ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

5 de maio de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2014/59/UE — União Bancária — Recuperação e resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento — Artigos 36.°, 73.° e 74.° — Proteção dos acionistas e dos credores — Implementação parcial antes de expirado o prazo de transposição — Transposição por etapas — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 17.o, n.o 1 — Direito de propriedade»

No processo C‑83/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 23 de janeiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de fevereiro de 2020, no processo

BPC Lux 2 Sàrl,

BPC UKI LP,

Bennett Offshore Restructuring Fund Inc.,

Bennett Restructuring Fund LP,

Queen Street Limited,

BTG Pactual Global Emerging Markets and Macro Master Fund LP,

BTG Pactual Absolute Return II Master Fund LP,

CSS LLC,

Beltway Strategic Opportunities Fund LP,

EJF Debt Opportunities Master Fund LP,

TP Lux HoldCo Sàrl,

VR Global Partners LP,

CenturyLink Inc. Defined Benefit Master Trust,

City of New York Group Trust,

Dignity Health,

GoldenTree Asset Management Lux Sàrl,

GoldenTree High Yield Value Fund Offshore 110 Two Ltd,

San Bernardino County Employees Retirement Association,

EJF DO Fund (Cayman) LP,

Massa Insolvente da Espírito Santo Financial Group SA

contra

Banco de Portugal,

Banco Espírito Santo SA,

Novo Banco SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, I. Ziemele (relatora), T. von Danwitz, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Massa Insolvente da Espírito Santo Financial Group SA, por D. Duarte Campos, T. Duarte e R. Oliveira, P. Brito, J. Schmid Moura e S. Estima Martins, advogados,

em representação da BPC Lux 2 Sàrl, da BPC UKI LP, da Bennett Offshore Restructuring Fund Inc., da Bennett Restructuring Fund LP, da Queen Street Limited, da BTG Pactual Global Emerging Markets and Macro Master Fund LP, da BTG Pactual Absolute Return II Master Fund LP, da CSS LLC, da Beltway Strategic Opportunities Fund LP, da EJF Debt Opportunities Master Fund LP, da TP Lux HoldCo Sàrl, da VR Global Partners LP, da CenturyLink Inc. Defined Benefit Master Trust, da City of New York Group Trust, da Dignity Health, da GoldenTree Asset Management Lux Sàrl, da GoldenTree High Yield Value Fund Offshore 110 Two Ltd, da San Bernardino County Employees Retirement Association e da EJF DO Fund (Cayman) LP, por N. da Costa Silva Vieira, M. Marques Mendes, D. Guimarães e A. Dias Henriques, advogados,

em representação do Banco de Portugal, por T. Rosado, R. Esteves de Oliveira, P. Moura Pinheiro e T. Tönnies, advogados,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, S. Jaulino, J. Marques e P. Barros da Costa, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por D. Triantafyllou, A. Nijenhuis, B. Rechena e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 36.°, 73.° e 74.° da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190), bem como do artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a BPC Lux 2 Sàrl, a BPC UKI LP, a Bennett Offshore Restructuring Fund Inc., a Bennett Restructuring Fund LP, a Queen Street Limited, a BTG Pactual Global Emerging Markets and Macro Master Fund LP, a BTG Pactual Absolute Return II Master Fund LP, a CSS LLC, a Beltway Strategic Opportunities Fund LP, a EJF Debt Opportunities Master Fund LP, a TP Lux HoldCo Sàrl, a VR Global Partners LP, a CenturyLink Inc. Defined Benefit Master Trust, a City of New York Group Trust, a Dignity Health, a GoldenTree Asset Management Lux Sàrl, a GoldenTree High Yield Value Fund Offshore 110 Two Ltd, a San Bernardino County Employees Retirement Association e a EJF DO Fund (Cayman) LP (a seguir «BPC Lux 2 e o.»), bem como a Massa Insolvente da Espírito Santo Financial Group SA (a seguir «Massa Insolvente»), ao Banco de Portugal, à Banco Espírito Santo SA (a seguir «BES») e à Novo Banco SA, a respeito da Deliberação, adotada pelo Banco de Portugal, em 3 de agosto de 2014, de Resolução do BES.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 36.o da Diretiva 2014/59, sob a epígrafe «Avaliação para fins de resolução», dispõe:

«1.   Antes de adotarem medidas de resolução ou de exercerem o poder de reduzir ou de converter os instrumentos de capital relevantes, as autoridades de resolução asseguram que seja realizada uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e dos passivos da instituição ou da entidade a que se refere o artigo 1.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), por uma pessoa independente tanto de qualquer autoridade pública, incluindo a autoridade de resolução, como da instituição ou da entidade a que se refere o artigo 1.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d). […]

[...]

4.   Os objetivos da avaliação são os seguintes:

[...]

e)

Quando for aplicado o instrumento de criação de uma instituição de transição ou o instrumento de segregação de ativos, fundamentar a decisão sobre os ativos, direitos, passivos ou ações ou outros instrumentos de propriedade a transferir, bem como sobre o valor da eventual contrapartida a pagar à instituição objeto de resolução ou, consoante o caso, aos titulares das ações ou de outros instrumentos de propriedade;

[...]

10.   Uma avaliação que não respeite todos os requisitos previstos no presente artigo é considerada provisória até uma pessoa independente efetuar uma avaliação inteiramente conforme com todos esses requisitos. A avaliação definitiva ex post deve ser efetuada logo que possível. A avaliação definitiva ex post pode ser realizada separadamente da avaliação referida no artigo 74.o, ou simultaneamente com essa avaliação e pela mesma pessoa independente que a efetua, mas deve ser distinta desta última.

