CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 9 de setembro de 2021 ( 1 )

Processo C‑497/20

Randstad Italia SpA

contra

Umana SpA,

Azienda USL Valle d’Aosta,

IN. VA SpA,

Synergie Italia agenzia per il lavoro SpA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália)]

«Pedido de decisão prejudicial — Contratos Públicos — Diretiva 89/665/CEE — Artigo 1.o — Direito a um recurso eficaz — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Obrigação de os Estados‑Membros preverem um recurso — Acesso ao recurso — Recurso de anulação da decisão de adjudicação de um contrato público — Recurso subordinado interposto pelo adjudicatário — Jurisprudência do Tribunal Constitucional que limita os casos em que é possível interpor “ricorso per cassazione” [recurso de cassação] — Artigo 267.o TFUE»

I. Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial suscita problemáticas importantes e, em certos aspetos, inéditas relativas à questão de saber se um Estado‑Membro está obrigado a prever um direito de recurso adicional quando um órgão jurisdicional de recurso tenha, ele próprio, interpretado ou aplicado erradamente o direito da União. O presente processo suscita também a questão de saber se a parte lesada terá à sua disposição (se existirem) outras vias de recurso no caso de o referido direito de recurso não existir.

2.

Este pedido tem mais especificamente por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 3, TUE e do artigo 19.o, n.o 1, TUE, bem como do artigo 2.o, n.os 1 e 2, e do artigo 267.o TFUE, interpretados à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). O presente pedido suscita igualmente questões relativas à correta interpretação do artigo 1.o, n.os 1 e 3, e do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras ( 2 ), conforme alterada, nomeadamente, pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007 ( 3 ).

3.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Randstad Italia SpA (a seguir «Randstad») à Umana SpA, à Azienda USL [Unità Sanitaria Locale] Valle d’Aosta (Delegação de Saúde Local da Região do Valle d’Aosta, Itália; a seguir «USL»), à IN. VA SpA e à Synergie Italia agenzia per il lavoro SpA (a seguir «Synergie»). Este litígio tem por objeto, por um lado, a exclusão da Randstad de um procedimento de adjudicação de um contrato público e, por outro, a regularidade do mesmo procedimento.

4.

O Tribunal de Justiça é assim chamado uma vez mais a pronunciar‑se, a pedido de um órgão jurisdicional italiano, sobre o alcance da obrigação que impende sobre os Estados‑Membros, prevista no artigo 1.o da Diretiva 89/665, de assegurarem recursos eficazes em matéria de contratos públicos quando, no âmbito de um recurso de anulação da decisão de adjudicação de um contrato público, o adjudicatário interponha um recurso subordinado contra o proponente excluído.

5.

No entanto, este pedido surge num contexto específico e sensível no qual, por um lado, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália) parece ter — pelo menos no momento em que foi chamado a pronunciar‑se sobre o litígio em causa — algumas dificuldades para aplicar a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a esta matéria e no qual, por outro, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) tem dúvidas sobre o âmbito da sua competência relativamente a recursos interpostos que tenham por objeto decisões do Consiglio di Stato (Conselho de Estado em formação jurisdicional), conforme foi recentemente especificado pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália). Por conseguinte, com o presente pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça é implicitamente chamado a arbitrar um conflito entre os três Supremos Tribunais italianos.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

6.

Os considerandos 17, 34 e 36 da Diretiva 2007/66 preveem:

«(17)

Deverá ter acesso ao recurso pelo menos qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um contrato em particular e que tenha sido ou corra o risco de ser prejudicada por uma alegada violação.

[…]

(34)

[…] Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no [artigo 5.o TUE], a presente diretiva não excede o necessário para atingir aquele objetivo, respeitando simultaneamente o princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros.

[…]

(36)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, em especial, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Em especial, a presente diretiva destina‑se a assegurar o respeito pleno do direito a um recurso efetivo e a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, em conformidade com os primeiro e segundo parágrafos do artigo 47.o da Carta.»

7.

O artigo 1.o da Diretiva 89/665, na sua versão atual, intitulado «Âmbito de aplicação e acesso ao recurso», dispõe:

«1.   A presente diretiva é aplicável aos contratos a que se refere a Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho [de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65)], salvo se esses contratos se encontrarem excluídos nos termos dos artigos 7.o, 8.o, 9.o, 10.o, 11.o, 12.o, 15.o, 16.o, 17.o e 37.o dessa diretiva.

[…]

Os Estados‑Membros adotam as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24/UE ou da Diretiva 2014/23/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO 2014, L 94, p. 1)], as decisões das autoridades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes, e, sobretudo, tão céleres quanto possível, nos termos dos artigos 2.o a 2.o‑F da presente diretiva, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito da União em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito.

[…]

3.   Os Estados‑Membros devem garantir o acesso ao recurso, de acordo com regras detalhadas que os Estados‑Membros podem estabelecer, a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação.»

8.

O artigo 2.o da Diretiva 89/665 tem como epígrafe «Requisitos do recurso». Nos termos dos dois primeiros números desta disposição:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que as medidas tomadas relativamente aos recursos a que se refere o artigo 1.o prevejam poderes para:

(a)

Decretar, no mais curto prazo, mediante processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados novos danos aos interesses em causa, designadamente medidas destinadas a suspender ou a mandar suspender o procedimento de adjudicação do contrato público em causa ou a execução de quaisquer decisões tomadas pela entidade adjudicante;

(b)

Anular ou mandar anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem do convite à apresentação de propostas, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o procedimento de adjudicação do contrato em causa;

(c)

Conceder indemnizações aos lesados por uma violação.

2.   Os poderes referidos no n.o 1 e nos artigos 2.o‑D e 2.o‑E podem ser atribuídos a instâncias distintas responsáveis por aspetos diferentes do recurso.»

B.   Direito italiano

9.

O artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana dispõe:

«Das decisões do Consiglio di Stato [Conselho de Estado, em formação jurisdicional] e da Corte dei conti [Tribunal de Contas] só é admitido ricorso in Cassazione [recurso de cassação] por fundamentos relativos à competência jurisdicional.»

10.

O artigo 360.o, primeiro parágrafo, n.o 1, do Codice di procedura civile (Código de Processo Civil) dispõe:

«As decisões proferidas em sede de recurso ou por uma instância única podem ser objeto de ricorso per cassazione [recurso de cassação]:

(1)

por fundamentos relativos à competência jurisdicional […]»;

11.

O artigo 362.o, n.os 1 e 2, do mesmo código dispõe:

«1.   Podem ser objeto de ricorso per cassazione [recurso de cassação] […] as decisões proferidas por um tribunal especial em sede de recurso ou em sede de instância única, por motivos relativos à competência desse mesmo órgão jurisdicional […].

2.   Podem ser objeto de ricorso per cassazione [recurso de cassação] a qualquer momento:

(1)

os conflitos positivos ou negativos de competência entre juízes especiais ou entre estes e juízes dos tribunais comuns;

(2)

os conflitos negativos de atribuição entre a administração pública e juízes dos tribunais comuns.»

12.

O artigo 91.o do Codice del processo amministrativo (Código de Processo Administrativo) dispõe:

«São meios de impugnação das decisões [dos órgãos jurisdicionais administrativos] o recurso de apelação, a revisão, a oposição de terceiro e o ricorso per cassazione [recurso de cassação] e apenas por fundamentos relativos à competência jurisdicional.»

13.

O artigo 110.o do mesmo código dispõe:

«Só é admitida a interposição de um ricorso per cassazione [recurso de cassação] das decisões proferidas pelo Consiglio di Stato [Conselho de Estado, em formação jurisdicional] por fundamentos relativos à competência.»

III. Matéria de facto no processo principal

14.

A USL lançou um procedimento de concurso público de valor superior a 12 milhões de euros com vista à adjudicação de um contrato com base na proposta economicamente mais vantajosa, a fim de escolher uma agência de emprego para a contratação temporária de pessoal. A entidade adjudicante indicou nos documentos do concurso que as propostas técnicas deviam ser superiores a um «limite mínimo» — fixado em 48 pontos — e que os concorrentes que obtivessem uma pontuação inferior ficariam excluídos.

15.

Apresentaram pedidos de participação no procedimento de concurso oito empresas concorrentes, entre as quais a Randstad, um agrupamento temporário de empresas formado pela Synergie e pela Umana (a seguir «ATE») e o Gi Group Spa. Depois de avaliadas as propostas técnicas, só as propostas do ATE e do Gi Group foram admitidas pela comissão de adjudicação à fase de avaliação económica, tendo a Randstad sido excluída por não ter ultrapassado o limite mínimo. O contrato veio a ser adjudicado ao ATE em 6 de novembro de 2018.

16.

A Randstad interpôs recurso no Tribunale Amministrativo Regionale della Valle d’Aosta (Tribunal Administrativo Regional do Valle d’Aosta, Itália) em cujo âmbito contestou a sua exclusão por não ter ultrapassado o limite mínimo, bem como a adjudicação do contrato ao ATE. Para conseguir ser readmitida no procedimento de concurso, a Randstad alegou que a pontuação que lhe foi atribuída não era razoável, que os critérios de avaliação eram imprecisos, que as classificações não foram fundamentadas, que a nomeação e composição da comissão de adjudicação eram ilegais e que o concurso não foi divido em lotes.

17.

A USL e o ATE contestaram o pedido, tendo suscitado uma exceção de inadmissibilidade dos fundamentos de recurso da Randstad: alegaram que esta última não tinha legitimidade processual para formular os seus pedidos pelo facto de que, fosse como fosse, ter sido excluída do procedimento de concurso.

18.

