mínimo de acesso e do acesso por via férrea às instalações custos que não podem ser considerados diretamente imputáveis à exploração do serviço ferroviário, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do disposto, respetivamente, nos artigos 6.o, n.o 2, e 7.o, n.o 3, da Diretiva 2001/14.

22

Na sequência da prolação deste acórdão, a KM intentou uma ação no Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) com vista a obter a condenação solidária da Fazenda Pública, representada pelo Ministro das Infraestruturas e presidente da UTK, e da PKP PLK no pagamento solidário do montante de 220204408,72 zlótis polacos (PLN) (cerca de 48 milhões de euros), acrescido de juros, pelo prejuízo que sofreu devido à faturação indevida das taxas de base para o acesso mínimo à infraestrutura ferroviária durante os períodos de validade do horário de serviço nos períodos 2009/2010 a 2012/2013.

23

Em apoio do seu recurso, a KM alega que o Regulamento do Ministro das Infraestruturas relativo às Condições de Acesso e de Utilização da Infraestrutura Ferroviária era incompatível com a Diretiva 2001/14, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 30 de maio de 2013, Comissão/Polónia (C‑512/10, EU:C:2013:338), na medida em que esse regulamento ministerial tinha permitido que, no cálculo das taxas de utilização do pacote mínimo de acesso e do acesso por via férrea às instalações, fossem incluídos custos que não podiam ser considerados diretamente imputáveis à exploração do serviço ferroviário. A KM invocou igualmente as disposições aplicáveis em matéria de repetição do indevido.

24

Por Decisão de 24 de março de 2016, o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) negou provimento ao recurso, nomeadamente com o fundamento de que, antes de mais, a Diretiva 2001/14 não tinha conferido às empresas ferroviárias um direito subjetivo de pagar taxas de um montante máximo determinado em contrapartida da utilização da infraestrutura ferroviária, em seguida, o Acórdão de 30 de maio de 2013, Comissão/Polónia (C‑512/10, EU:C:2013:338), não presumia ilegalidade no comportamento das autoridades públicas, na medida em que as disposições da Diretiva 2001/14 cuja violação era alegada não eram suficientemente precisas para que a responsabilidade do Estado pudesse estar em causa e, por último, a KM não tinha alegado que a ilegalidade das decisões controvertidas da UTK tinha sido demonstrada segundo o procedimento adequado.

25

Por Acórdão de 18 de dezembro de 2017, o Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia) negou provimento ao recurso interposto pela KM.

26

Para o efeito, esse órgão jurisdicional salientou, nomeadamente, que a Diretiva 2001/14 não previa um montante determinado de taxa e que, em todo o caso, não resultava do Acórdão de 30 de maio de 2013, Comissão/Polónia (C‑512/10, EU:C:2013:338), que as taxas pagas pela KM tivessem sido excessivas.

27

A KM interpôs recurso de cassação desse acórdão para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia).

28

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, no que respeita às taxas de utilização da infraestrutura, resulta do Acórdão de 30 de maio de 2013, Comissão/Polónia (C‑512/10, EU:C:2013:338), que a República da Polónia transpôs incorretamente a Diretiva 2001/14, nomeadamente o seu artigo 7.o, n.o 3, com a possível consequência danosa de pagamento indevido de uma parte dessa taxa.

29

Esse órgão jurisdicional salienta, no entanto, que, por força do artigo 30.o desta diretiva, a entidade reguladora tem, nomeadamente, por missão assegurar que as taxas fixadas pelo gestor da infraestrutura sejam conformes com as disposições do capítulo II da referida diretiva e que não sejam discriminatórias.

30

Observa que o Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics (C‑489/15, EU:C:2017:834), nomeadamente o seu n.o 97, introduziu um esclarecimento importante sobre a aplicação da Diretiva 2001/14, na medida em que o Tribunal de Justiça considerou que o reembolso das taxas nos termos do direito civil só podia ser tomado em consideração no caso de, em conformidade com as disposições do direito nacional, o caráter ilícito dessa taxa ter sido previamente declarado pela entidade reguladora ou por um órgão jurisdicional habilitado a fiscalizar a decisão dessa entidade. Com efeito, a intervenção de outros órgãos jurisdicionais na fiscalização da tarificação tem por efeito prejudicar a unicidade do controlo efetuado pela referida entidade.