[...]»

4

O artigo 73.o da Diretiva 2014/59, sob a epígrafe «Tratamento dos acionistas e dos credores em caso de transferências parciais e de aplicação do instrumento de recapitalização interna», dispõe:

«Os Estados‑Membros asseguram que, caso tenham sido aplicados um ou mais instrumentos de resolução e, em especial, para efeitos do artigo 75.o:

a)

Exceto no caso de ser aplicável a alínea b), caso as autoridades de resolução transfiram apenas parte dos direitos, ativos e passivos da instituição objeto de resolução, os acionistas e os credores cujos créditos não tenham sido transferidos recebam, para satisfação dos seus créditos, pelo menos o mesmo valor que teriam recebido se a instituição objeto de resolução tivesse sido liquidada ao abrigo de processos normais de insolvência aquando da tomada da decisão a que se refere o artigo 82.o;

b)

Se as autoridades de resolução aplicarem o instrumento de recapitalização interna, os acionistas e os credores cujos créditos tenham sido objeto de redução ou de conversão em capitais próprios não sofram perdas superiores às que teriam sofrido se a instituição objeto de resolução tivesse sido liquidada ao abrigo de processos normais de insolvência aquando da tomada da decisão a que se refere o artigo 82.o».

5

Nos termos do artigo 74.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Avaliação da diferença de tratamento»:

«1.   A fim de avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência, nomeadamente, mas não exclusivamente, para efeitos do artigo 73.o, os Estados‑Membros asseguram que seja realizada uma avaliação por uma pessoa independente, o mais cedo possível depois de a medida, ou medidas, de resolução produzirem efeitos. Essa avaliação é distinta da avaliação realizada nos termos do artigo 36.o

2.   A avaliação prevista no n.o 1 deve determinar:

a)

O tratamento que os acionistas e os credores, ou os sistemas de garantia de depósitos relevantes, teriam recebido se a instituição objeto de resolução em relação à qual a medida, ou medidas, de resolução produziram efeitos tivesse entrado em processo normal de insolvência aquando da tomada da decisão a que se refere o artigo 82.o;

b)

O tratamento efetivo que os acionistas e os credores receberam na resolução da instituição objeto de resolução; e

c)

Se existe alguma diferença entre o tratamento a que se refere a alínea a) e o tratamento a que se refere a alínea b).

3.   A avaliação deve:

a)

Pressupor que a instituição objeto de resolução em relação à qual a medida, ou medidas, de resolução produziram efeitos entraria em processo normal de insolvência aquando da tomada da decisão a que se refere o artigo 82.o;

b)

Pressupor que a medida, ou medidas, de resolução não teriam produzido efeitos;

c)

Não ter em conta a concessão de apoio financeiro público extraordinário à instituição objeto de resolução.

[...]»

6

O artigo 130.o da Diretiva 2014/59, sob a epígrafe «Transposição», enuncia, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros adotam e publicam, até 31 de dezembro de 2014, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto das referidas disposições.

Os Estados‑Membros aplicam essas disposições a partir de 1 de janeiro de 2015.

Contudo, os Estados‑Membros aplicam as disposições adotadas para dar cumprimento ao título IV, capítulo IV, secção 5, o mais tardar a partir de 1 de janeiro de 2016.»

7

Nos termos do seu artigo 131.o, esta diretiva entrou em vigor em 2 de julho de 2014, isto é, no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia em 12 de junho de 2014.

Direito português

8

O legislador português aprovou o regime jurídico da resolução bancária através do Decreto‑Lei n.o 31‑A/2012, de 10 de fevereiro de 2012, introduzindo‑o no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (a seguir «RGICSF»).

9

As disposições pertinentes do RGICSF, conforme resultaram do Decreto‑Lei n.o 31‑A/2012, tinham a seguinte redação:

«Artigo 145.o‑B

Princípio orientador da aplicação de medidas de resolução

1 —   Na aplicação de medidas de resolução, procura assegurar‑se que os acionistas e os credores da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a respetiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores.

2 —   O disposto no número anterior não abrange os depósitos garantidos nos termos do disposto nos artigos 164.° e 166.°

Artigo 145.o‑C

Aplicação de medidas de resolução

1 —   Quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.o‑A:

a)

Alienação parcial ou total da atividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa;

b)

Transferência, parcial ou total, da atividade a um ou mais bancos de transição.

2 —   As medidas de resolução são aplicadas caso o Banco de Portugal considere não ser previsível que a instituição de crédito consiga, num prazo apropriado, executar as ações necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais.

3 —   Para efeitos do disposto no n.o 1, considera‑se que uma instituição de crédito está em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade quando, entre outros factos atendíveis cuja relevância o Banco de Portugal apreciará à luz das finalidades enunciadas no artigo 145.o‑A, se verifique alguma das seguintes situações:

a)

A instituição de crédito tiver tido prejuízos ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos suscetíveis de consumir o respetivo capital social;

b)

Os ativos da instituição de crédito se tornem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respetivas obrigações;

c)

A instituição de crédito estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar.

4 —   A aplicação de medidas de resolução não depende da prévia aplicação de medidas de intervenção corretiva.

5 —   A aplicação de uma medida de resolução não prejudica a possibilidade de aplicação, a qualquer momento, de uma ou mais medidas de intervenção corretiva.

[…]

Artigo 145.o‑F

[...]

5 —   Para os efeitos da alienação prevista no n.o 1, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados pelo Banco de Portugal devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da alienação, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, utilizando uma metodologia de valorização baseada em condições de mercado e, subsidiariamente, no justo valor, a qual deve ter em conta o valor incorpóreo, positivo ou negativo, que da alienação resulte para a instituição adquirente.