Por Decisão publicada em 15 de março de 2019, o Tribunale Amministrativo Regionale della Valle d’Aosta (Tribunal Administrativo Regional do Valle d’Aosta) julgou aquela exceção de inadmissibilidade improcedente, por entender que a Randstad participou no procedimento de concurso de modo legítimo, porquanto preenchia os requisitos, e que foi excluída daquele procedimento após a avaliação negativa da sua proposta, pelo que tinha assim legitimidade processual para impugnar o resultado do procedimento de concurso. Em seguida, este órgão jurisdicional analisou todos os fundamentos do recurso, julgando‑os improcedentes quanto ao mérito.

19.

A Randstad interpôs recurso da referida decisão do Tribunale Amministrativo Regionale della Valle d’Aosta (Tribunal Administrativo Regional do Valle d’Aosta) no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), reiterando os argumentos apresentados em primeira instância. A Synergie e a Umana interpuseram recurso subordinado, no qual contestaram a decisão do Tribunal Administrativo Regional por ter julgado o recurso admissível e por ter analisado o mérito das alegações, que consideravam ter sido apresentadas por uma pessoa que não tinha legitimidade processual porquanto fora excluída do procedimento de concurso.

20.

Numa Decisão publicada em 7 de agosto de 2019, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) julgou improcedente o fundamento do recurso principal por meio do qual a Randstad contestara a insuficiência da pontuação e julgou procedentes os recursos subordinados. Em especial, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) reformou parcialmente a decisão e declarou que a Randstad não tinha legitimidade processual uma vez que fora excluída do procedimento de concurso. Por conseguinte, considerou que o Tribunal Administrativo Regional não devia ter analisado quanto ao mérito os outros fundamentos do recurso principal.

21.

Segundo o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), a Randstad, uma vez que tinha sido excluída, não tinha legitimidade processual porque tinha apenas um interesse de facto, à semelhança de qualquer outro operador do setor que não participou no concurso. O Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) baseou‑se na sua jurisprudência anterior segundo a qual um proponente que tenha sido excluído de um procedimento de concurso público não tem legitimidade processual para impugnar os documentos do concurso, exceto se obtiver uma decisão judicial que declare a ilegalidade da sua exclusão.

22.

A Randstad interpôs ricorso per cassazione [recurso de cassação] da decisão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) no órgão jurisdicional de reenvio. São recorridos neste recurso a Synergie, a Umana e a entidade adjudicante.

23.

A Randstad alega que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) violou o artigo 362.o, n.o 1, do Código de Processo Civil italiano e o artigo 110.o do Código de Processo Administrativo, por ter declarado que uma pessoa excluída de um procedimento de concurso público — através de uma decisão cuja legalidade não foi declarada com caráter definitivo, uma vez que foi impugnada no âmbito do processo judicial — não tem legitimidade nem interesse para apresentar uma impugnação relativamente a esse mesmo concurso. Daqui resulta, em sua opinião, uma violação do princípio da proteção jurisdicional efetiva, consagrado na Diretiva 89/665, bem como uma negação do acesso a tal proteção que pode ser contestada através da interposição de um ricorso per cassazione [recurso de cassação] por fundamentos relativos à competência jurisdicional, na aceção do artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana.

24.

A Randstad invoca a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a mera possibilidade de obter uma vantagem através da propositura de uma ação ou da interposição de um recurso, que consista no resultado desse recurso, independentemente de qual seja, como por exemplo a repetição do procedimento de concurso, é suscetível de fundamentar o interesse em intentar uma ação ou interpor um recurso e o direito a proteção jurisdicional. A recorrente refere, para este efeito, os Acórdãos de 4 de julho de 2013, Fastweb (C‑100/12, EU:C:2013:448), de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675).

25.

Os recorridos alegam que o recurso é inadmissível. Sustentam que o fundamento de recurso em questão diz respeito a uma violação hipotética do direito. Não se trata de um «fundamento relativo à competência jurisdicional» e não pode assim ser submetido à Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) para impugnar uma decisão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional).

26.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, deveria ser possível, numa situação como a presente, interpor o ricorso per cassazione [recurso de cassação] referido no artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana. A efetividade do artigo 267.o TFUE ficará comprometida se o órgão jurisdicional nacional estiver impedido de aplicar imediatamente o direito da União em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Num caso como o do presente processo, um ricorso per cassazione [recurso de cassação] constitui o último dos meios para impedir que uma decisão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado) que (segundo afirma) que é contrária ao direito da União adquira força de caso julgado.

27.

No entanto, resulta do Acórdão n.o 6, de 18 de janeiro de 2018, da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) ( 4 ) relativo ao artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana (a seguir «Acórdão n.o 6/2018») que não é possível, no estado atual do direito constitucional italiano como interpretado neste acórdão, equiparar uma violação do direito da União a um fundamento relativo à competência jurisdicional. Segundo este acórdão, «[a] “autoridade judiciária que excede a sua competência jurisdicional”, que pode ser contestada por meio da interposição de ricorso in cassazione [recurso de cassação] no Supremo Tribunal de Cassação [na aceção do artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana], como sempre se entendeu […] refere‑se exclusivamente a dois tipos de cenários: aqueles que se caracterizam por uma total falta de competência, ou seja, quando o Consiglio di Stato [Conselho de Estado, em formação jurisdicional], ou a Corte dei conti [Tribunal de Contas], se declara competente numa área reservada ao legislador ou à administração (a designada ingerência ou usurpação), ou quando, pelo contrário, se declara incompetente na errada presunção de que a matéria em apreço não pode, de modo nenhum, ser objeto da sua fiscalização jurisdicional (a designada recusa), bem como aqueles cenários que se caracterizam por uma falta de competência relativa, quando um juiz administrativo ou do Tribunal de Contas se declara competente sobre uma matéria atribuída a outra jurisdição ou, pelo contrário, se declara incompetente para conhecer dessa matéria na errada presunção de que outros órgãos jurisdicionais são competentes ( 5 ).»

28.

O órgão jurisdicional de reenvio conclui que deveria julgar o ricurso per cassazione [recurso de cassação] interposto pela Randstad inadmissível para respeitar o mencionado Acórdão da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional). Nestas circunstâncias, questiona‑se sobre se o Acórdão n.o 6/2018, que limita, em matéria administrativa, a competência jurisdicional da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) referida no artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana, aos processos nos quais é alegado que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) não respeitou os «limites externos» da sua competência jurisdicional, viola o direito da União.

29.

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que quando o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) aplica ou interpreta erradamente disposições jurídicas nacionais de uma forma que é incompatível com as disposições do direito da União conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça, está a exercer poderes jurisdicionais de que não dispõe. Na realidade, está a exercer um poder de legislar que nem sequer ao legislador nacional foi conferido. Tal constitui uma falta de competência jurisdicional de que deveria ser possível interpor recurso na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação). A este respeito, é irrelevante que o acórdão do Tribunal de Justiça do qual resulta a incompatibilidade entre a aplicação ou a interpretação pelo órgão jurisdicional nacional e o direito da União tenha surgido anteriormente ou seja posterior a essa aplicação ou interpretação.

30.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, antes do Acórdão n.o 6/2018, a jurisprudência constante das suas próprias secções era a de que, em caso de interposição de recurso de uma decisão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), a revisão dos limites externos da «competência jurisdicional», na aceção do artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana, não se estendia à fiscalização das escolhas interpretativas feitas pelo órgão jurisdicional administrativo que pudessem envolver simples erros in iudicando (relativos ao mérito) ou in procedendo (relativos ao processo), exceto se houvesse uma distorção importante das regras aplicáveis que pudesse constituir uma denegação de justiça, como no caso de um erro in procedendo que consistisse na aplicação de uma norma processual nacional que tivesse por efeito negar à parte interessada acesso à proteção judicial que é garantida através de disposições do direito da União diretamente aplicáveis.

31.

Tal abordagem seria compatível com os princípios da equivalência e da efetividade que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, condicionam o exercício da autonomia processual dos Estados‑Membros. O Acórdão n.o 6/2018 e a jurisprudência que na sua esteira se desenvolveu são, pelo contrário, incompatíveis com estes princípios.

32.

Além disso, é também importante que a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) fique a saber, na sequência do presente pedido de decisão prejudicial, se a abordagem seguida pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) no acórdão recorrido é ou não compatível com os Acórdãos de 4 de julho de 2013, Fastweb (C‑100/12, EU:C:2013:448), de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675). Este aspeto do litígio suscita duas questões distintas.

33.

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça relativa ao direito de interposição de recurso de que gozam os proponentes excluídos dos processos de adjudicação de contratos públicos é transponível para um caso como aquele que está em causa no processo principal. Em segundo lugar, atendendo a que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), sem apresentar fundamentação para tal, não perguntou ao Tribunal de Justiça se os ensinamentos que se podem retirar dos acórdãos referidos no número anterior das presentes conclusões são transponíveis para um caso como o que está em causa no processo principal, é importante, na opinião do órgão jurisdicional de reenvio, poder submeter esta questão ao Tribunal de Justiça.

IV. Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

34.

Foi nestas circunstâncias que, por Decisão de 7 de julho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de setembro de 2020, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«(1)

Os artigos 4.o, n.o 3,TUE e 19.o, n.o 1, TUE e os artigos 2.o, n.os 1 e 2, TFUE e 267.o TFUE, interpretados igualmente à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, opõem‑se a uma prática interpretativa como a relativa ao artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Costituzione (Constituição italiana), aos artigos 360.o, primeiro parágrafo, n.o 1, e 362.o, primeiro parágrafo, do codice di procedura civile (Código de Processo Civil italiano), e ao artigo 110.o do codice del processo amministrativo (Código de Processo Administrativo italiano) — na parte em que estas disposições admitem o ricorso per cassazione [recurso de cassação] contra os acórdãos do Consiglio di Stato por “fundamentos relativos à competência jurisdicional” — conforme decorre do Acórdão n.o 6 de 2018 da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional italiano) e da jurisprudência nacional subsequente que, alterando a orientação anterior, considerou que o ricorso per cassazione [recurso de cassação], na perspetiva da chamada “falta de poder jurisdicional”, não pode ser utilizado para impugnar acórdãos do Consiglio di Stato que apliquem práticas interpretativas elaboradas a nível nacional contrárias aos acórdãos do Tribunal de Justiça, em domínios regulados pelo direito da União Europeia (no caso vertente, em matéria de adjudicação de contratos públicos) nos quais os Estados‑Membros renunciaram ao exercício dos seus poderes soberanos em sentido incompatível com aquele direito, com a consequência de implicar a consolidação de violações do direito da União que poderiam ser corrigidas por via do referido recurso e de prejudicar a aplicação uniforme do direito da União e a efetividade da proteção jurisdicional das situações jurídicas subjetivas de relevância comunitária, contrariando a exigência de que este direito seja aplicado de forma plena e rigorosa por qualquer órgão jurisdicional, de modo obrigatoriamente conforme à sua correta interpretação pelo Tribunal de Justiça, tendo em conta os limites da “autonomia processual” dos Estados‑Membros na configuração dos institutos processuais?