31

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, assim, sobre a questão de saber se, no âmbito de uma ação fundada em responsabilidade civil destinada a obter a reparação do prejuízo resultante de uma transposição incorreta da Diretiva 2001/14 e que corresponde ao pagamento em excesso da taxa ferroviária, uma empresa ferroviária pode demandar diretamente o gestor da infraestrutura e o Estado perante os órgãos jurisdicionais civis de direito comum sem que a decisão da entidade reguladora tenha sido previamente objeto de fiscalização jurisdicional.

32

Por outro lado, quanto à responsabilidade do Estado por transposição errada da Diretiva 2001/14, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, resultante, nomeadamente, do Acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79), parece permitir que essa responsabilidade possa ser acionada com base no direito nacional quando os requisitos fixados por esse direito sejam menos estritos do que os do direito da União.

33

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, por força do direito polaco, a responsabilidade extracontratual do Estado não está limitada aos casos de ilegalidades flagrantes, mas pode ser invocada, em conformidade com o artigo 4171, n.os 1 e 4, do Código Civil, em caso de contradição de um ato de direito nacional com a Constituição polaca, com um acordo internacional ou com uma lei e quando a existência de um dano tenha sido causada pela não adoção de um ato normativo cuja adoção tenha sido legalmente exigida aquando da verificação dessa não adoção.

34

Além disso, diferentemente da jurisprudência do Tribunal de Justiça, pode existir responsabilidade do Estado, por força do artigo 361.o, n.o 1, do Código Civil, mesmo quando o nexo de causalidade entre a culpa do Estado e o prejuízo sofrido é indireto.

35

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por conseguinte, sobre a questão de saber se o direito da União se opõe a que o direito nacional da responsabilidade civil sujeite o direito dos particulares de obterem a reparação do dano sofrido em razão da violação do direito da União por parte de um Estado‑Membro a requisitos menos restritivos do que os previstos pelo direito da União.

36

Foi nestas condições que o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem as disposições da Diretiva [2001/14], em especial o artigo 4.o, n.o 5, e o artigo 30.o, n.os 1, 3, 5 e 6, dessa diretiva, ser interpretadas no sentido de que obstam a que uma empresa de transporte ferroviário reclame uma indemnização a um Estado‑Membro, com fundamento na incorreta transposição da diretiva, sem que tenha havido uma fiscalização judicial da decisão da entidade reguladora, numa situação em que um dos elementos da indemnização é uma taxa paga em excesso pela utilização da infraestrutura ferroviária?

2)

O pressuposto de que o direito a indemnização, com fundamento no direito da União, pela aplicação incorreta do direito da União, em especial, pela transposição incorreta ou pela não transposição de uma diretiva, só existe quando a regra violada confere direitos aos particulares, a violação é de natureza qualificada (em particular, por extravasar manifesta e gravemente o poder discricionário do Estado‑Membro na transposição da diretiva) e o nexo de causalidade entre a violação e o dano é direto, opõe‑se à legislação de um Estado‑Membro que, nestes casos, confere o direito à indemnização em condições menos rigorosas?»

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

37

O Rzecznik Praw Obywatelskich (Provedor de Justiça, Polónia), por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 1 de julho de 2021, apresentou, em conformidade com o disposto no artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, um pedido fundamentado com vista a obter a reabertura da fase oral do processo.

38

O Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que, na data em questão, esse pedido já não podia ser apresentado. Por conseguinte, há que indeferir o referido pedido.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

39

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da Diretiva 2001/14, nomeadamente o seu artigo 4.o, n.o 5, e o seu artigo 30.o, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que um órgão jurisdicional de direito comum de um Estado‑Membro decida de uma ação fundada em responsabilidade do Estado, intentada por uma empresa ferroviária com fundamento numa transposição incorreta desta diretiva que esteve na origem de um pretenso pagamento excessivo de taxas ao gestor da infraestrutura, quando a entidade reguladora e, eventualmente, o órgão jurisdicional competente para conhecer dos recursos de decisões dessa entidade ainda não se tiverem pronunciado quanto à legalidade dessa taxa.

40

Antes de mais, há que recordar que o artigo 4.o da Diretiva 2001/14 prevê, no seu n.o 1, segundo parágrafo, que a determinação da taxa de utilização da infraestrutura ferroviária e a sua cobrança incumbem ao gestor da infraestrutura e precisa, no seu n.o 5, que compete a este garantir que o regime de tarificação seja aplicado de modo a que as taxas cobradas às diferentes empresas de transporte ferroviário que prestam serviços equivalentes num segmento análogo de mercado sejam equivalentes e não discriminatórias e que as taxas efetivamente aplicadas observem o disposto nas regras definidas nas especificações da rede.