[...]

Artigo 145.o‑H

Património e financiamento do banco de transição

1 —   O Banco de Portugal seleciona os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição.

[...]

4 —   Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados nos termos do n.o 1 devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito.

[...]

Artigo 145.o‑I

[...]

3 —   O produto da alienação deve ser prioritariamente afeto, em termos proporcionais, à devolução:

a)

Ao Fundo de Resolução, de todos os montantes disponibilizados nos termos do n.o 5 do artigo 145.o‑H;

b)

Ao Fundo de Garantia de Depósitos ou ao Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, de todos os montantes disponibilizados nos termos do n.o 6 do artigo 145.o‑H.

4 —   Após a devolução dos montantes previstos no número anterior, o eventual remanescente do produto da alienação é devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente, caso aquela tenha entrado em liquidação.

[...]»

10

O RGICSF foi alterado pelo Decreto‑Lei n.o 114‑A/2014, de 1 de agosto de 2014, que alterou nomeadamente os artigos 145.°‑B, 145.°‑F, 145.°‑H e 145.°‑I. Estes artigos passaram a ter a seguinte redação:

«Artigo 145.o‑B [...]

1 —   Na aplicação de medidas de resolução, tendo em conta as finalidades das medidas de resolução estabelecidas no artigo anterior, procura assegurar‑se que:

a)

Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa;

b)

Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores;

c)

Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.

[...]

3 —   Caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.o 6 do artigo 145.o‑F e no n.o 4 do artigo 145.o‑H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução.

Artigo 145.o‑F […]

[...]

6 —   Para efeitos do disposto no n.o 3 do artigo 145.o‑B, a avaliação a que se refere o número anterior inclui também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução.

[...]

Artigo 145.o‑H

[...]

4 —   Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados nos termos do n.o 1 devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação, para efeitos do disposto no n.o 3 do artigo 145.o‑B, incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução.

[...]

Artigo 145.o‑I

[...]

3 —   [...]:

a)

Ao Fundo de Resolução, de todos os montantes disponibilizados nos termos do n.o 6 do artigo 145.o‑H;

b)

Ao Fundo de Garantia de Depósitos ou ao Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, de todos os montantes disponibilizados nos termos do n.o 7 do artigo 145.o‑H».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

O BES era uma das principais instituições de crédito do sistema bancário português.

12

Devido à sua situação financeira e ao risco sério e grave de não cumprir as suas obrigações, o Banco de Portugal adotou em 3 de agosto de 2014 em relação àquela instituição de crédito uma Deliberação de Resolução (a seguir «Medida de Resolução»).

13

A Medida de Resolução, adotada ao abrigo do RGICSF, conforme alterado pelo Decreto‑Lei n.o 114‑A/2014, indica nomeadamente que, não sendo tomada, com urgência, a Medida de Resolução, o BES caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da sua autorização para exercer uma atividade enquanto instituição de crédito, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira.

14

Esta medida levou à criação de um banco de transição, o Novo Banco, para o qual foram transferidos um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a gestão do BES.

15

A BPC Lux 2 e o. são titulares de obrigações subordinadas emitidas pelo BES. A Massa Insolvente detinha, direta e indiretamente, participações no capital social do BES.

16

A BPC Lux 2 e o. e a Massa Insolvente impugnaram a Medida de Resolução perante os órgãos jurisdicionais nacionais e, nesse contexto, alegaram, nomeadamente, que esta medida foi adotada em violação do direito da União.

17

O Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), que é o órgão jurisdicional de reenvio, chamado a pronunciar‑se no âmbito de dois recursos interpostos pela BPC Lux 2 e o. e pela Massa Insolvente, tem dúvidas sobre a compatibilidade da legislação nacional aplicável com o direito da União, em particular com a Diretiva 2014/59 e com o artigo 17.o da Carta. Além disso, esse órgão jurisdicional questiona‑se sobre se, atendendo à circunstância de que o prazo de transposição desta diretiva ainda não se esgotara na data em que foi adotada a Medida de Resolução, o legislador português, ao ter adotado o Decreto‑Lei n.o 114‑A/2014, que transpôs parcialmente esta diretiva, pode ter comprometido seriamente o resultado prescrito pela referida diretiva.

18

Nestas condições, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O direito da União, nomeadamente o art. 17.° da [Carta] e a Diretiva [2014/59/UE] e, em especial os seus artigos 36.°, 73.° e 74.°, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a supra enunciada e que foi aplicada pela medida de resolução consistente na criação de uma instituição de transição e instrumento de segregação de ativos, que, transpondo parcialmente aquela Diretiva e no decurso do período total de transposição da mesma:

a)

Não preveja a realização de uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e dos passivos da instituição objeto da medida de resolução em momento prévio à sua adoção?

b)

Não preveja o pagamento de uma eventual contrapartida, em função da avaliação mencionada na alínea anterior, à instituição objeto de resolução ou, consoante o caso, aos titulares das ações ou de outros instrumentos de propriedade e que, em lugar disso, se limite a prever que o eventual remanescente do produto da alienação do banco de transição deve ser devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente?

c)

Não preveja que os acionistas da instituição objeto da medida de resolução têm o direito a receber um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência, prevendo tal mecanismo de salvaguarda apenas para os credores cujos créditos não tenham sido transferidos?

d)

Não preveja uma avaliação, independente da avaliação referida na alínea a), destinada a avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência?