(2)

Os artigos 4.o, n.o 3, TUE e 19.o, n.o 1, TUE, e o artigo 267.o TFUE, igualmente à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, opõem‑se à interpretação e aplicação do artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Costituzione, dos artigos 360.o primeiro parágrafo, n.o 1, e 362.o, primeiro parágrafo, do codice di procedura civile e do artigo 110.o do codice del processo amministrativo, da qual decorre a prática jurisprudencial nacional segundo a qual o ricorso per cassazione [recurso de cassação] nas Sezioni Unite por “fundamentos relativos à competência jurisdicional”, na perspetiva da chamada “falta de poder jurisdicional”, não pode ser interposto como meio de impugnação dos acórdãos do Consiglio di Stato que, ao dirimir litígios sobre questões relativas à aplicação do direito da União, não procedem injustificadamente ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, sem que estejam reunidas as condições, objeto de interpretação estrita, taxativamente indicadas pelo Tribunal de Justiça (a partir do Acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit, C‑283/81, EU:C:1982:335), que dispensam o órgão jurisdicional nacional da obrigação referida, contrariando o princípio segundo o qual são incompatíveis com o direito da União as regulamentações ou práticas processuais nacionais, ainda que de fonte legislativa ou constitucional, que preveem uma privação, ainda que temporária, da liberdade do órgão jurisdicional nacional (de última instância ou não) de proceder ao reenvio prejudicial, com a consequência de usurpar a competência exclusiva do Tribunal de Justiça para a interpretação correta e vinculativa do direito da União, de tornar irremediável (e favorecer a sua consolidação) a eventual incompatibilidade interpretativa entre o direito aplicado pelo órgão jurisdicional nacional e o direito da União e de prejudicar a aplicação uniforme e a efetividade da proteção jurisdicional das situações jurídicas subjetivas decorrentes do direito da União?

(3)

Os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 5 de setembro de 2019, Lombardi, C‑333/18, EU:C:2019:675, de 5 de abril de 2016, PFE, C‑689/13, ECLI:EU:C:2016:199, e de 4 de julho de 2013, Fastweb, C‑100/12, EU:C:2013:448, em relação aos artigos 1.o, n.os 1 e 3, e 2.o, n.o 1, da Diretiva 89/665/CEE, alterada pela Diretiva 2007/66/CE, são aplicáveis aos factos que constituem o objeto do processo principal, no qual, na medida em que a empresa concorrente impugna a sua exclusão de um procedimento de concurso e a adjudicação a outra empresa, o Consiglio di Stato analisou quanto ao mérito o único fundamento de recurso com o qual a empresa excluída contestava a pontuação inferior ao “limite mínimo” atribuída à sua proposta técnica e, examinando prioritariamente os recursos subordinados da entidade adjudicante e da empresa adjudicatária, lhes deu provimento, declarando inadmissíveis (e não os analisando quanto ao mérito) os outros fundamentos do recurso principal que contestavam o resultado do concurso por outras razões (indeterminação dos critérios de avaliação das propostas na regulamentação do concurso, falta de fundamentação das classificações atribuídas, nomeação ilegal e composição do júri do concurso), em aplicação de uma prática jurisprudencial nacional segundo a qual a empresa que tenha sido excluída de um concurso público não pode apresentar alegações destinadas a impugnar a adjudicação à empresa concorrente, mesmo por meio da anulação do procedimento de concurso, devendo apreciar‑se se é compatível com o direito da União a consequência de privar a empresa do direito de submeter à apreciação do órgão jurisdicional qualquer fundamento de impugnação do resultado do concurso, numa situação em que a sua exclusão não foi declarada com caráter definitivo e em que cada concorrente pode invocar um interesse legítimo análogo na exclusão da proposta dos outros, que pode conduzir à declaração da impossibilidade de a entidade adjudicante proceder à escolha de uma proposta regular e à abertura de um novo processo de concurso no qual poderiam participar todos os proponentes?»

35.

No seu despacho de reenvio, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido a tramitação acelerada ao abrigo do artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

36.

Em apoio do seu pedido, o órgão jurisdicional de reenvio alegou, em substância, que existem razões válidas que impõem o rápido esclarecimento de questões fundamentais de relevância constitucional. O número de recursos que se encontram pendentes na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) respeitantes a acórdãos do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) em processos de direito da União demonstra que existe uma grave incerteza quanto ao âmbito da proteção jurisdicional dos direitos conferidos pelo direito da União. Esta situação tem de ser rapidamente resolvida, sobretudo num domínio nevrálgico como o dos contratos públicos, para, nomeadamente, evitar a consolidação de uma jurisprudência nacional de última instância que poderá ser seguida em numerosas outras decisões.

37.

Em 21 de outubro de 2020, o presidente do Tribunal de Justiça, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidiu indeferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio relativo à submissão do processo a tramitação acelerada. No mesmo dia, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu igualmente submeter o presente processo a tratamento prioritário, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

38.

A Randstad, a Umana, a USL, a Synergie, o Governo italiano e a Comissão apresentaram observações escritas. Além disso, a Randstad, a Umana, o Governo italiano e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência realizada em 6 de julho de 2021.

V. Observações preliminares sobre o contexto

39.

Como referido na introdução às presentes conclusões, este processo tem por objeto, em primeiro lugar, o alcance da obrigação que incumbe aos Estados‑Membros, prevista no artigo 1.o da Diretiva 89/665, de assegurarem a existência de recursos eficazes em matéria de contratos públicos na situação específica em que um recurso subordinado é interposto pelo adjudicatário. Além disso, as questões prejudiciais fazem parte de um debate mais amplo entre os três Tribunais Supremos italianos. Neste contexto, antes de examinar mais especificamente as questões colocadas pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação), afigura‑se útil começar esta análise recordando não apenas a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a matéria, mas também o contexto processual italiano.

A.   Síntese da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva 89/665 em caso de recurso subordinado interposto pelo adjudicatário

40.

Não é nova a questão de saber como tratar, nos termos da Diretiva 89/665, uma situação na qual foi interposto recurso contra um proponente em cujo âmbito é pedida a sua exclusão e na qual é interposto um recurso subordinado. Penso que se pode afirmar, de forma honesta, que da apresentação de uma série de pedidos de decisão prejudicial resultou que a questão da legitimidade processual em processos de adjudicação de contratos públicos foi claramente resolvida pelo Tribunal de Justiça.

41.

Em primeiro lugar, resulta das disposições do artigo 1.o, n.o 1, terceiro parágrafo, e n.o 3, da Diretiva 89/665, que para que o recurso de decisões tomadas por uma entidade adjudicante seja considerado eficaz, o acesso a esse recurso deve ser garantido a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação ( 6 ).

42.

Deste modo, quando, após um procedimento de contratação pública, dois proponentes interpõem recursos que têm por objeto a sua recíproca exclusão, cada um desses dois proponentes tem interesse em obter um determinado contrato, na aceção das disposições mencionadas no número anterior. Com efeito, por um lado, a exclusão de um proponente pode conduzir a que ao outro seja diretamente adjudicado o contrato no âmbito do mesmo processo. Por outro lado, em caso de exclusão de todos os proponentes e de abertura de um novo procedimento de contratação pública, cada um dos proponentes poderia participar neste e, assim, ser‑lhe indiretamente adjudicado o contrato ( 7 ).

43.

Daqui resulta que o recurso subordinado interposto pelo adjudicatário não pode conduzir a que se afaste o recurso de um proponente afastado no caso de a regularidade da proposta de cada um dos operadores ser posta em causa no âmbito do mesmo processo, uma vez que, em tal situação, cada um dos concorrentes pode alegar um interesse legítimo equivalente na exclusão da proposta dos outros, podendo levar a que se constate a impossibilidade de a entidade adjudicante proceder à seleção de uma proposta regular ( 8 ).

44.

Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça sublinhou igualmente que o número de participantes no procedimento de contratação pública em causa, bem como o número de participantes que interpuseram recursos e a divergência dos fundamentos invocados por estes proponentes não são pertinentes para a aplicação do princípio segundo o qual os interesses prosseguidos pelos proponentes no âmbito do recurso «de exclusão» recíprocos devem, em princípio, ser considerados equivalentes ( 9 ).

45.

Isto significa que este princípio também se aplica quando, como no processo principal, outros proponentes tenham apresentado propostas no âmbito do processo de adjudicação e os recursos «de exclusão» recíprocos não disserem respeito às propostas que obtiveram uma classificação inferior à das propostas que são objeto dos referidos «recursos de exclusão» ( 10 ). Com efeito, no caso de o recurso interposto pelo proponente afastado vir a ser julgado procedente, a entidade adjudicante pode decidir anular o procedimento e dar início a um novo procedimento de contratação pública por as restantes propostas regulares não corresponderem de forma suficiente às expectativas da entidade adjudicante ( 11 ).

46.