41

As disposições do artigo 4.o, n.o 5, da Diretiva 2001/14 concretizam os princípios enunciados nos considerandos 11 e 16 desta diretiva, segundo os quais os regimes de tarificação e de repartição de capacidade deverão proporcionar acesso equitativo e não discriminatório a todas as empresas e procurar, na medida do possível, satisfazer as necessidades de todos os utilizadores e todos os tipos de tráfego, de um modo equitativo e não discriminatório, para favorecer uma concorrência leal no fornecimento de serviços ferroviários.

42

Este princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação das empresas de transporte ferroviário, implementado, nomeadamente, pelo artigo 9.o, n.o 5, desta diretiva, nos termos do qual são aplicados regimes de desconto semelhantes a tipos de serviços semelhantes, constitui o critério central de determinação e de cobrança da taxa de utilização da infraestrutura (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.o 47).

43

Por conseguinte, aos gestores da infraestrutura, que estão obrigados a determinar e a cobrar as taxas de forma não discriminatória, incumbe não só aplicar os requisitos de utilização da rede ferroviária de forma igual a todos os utilizadores da rede mas também garantir que as taxas efetivamente cobradas cumprem esses requisitos (Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.o 50).

44

No que se refere à entidade reguladora, importa salientar que, segundo o considerando 46 da Diretiva 2001/14, a gestão eficaz e a utilização justa e não discriminatória da infraestrutura ferroviária requerem a instituição de uma entidade reguladora que supervisione a aplicação das regras e atos jurídicos da União como uma instância de recurso, sem prejuízo da possibilidade de controlo jurisdicional.

45

Em conformidade com o disposto no artigo 30.o, n.o 1, desta diretiva, os Estados‑Membros devem instituir essa entidade, à qual, ao abrigo do n.o 2 do mesmo artigo 30.o, pode recorrer um candidato que considere ter sido «tratado de forma injusta ou discriminatória ou de algum modo lesado». O recurso interposto a este respeito visa, nomeadamente, segundo esta última disposição, as decisões do gestor da infraestrutura relativas ao regime de tarificação ou ao nível ou à estrutura das taxas de utilização da infraestrutura que o candidato paga ou possa vir a pagar.

46

Além disso, segundo artigo 30.o, n.o 3, da mesma diretiva, a entidade reguladora deve garantir que as taxas fixadas pelo gestor da infraestrutura cumprem o disposto no capítulo II e não são discriminatórias.

47

Por último, em aplicação do artigo 30.o, n.o 5, da Diretiva 2001/14, a entidade reguladora deve pronunciar‑se sobre eventuais queixas que lhe sejam apresentadas, sendo as suas decisões vinculativas para todas as partes interessadas, ao passo que, por força do artigo 30.o, n.o 6, desta diretiva, os Estados‑Membros devem assegurar que as referidas decisões são sujeitas a fiscalização jurisdicional.

48

Ora, no contexto de um litígio no âmbito do qual o utilizador de uma infraestrutura ferroviária intentou uma ação perante um órgão jurisdicional nacional de direito comum para obter o reembolso de uma parte do montante das taxas pagas ao gestor dessa infraestrutura, o Tribunal de Justiça declarou que essas disposições devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação de uma regulamentação nacional que prevê uma fiscalização, caso a caso, do caráter equitativo das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária pelos órgãos jurisdicionais de direito comum, e a possibilidade, se necessário, de alterar o montante dessas taxas independentemente da supervisão exercida pela entidade reguladora prevista no artigo 30.o da referida diretiva (Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.o 103).

49

Com efeito, tal regulamentação nacional teria por efeito que diversas decisões de órgãos jurisdicionais independentes, eventualmente não harmonizadas pela jurisprudência dos tribunais superiores, substituiriam a unicidade do controlo efetuado pela entidade competente, de modo que daí resultaria uma justaposição de duas vias decisórias não coordenadas, o que está em contradição manifesta com o objetivo visado no artigo 30.o da Diretiva 2001/14 (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.o 87).