2)

Considerando a jurisprudência do Tribunal de Justiça afirmada no Acórdão de 18.12.1997, “Inter‑Environnement Wallonie” [Proc. n.o C‑129/96 […]] uma legislação nacional como a enunciada nos autos, enquanto transposição parcial da Diretiva 2014/59/UE, mostra‑se, no contexto da aplicação da medida de resolução, como suscetível de comprometer seriamente o resultado prescrito pela Diretiva, em especial dos seus artigos 36.°, 73.° e 74.°?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

19

Uma vez que, como resulta da redação da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a compatibilidade da legislação nacional aplicável à medida de resolução em causa no processo principal, por um lado, com os artigos 36.°, 73.° e 74.° da Diretiva 2014/59 e, por outro, com o artigo 17.o da Carta, há que determinar, a título preliminar, se estas disposições são aplicáveis ao litígio no processo principal.

20

A este respeito, importa salientar, em primeiro lugar, que a Diretiva 2014/59, por força do seu artigo 131.o, com exceção do seu artigo 124.o, entrou em vigor em 2 de julho de 2014 e que, nos termos do seu artigo 130.o, o seu prazo de transposição terminou em 31 de dezembro de 2014.

21

Daqui resulta que, no dia em que a Medida de Resolução foi adotada, 3 de agosto de 2014, o prazo de transposição da Diretiva 2014/59 ainda não tinha expirado.

22

Ora, segundo jurisprudência constante, antes de expirar o prazo de transposição de uma diretiva, os Estados‑Membros não podem ser acusados de ainda não terem adotado medidas de implementação desta diretiva para a sua ordem jurídica (Acórdãos de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie, C‑129/96, EU:C:1997:628, n.o 43, e de 27 de outubro de 2016, Milev, C‑439/16 PPU, EU:C:2016:818, n.o 30 e jurisprudência referida).

23

Além disso, é também jurisprudência constante que uma diretiva só pode ter efeito direto após expirar o prazo fixado para a sua transposição na ordem jurídica dos Estados‑Membros (Acórdão de 17 de janeiro de 2008, Velasco Navarro, C‑246/06, EU:C:2008:19, n.o 25 e jurisprudência referida).

24

Por conseguinte, conforme salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 35 das suas conclusões, as recorrentes no processo principal não podem invocar perante o órgão jurisdicional de reenvio os artigos 36.°, 73.° e 74.° da Diretiva 2014/59, porque estas disposições não são aplicáveis ao litígio no processo principal.

25

Em segundo lugar, no que respeita à aplicabilidade do artigo 17.o da Carta, há que recordar que, nos termos do seu artigo 51.o, n.o 1, as disposições desta última têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União.

26

Com efeito, resulta de jurisprudência constante que os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União se destinam a ser aplicados em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações. Foi nesta medida que o Tribunal de Justiça declarou que não pode apreciar, à luz da Carta, uma legislação nacional que não se situa no âmbito do direito da União. Em contrapartida, quando essa legislação esteja abrangida pelo âmbito de aplicação desse direito, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se a título prejudicial, deve fornecer todos os elementos de interpretação necessários à apreciação, pelo órgão jurisdicional nacional, da conformidade dessa legislação com os direitos fundamentais cujo respeito assegura (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 19, e de 13 de dezembro de 2017, El Hassani, C‑403/16, EU:C:2017:960, n.o 33 e jurisprudência referida).

27

Assim, para determinar se uma medida nacional se insere no âmbito de «aplicação do direito da União», na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, há que verificar, entre outros elementos, se a legislação nacional em causa no processo principal tem por objetivo aplicar uma disposição do direito da União, o caráter dessa legislação e se a mesma prossegue outros objetivos que não sejam os abrangidos pelo direito da União, ainda que seja suscetível de o afetar indiretamente, bem como se existe uma legislação do direito da União específica na matéria ou suscetível de o afetar (Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Baldonedo Martín, C‑177/18, EU:C:2020:26, n.o 59 e jurisprudência referida).

28

No caso em apreço, por um lado, o Governo português indicou, na sua resposta às perguntas formuladas pelo Tribunal de Justiça, que a aprovação do Decreto‑Lei n.o 31‑A/2012 visou dar execução e cumprimento a um dos compromissos assumidos pela República Portuguesa no âmbito do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, de 17 de maio de 2011, entre, por um lado, o Estado português e, por outro, a missão conjunta da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu.

29

A este respeito, como resulta dos seus termos, este Memorando de Entendimento tem como fundamento jurídico o artigo 3.o, n.o 5, do Regulamento (UE) n.o 407/2010 do Conselho, de 11 de maio de 2010, que cria um Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (JO 2010, L 118, p. 1). Uma vez que este regulamento se baseia no artigo 122.o, n.o 2, TFUE, o referido Memorando de Entendimento faz parte do direito da União.

30

Ora, como salientou o advogado‑geral, no n.o 48 das suas conclusões, quando um Estado‑Membro adota medidas destinadas a cumprir compromissos assumidos num Memorando de Entendimento que é parte do direito da União, deve considerar‑se que aplica este direito, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

31

Por outro lado, resulta expressamente da decisão de reenvio que o Decreto‑Lei n.o 114‑A/2014, que alterou o Decreto‑Lei n.o 31‑A/2012 antes da adoção da Medida de Resolução em 3 de agosto de 2014, constitui uma medida de transposição parcial da Diretiva 2014/59 e, por conseguinte, uma aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

32

Daqui resulta, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 49 das suas conclusões, que as disposições da Carta são aplicáveis ao litígio no processo principal.