Em terceiro lugar, a este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, nestas condições, a admissibilidade do recurso principal não pode, sob pena de prejudicar o efeito útil da Diretiva 89/665, ser subordinada à constatação prévia de que também são irregulares todas as propostas que obtiveram uma classificação inferior à do proponente que interpôs o referido recurso ( 12 ).

47.

A importância desta questão reside no facto de que cada uma das partes no litígio tem um interesse legítimo equivalente na exclusão da proposta dos outros concorrentes. O raciocínio subjacente é o de que uma das irregularidades que justificam a exclusão tanto da proposta do adjudicatário como da proposta do proponente que contesta a decisão de adjudicação da entidade adjudicante também vicia as outras propostas apresentadas no âmbito do concurso público, o que pode conduzir a que esta deva dar início a um novo procedimento ( 13 ).

48.

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a admissibilidade do recurso principal não pode ser submetida à condição de o referido proponente fazer prova de que a entidade adjudicante será levada a repetir o procedimento de contratação pública. Deve considerar‑se que a existência de tal possibilidade é suficiente a este respeito ( 14 ).

49.

Por outras palavras, um proponente excluído de um procedimento de adjudicação de um contrato público deve ter direito de recorrer da decisão que o excluiu do procedimento de contratação bem como ter direito de recorrer de outras decisões da entidade adjudicante, desde que esses recursos possam conduzir, pelo menos teoricamente, à adjudicação do contrato ao recorrente ou a um novo procedimento de contratação ( 15 ).

50.

Se me é permitido antecipar desde já matérias abordadas no âmbito da terceira questão, entendo assim que, na medida em que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu de outra forma no caso em apreço, tal consubstancia — objetivamente falando ( 16 ) — um desrespeito não fundamentado da jurisprudência atual do Tribunal de Justiça relativa à legitimidade processual em matéria de contratação pública. Estas regras respeitantes à legitimidade processual — que são, necessariamente, amplas e liberais — prosseguem o importante objetivo de política pública que consiste em garantir que as empresas que alegam ter sido irregularmente ou injustamente excluídas do procedimento de contratação possam contestar essa decisão. As regras da contratação pública destinam‑se a garantir que o dinheiro público é distribuído de forma equitativa e que os contratos públicos são adjudicados ao abrigo de critérios objetivamente justificáveis. A errada aplicação das regras relativas à legitimidade processual não constitui, assim, simplesmente uma falha técnica ou um erro por parte de um órgão jurisdicional nacional, antes consubstanciando um erro que pode ter um impacto — por vezes significativo — na eficácia, e inclusivamente na integridade, de todo o procedimento de concurso público.

51.

É certo que o Acórdão Lombardi [que, na origem, tem ele próprio um reenvio prejudicial do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional)] foi proferido em setembro de 2019, cerca de um mês após a prolação do Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) em causa no presente processo. No entanto, na verdade, a atual jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida em processos como o Acórdão FastWeb e o Acórdão PPE já tinha dado orientações muito claras sobre esta questão geral da legitimidade processual em matéria de contratação pública. Seja como for, ainda que existisse uma dúvida real nas diferentes secções do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) a respeito da correta aplicação da jurisprudência anterior — como o Acórdão Lombardi devidamente regista ( 17 ) — este órgão jurisdicional, na qualidade de órgão jurisdicional de última instância, estava ele próprio obrigado a proceder a um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE.

B.   Contratos públicos e procedimentos de recurso em Itália

52.

De forma muito esquemática, em Itália os procedimentos de recurso no domínio dos contratos públicos são da competência dos tribunais administrativos. Existem dois níveis de jurisdição: os Tribunali Amministrativi Regionali (Tribunais Administrativos Regionais) conhecem dos litígios em primeira instância, podendo em seguida ser interposto recurso no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional).

53.

Para além desta estrutura «clássica», o artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana prevê que se pode interpor ricorso per cassazione [recursos de cassação] dos acórdãos proferidos pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), mas unicamente por fundamentos relativos à competência jurisdicional.

54.

A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) definiu recentemente no seu Acórdão n.o 6/2018 o âmbito deste recurso específico a interpor na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação). Como foi já acima exposto, segundo este acórdão, «autoridade judiciária que excede a sua competência», refere‑se exclusivamente a dois tipos de cenários: por um lado, os que se caracterizam por uma total falta de competência, ou seja, quando o Consiglio di Stato [Conselho de Estado, em formação jurisdicional], se considera competente numa área reservada ao legislador ou à administração (a designada ingerência ou usurpação), ou quando, pelo contrário, se declara incompetente na errada presunção de que a matéria em apreço não pode, de modo nenhum, ser objeto da sua fiscalização jurisdicional (a designada recusa), e, por outro lado, os cenários que se caracterizam por uma falta de competência relativa, quando um juiz administrativo se declara competente sobre uma matéria atribuída a um órgão jurisdicional diferente ou, pelo contrário, se declara incompetente na errada presunção de que outros órgãos jurisdicionais são competentes para conhecer desta matéria ( 18 ).

55.

No mesmo acórdão, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) apresentou dois esclarecimentos adicionais. Por um lado, a intervenção da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação), no âmbito do seu controlo de competência, «não pode ser justificada nem sequer em caso de violação do [direito] da União» ( 19 ). Por outro lado, «não é possível impugnar acórdãos [através desta via processual] quando um tribunal administrativo […] tenha adotado uma interpretação de uma regra processual ou substantiva de tal forma que o mérito da causa não é objeto do processo» ( 20 ).

VI. Análise

A.   Quanto à primeira questão

56.

Com a sua primeira questão, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 3, TUE, o artigo 19.o, n.o 1, TUE, o artigo 2.o, n.os 1 e 2, TFUE, e o artigo 267.o, TFUE, lidos à luz do artigo 47.o da Carta, se opõem a uma regra como a do artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana, como interpretada pelo Acórdão n.o 6/2018, segundo a qual não se pode interpor ricorso per cassazione [recurso de cassação] por fundamentos relativos à competência jurisdicional para efeitos da impugnação de acórdãos nos quais o tribunal de segunda instância tenha aplicado práticas interpretativas elaboradas a nível nacional contrárias aos acórdãos do Tribunal de Justiça, em domínios regulados pelo direito da União Europeia.

1. Quanto às disposições pertinentes para responder à primeira questão

57.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi apresentado. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Com efeito, o Tribunal tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir os litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais ( 21 ).

58.

Consequentemente, ainda que, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua primeira questão à interpretação do artigo 4.o, n.o 3, TUE, do artigo 19.o, n.o 1, TUE, do artigo 2.o, n.os 1 e 2, TFUE, e do artigo 267.o, TFUE, lidos à luz do artigo 47.o da Carta, esta circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado da sua questão. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal ( 22 ).

59.

A este respeito, à luz das informações contidas no pedido de decisão prejudicial, afigura‑se que a interpretação do artigo 2.o, n.os 1 e 2, TFUE e do artigo 267.o TFUE, não parece ser necessária para dar uma resposta útil à primeira questão prejudicial submetida, uma vez que estes artigos dizem respeito, respetivamente, às regras relativas à competência exclusiva e partilhada da União e ao mecanismo do reenvio prejudicial. Pelo contrário, importa recordar que, como decorre claramente do seu considerando 36, a Diretiva 2007/66, e por conseguinte a Diretiva 89/665 que aquela veio alterar e completar, se destina a assegurar o respeito pleno pelo direito a um recurso efetivo e o acesso a um tribunal imparcial, em conformidade com o disposto no primeiro e no segundo parágrafo do artigo 47.o da Carta ( 23 ).

60.

De igual modo, na medida em que se aplica aos Estados‑Membros, o artigo 47.o da Carta reflete o segundo parágrafo do artigo 19.o, n.o 1, TUE e concretiza o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE ( 24 ). Assim, é claro que, segundo jurisprudência constante, em primeiro lugar, «incumbe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, em aplicação do princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, assegurar a proteção jurisdicional dos direitos conferidos pelo direito da União aos particulares [e, em segundo lugar, que o] artigo 19.o, n.o 1, TUE obriga, por outro lado, os Estados‑Membros a estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva, na aceção, designadamente, do artigo 47.o da Carta, nos domínios abrangidos pelo direito da União» ( 25 ). Além disso, o Tribunal de Justiça já sublinhou que a obrigação imposta aos Estados‑Membros prevista no artigo 19.o, n.o 1, TEU «corresponde ao direito consagrado no artigo 47.o da Carta» ( 26 ).

61.

Neste contexto, uma vez que é facto assente que existe em Itália um procedimento de recurso que corre perante órgãos jurisdicionais independentes e que o debate não incide sobre o estabelecimento de uma via de recurso, mas sobre a forma como essa via de recurso é aplicada pelos órgãos jurisdicionais competentes, o artigo 4.o, n.o 3, TUE, 19.o, n.o 1, TUE também não parecem ser úteis.

62.

Por conseguinte, como sugerido pela Comissão ( 27 ), considero que a primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio deve ser entendida no sentido de que visa saber se o artigo 1.o, n.os 1, e 3, da Diretiva 89/665, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra como a do artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana, conforme interpretado pelo Acórdão n.o 6/2018, segundo a qual um ricorso per cassazione [recurso de cassação] por fundamentos relativos à competência jurisdicional não pode ser utilizado para impugnar acórdãos em que o tribunal de segunda instância tenha aplicado práticas interpretativas elaboradas a nível nacional contrárias aos acórdãos do Tribunal de Justiça, em domínios regulados pelo direito da União Europeia.

2. Quadro da análise: autonomia processual ao abrigo do artigo 47.o da Carta

63.

A obrigação de os Estados‑Membros organizarem um procedimento de recurso no domínio dos contratos públicos encontra‑se prevista no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 89/665. Em conformidade com o terceiro parágrafo desta disposição, os Estados‑Membros adotam as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24 ou da Diretiva 2014/23, as decisões das autoridades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes, e, sobretudo, tão céleres quanto possível, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito da União em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito.