50

Além disso, as decisões da entidade reguladora, em aplicação do artigo 30.o, n.o 5, da Diretiva 2001/14, produzem efeitos relativamente a todas as partes do setor ferroviário, quer sejam as empresas de transporte quer os gestores de infraestruturas. Seria contrário a este princípio que as sentenças proferidas pelos tribunais cíveis, eventualmente com base em critérios fixados pela legislação relativa ao cálculo das taxas, produzissem um efeito limitado às partes dos litígios trazidos a juízo (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.o 94).

51

Assim, o titular de uma autorização de acesso que intente uma ação contra o gestor da infraestrutura nos órgãos jurisdicionais de direito comum para contestar o montante das taxas pode obter uma vantagem relativamente aos seus concorrentes que não tenham intentado essa ação, o que prejudicaria o objetivo de assegurar uma concorrência equitativa no setor do fornecimento dos serviços ferroviários (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics, C‑489/15, EU:C:2017:834, n.os 95 e 96).

52

A jurisprudência mencionada nos n.os 48 a 51 do presente acórdão é plenamente aplicável ao processo principal.

53

Com efeito, uma vez que a KM pede o reembolso de um pretenso pagamento excessivo de taxas à PKP PLK, gestor da infraestrutura na Polónia, devido a uma transposição incorreta da Diretiva 2001/14, nomeadamente do artigo 7.o, n.o 3, desta diretiva, relativo aos princípios da tarificação, deve considerar‑se que a sua ação nos tribunais cíveis de direito comum está diretamente relacionada com a contestação do montante da taxa individual previamente fixada pelo gestor da infraestrutura.

54

Ora, admitir que os órgãos jurisdicionais de direito comum possam decidir tal contencioso sem que a entidade reguladora e, eventualmente, o órgão jurisdicional competente para conhecer dos recursos de decisões dessa entidade se tenham pronunciado, em conformidade com o artigo 30.o, n.os 3, 5 e 6, da Diretiva 2001/14, sobre a legalidade das taxas em causa e tenham, eventualmente, adotado as medidas necessárias para sanar uma eventual ilegalidade destas, equivale a pôr em causa a missão da entidade reguladora e, desse modo, o efeito útil do artigo 30.o dessa diretiva.

55

Daqui resulta que um órgão jurisdicional de direito comum não pode decidir sobre os pedidos relativos a uma ação fundada em responsabilidade ligada à transposição pretensamente errada da Diretiva 2001/14 sem que a entidade reguladora ou o órgão jurisdicional competente para conhecer dos recursos das suas decisões se tenha previamente pronunciado sobre a legalidade das decisões do gestor de rede que sejam contestadas perante esse órgão jurisdicional de direito comum. Esta modalidade processual, que enquadra as ações judiciais destinadas a assegurar que os particulares possam obter, com base no direito da União, a reparação do dano sofrido em razão da violação, por um Estado‑Membro, das disposições desta diretiva, é, por conseguinte, abrangida por esta última e não pela autonomia processual do referido Estado‑Membro.

56

Nas suas observações escritas, a KM alega, contudo, que, na prática, ficou impossibilitada de contestar o montante da sua taxa individual perante a entidade reguladora nacional. Com efeito, como declarou o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), uma queixa apresentada a essa entidade poderia, quando muito, implicar um controlo por parte desta, mas seria insuscetível de conduzir à abertura de um procedimento administrativo no âmbito do qual a referida entidade teria competência para decidir do litígio entre a empresa ferroviária em causa, que teria a qualidade de parte, e o gestor da infraestrutura. Assim, as empresas de transporte ferroviário, que somente podem impugnar o resultado dessa fiscalização, são obrigadas a intentar uma ação de indemnização nos tribunais cíveis comuns.

57

Admitindo que essa circunstância está demonstrada, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, há que recordar que, tendo em conta as considerações anteriores, o artigo 30.o, n.os 2, 5 e 6, da Diretiva 2001/14 consagra o direito de uma empresa ferroviária chamar a entidade reguladora a pronunciar‑se sobre a contestação do montante das taxas individuais fixadas pelo gestor da infraestrutura e, se for caso disso, de sujeitar a decisão tomada por essa entidade a uma fiscalização jurisdicional por parte do órgão jurisdicional competente para esse efeito.