33

Nestas condições, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional aplicável no contexto de uma medida de resolução que consiste na criação de uma instituição de transição e instrumento de segregação de ativos, que:

não preveja a realização de uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e dos passivos da instituição objeto da medida de resolução em momento prévio à sua adoção;

não preveja o pagamento de uma eventual contrapartida, em função da avaliação mencionada no travessão anterior, à instituição objeto de resolução ou, consoante o caso, aos titulares das ações ou de outros instrumentos de propriedade;

não preveja que os acionistas da instituição objeto da medida de resolução têm o direito a receber um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência, prevendo tal mecanismo de salvaguarda apenas para os credores cujos créditos não tenham sido transferidos; e

não preveja uma avaliação, independente da avaliação referida no primeiro travessão, destinada a avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência.

34

Como resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, esta questão é submetida, por um lado, devido à circunstância de, perante o órgão jurisdicional de reenvio, a Massa Insolvente e a BPC Lux 2 e o. terem alegado que a legislação nacional em causa no processo principal não prevê nem a realização de uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e dos passivos da instituição objeto da Medida de Resolução em momento prévio à sua adoção nem o pagamento de uma eventual contrapartida, em função dessa avaliação, à instituição objeto de resolução ou, consoante o caso, aos titulares das ações ou de outros instrumentos de propriedade. Ora, estas exigências, que figuram no artigo 36.o, n.os 9 e 10, da Diretiva 2014/59, visam, segundo estas recorrentes no processo principal, satisfazer a exigência enunciada no artigo 17.o, n.o 1, segundo período, da Carta, segundo a qual qualquer privação de propriedade deve ser compensada, em tempo útil, por uma justa indemnização.

35

Por outro lado, a Massa Insolvente e a BPC Lux 2 e o. sustentaram que a legislação nacional aplicável à medida de resolução em causa no processo principal não prevê um princípio que garante que os acionistas não sofrem perdas superiores às que teriam sofrido se a instituição tivesse sido liquidada ao abrigo de processos normais de insolvência (princípio «no creditor worse off»). Ora, semelhante exigência, que figura nomeadamente nos artigos 73.° e 74.° da Diretiva 2014/59, tem por objetivo garantir que a ingerência no direito de propriedade não seja desproporcionada, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

36

A este respeito, há que salientar que, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, da Carta, todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.

37

Em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, na medida em que esta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos pela CEDH. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla. Daqui resulta que, para efeitos da interpretação do artigo 17.o da Carta, há que tomar em consideração a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da CEDH, que consagra a proteção do direito de propriedade como limiar de proteção mínima [v., neste sentido, Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas), C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 72 e jurisprudência referida].

38

Conforme declarado reiteradamente pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a respeito do artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da CEDH, há que precisar que o artigo 17.o, n.o 1, da Carta contém três normas distintas. A primeira, expressa no primeiro período e que reveste um caráter geral, concretiza o princípio do respeito pela propriedade. A segunda, que figura no segundo período desse número, visa a privação da propriedade e submete‑a a certas condições. Quanto à terceira, que figura no terceiro período do referido número, reconhece aos Estados o poder, nomeadamente, de regulamentar a utilização dos bens em conformidade com o interesse geral. Não são, contudo, regras sem relação entre si. A segunda e terceira regras dizem respeito a exemplos particulares de violação do direito de propriedade e devem ser interpretadas à luz do princípio consagrado na primeira destas regras (v., neste sentido, TEDH, 25 de março de 2014, Vistinš e Perepjolkins c. Letónia, CE:ECHR:2012:1025JUD007124301, § 93 e jurisprudência referida).

39

Em primeiro lugar, no que se refere à questão de saber se o artigo 17.o, n.o 1, da Carta é aplicável a restrições ao direito de propriedade de ações ou de obrigações negociáveis nos mercados de capitais como as que estão em causa no processo principal, há que salientar, primeiro, que a proteção conferida por esta disposição tem por objeto os direitos que têm um valor patrimonial do qual decorre, tendo em conta a ordem jurídica em causa, uma posição jurídica adquirida que permite o exercício autónomo desses direitos pelo e a favor do seu titular [Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas), C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 69 e jurisprudência referida].

40

A este respeito, como sublinhou o advogado‑geral, em substância, no n.o 110 das suas conclusões, ações ou obrigações negociáveis nos mercados de capitais como as que estão em causa no processo principal revestem um valor patrimonial e conferem ao seu titular uma posição jurídica adquirida que permite o exercício autónomo dos direitos que delas decorrem.

41

Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da CEDH que as ações e as obrigações negociáveis nos mercados de capitais devem ser consideradas «bens» suscetíveis de beneficiar da proteção garantida por este artigo 1.o (TEDH, 20 de setembro de 2011, Shesti Mai Engineering OOD e o. c. Bulgária, n.o 17854/04, CE:ECHR:2011:0920JUD001785404, § 77; TEDH, 21 de julho de 2016, Mamatas e o. c. Grécia, CE:ECHR:2016:0721JUD006306614, § 90; TEDH, 19 de novembro de 2020, Project‑trade d.o.o. c. Croácia, CE:ECHR:2020:1119JUD000192014, § 75).

42

Segundo, é facto assente que as ações ou as obrigações negociáveis nos mercados de capitais em causa no processo principal foram adquiridas legalmente.

43

Daqui resulta que ações ou obrigações negociáveis nos mercados de capitais como as que estão em causa no processo principal estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 17.o, n.o 1, da Carta.