64.

A este respeito, o artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 89/665 especifica apenas que os Estados‑Membros devem garantir o acesso ao recurso, de acordo com regras detalhadas que os Estados‑Membros podem estabelecer, a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação.

65.

Por outras palavras, a Diretiva 89/665 não contém disposições que regulem especificamente as condições em que se pode utilizar esse acesso ao recurso. Esta diretiva prevê apenas os requisitos mínimos que devem ser preenchidos para efeitos dos recursos interpostos nas ordens jurídicas nacionais, a fim de garantir o respeito pelas normas de direito da União em matéria de contratos públicos ( 28 ). Em qualquer caso, há que reconhecer que a Diretiva 89/665 não contém disposições específicas relativas a recursos que podem ou devem ser organizados.

66.

No entanto, num contexto em que não existe regulamentação da União na matéria, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que compete a cada Estado‑Membro definir as regras do procedimento administrativo e do processo judicial destinados a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União ( 29 ). Este respeito pela autonomia processual dos Estados‑Membros está expressamente mencionado no considerando 34 da Diretiva 2007/66 e está refletido no artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 89/665.

67.

Consequentemente, como o Tribunal de Justiça já declarou anteriormente, quando definem as regras processuais dos recursos contenciosos destinados a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos pela Diretiva 89/665 aos candidatos e aos concorrentes lesados por decisões das entidades adjudicantes, os Estados‑Membros devem garantir o respeito do direito a um recurso efetivo e ao acesso a um tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta ( 30 ).

68.

Por outras palavras, quando implementam a Diretiva 89/665, os Estados‑Membros conservam, em conformidade com a sua autonomia processual, a faculdade de adotar regras que podem revelar‑se diferentes de um Estado‑Membro para outro. Todavia, estes devem assegurar que essas regras não ponham em causa as exigências decorrentes desta diretiva, em especial quanto à proteção jurisdicional, garantida pelo artigo 47.o da Carta, que lhe está subjacente ( 31 ). Isto significa que as características de um recurso como o previsto no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 89/665 devem ser determinadas em conformidade com o artigo 47.o da Carta e não por referência aos princípios de equivalência e da efetividade, os quais apenas «exprimem a obrigação geral que impende sobre os Estados‑Membros de assegurar a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito [da União]» ( 32 ) atualmente consagrada no artigo 19.o, n.o 1, TUE e no artigo 47.o da Carta ( 33 ).

69.

Uma restrição ao direito à ação perante um tribunal na aceção do artigo 47.o da Carta que, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, só é, por conseguinte, justificada se estiver prevista na lei, se respeitar o conteúdo essencial do referido direito e se, na observância do princípio da proporcionalidade, for necessária e corresponder efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União Europeia, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros ( 34 ).

3. Aplicação dos princípios ao presente processo

70.

No presente processo, a regra em causa diz respeito à restrição do direito a interpor ricorso per cassazione [recurso de cassação] por fundamentos relativos à competência jurisdicional. No entanto, decorre de jurisprudência constante que o artigo 47.o da Carta não impõe a existência de um duplo grau de jurisdição ( 35 ). Com efeito, nos termos desta disposição, o princípio da proteção jurisdicional efetiva confere um direito de acesso a um único tribunal e não a um duplo grau de jurisdição ( 36 ).

71.

Nestas circunstâncias, o facto de o ricorso in cassazione [recurso de cassação] de que dispõe o proponente excluído ser, enquanto terceiro grau de jurisdição, limitado às questões de competência jurisdicional não pode certamente ser considerado, em si mesmo, contrário ao direito da União, ainda que se oponha à impugnação de uma decisão na qual o órgão jurisdicional de segunda instância aplicou uma interpretação do direito nacional que, objetivamente, é contrária ao direito da União.

72.

Com efeito, o direito da União, em princípio, não se opõe a que os Estados‑Membros, em conformidade com o princípio da autonomia processual, limitem ou submetam a condições os fundamentos suscetíveis de serem invocados em sede de recursos de cassação, sem prejuízo do respeito pelas garantias previstas no artigo 47.o da Carta ( 37 ). No entanto, se as regras processuais nacionais garantirem que o direito ao exame quanto ao mérito do recurso interposto pelo proponente por parte do tribunal de primeira instância e, quando aplicável, em sede de recurso, é respeitado ( 38 ), a regra processual em causa não é suscetível de prejudicar a eficácia da Diretiva 89/665 nem dos requisitos do artigo 47.o da Carta.

73.

Acrescento ainda, por uma questão de exaustividade, que, em qualquer caso, se uma regra processual como a restrição do direito de interpor o ricorso per cassazione [recurso de cassação] em causa no processo principal devesse ser considerada uma restrição do direito à ação num tribunal, na aceção do artigo 47.o da Carta, teria de se admitir que se trata de uma medida, por um lado, prevista «por lei» e, por outro, suscetível de dissuadir os recursos abusivos e de garantir a todos os particulares, no interesse de uma boa administração da justiça, que os seus recursos são tratados da forma mais célere possível, em conformidade com o disposto no artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, da Carta ( 39 ). Por fim, a regra em causa não vai além do necessário para atingir esse objetivo.

74.

O artigo 47.o da Carta exige naturalmente que seja previsto um recurso que seja eficaz tanto do ponto de vista do direito como da prática ( 40 ). No entanto, caso se verifique, por um lado, que o acesso a um «tribunal» na aceção do artigo 47.o da Carta é garantido sem dificuldades e que, por outro lado, o direito nacional confere a este «tribunal» competência para apreciar o mérito da causa — como demonstrou o Acórdão do Tribunale Amministrativo Regionale della Valle d’Aosta (Tribunal Administrativo Regional do Valle d’Aosta) no presente processo — nem a Diretiva 89/665 nem o artigo 47.o da Carta podem ser interpretados no sentido de que exigem um nível de recurso adicional para sanar a questão de uma aplicação incorreta destas regras pelo tribunal de recurso.

75.

Com efeito, como várias partes indicaram, deve perguntar‑se o que aconteceria se o órgão jurisdicional de terceira instância, por sua vez, viesse a confirmar a interpretação do órgão jurisdicional de segunda instância. O artigo 1.o, n.o 1 e n.o 3, da Diretiva 89/665, lido à luz do artigo 47.o da Carta, exigiria nesse caso que fosse organizado um quarto nível de jurisdição? Em substância, a resposta decorre desta mesma pergunta. Na minha opinião, a solução para uma aplicação incorreta do direito da União por um tribunal de última instância deve ser encontrada noutras formas processuais, como uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE ( 41 ), ou, por exemplo, uma ação do tipo Francovich ( 42 ), que ofereça a possibilidade de responsabilizar o Estado a fim de obter por essa via a proteção jurídica dos direitos dos particulares que são reconhecidos pelo direito da União ( 43 ).

4. Observações adicionais sobre a jurisprudência Francovich e sobre a necessidade de a desenvolver

76.

A este respeito, há que reconhecer que, na audiência, muito se debateu sobre as vias de recurso às quais a Randstad poderia ter lançado mão nas presentes circunstâncias, uma vez que podemos afirmar que a decisão que veio a ser concretamente tomada pelo próprio Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) — que negou provimento ao recurso por motivos de legitimidade processual — parece ter poucos defensores.

77.

Na audiência, foi sugerido que a Randstad podia invocar o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 89/665, que prevê a concessão de indemnizações por violações ao procedimento de concurso. Embora, em rigor, não seja necessário decidir este aspeto, parece‑me que esta disposição se refere simplesmente à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para concederem indemnizações com base numa responsabilidade objetiva relativa a violações das regras de adjudicação de contratos por parte de uma entidade adjudicante, situação que é distinta da aplicação errada do direito da União em matéria de contratos públicos por parte de um órgão jurisdicional. Para além disso, foi referido que o Estado italiano pode eventualmente ser responsabilizado no âmbito de um pedido de indemnização por danos do tipo Francovich decorrente de uma violação originada na não aplicação do direito da União pelo sistema judicial desse Estado.

78.

A este respeito, há que salientar que as circunstâncias precisas pelas quais o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) se pronunciou contra a Randstad neste ponto não são totalmente claras. Na hipótese de a Randstad vir posteriormente a intentar outras ações, caberá ao órgão jurisdicional nacional competente verificar e apreciar as razões pelas quais o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) parece não ter aplicado a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça relativa à legitimidade processual em matéria de contratos públicos ou, se este órgão jurisdicional tivesse dúvidas, por não ter submetido (na sua qualidade de órgão jurisdicional de última instância) o correspondente reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE. É possível que haja uma explicação para a decisão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) nesta matéria.

79.

No entanto, gostaria de aproveitar esta oportunidade para salientar que, em minha opinião, à luz dos requisitos do artigo 47.o da Carta, chegou o momento de olhar com outros olhos para a jurisprudência Francovich, havendo, se necessário, que a desenvolver à luz deste último artigo. Resulta claramente do Acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79) (a seguir «Acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame») que os Estados‑Membros são responsáveis por ressarcir uma violação suficientemente caracterizada do direito da União quando da sua parte tenha havido uma «violação manifesta e grave […] dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação» ( 44 ).

80.

Todavia, a dificuldade em aplicar este critério na prática reside no facto de os erros manifestos dos Estados‑Membros (incluindo disfuncionamentos jurisdicionais) poderem demasiado frequentemente e talvez demasiado facilmente ser desculpados pelo facto de terem sido cometidos de boa‑fé ou por serem desculpáveis à luz das circunstâncias ou, em qualquer caso, por não serem «manifestos e graves». Considerações de cortesia judicial ou de respeito pelas veneráveis instituições jurisdicionais nacionais não devem, no entanto, gerar hesitação para qualificar tais erros como «manifestos e graves» na aceção do Acórdão Brasserie du pêcheur, já referido, quando tal se justifique. Uma vontade ou propensão para desculpar erros manifestos e graves de um Estado‑Membro quando aplica o direito da União, diminuindo a gravidade de tais erros, constitui em si mesma uma negação clara a um recurso efetivo aos litigantes ao abrigo do artigo 47.o da Carta, sobretudo quando, considerada de forma objetiva, a não aplicação do direito da União claramente estabelecido não pode ser realisticamente justificada nem desculpada. Embora a discussão do âmbito do Acórdão Francovich nunca esteja, necessariamente, longe no presente processo, a questão deverá, no entanto, aguardar por uma resolução numa fase posterior, uma vez que não foi diretamente suscitada no presente processo.