58

A este respeito, importa ainda sublinhar que as disposições do artigo 30.o, n.os 2, 5 e 6, da Diretiva 2001/14 são incondicionais e suficientemente precisas e que, como tal, são dotadas de efeito direto (v., por analogia, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendézeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 288). Ora, essas disposições impõem‑se a todas as autoridades dos Estados‑Membros, isto é, não só aos tribunais nacionais mas também a todos os órgãos da administração, incluindo as entidades descentralizadas, sendo que estas autoridades são obrigadas a aplicá‑las (Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.o 90).

59

Em face do exposto, há que responder à primeira questão que as disposições da Diretiva 2001/14, nomeadamente o seu artigo 4.o, n.o 5, e o seu artigo 30.o, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que um órgão jurisdicional de direito comum de um Estado‑Membro decida de uma ação fundada em responsabilidade do Estado, intentada por uma empresa ferroviária com fundamento numa transposição incorreta desta diretiva, que esteve na origem de um pretenso pagamento excessivo de taxas ao gestor da infraestrutura, quando a entidade reguladora e, eventualmente, o órgão jurisdicional competente para conhecer dos recursos de decisões dessa entidade ainda não se tiverem pronunciado quanto à legalidade dessa taxa. O artigo 30.o, n.os 2, 5 e 6, dessa diretiva deve ser interpretado no sentido de que impõe que uma empresa ferroviária beneficiária de uma autorização de acesso tenha o direito de contestar o montante das taxas individuais fixadas pelo gestor das infraestruturas perante a entidade reguladora, que essa entidade profira uma decisão sobre essa contestação e que essa decisão possa ser fiscalizada pelo órgão jurisdicional competente para esse efeito.

Quanto à segunda questão

60

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o direito nacional da responsabilidade civil sujeite o direito dos particulares a obter a reparação do dano sofrido em razão da violação do direito da União, por um Estado‑Membro, a requisitos menos restritivos do que os previstos pelo direito da União.

61

A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que, no direito da União, os particulares lesados têm direito a reparação desde que estejam preenchidos três requisitos, a saber, que a norma de direito da União violada tenha por objeto conferir‑lhes direitos, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que haja um nexo de causalidade direto entre essa violação e o dano sofrido pelos lesados (Acórdãos de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 51, e de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe, C‑620/17 e, EU:C:2019:630, n.o 35, e jurisprudência referida).

62

Há que salientar que, de forma igualmente reiterada, o Tribunal de Justiça declarou que os três requisitos mencionados no número anterior não excluem que a responsabilidade do Estado possa ser acionada em condições menos restritivas com base no direito nacional (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 66; de 12 de setembro de 2006, Eman e Sevinger, C‑300/04, EU:C:2006:545, n.o 69; e de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe, C‑620/17, EU:C:2019:630, n.os 37 e 38 e jurisprudência referida).

63

Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o direito nacional da responsabilidade civil sujeite o direito dos particulares de obterem a reparação do dano sofrido em razão da violação do direito da União por um Estado‑Membro a requisitos menos restritivos do que os previstos pelo direito da União.

Quanto às despesas

64

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

As disposições da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária, conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, nomeadamente o seu artigo 4.o, n.o 5, e o seu artigo 30.o, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que um órgão jurisdicional de direito comum de um Estado‑Membro decida de uma ação fundada em responsabilidade do Estado, intentada por uma empresa ferroviária com fundamento numa transposição incorreta desta diretiva, que esteve na origem de um pretenso pagamento excessivo de taxas ao gestor da infraestrutura, quando a entidade reguladora e, eventualmente, o órgão jurisdicional competente para conhecer dos recursos de decisões dessa entidade ainda não se tiverem pronunciado quanto à legalidade dessa taxa.

O artigo 30.o, n.os 2, 5 e 6, da Diretiva 2001/14, conforme alterado pela Diretiva 2007/58, deve ser interpretado no sentido de que impõe que uma empresa ferroviária beneficiária de uma autorização de acesso tenha o direito de contestar o montante das taxas individuais fixadas pelo gestor das infraestruturas perante a entidade reguladora, que essa entidade profira uma decisão sobre essa contestação e que essa decisão possa ser fiscalizada pelo órgão jurisdicional competente para esse efeito.

 

2)

O direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o direito nacional da responsabilidade civil sujeite o direito dos particulares de obterem a reparação do dano sofrido em razão da violação do direito da União por um Estado‑Membro a requisitos menos restritivos do que os previstos pelo direito da União.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.