44

Em segundo lugar, no que se refere à questão de saber se uma medida de resolução adotada em conformidade com uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal constitui uma privação de propriedade, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, segundo período, da Carta, ou uma lei que regulamenta a utilização dos bens, na aceção do terceiro período desta disposição, há que salientar que, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para verificar se existe uma privação de propriedade, é necessário examinar não apenas se houve privação da posse ou expropriação formal, sendo também necessário averiguar se a situação controvertida equivale a uma expropriação de facto (v., neste sentido, TEDH, 28 de julho de 1999, Immobiliare Saffi c. Itália, CE:ECHR:1999:0728JUD002277493, § 46; TEDH, 29 de março de 2010, Depalle c. França, CE:ECHR:2010:0329JUD003404402, § 78).

45

No caso em apreço, é facto assente que a medida de resolução adotada em conformidade com a legislação em causa no processo principal não previu uma privação da posse ou uma expropriação formal das ações ou das obrigações em causa. Em particular, esta medida não privou, de maneira forçada, integral e definitiva os seus titulares dos direitos decorrentes destas ações ou destas obrigações [v., neste sentido, Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas), C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 81].

46

No que se refere à questão de saber se a adoção de tal medida é suscetível de constituir uma expropriação de facto, a Massa Insolvente e a BPC Lux 2 e o. alegaram, em substância, que a transferência para o Novo Banco de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos colocados sob a gestão do BES, operada pelo ponto 2 da Medida de Resolução ao abrigo do artigo 145.o‑H do RGICSF, conforme alterado pelo Decreto‑Lei n.o 114‑A/2014, se traduziu numa diminuição substancial do valor desta instituição de crédito.

47

A este respeito, ainda que se admita que foi efetivamente o que sucedeu, não se pode necessariamente deduzir desta circunstância que a medida de resolução adotada em conformidade com a legislação nacional em causa no processo principal constitui uma expropriação de facto. Com efeito, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio uma vez que se trata de uma questão de interpretação do direito nacional, decorre, antes de mais, da redação do artigo 145.o‑C do RGICSF que uma medida de resolução adotada ao abrigo desta legislação só é aplicada a uma instituição de crédito em caso de insolvência manifesta ou de risco de insolvência. Em seguida, resulta dos termos do artigo 145.o‑I, n.o 4, do RGICSF que, após a devolução dos montantes disponibilizados pelo Fundo de Resolução ou pelos fundos de garantia, o eventual remanescente do produto da alienação é devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente, caso aquela tenha entrado em liquidação. Por último, resulta da decisão de reenvio que, não tendo sido tomada, com urgência, a medida de resolução em causa no processo principal, a instituição de crédito em causa teria caminhado inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e teria entrado em processo de liquidação.

48

Ora, perante semelhante possibilidade, como salientou o advogado‑geral nos n.os 115 e 116 das suas conclusões, há que considerar que a perda de valor dos ativos que possam beneficiar da proteção garantida pelo artigo 17.o, n.o 1, da Carta não decorre da Medida de Resolução, mas da situação de insolvência ou do risco de insolvência em que a instituição de crédito se encontra.

49

Daqui resulta que uma medida de resolução adotada em conformidade com uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não constitui uma privação de propriedade, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, segundo período, da Carta. Por conseguinte, não há que examinar, como sustentam as recorrentes no processo principal, conforme foi recordado no n.o 38 do presente acórdão, se semelhante medida preenche as condições previstas naquele segundo período, relativas, nomeadamente, à existência de razões de utilidade pública para a privação de propriedade e ao pagamento de uma justa indemnização em tempo útil.

50

Não deixa de ser certo que a adoção de uma medida de resolução em conformidade com a legislação em causa no processo principal, que prevê, nomeadamente, a transferência de elementos dos ativos de uma instituição de crédito para um banco de transição, constitui uma regulamentação da utilização dos bens, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, terceiro período, da Carta, suscetível de lesar o direito de propriedade dos acionistas da instituição de crédito, cuja posição económica é afetada, e a dos credores, como sejam os titulares de obrigações, cujos créditos não foram transmitidos para a instituição de transição.

51

Conforme resulta da redação desta disposição, a utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral. A este respeito, decorre do artigo 52.o, n.o 1, da Carta que podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos consagrados pela Carta, desde que essas restrições estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros [Acórdãos de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas), C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 88, e de 16 de dezembro de 2020, Conselho e o./K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.o 155 e jurisprudência referida].

52

No caso em apreço, primeiro, é facto assente que as restrições ao exercício dos direitos previstos no artigo 17.o, n.o 1, da Carta que a Medida de Resolução comporta estão previstas na lei, de acordo com as disposições aplicáveis do RGICSF, conforme alteradas pelo Decreto‑Lei n.o 114‑A/2014.

53

Segundo, desde que de uma medida de resolução adotada em conformidade com uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não resulte uma privação de propriedade, constituindo uma regulamentação da utilização dos bens, como foi salientado nos n.os 49 e 50 do presente acórdão, semelhante medida de resolução não pode afetar a substância em si mesma do direito de propriedade (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 89).

54

Terceiro, há que constatar que semelhante medida corresponde a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta. Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a adoção de medidas de resolução no setor bancário responde a um objetivo de interesse geral prosseguido pela União, a saber, o de assegurar a estabilidade do sistema bancário da zona euro no seu conjunto (v., por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 71 e jurisprudência referida), bem como o de evitar um risco sistémico (Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 92 e jurisprudência referida).

55

Quarto, no que respeita à questão de saber se as restrições que a medida de resolução comporta ao exercício dos direitos referidos no artigo 17.o, n.o 1, da Carta vão além do que é necessário para atingir os objetivos de interesse geral em causa no processo principal, importa recordar que, atendendo ao contexto económico particular, os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação quando adotam decisões em matéria económica e são quem está em melhor posição para definir as medidas suscetíveis de realizar o objetivo prosseguido (Acórdão de 13 de junho de 2017, Florescu e o., C‑258/14, EU:C:2017:448, n.o 57).