81.

Ao mesmo tempo, qualquer vontade de desculpar os erros dos Estados‑Membros mais não será do que uma mera consolação para um litigante se a própria possibilidade de intentar uma «ação tipo Francovich» for, na prática, excessivamente difícil. Isto pode resumir‑se dizendo que embora a não uma aplicação correta, por um órgão jurisdicional de recurso de cujas decisões não se pode interpor recurso, da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça não constitua ela própria fundamento para uma ação de indemnização por motivo de «violação manifesta e grave», será então necessário que esses critérios — que, afinal, são anteriores à entrada em vigor da Carta — sejam eles próprios aperfeiçoados. Para que a promessa do artigo 47.o da Carta não seja vã, parece‑me então que da não aplicação, no caso em apreço, por um órgão jurisdicional de última instância, de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça deve resultar uma responsabilização do Estado‑Membro em causa do tipo Francovich. Em todo o caso, o Tribunal de Justiça declarou que, tendo um órgão jurisdicional nacional violado o direito da União «com desrespeito manifesto pela jurisprudência do Tribunal de Justiça», tal sugere, por si só, uma violação suficientemente caracterizada ( 45 ).

82.

Tudo isto faz me remete para a história de Sherlock Holmes e do cão que não ladrou ( 46 ). De certa forma, é a ausência geral de jurisprudência nesta matéria que é reveladora ( 47 ). Tal pode ser considerado, em si mesmo, como um indício de que estes erros e incumprimentos são, na prática, muito facilmente desculpados e que para muitos, cujos direitos da União não foram garantidos, uma ação do tipo Francovich continua a ser mais uma ilusão do que uma realidade. Esta é uma razão adicional pela qual os critérios «grave e manifesto» consagrados no Acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame poderão ter de ser reapreciados, para que o direito da União seja aplicado com o grau de rigor adequado pelo poder judicial dos Estados‑Membros, ainda que também devam ser tidos em consideração os fatores específicos identificados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513) a respeito da responsabilidade por erro judiciário, a saber, «a especificidade da função jurisdicional», bem como as exigências de segurança jurídica ( 48 ). Ora, a jurisprudência Francovich é, por assim dizer, um cão que deve ser autorizado a ladrar porque é precisamente esse latido que deve servir para nos avisar que os direitos que o direito da União pretendeu garantir e proteger estão a ser comprometidos — por vezes silenciosamente — por um erro judiciário nacional.

83.

A isto pode acrescentar‑se que, no contexto particular de uma violação em matéria de contratos públicos, seria um tanto incongruente que a Diretiva 89/665 previsse uma forma de responsabilidade estrita por motivo de erro da entidade adjudicante, embora em simultâneo a responsabilidade por erro judiciário nacional relativamente a qualquer recurso relativo ao procedimento de concurso devesse permanecer num nível especialmente elevado.

84.

Da minha parte, no entanto, penso que o direito conheceu uma certa evolução desde o Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513). À luz da posterior entrada em vigor do artigo 47.o da Carta, considero que, pelas razões já expostas, é ainda necessário examinar se o erro judiciário em causa era objetivamente desculpável. Se tal análise não for efetuada, existirá um risco real de que a aplicação dos critérios previstos no Acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, tornem, na prática, o ressarcimento dos danos do tipo Francovich por erro judiciário excessivamente difícil, de modo que só em circunstâncias muito especiais esses requisitos de responsabilidade podem estar preenchidos.

5. Conclusão sobre a primeira questão

85.

Em resumo, considero por conseguinte que o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665, lido à luz do artigo 47.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regra como a do artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana, como interpretado pelo Acórdão n.o 6/2018, segundo a qual um ricorso in cassazione [recurso de cassação] por fundamentos relativos à «falta de competência jurisdicional» não pode ser utilizado para impugnar acórdãos nos quais um órgão jurisdicional de segunda instância tenha aplicado práticas interpretativas elaboradas a nível nacional mas que são objetivamente contrárias aos acórdãos do Tribunal de Justiça, em domínios regulados pelo direito da União Europeia.

86.

A solução relativa à aplicação incorreta do direito da União por um órgão jurisdicional de última instância deve ser encontrada noutras formas processuais, como seja uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, ou a possibilidade de responsabilizar o Estado a fim de obter proteção jurídica dos direitos reconhecidos pelo direito da União.

B.   Quanto à segunda questão

87.

Com a sua segunda questão, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 3, TUE, o artigo 19.o, n.o 1, TUE, e o artigo 267.o, TFUE, lidos à luz do artigo 47.o da Carta, se opõem a que as regras relativas ao ricorso per cassazione [recurso de cassação] por «fundamentos relativos à competência jurisdicional» sejam interpretadas e aplicadas no sentido de que um ricorso per cassazione [recurso de cassação] nas Secções Reunidas da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) não pode ser interposto como meio de impugnação de um acórdão no qual o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) não procedeu, injustificadamente, ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, num caso em que não estejam reunidos os requisitos que isentam um órgão jurisdicional nacional de tal obrigação, conforme enumerados pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81 EU:C:1982:335).

88.

A ideia subjacente a esta questão é a de que não se pode impedir um órgão jurisdicional nacional, ainda que temporariamente, de proceder a um reenvio prejudicial, uma vez que tal teria por efeito usurpar a competência exclusiva do Tribunal de Justiça para interpretar o direito da União de forma correta e vinculativa, prejudicando assim a aplicação uniforme e a proteção jurisdicional efetiva dos direitos de que os particulares gozam ao abrigo do direito da União.

89.

Antes de mais, há que observar que a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) suscita uma questão adicional na parte introdutória do pedido de decisão prejudicial relativa à segunda questão, a qual acaba por não figurar no texto final da questão colocada. Com efeito, resulta do n.o 50 do pedido de decisão prejudicial que a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação), para além da questão formalmente submetida, também se interroga sobre a abordagem segundo a qual ela própria não pode proceder diretamente a um pedido de decisão prejudicial.

90.

Dado que esta problemática não figura na questão que veio a ser colocada, serei breve. Além disso, a resposta a esta questão não me parece suscitar dúvidas. Com efeito, é jurisprudência constante que o artigo 267.o TFUE confere aos órgãos jurisdicionais nacionais uma faculdade muito ampla de submeterem pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça quando considerem que um processo que perante si se encontra pendente suscita questões para as quais é exigida a interpretação ou a apreciação da validade das disposições do direito da União necessárias para a resolução do litígio que lhes foi submetido ( 49 ). Consequentemente, sendo a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) chamada validamente a decidir, as regras processuais nacionais não violam a competência nem as obrigações que incumbem a este órgão jurisdicional por força do artigo 267.o TFUE ( 50 ).

91.

Posto isto, e passando agora à segunda questão expressamente submetida, não creio que as regras processuais nacionais, como a regra em causa, que limitam o ricorso per cassazione [recurso de cassação] às questões de competência, devam necessariamente, para serem compatíveis com o direito da União, ser interpretadas no sentido de que permitem que seja interposto ricorso per cassazione [recurso de cassação] quando um órgão jurisdicional de primeira instância ou um órgão jurisdicional cujas decisões não são suscetíveis de recurso judicial nos termos do direito nacional não submeta uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

92.

Com efeito, uma vez que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais aplicar o direito da União, é a estes que incumbe necessariamente a primeira tarefa de interpretação. Como o Tribunal de Justiça já declarou anteriormente, os órgãos jurisdicionais nacionais desempenham, em colaboração com o Tribunal de Justiça, uma função que lhes é atribuída em comum, para assegurar o respeito pelo direito na interpretação e na aplicação dos Tratados ( 51 ). Resulta do sistema jurisdicional implementado pelos Tratados — em especial, do artigo 4.o, n.o 3, TUE, do artigo 19.o, n.o 1, TUE, e do artigo 267.o, TFUE a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere — que o Tribunal de Justiça não tem o monopólio da interpretação do direito da União, tendo antes uma competência exclusiva para dar a interpretação definitiva do referido direito ( 52 ).

93.

A obrigação, constante do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não são suscetíveis de recurso, inscreve‑se no âmbito da cooperação, instituída com o objetivo de garantir a correta aplicação e a interpretação uniforme do direito da União no conjunto dos Estados‑Membros, entre os órgãos jurisdicionais nacionais, na sua qualidade de juízes incumbidos da aplicação do direito da União, e o Tribunal de Justiça ( 53 ).

94.

O que o artigo 267.o TFUE permite é, assim, instituir um diálogo entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros ( 54 ). Como já foi recordado nas presentes conclusões, segundo jurisprudência constante, esta disposição confere aos órgãos jurisdicionais nacionais uma faculdade muito ampla de submeterem um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal se considerarem que um processo que perante eles se encontra pendente suscita questões que exigem uma interpretação ou uma apreciação da validade das disposições do direito da União necessárias para a resolução do litígio que lhes foi submetido ( 55 ). Cumpre ainda recordar que, em conformidade com o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, um órgão jurisdicional nacional cuja decisão não é suscetível de recurso judicial de direito interno está, em princípio, obrigado a recorrer ao Tribunal de Justiça, quando uma questão relativa à interpretação do direito da União seja perante si suscitada ( 56 ).

95.

Neste contexto específico de cooperação instituído pelo artigo 267.o TFUE, o que é assim proibido é que uma regra de direito nacional impeça um órgão jurisdicional nacional de fazer uso da referida faculdade ou de dar cumprimento à referida obrigação ( 57 ). Por outras palavras, o requisito mínimo é que o órgão jurisdicional designado pelo sistema processual nacional para se pronunciar sobre questões relacionadas com o direito da União — como, neste caso, os Tribunali Amministrativi Regionali (Tribunais Administrativos Regionais) e o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) no domínio dos contratos públicos — tenha a possibilidade, se não mesmo a obrigação, de proceder a um reenvio prejudicial. Se for esse o caso, cabe unicamente ao juiz nacional, que é chamado a conhecer do litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a proferir, apreciar, tendo em conta as particularidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para estar em condições de proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça ( 58 ). Para resumir, como o advogado‑geral M. Bobek precisou recentemente, a lógica da jurisprudência do Tribunal de Justiça neste domínio consiste apenas em garantir que as regras processuais nacionais não impeçam que sejam suscitadas questões de direito da União, podendo ser apresentado um pedido de decisão prejudicial independentemente da fase do processo ( 59 ).

96.

No entanto, como se verá na minha análise à terceira questão colocada pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação), embora seja claro que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) devia ter submetido uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça se tivesse tido alguma dúvida sobre o âmbito de aplicação do artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665, como anteriormente interpretado pelo Tribunal de Justiça, há que referir que não existia, ainda assim, nenhuma norma processual nacional que o impedia de iniciar esse diálogo com o Tribunal de Justiça.

97.

Na minha opinião, do facto de não ter submetido um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça pode, por conseguinte, resultar uma ilegalidade substantiva (devido à aplicação errada do direito da União que foi erradamente interpretado pelo órgão jurisdicional nacional) e/ou uma ilegalidade processual (devido à não submissão de um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça embora o órgão jurisdicional em causa estivesse obrigado a fazê‑lo), mas tal não deve ser considerado como sendo uma questão de competência na aceção do artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana. Como indiquei no final da minha análise da primeira questão prejudicial, ainda que estas soluções não sejam as ideais, a resposta a uma aplicação errada do direito da União por um órgão jurisdicional de última instância — e, aqui acrescento, incluindo as obrigações decorrentes ao abrigo do artigo 267.o TFUE — deve ser encontrada noutras formas processuais, como sejam uma ação por incumprimento ou a possibilidade de responsabilizar o Estado a fim de obter a proteção jurídica dos direitos dos particulares.

98.

Com efeito, atendendo ao papel essencial desempenhado pelo poder judicial na proteção dos direitos que as regras do direito da União conferem aos particulares, como já indiquei, a plena eficácia destas seria posta em causa e a proteção dos direitos que as mesmas reconhecem ficaria diminuída se os particulares não pudessem, em certas condições, ser ressarcidos quando os seus direitos são lesados por uma violação do direito da União imputável a uma decisão de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que se pronuncia em última instância ( 60 ).

99.

Por conseguinte, na sequência do anteriormente exposto, chego à conclusão de que o artigo 4.o, n.o 3, TUE, o artigo 19.o, n.o 1, TUE, e o artigo 267.o TFUE, lidos à luz do artigo 47.o da Carta, não se opõem a que as regras relativas a um ricorso per cassazione [recurso de cassação] por fundamentos relativos à competência jurisdicional sejam interpretadas e aplicadas de forma a impedir a interposição de um ricorso per cassazione [recurso de cassação] nas Secções Reunidas da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) que tenha por objetivo impugnar um acórdão no qual o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) não submeteu, sem fundamento, um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça.

C.   Quanto à terceira questão

100.

Com a sua terceira questão, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) pergunta, em substância, se a interpretação do artigo 1.o, n.os 1 e 3, e do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 89/665, conforme alterada pela Diretiva 2007/66, que decorre dos Acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2013, Fastweb (C‑100/12, EU:C:2013:448), de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675), se aplica ao processo principal.

101.

A este respeito, segundo jurisprudência constante, a justificação para submeter um pedido de decisão prejudicial não pode consistir na formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas na sua necessidade inerente para a resolução efetiva de um litígio relativo ao direito da União ( 61 ).

102.

No entanto, tendo em conta que cheguei à conclusão, em relação à primeira questão prejudicial submetida, de que a restrição da competência da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) prevista no artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana, como interpretado no Acórdão n.o 6/2018, não é contrária ao artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665 nem ao artigo 47.o da Carta, o órgão jurisdicional de reenvio não deve ser competente para examinar, no processo principal, o âmbito de aplicação da Diretiva 89/665. Não obstante, proponho que esta questão seja tomada em consideração na eventualidade de o Tribunal de Justiça decidir de forma diferente.

103.

Recorde‑se que, no processo principal, a Randstad contestou a sua exclusão de um procedimento de concurso público e a adjudicação do contrato a outra empresa. Todavia, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) examinou apenas o fundamento com base no qual a Randstad contestou a pontuação atribuída à sua proposta técnica — que era inferior ao «limite mínimo» — e examinou de forma prioritária os recursos subordinados interpostos pela entidade adjudicante e pela empresa adjudicatária. Deu provimento a estes recursos subordinados, não tendo apreciado quanto ao mérito os outros fundamentos do recurso principal que contestavam o resultado do procedimento de concurso público por razões diferentes das relativas à pontuação atribuída à sua proposta técnica.

104.

Já expus, nas observações preliminares das presentes conclusões, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao âmbito da obrigação de prever um recurso, constante do artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665, no contexto específico de um recurso subordinado interposto pelo adjudicatário. Nesta fase, pode assim afirmar‑se que o critério decisivo para determinar a obrigação que incumbe a um órgão jurisdicional de examinar o recurso da recorrente é o de que cada uma das partes no processo tenha um interesse legítimo na exclusão das propostas apresentadas pelos outros concorrentes. Isto significa que não pode ser afastada a possibilidade de que uma das irregularidades que justificam a exclusão tanto da proposta do adjudicatário como da proposta do proponente que contesta a decisão da entidade adjudicante também vicie as outras propostas apresentadas no âmbito do procedimento de concurso, o que pode conduzir a entidade adjudicante a ter de lançar um novo procedimento ( 62 ).

105.

O Tribunal de Justiça foi particularmente claro quanto a este aspeto: «a admissibilidade do recurso principal não pode, sob pena de prejudicar o efeito útil da Diretiva 89/665, ser subordinada à constatação prévia de que também são irregulares todas as propostas que obtiveram uma classificação inferior à do proponente que interpôs o referido recurso [nem] à condição de o referido proponente fazer prova de que a entidade adjudicante será levada a repetir o procedimento de contratação pública. Deve considerar‑se que [a] existência de tal possibilidade é suficiente a este respeito» ( 63 ). Ao proponente cuja proposta tenha sido excluída pela entidade adjudicante de um procedimento de adjudicação de um contrato público só pode ser recusado o acesso a um recurso da decisão de adjudicação do contrato público se a decisão de exclusão desse proponente tiver sido confirmada por uma decisão que adquiriu força de caso julgado antes de o órgão jurisdicional que conhece do recurso da decisão de adjudicação do contrato ter proferido a sua decisão, pelo que esse proponente deve ser considerado definitivamente excluído do procedimento de adjudicação do contrato público em causa ( 64 ).

106.

No processo principal, em primeiro lugar, é facto assente que a Randstad ainda não tinha sido definitivamente excluída do procedimento de concurso quando interpôs o seu recurso no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional). Em segundo lugar, resulta do pedido de decisão prejudicial que a Randstad invocou, como um dos fundamentos para a sua readmissão no concurso público, a ilegalidade da nomeação e da composição da comissão responsável pela avaliação económica. Contudo, se tais irregularidades viessem a ser comprovadas, justificariam a exclusão tanto da proposta do adjudicatário como da proposta do proponente que impugna a decisão da entidade adjudicante e viciariam também as outras propostas apresentadas no âmbito do concurso público, o que poderia levar a entidade adjudicante a ter de lançar um novo procedimento.

107.

Nestas circunstâncias, parece‑me certo que o princípio estabelecido e confirmado pela jurisprudência referida pelo órgão jurisdicional de reenvio era aplicável ao processo principal. O Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) estava, assim, obrigado a reconhecer o interesse da Randstad em impugnar, tanto em primeira instância como em sede de recurso, a regularidade do procedimento e, por conseguinte, a decisão de adjudicação do contrato ou, a título subsidiário, em caso de dúvida, a submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a matéria.

VII. Conclusão

108.

Por conseguinte, à luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) do seguinte modo:

1)

O artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada, nomeadamente, pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regra como a do artigo 111.o, oitavo parágrafo, da Constituição italiana, como interpretado pelo Acórdão n.o 6/2018, segundo o qual um ricorso in cassazione [recurso de cassação] por fundamentos relativos à competência jurisdicional não pode ser utilizado para impugnar acórdãos nos quais um órgão jurisdicional de segunda instância tenha aplicado práticas interpretativas elaboradas a nível nacional contrárias aos acórdãos do Tribunal de Justiça, em domínios regulados pelo direito da União Europeia.

A solução relativa à aplicação errada do direito da União por um órgão jurisdicional de última instância deve ser encontrada noutras formas processuais, como sejam uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, ou a possibilidade responsabilizar o Estado a fim de obter proteção jurídica dos direitos reconhecidos aos particulares pelo direito da União.

2)

O artigo 4.o, n.o 3, TUE, o artigo 19.o, n.o 1, TUE, e o artigo 267.o TFUE, lidos à luz do artigo 47.o da Carta, não se opõem a que as regras relativas a um ricorso per cassazione [recurso de cassação] por fundamentos relativos à competência jurisdicional sejam interpretadas e aplicadas de forma a impedir a interposição de um ricorso per cassazione [recurso de cassação] nas Secções Reunidas da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) que tenha por objetivo impugnar um acórdão no qual o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) não submeteu, sem fundamento, um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça.