56

Além disso, embora seja certo que o Tribunal de Justiça já declarou que existe um interesse geral claro em assegurar, em toda a União, uma proteção forte e coerente dos investidores, salientou, todavia, que não se pode considerar que esse interesse prevalece em todas as circunstâncias sobre o interesse geral que consiste em garantir a estabilidade do sistema financeiro (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 91). Ora, a defesa deste interesse pelos Estados‑Membros exige que lhes seja reconhecida, neste contexto, uma margem de apreciação [TEDH, 7 de novembro de 2002, Olczak c. Polónia, CE:ECHR:2002:1107DEC003041796, § 77; TEDH, 10 de julho de 2012, Grainger e o. c. Reino Unido, CE:ECHR:2012:0710DEC003494010, § 36].

57

No caso em apreço, afigura‑se, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a legislação aplicável à medida de resolução em causa no processo principal continha disposições que tomaram suficientemente em consideração a posição dos acionistas e dos credores da instituição de crédito em causa, bem como os seus interesses no âmbito dos procedimentos de resolução tramitados em conformidade com essa legislação.

58

No que respeita, em primeiro lugar, aos credores da instituição em causa no processo principal, resulta com efeito das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que os credores cujos créditos não foram transferidos têm o direito de receber um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência.

59

Em segundo lugar, no que se refere aos acionistas da instituição em causa no processo principal, há que recordar, por um lado, como foi já salientado no n.o 47 do presente acórdão, que resulta da redação do artigo 145.o‑C do RGICSF que uma medida de resolução só é aplicada a uma instituição de crédito em caso de insolvência manifesta ou de risco de insolvência. Além disso, nos termos do artigo 145.o‑B, n.o 1, alínea a), do RGICSF, atendendo aos objetivos das medidas de resolução, procura‑se, quando da aplicação de uma medida de resolução, garantir nomeadamente que os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa. Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 126 das suas conclusões, há que considerar que, em princípio, as perdas sofridas pelos acionistas dos bancos em dificuldade terão a mesma dimensão, independentemente de se saber se a sua causa assenta numa sentença de declaração de insolvência ou numa medida de resolução (v., por analogia, Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 75).

60

Por outro lado, decorre do artigo 145.o‑I do RGICSF que esta disposição contém um mecanismo específico de salvaguarda dos direitos dos acionistas, prevendo o n.o 4 deste artigo que o remanescente do produto da alienação do banco de transição, após a devolução dos montantes disponibilizados ao Fundo de Resolução e aos fundos de garantia, é devolvido ao banco objeto de resolução ou à sua massa insolvente. Ora, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que semelhante disposição permite, em princípio, assegurar a neutralidade económica da ação de resolução e não privar a instituição de crédito originária ou a sua massa insolvente do montante resultante da alienação dos ativos do banco de transição após a devolução dos montantes disponibilizados a título de empréstimos pelos diferentes fundos.

61

Nestas condições, atendendo à margem de apreciação referida nos n.os 55 e 56 do presente acórdão, há que considerar que o artigo 17.o, n.o 1, terceiro período, da Carta não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que não contém uma disposição expressa que garante que os acionistas não sofrem perdas superiores às que teriam sofrido se a instituição tivesse sido liquidada na data em que foi adotada a medida de resolução (princípio «no creditor worse off»).

62

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o, n.o 1, da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional aplicável no contexto de uma medida de resolução, que permite, em princípio, assegurar a neutralidade económica desta medida de resolução e que consiste na criação de uma instituição de transição e instrumento de segregação de ativos, que não preveja, expressamente numa disposição:

a realização de uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e dos passivos da instituição objeto da medida de resolução em momento prévio à sua adoção;

o pagamento de uma eventual contrapartida, em função da avaliação mencionada no travessão anterior, à instituição objeto de resolução ou, consoante o caso, aos titulares das ações ou de outros instrumentos de propriedade;

que os acionistas da instituição objeto da medida de resolução têm o direito a receber um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência, prevendo tal mecanismo de salvaguarda apenas para os credores cujos créditos não tenham sido transferidos; e

uma avaliação, independente da avaliação referida no primeiro travessão, destinada a avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência.

Quanto à segunda questão

63

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a transposição parcial por um Estado‑Membro, para uma legislação nacional relativa à resolução de instituições de crédito, de certas disposições da Diretiva 2014/59 antes de expirado o seu prazo de transposição é suscetível de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito pela referida diretiva, na aceção do Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie (C‑129/96, EU:C:1997:628).

64

Conforme foi salientado nos n.os 20 a 22 do presente acórdão, o prazo de transposição da Diretiva 2014/59, que entrou em vigor em 2 de julho de 2014, expirou em 31 de dezembro de 2014, pelo que a República Portuguesa não pode ser acusada de na data em que foi adotada a Medida de Resolução, isto é, em 3 de agosto de 2014, não ter adotado medidas de implementação desta diretiva na sua ordem jurídica.

65

Não deixa de ser certo que, segundo jurisprudência constante, durante o período de transposição de uma diretiva, os Estados‑Membros seus destinatários devem abster‑se de adotar disposições suscetíveis de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito por essa diretiva (Acórdãos de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie, C‑129/96, EU:C:1997:628, n.o 45; de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o., C‑165/09 a C‑167/09, EU:C:2011:348, n.o 78; e de 25 de janeiro de 2022, VYSOČINA WIND, C‑181/20, EU:C:2022:51, n.o 75).

66

Semelhante obrigação de abstenção que se impõe a todas as autoridades nacionais deve ser entendida, por um lado, no sentido de que se refere à adoção de qualquer medida, geral e específica, suscetível de produzir tal efeito negativo (Acórdão de 11 de setembro de 2012, Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o., C‑43/10, EU:C:2012:560, n.o 57 e jurisprudência referida). Por outro lado, a partir do momento em que uma diretiva tenha entrado em vigor, os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros devem abster‑se, na medida do possível, de interpretar o direito interno de uma forma que possa comprometer seriamente, depois de expirado o prazo de transposição, a realização do objetivo prosseguido por essa diretiva (Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 123, e de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea, C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2009:244, n.o 39).

67

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o Decreto‑Lei n.o 114‑A/2014, de 1 de agosto de 2014, a respeito do qual é facto assente que transpôs corretamente, embora só parcialmente, certas disposições da Diretiva 2014/59 através da alteração dos artigos 145.°‑B, 145.°‑F, 145.°‑H e 145.°‑I do RGICSF, pode comprometer seriamente o resultado prescrito por esta diretiva.

68

A este respeito, há, é certo, que recordar que incumbe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se as disposições nacionais cuja legalidade é contestada são suscetíveis de comprometer seriamente o resultado prescrito por uma diretiva (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie, C‑129/96, EU:C:1997:628, n.os 45 e 46, e de 5 de abril de 2011, Société fiduciaire nationale d’expertise comptable, C‑119/09, EU:C:2011:208, n.o 19 e jurisprudência referida), sendo que tal verificação deve ser necessariamente conduzida com base numa apreciação global, tendo em conta o conjunto das políticas e das medidas adotadas no território nacional em causa (Acórdão de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o., C‑165/09 a C‑167/09, EU:C:2011:348, n.o 81).

69

Todavia, o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre a questão de saber se a transposição parcial por um Estado‑Membro de certas disposições de uma diretiva antes de expirado o seu prazo de transposição é, em princípio, suscetível de comprometer seriamente a realização o resultado prescrito por essa diretiva.

70

A este respeito, importa realçar, primeiro, que o Tribunal de Justiça já declarou que os Estados‑Membros dispõem da faculdade de adotar disposições transitórias ou de dar execução a uma diretiva por etapas. Nestas hipóteses, a não conformidade de disposições transitórias do direito nacional com essa diretiva ou a não transposição de determinadas disposições da diretiva não compromete obrigatoriamente o resultado nela prescrito (Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie, C‑129/96, EU:C:1997:628, n.o 49). Com efeito, há que considerar, nessas hipóteses, que tal resultado poderia sempre ser alcançado através da transposição definitiva e completa da referida diretiva nos prazos fixados.

71

Segundo, como foi recordado no n.o 66 do presente acórdão, a obrigação de abstenção a que o Tribunal de Justiça se referiu, nomeadamente no n.o 45 do Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie (C‑129/96, EU:C:1997:628), deve ser entendida no sentido de que visa a adoção de qualquer medida, geral e específica, suscetível de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito pela diretiva em causa.

72

Ora, como sublinhou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 79 e 80 das suas conclusões, quando a adoção de uma medida por um Estado‑Membro vise transpor, ainda que parcialmente, uma diretiva da União e essa transposição tenha sido corretamente efetuada, não se pode considerar que a adoção de semelhante medida parcial de transposição é suscetível de produzir esse efeito negativo, uma vez que esta opera necessariamente uma aproximação entre a legislação nacional e a diretiva que aquela legislação transpõe e contribui, dessa forma, para a realização dos objetivos dessa diretiva.

73

Daqui resulta que a transposição, meramente parcial, por um Estado‑Membro, de certas disposições de uma diretiva antes de expirar o seu prazo de transposição não é, em princípio, suscetível de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito por essa diretiva.

74

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão que a transposição meramente parcial por um Estado‑Membro, para uma legislação nacional relativa à resolução de instituições de crédito, de certas disposições da Diretiva 2014/59 antes de expirado o prazo de transposição desta última não é, em princípio, suscetível de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito pela referida diretiva, na aceção do Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie (C‑129/96, EU:C:1997:628).

Quanto às despesas

75

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 17.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional aplicável no contexto de uma medida de resolução, que permite, em princípio, assegurar a neutralidade económica desta medida de resolução e que consiste na criação de uma instituição de transição e instrumento de segregação de ativos, que não preveja, expressamente numa disposição:

a realização de uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e dos passivos da instituição objeto da medida de resolução em momento prévio à sua adoção;

o pagamento de uma eventual contrapartida, em função da avaliação mencionada no travessão anterior, à instituição objeto de resolução ou, consoante o caso, aos titulares das ações ou de outros instrumentos de propriedade;

que os acionistas da instituição objeto da medida de resolução têm o direito a receber um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência, prevendo tal mecanismo de salvaguarda apenas para os credores cujos créditos não tenham sido transferidos; e

uma avaliação, independente da avaliação referida no primeiro travessão, destinada a avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência.

 

2)

A transposição parcial por um Estado‑Membro, para uma legislação nacional relativa à resolução de instituições de crédito, de certas disposições da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n. o  1093/2010 e (UE) n. o  648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, antes de expirado o prazo de transposição desta última não é, em princípio, suscetível de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito pela referida diretiva, na aceção do Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie (C‑129/96, EU:C:1997:628).

 

Arabadjiev

Ziemele

von Danwitz

Xuereb

Kumin

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de maio de 2022.

O Secretário

A. Calot Escobar

O Presidente da Primeira Secção

A. Arabadjiev


( *1 ) Língua do processo: português.