A título subsidiário,

3)

A interpretação do artigo 1.o, n.os 1 e 3, e do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 89/665, conforme alterada pela Diretiva 2007/66, que decorre dos Acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2013, Fastweb (C‑100/12, EU:C:2013:448), de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675) aplica‑se ao processo principal no qual a decisão de excluir o proponente excluído não fora confirmada por uma decisão com força de caso julgado no momento em que o órgão jurisdicional que conheceu do recurso relativo à adjudicação do contrato proferiu a sua decisão e em cujo âmbito esse proponente invocou um fundamento que poderia levar a entidade adjudicante a ter de lançar um novo procedimento.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) JO 1989, L 395, p. 33.

( 3 ) JO 2007, L 335, p. 31.

( 4 ) Acórdão de 18 de janeiro de 2018, n.o 6/2018 (ECLI:IT:COST:2018:6).

( 5 ) Acórdão n.o 6/2018, n.o 15 [tradução inglesa disponível no sítio Internet da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional)]. https://www.cortecostituzionale.it/documenti/download/doc/recent_judgments/Sentenza%20n.%206%20del%202018%20red.%20Coraggio%20EN.pdf.

( 6 ) V., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2013, Fastweb (C‑100/12, EU:C:2013:448, n.o 25); de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 23), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 22).

( 7 ) V., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 27), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 23).

( 8 ) V., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2013, Fastweb (C‑100/12, EU:C:2013:448, n.o 33); de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 24), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 24).

( 9 ) V., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 29), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 30).

( 10 ) V., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 26).

( 11 ) V., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 28).

( 12 ) V., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 29).

( 13 ) V., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 28), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 27).

( 14 ) V., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 29).

( 15 ) V., neste sentido, Ginter, C., Väljaots, T., «Excluded Tenderer’s Access to a Review in a Public Procurement Procedure», European Procurement & Public Private Partnership Law Review, 2018/4, p. 301 a 306, em especial p. 303.

( 16 ) V., a este respeito, a reserva constante do n.o 78 das presentes conclusões.

( 17 ) V., a este respeito, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.os 13 a 19).

( 18 ) V., neste sentido, Acórdão n.o 6/2018, n.o 15 (versão inglesa). V. endereço do sítio Internet na nota 5 das presentes conclusões.

( 19 ) Acórdão n.o 6/2018, n.o 14.1 (versão inglesa). V. endereço do sítio Internet na nota 5 das presentes conclusões.

( 20 ) Acórdão n.o 6/2018, n.o 17 (versão inglesa). V. endereço do sítio Internet na nota 5 das presentes conclusões.

( 21 ) V., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, Ruska Federacija (C‑897/19 PPU, EU:C:2020:262, n.o 43).

( 22 ) V., neste sentido, Acórdãos de 19 de novembro de 2020, 5th AVENUE Products Trading (C‑775/19, EU:C:2020:948, n.o 34), e de 22 de abril de 2021, PROFI CREDIT Slovakia (C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 50).

( 23 ) V., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o. (C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 45).

( 24 ) Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston nos processos apensos Star Storage e o. (C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:307, nota de rodapé n.o 32).

( 25 ) Acórdão de 14 de junho de 2017, Online Games e o. (C‑685/15, EU:C:2017:452, n.o 54, o sublinhado é meu). V. também Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 143).

( 26 ) Acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár (C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 58). O sublinhado é meu. V. também, neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 44).

( 27 ) Observações escritas da Comissão, n.os 35 e 39.

( 28 ) V., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe (C‑620/17, EU:C:2019:630, n.o 52).

( 29 ) V., por exemplo, no que respeita à Diretiva 89/665, Acórdão de 12 de março de 2015, eVigilo (C‑538/13, EU:C:2015:166, n.o 39).

( 30 ) V., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o. (C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 46).

( 31 ) V., neste sentido, em relação à Decisão‑quadro do Conselho 2002/584/JAI, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑quadro do Conselho 2009/299/JAI, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24), Acórdão de 10 de março de 2021, PI (C‑648/20 PPU, EU:C:2021:187, n.o 58).

( 32 ) Acórdão de 15 de abril de 2008, Impact (C‑268/06, EU:C:2008:223, n.o 47). V. também Acórdãos de 18 de março de 2010, Alassini e o. (C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 49), e de 14 de setembro de 2016, Martínez Andrés e Castrejana López (C‑184/15 e C‑197/15, EU:C:2016:680, n.o 59).

( 33 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Hochtief (C‑300/17, EU:C:2018:405, n.os 32 a 35).

( 34 ) V., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o. (C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 49).

( 35 ) V., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2018, Gnandi (C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 57), e de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 34). Pode ainda acrescentar‑se que, até à presente data, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), não cria nem impõe a existência de um direito a um duplo grau de jurisdição, pelo menos em matérias civis.

( 36 ) V., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e Abril García (C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 36); de 11 de março de 2015, Oberto e O’Leary (C‑464/13 e C‑465/13, EU:C:2015:163, n.o 73); de 19 de junho de 2018, Gnandi (C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 57); de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 34), e de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão (C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 51).

( 37 ) V., neste sentido (no que se refere aos princípios da efetividade e da equivalência e não ao artigo 47.o da Carta), Acórdão de 17 de março de 2016, Bensada Benallal (C‑161/15, EU:C:2016:175, n.o 27).

( 38 ) Sobre este requisito, v. Acórdão de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 33).

( 39 ) V., neste sentido (em relação a uma garantia de boa conduta), Acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o. (C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 54). A este respeito, há que recordar que, o Tribunal de Justiça interpreta o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665 no sentido de que impõem aos Estados‑Membros a obrigação de tomarem as medidas necessárias para assegurar que as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes no âmbito dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos possam ser objeto de recursos eficazes e, especialmente, que sejam tão céleres quanto possível, pelo facto de tais decisões terem violado o direito da União em matéria de contratos públicos ou as normas nacionais de transposição deste direito (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de março de 2015, e Vigilo, C‑538/13, EU:C:2015:166, n.o 50; de 15 de setembro de 2016, Star Storage o., C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 39, e de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe, C‑620/17, EU:C:2019:630, n.o 50).

( 40 ) V., neste sentido (sobre os artigos 6.o e 13.o, CEDH), Varga, Z., «National Remedies in the Case of Violation of EU Law by Member State Courts», CML Rev., 2017, vol. 54, p. 52 a 80, em especial. p. 75.

( 41 ) V., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Comissão/França (Imposto sobre os rendimentos mobiliários retido na fonte) (C‑416/17, EU:C:2018:811).

( 42 ) Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428).

( 43 ) V., neste sentido, Acórdãos de 4 de março de 2020, Telecom Itália (C‑34/19, EU:C:2020:148, n.os 67 a 69), e Acórdão de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe (C‑620/17, EU:C:2019:630, n.o 64).

( 44 ) Acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame (n.o 55).

( 45 ) V., neste sentido, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 56), e de 25 de novembro de 2010, Fuß (C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 52).

( 46 ) «Estrela de Prata» («The Adventure of the Silver Blaze» no original), em Conan Doyle, A., «As memórias de Sherlock Holmes» («The Memoirs of Sherlock Holmes» no original) (Londres, 1892).

( 47 ) V., em geral, Beutler, B., «State Liability for Breaches of Community Law by National Courts: Is the Requirement of a Manifest Infringement of the Applicable Law an Insurmountable Obstacle?», CML Rev, 46, 2009, p. 773 a 787.

( 48 ) V., neste sentido, Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 53).

( 49 ) V., neste sentido, entre outros, Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Cartesio (C‑210/06, EU:C:2008:723, n.o 88); de 15 de janeiro de 2013, Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.o 64), e de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 91 e jurisprudência referida).

( 50 ) V., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi (C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 32). O facto de se poder considerar que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) e a Corte suprema di Cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) estão ambos obrigados a apresentar reenvios prejudiciais ao Tribunal de Justiça em aplicação do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE no mesmo litígio não é um problema. Pelo contrário, nesta situação, se um órgão jurisdicional como o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) não apresentar um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, então caberá a um órgão jurisdicional como as Câmaras Reunidas da Corte suprema di Cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) submeter, ele próprio, a questão ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, num contexto em que dois órgãos jurisdicionais estão suscetíveis de ser obrigados a apresentar reenvios prejudiciais ao Tribunal de Justiça, Acórdão de 4 de novembro de 1997, Parfums Christian Dior, C‑337/95, EU:C:1997:517, n.o 30).

( 51 ) V., neste sentido, Parecer 1/09 (Acordo de criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.o 69), e Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 33).

( 52 ) V., neste sentido, Parecer 1/17 de 30 de abril de 2019 (EU:C:2019:341, n.o 111).

( 53 ) V., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335, n.o 7), e de 9 de setembro de 2015, X e van Dijk (C‑72/14 e C‑197/14, EU:C:2015:564, n.o 54).

( 54 ) V., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 90).

( 55 ) V. jurisprudência referida na nota de rodapé n.o 49.

( 56 ) V., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 43). V., também, noutra formulação, Acórdãos de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 32), e de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 92).

( 57 ) V., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.os 32 e 33), e de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 93).

( 58 ) V., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, X e van Dijk (C‑72/14 e C‑197/14, EU:C:2015:564, n.o 57).

( 59 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑561/19, EU:C:2021:291, n.o 27).

( 60 ) V., neste sentido, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 33), e de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o. (C‑160/14, EU:C:2015:565, n.o 47).

( 61 ) V., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, A e o. (C‑70/18, EU:C:2019:823, n.o 73).

( 62 ) V., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 28), e de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 27).

( 63 ) Acórdão de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 29). O sublinhado é meu.

( 64 ) V., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, Lombardi (C‑333/18, EU:C:2019:675, n.o 31 e jurisprudência referida).